A busca por uma explicação das transformações que ocorrem na sociedade brasileira por meio de obras literárias consagradas não é algo novo. Da mesma forma, não é recente a tentativa de conceituar o que é, de fato, literatura e quais elementos são necessários em um texto para que ele seja considerado literário.
É sabido que a Literatura desempenha um papel social e culturalmente importante como manifestação artística. Através do registro da realidade ou mesmo da ficção, ela pode levar os leitores a reflexões profundas, a uma reavaliação de suas próprias vidas e até mesmo a uma recriação da realidade à sua volta. Isso significa que a Literatura, ao provocar a reflexão, também responde a algumas de nossas inquietações por meio de construções simbólicas, preservando a linguagem e a cultura de um povo.
Isso ocorre porque, ao entrarmos em contato com nossa história por meio da Literatura, temos a oportunidade de refletir, criticar, emocionar-nos e compreender melhor o presente, o passado e o futuro. Ao conhecer nossa própria identidade, podemos até mesmo (re)construí-la.
Dessa forma, "O Mulato" emerge como uma representação importante da história, da sociedade e da cultura maranhense e nacional do século XIX. O impacto provocado por essa obra não se limita apenas à época de sua publicação, mas perdura até os dias de hoje, graças à vitalidade dos significados elaborados e redimensionados ao longo do tempo. (GOFFREDO, 2016).
Além disso, a riqueza de "O Mulato" não se restringe à sua linguagem, mas, sobretudo, à sua forte crítica social. Através de personagens estereotipados, Aluísio Azevedo aborda temas como o preconceito racial, a predominância da igreja católica, a limitação do papel da mulher como submissa, o desejo sexual intenso e o provincianismo. É a combinação de todos esses fatores sociais que leva os personagens a um processo de degradação e a um destino trágico.
A relação intrínseca entre educação, sociedade e práticas educativas torna-se evidente quando exploramos a importância da obra "O Mulato" de Aluísio Azevedo. Nossa sociedade é moldada pela educação, e a literatura desempenha um papel fundamental nesse processo. Ao inserir essa obra nos currículos escolares, não apenas oferecemos aos estudantes a oportunidade de conhecer a rica história e cultura do Brasil, mas também os capacitamos a refletir sobre questões complexas, como o racismo, a opressão e a transformação social.
A educação não é apenas um meio de transmitir conhecimento; é uma ferramenta poderosa para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. "O Mulato" não se limita a ser uma peça literária; é um espelho da nossa história, um convite à reflexão e um veículo para a mudança. Ao estudar essa obra, os alunos não apenas compreendem as origens de muitos dos desafios sociais que ainda enfrentamos hoje, mas também se tornam agentes de transformação que podem contribuir para a prevenção da disseminação do racismo e da injustiça em nossa sociedade.
Portanto, ao integrar obras literárias como "O Mulato" em nosso sistema educacional, não apenas promovemos o aprendizado acadêmico, mas também capacitamos os jovens a se tornarem cidadãos críticos e engajados, capazes de enfrentar os desafios de nossa sociedade em constante evolução. A educação, quando aliada à literatura que aborda questões sociais, torna-se uma força transformadora que molda não apenas o indivíduo, mas também o futuro de nossa nação, criando uma sociedade mais justa, inclusiva e consciente de sua história.
2 O Mulato E As Questões Raciais No Século XIX
O romancista Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo nasceu em 1857, em São Luís do Maranhão, e é considerado o pioneiro do naturalismo no Brasil. Sua jornada literária teve início em São Luís, com a publicação, em 1879, do romance "Uma lágrima de mulher".
Naquela época, a maioria dos jornais apresentava folhetins, e foi em um deles que Aluísio começou a divulgar suas primeiras obras. Inicialmente, eram trabalhos mais modestos, escritos com o único objetivo de garantir sua sobrevivência. No entanto, com o tempo, uma nova preocupação surgiu: a observação e análise dos agrupamentos humanos, a degradação das casas de pensão e sua exploração por imigrantes, em especial os portugueses. Dessa inquietação resultaram duas de suas obras-primas: "Casa de pensão" (1884) e "O cortiço" (1890).
O romance "O Mulato", por sua vez, foi publicado em 9 de abril de 1881 e marcou o cenário literário brasileiro como um dos pilares do movimento naturalista. A obra causou um verdadeiro alvoroço na sociedade maranhense, tanto pela sua linguagem crua e naturalista quanto pelo tema abordado: o preconceito racial (CANDIDO E CASTELLO, 1976, p.97, apud GOFREEDO, 2016). Goffredo afirma ainda que o movimento Naturalista é uma ramificação do Realismo que busca analisar cientificamente o comportamento e a natureza das personagens, considerando fatores de ordem biológica e sociológica que condicionam a vida humana.
O Naturalismo consolida-se em uma reação social, com ataques a instituições e figuras, a usos e costumes. Daí o feitio polêmico, que o distingue do Realismo, e lhe dá, às vezes, um acentuado conteúdo político. Enquanto o Realismo buscava um registro fiel da realidade, o Naturalismo tomava uma atitude revolucionária, denunciando aquilo que, na sociedade do tempo, reclamava reforma ou destruição. (MONTELLO, 1969, p.66, apud GOFFREDO, 2016, p.8).
Assim, podemos afirmar que algumas características essenciais de uma obra pertencente a esse movimento incluem a busca por fatos reais, analisados com base na observação e documentação científica. Além disso, ao retratar os personagens, o naturalismo procura apresentá-los com total franqueza, fazendo críticas objetivas e sem idealizações românticas.
A publicação de "O Mulato" gerou grande polêmica, recebendo tanto críticas quanto elogios. Segundo o historiador Daniel Precioso (2011, p. 2), antes mesmo da publicação do livro, uma acalorada disputa ocorreu na imprensa entre o jornal "O Pensador" e o clero maranhense, devido a ataques ao clero presentes nos textos publicados.
Dessa forma, podemos perceber que "O Mulato" é um reflexo do contexto social da época em que foi escrito, mas seu significado transcende seu contexto inicial. A seguir, discutiremos a representatividade de marcas como o conservadorismo, os entraves morais e sociais, o domínio da religião, a regulação da sexualidade e, sobretudo, o preconceito racial para a história.
Por meio de seus personagens, Azevedo conseguiu impactar muitas pessoas que se viam espelhadas neles. Para criticar os bispos católicos, ele criou o personagem do cônego Diogo, um homem cruel, assassino e descompromissado com a batina. Para destacar o sofrimento dos negros diante dos maus-tratos a que eram submetidos, o autor criou a personagem Domingas. Por outro lado, criou Quitéria para mostrar a crueldade dos senhores em relação aos escravos. As mulheres, obrigadas a viverem conforme as regras sociais impostas, são representadas por Ana Rosa, enquanto Manuel Pescada reflete os grandes comerciantes portugueses preocupados unicamente em manter sua posição econômica e social. (ROCHA, 2016, p.19).
Essa análise das personagens revela a maestria de Aluísio Azevedo em retratar os aspectos mais sombrios da sociedade da época, dando voz aos marginalizados e expondo as contradições de uma sociedade fortemente estratificada. Essa capacidade do autor de trazer à tona questões sociais profundas e muitas vezes incômodas contribuiu para a relevância duradoura de sua obra e sua importância no estudo da literatura brasileira e da história social.
Desta forma, o romance desvenda uma narrativa envolvente da história de amor proibido entre os personagens Raimundo e Ana Rosa. Esta última, uma jovem branca, filha de um comerciante português, desfrutava de uma educação primorosa na cidade de São Luís, onde aprendeu francês, a tocar piano e a habilidade de fazer bordados refinados. Raimundo, por sua vez, filho de um fazendeiro português e de uma escrava, teve a oportunidade de uma educação em Lisboa e explorou diversos países europeus durante suas viagens. No entanto, ao retornar ao Maranhão, devido à sua condição de mulato, enfrentou o preconceito e a discriminação racial, sendo assim impedido de vivenciar um relacionamento amoroso com Ana Rosa. (AZEVEDO, 1990).
Conforme destacado por Goffredo (2016, p. 51), para Aluísio Azevedo, a escravidão era uma vergonha para o Brasil, e a luta contra ela só poderia ser efetiva por meio da transformação da mentalidade coletiva. Portanto, o enfoque central abordado em "O Mulato" não reside apenas na escravidão em si, mas nas profundas consequências que ela gerava na vida das pessoas naquela província, nas estruturas familiares, nos negócios e no comportamento da sociedade como um todo.
Outra observação de Goffredo é que os personagens desempenham um papel fundamental no tratamento das questões raciais. Através deles, Aluísio Azevedo aborda o problema sob duas perspectivas distintas: a dos maranhenses defensores da escravidão e o ponto de vista dele, representado pelo personagem Raimundo. Isso significa que, para os primeiros, a escravidão era vista como necessária, pois consideravam os escravos como preguiçosos, bêbados, ladrões e pervertidos, acreditando que constituíam um exemplo deplorável para as famílias. (GOFFREDO, 2016, p. 51).
Um exemplo desse pensamento pode ser percebido no trecho a seguir, no qual o comerciante português Manuel Pescada, pai de Ana Rosa, conversa com o cônego Diogo sobre a chegada do mulato Raimundo à província.
— Agora... acrescentou o outro, o melhor seria que ele se tivesse feito padre. O cônego despertou.
— Padre?!
— Era a vontade do José...
— Ora, deixe-se disso! retrucou Diogo, levantando-se com ímpeto. Nós já temos por aí muito padre de cor!
— Mas, compadre, venha cá, não é isso...
— Ora o quê, homem de Deus! É só ser padre! é só ser padre! E no fim de contas estão se vendo, as duas por três, superiores mais negros que as nossas cozinheiras! Então isto tem jeito?... O governo e o cônego inchava as palavras o governo devia até tomar uma medida séria a este respeito! devia proibir aos cabras certos misteres!
— Mas, compadre...
— Que conheçam seu lugar! E o cônego transformava-se ao calor daquela indignação.
— E então, parece já de pirraça, bradou, é nascer um moleque nas condições deste... E mostrava a carta, esmurrando-a pode contar-se logo com um homem inteligente! Deviam ser burros! burros! que só prestassem mesmo para nos servir! Malditos!
— Mas, compadre, você desta vez não tem razão...
— Ora o quê, homem de Deus. Não diga asneiras! Pois você queria ver sua filha confessada, casada, por um negro? você queria seu Manuel que a Dona Anica beijasse a mão de um filho da Domingas? Se você viesse a ter netos queria que eles apanhassem palmatoadas de um professor mais negro que esta batina? Ora, seu compadre, você às vezes até me parece tolo! Manuel abaixou a cabeça, derrotado. (AZEVEDO, 1990, p. 28).
De maneira geral, os negros são retratados de maneira extremamente negativa ao longo do romance. Podemos perceber que a posição atribuída aos negros era sempre de submissão aos brancos, e quando não eram apresentados como figuras frágeis e preguiçosas, eram frequentemente representados como vândalos e seres desumanos. Quanto mais distantes da civilização, mais perigosos pareciam ser. Isso fica evidente no caso dos quilombolas no romance, retratados como indivíduos sem rumo, agindo por instinto e associados ao medo e à morte.
Não é tão infundado aquele terror: o sertão da província está cheio de mocambeiros, onde vivem os escravos fugidos com suas mulheres e seus filhos, formando uma grande família de malfeitores. Esses desgraçados, quando não podem ou não querem viver da caça, que é por lá muito abundante e de fácil venda na vila, lançam-se à rapinagem e atacam na estrada os viajantes; travando-se, às vezes, entre uns e outros, verdadeiras guerrilhas, em que ficam por terra muitas vítimas. (AZEVEDO, 1990, p. 51).
Além disso, a superstição atribuída aos escravos neste romance é retratada como algo maligno e imoral. Isso está de acordo com o objetivo dos romances naturalistas de teor abolicionista, que buscavam mostrar a suposta má influência dos negros nas famílias brancas. A personagem negra Mônica, que servia como "ama de leite" de Ana Rosa e que perdeu sua mãe quando ainda era muito jovem, é descrita por Aluísio Azevedo como uma mulher gorda que usava um cordão no pescoço, com um crucifixo de metal, uma pequena prata no valor de 200 réis, uma semente de cumaru, um dente de cachorro e um pedaço de lacre incrustado em ouro (AZEVEDO, 1990, p. 89).
De acordo com os personagens negros em "O Mulato", embora eles estejam presentes em todas as partes do romance, sempre aparecem subordinados a algum personagem branco, e não há diálogo entre os escravos discutindo suas vidas, costumes ou defendendo a causa dos escravos (GOFFREDO, 2016, p. 57). Por outro lado, a figura fundamental de Raimundo traz a impressão do autor sobre o intenso preconceito racial da época. Apesar de não ser escravo, as únicas vozes no texto que se manifestam contra a escravidão e o preconceito racial pertencem a ele, que também não é branco, mas faz parte desse mundo.
Vejamos o trecho que revela a angústia de Raimundo ao compreender suas origens e o motivo pelo qual lhe foi negada a possibilidade de casar-se com sua amada.
— Mulato!
Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada no momento em que Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam sobre os seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença, discutiam questões de raça e de sangue; a razão pela qual D. Amância lhe oferecera um espelho e lhe dissera: Ora mire-se! a razão pela qual, diante dele, chamavam de meninos aos moleques da rua. Aquela simples palavra dava-lhe tudo o que ele até aí desejara e negava-lhe tudo ao mesmo tempo, aquela palavra maldita dissolvia as suas dúvidas, justificava o seu passado; mas retirava-lhe a esperança de ser feliz, arrancava-lhe a pátria e a futura família; aquela palavra dizia-lhe brutalmente: Aqui, desgraçado, nesta miserável terra em que nasceste, só poderás amar uma negra da tua laia! Tua mãe, lembra-te bem, foi escrava! E tu também o foste. (AZEVEDO, 1990, p. 208).
Nesse contexto, podemos perceber a marca do Naturalismo, definida pelas regras do jogo social a que pertence. Mesmo Raimundo, sendo uma pessoa ética, inteligente e estudiosa, um homem de negócios com possibilidades reais de ascensão, não conseguiu se destacar diante da sociedade. O fato de ser fruto de uma relação entre um senhor e sua escrava levou o pai de Ana Rosa, que temia a vergonha associada ao casamento e a continuidade de seus negócios, a negar a mão de sua filha e a tentar afastar o mulato do Maranhão. Assim, sua vida foi profundamente afetada pelo preconceito enraizado na estrutura da sociedade escravista.
Raimundo, portanto, representa a mestiçagem que caracteriza o Brasil, um país que, embora tenha sido embranquecido ao longo do tempo, ainda carrega em sua genética traços de sua diversidade racial. Além de suas qualidades físicas, como os olhos azuis, a estatura alta e a elegância, Raimundo ostenta o título de doutor em direito. Isso talvez nos leve a entender que a vitória de Raimundo sustenta a ideia de que a diferença entre brancos e mulatos está na posição marginalizada deste último. No entanto, essa distinção não é baseada em mérito, mas sim nas limitações impostas por uma sociedade preconceituosa e estratificada.
3 A Questão Étnico-Racial No Contexto Da Sala De Aula
Sabemos que a escola, como instituição, tem o papel de contribuir na formação dos cidadãos e assegurar o direito à educação a todos os brasileiros. Ao mesmo tempo, deve ser uma aliada na luta contra qualquer forma de discriminação ou exclusão, pois entendemos que formar bons cidadãos, apesar de não ser uma tarefa simples, é fundamental.
O ambiente escolar constitui um ambiente propício para fomentar a conscientização acerca das disparidades étnicas e raciais desde os estágios iniciais do desenvolvimento educacional. Mediante a implementação de estratégias pedagógicas, a realização de debates em sala de aula e a disponibilização de materiais didáticos apropriados, os discentes têm a oportunidade de adquirir conhecimentos acerca da diversidade étnico-racial, bem como de internalizar a relevância do respeito mútuo e engajar-se ativamente na desconstrução de estereótipos prejudiciais. A literatura, portanto, aparece nesse cenário como uma estratégia utilizada para estimular atitudes mais inclusivas e o respeito às diferenças. Destacam-se debates, o reconhecimento de situações discriminatórias, bem como a incorporação de narrativas que abordem a figura do negro como protagonista.
Desta forma, podemos afirmar que a leitura e a escrita estão intimamente relacionadas e que para se fazer uma leitura efetiva é necessário a compreensão daquilo que se lê, ou seja, é preciso relacionar o “conhecimento de mundo” com o que o texto oferece. É preciso existir criticidade para poder avaliar e compreender o que o amontoado de palavras simboliza. (ROJO, 2009).
Ainda, de acordo com Rojo (2009) não podemos acreditar que é somente papel da escola alfabetizar e letrar o indivíduo, pois o letramento é uma prática que está além da sala de aula, está presente em diversas situações em que vivemos diariamente como, por exemplo, quando nos dispomos a opinar sobre determinada situação que nos incomoda ou nos favorece, desenvolvendo assim nossa criticidade. Mas podemos ver o espaço escolar como um ambiente favorável ao debate sobre as diferenças e, principalmente, à construção do conhecimento sobre elas, com o intuito de cultivar a tolerância, é que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à diversidade.
A partir do livro "O Mulato", inferimos que o sistema escravista termina, mas a exclusão do negro não. Segundo Santos e Godoy (2014, p. 5), a Lei nº 10.639/03 indica um modelo educacional que prioriza a diversidade cultural viva na sociedade brasileira e na sala de aula, de modo que as ideias sobre reconhecimento, respeito à pluralidade cultural, democracia e cidadania prevaleçam em todas as relações que envolvem a Educação e a comunidade escolar, desde o processo de formulação de políticas educacionais, elaboração de currículos escolares e formação de docentes até as atividades pedagógicas metodológicas e o acolhimento de educandos.
Dessa forma, vemos a obra aqui discutida como um bom material a ser abordado no contexto da sala de aula, como referência para compreender a história e também como meio de levar os educandos a refletirem sobre as consequências que o preconceito causa na vida das pessoas e na sociedade. O livro permite que o professor possa abordar muitas outras temáticas que também estão fortemente presentes na obra.
A formação de docentes desempenha um papel de relevância central na abordagem da problemática étnico-racial no contexto da sala de aula. A preparação dos educadores deve contemplar a capacitação para lidar com temáticas correlatas à diversidade étnica e racial, compreender de que modo tais temáticas impactam os estudantes, e habilitar os docentes a facilitar diálogos construtivos e produtivos acerca do assunto.
É perceptível o esforço dos professores em desenvolver e estimular a criticidade em seus alunos, mesmo sabendo que nos dias atuais isso se torna cada vez mais desafiante. Quanto mais cedo o aluno compreende a importância da leitura para sua compreensão do mundo como ser pensante, melhor será o seu desenvolvimento em todos os aspectos políticos, sociais e culturais da vida. Como afirmou Brydon (2011):
O mundo contemporâneo requer habilidades de letramento avançadas e isto inclui a capacidade de pensar criticamente, incluindo contextualização, análise, adaptação, tradução de informação e interação entre os indivíduos dentro e além de sua comunidade. (BRYDON, 2011, p.105, apud SANTOS & IFA, 2013).
É com esse pensamento que buscamos na literatura de Azevedo sugerir pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas com o objetivo de promover a educação étnico-racial positiva. Tais práticas visam fortalecer a consciência negra entre os negros e despertar a consciência racial entre os brancos. Além disso, a busca pela interação com textos como "O Mulato" diariamente permite ao leitor identificar elementos ou problemas comuns que refletem sua própria realidade, elementos ou problemas esses que somente serão detectáveis por meio de posturas mais inovadoras na leitura.
Quando o contexto de combate ao racismo e à discriminação é levado para dentro da sala de aula, ou, de forma um pouco mais ampla, para o contexto escolar, a obra "O Mulato" se mostra promissora. No entanto, é necessário que seja feito algo bem elaborado, que tenha verdadeiramente significado. Assim como abordado no trabalho desenvolvido por Jorge (2016), que trabalhou a prevenção às práticas racistas na escola, com turmas do 6º ano do ensino fundamental, utilizando músicas, especialmente dos gêneros Rap, Funk e Hip-hop, também é possível utilizar de forma direta a obra literária "O Mulato".
Uma das formas pelas quais essa obra pode ser trabalhada no contexto escolar é por meio da elaboração de projetos integradores, nos quais se cria uma interdisciplinaridade e se insere essa obra como base para discussões e reflexões entre os alunos. (MUNANGA, 2005).
3.1 Promovendo a Interdisciplinaridade e a Conscientização Social por Meio de 'O Mulato': Uma Abordagem Qualitativa Bibliográfica
A literatura, ao longo da história, tem sido uma poderosa ferramenta para explorar questões sociais, culturais e éticas. No Brasil, a obra "O Mulato" de Aluísio Azevedo emerge como um tesouro literário que não apenas nos transporta para o século XIX, mas também nos oferece uma oportunidade única de promover a interdisciplinaridade no ambiente educacional contemporâneo. Este romance não apenas nos permite explorar a trama envolvente e os personagens memoráveis, mas também nos convida a uma jornada que abrange várias disciplinas, como História, Sociologia, Língua Portuguesa, Artes, Geografia, Educação e muito mais.
Lopes (2002) conduziu uma análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais direcionados ao Ensino Médio, na qual identificou uma relação estreita entre o conceito de interdisciplinaridade e o de contextualização. Essa associação emerge em uma abordagem que se caracteriza pela fusão de diversas correntes pedagógicas e pela preeminência de preocupações econômicas em detrimento de uma formação cultural mais abrangente.
Já na mais recente Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio, observa-se uma ênfase considerável na dimensão interdisciplinar do currículo, particularmente no que se refere às “formas de organização interdisciplinar dos componentes curriculares” (BRASIL, 2018, p. 16). Essa organização se concretiza por meio da criação de áreas de conhecimento, em contraposição à tradicional divisão em disciplinas, ainda que esse modelo enfrente desafios decorrentes das propostas relacionadas aos itinerários formativos, que, em alguns casos, não incluem a ciência como tema obrigatório.
Pensando em algumas das disciplinas da base vejamos a seguir possibilidades de abordar a temática da obra:
História e Sociologia: Ao explorar o contexto histórico do Brasil do século XIX por meio de "O Mulato", os alunos têm a oportunidade de compreender as raízes do preconceito racial e da estratificação social. Isso não apenas enriquece seu conhecimento histórico, mas também os capacita a analisar as implicações dessas questões na sociedade contemporânea.
Língua Portuguesa e Artes: A análise literária detalhada da obra, incluindo personagens, enredo e simbolismo, aprimora as habilidades de leitura crítica e interpretação de texto. Além disso, a integração das representações visuais da época, como pinturas e ilustrações, oferece uma visão mais ampla das influências culturais e artísticas do Brasil do século XIX.
Geografia: Através da exploração da geografia do Maranhão, onde a história se passa, os alunos podem entender como o ambiente geográfico influencia a cultura e as interações sociais dos personagens. Isso também estimula discussões sobre como a geografia molda as sociedades em todo o mundo.
Educação e Ética: "O Mulato" oferece uma oportunidade única de discutir a importância da literatura na educação e como as obras literárias podem ser usadas para promover a compreensão de questões sociais e éticas. Os alunos podem refletir sobre as implicações do preconceito racial e da discriminação em nossa sociedade e considerar como a educação pode ser uma ferramenta para superar esses problemas.
Educação Étnico-Racial: A obra também pode ser usada para abordar questões de identidade étnico-racial e diversidade cultural. Isso ajuda os alunos a compreenderem as complexidades das relações raciais e culturais no Brasil e a promover a tolerância e o respeito à diversidade.
Arte e Teatro: Explorar representações visuais da época e até mesmo encenar trechos da obra em sala de aula estimula a criatividade e o entendimento das conexões entre literatura e arte.
Além disso, pode ser uma abordagem interessante para o ensino de inglês como língua estrangeira, especialmente para estudantes avançados ou aqueles que desejam explorar a literatura brasileira em um contexto de aprendizado de idioma, fomentando a compreensão literária e a conscientização social.
Assim como múltipla, precisamos considerar e alertar que a literatura é também uma prática situada. Isso significa que ela não está imune ao contexto onde se insere, uma vez é também formada pelos eventos econômicos, políticos, culturais, entre outros que interferem não só na elaboração, mas também na leitura do texto literário, realizada por indivíduos de diversas esferas sociais e pontos de vistas que convergem e divergem o tempo todo, tornando os textos obras abertas ao constante diálogo. Dessa forma, devemos reforçar que os textos literários não se sustentam sozinhos, pelo contrário, eles também se fazem e refazem na interação com o leitor, também transformado pela leitura. (ATAIDE, 2018 p.51).
Promover o letramento literário envolve guiar os leitores na exploração das possibilidades que se desdobram ao se envolverem com textos literários. Esse processo ocorre com uma dose de liberdade, uma vez que os leitores podem selecionar o caminho que desejam seguir. No entanto, é importante notar que, devido às influências de suas vivências e experiências, embora a escolha dos percursos seja livre, ela não é arbitrária. Pensando nisso, vejamos algumas das possibilidades de trabalhar o texto de Azevedo pensando também na língua estrangeira.
Contextualização e Tradução: O primeiro passo é mergulhar na língua inglesa a partir da tradução. Estudantes podem ler trechos selecionados da obra em português e, em seguida, traduzi-los para o inglês. Essa abordagem ajuda a desenvolver habilidades de tradução e compreensão textual, ao mesmo tempo que introduz vocabulário e estruturas gramaticais em contexto.
Análise de Vocabulário e Gramática: Explorar o vocabulário e a gramática utilizados na obra em inglês é fundamental para o entendimento completo da narrativa. Este processo destaca palavras e estruturas gramaticais específicas que são relevantes para o contexto histórico e cultural da história, ao mesmo tempo que fortalece a competência linguística dos estudantes.
Discussões e Debates em Inglês: Promover discussões em inglês sobre os temas abordados em "O Mulato", como racismo, identidade racial e questões sociais, é uma estratégia que estimula a prática da expressão oral. Além disso, isso possibilita uma análise crítica em inglês dos temas apresentados na obra, estimulando a consciência crítica.
Análise Literária e Escrita Criativa: Conduzir análises literárias em inglês, explorando elementos como personagens, enredo, simbolismo e estilo de escrita, permite que os alunos pratiquem a análise crítica e a escrita em inglês. Além disso, os estudantes podem se engajar em atividades de escrita criativa, como a criação de continuations (é uma atividade comum em aulas de língua estrangeira, onde os alunos podem praticar suas habilidades de escrita, criatividade e compreensão da língua ao criar novos desdobramentos para uma história já existente) ou adaptações da história em inglês, estimulando a criatividade e a expressão escrita na língua estrangeira.
Apresentações e Projetos em Inglês: Preparar apresentações em inglês sobre tópicos relacionados à obra, como o autor Aluísio Azevedo, o contexto histórico ou as questões raciais, contribui para o desenvolvimento das habilidades de expressão oral e comunicação dos alunos. Além disso, pode ser uma oportunidade para explorar as implicações contemporâneas dos temas abordados na obra.
A partir disso, podemos dizer que "O Mulato" não é apenas um romance envolvente, mas também uma ferramenta educacional valiosa que pode ser usada para promover a interdisciplinaridade e a conscientização social. Ao integrar várias disciplinas, essa abordagem não apenas enriquece o aprendizado dos alunos, mas também os prepara para compreender e abordar questões complexas em nossa sociedade em constante evolução. Portanto, é crucial que aproveitemos essa oportunidade para tornar a educação mais significativa e impactante, capacitando nossos alunos a se tornarem cidadãos críticos e conscientes.
Primeiramente é importante relembrar da importância da utilização do método qualitativo bibliográfico nesta pesquisa, por desempenhar um papel de destaque na conclusão deste artigo, que se propôs a explorar os "Impactos da Literatura Brasileira na Conscientização e Combate ao Racismo: Uma Análise de "O Mulato" de Aluísio Azevedo". Ao longo deste estudo, ficou evidente a relevância desse método para a pesquisa, uma vez que ele contribuiu de maneira significativa para a compreensão abrangente e aprofundada do tema em questão. (ALVES, 2015).
O método qualitativo bibliográfico permitiu a construção de uma sólida base teórica, fundamental para a análise da literatura brasileira e sua relação com a conscientização e o combate ao racismo. Através da revisão crítica de fontes diversas, como livros, artigos acadêmicos e documentos históricos, pôde-se estabelecer um quadro teórico sólido que embasou as discussões ao longo do artigo.
Além disso, a contextualização histórica foi outra contribuição significativa desse método. Ao situar a obra "O Mulato" de Aluísio Azevedo no contexto do Brasil do século XIX, foi possível entender as condições sociais, políticas e culturais que moldaram as questões raciais da época. Isso enriqueceu a análise, permitindo uma compreensão mais profunda dos impactos da literatura na conscientização dessas questões.
A análise de impacto social também se beneficiou do método qualitativo bibliográfico. Através da revisão crítica de fontes, foi possível identificar como a obra de Aluísio Azevedo foi recebida pela sociedade, seu impacto na opinião pública e se desencadeou debates ou mudanças na percepção do racismo. Essa análise de recepção e impacto social enriqueceu a compreensão do papel da literatura na conscientização e combate ao racismo.
Além disso, o método qualitativo bibliográfico permitiu a identificação de perspectivas divergentes e a rastreabilidade da evolução do debate sobre a obra de Aluísio Azevedo, enriquecendo o discurso e o avanço do conhecimento sobre o tema. Levando em consideração que o professor é aquele que media o conhecimento e possibilita a abertura de janelas para a imaginação e novas criações, dando a oportunidade aos seus alunos de crescerem sendo criativos, dinâmicos e críticos, exercendo esses valores na sua vida prática e, por consequência, na sua sociedade, acreditamos ser fundamental trabalhar essas diferenças, valorizar a presença da cultura negra e romper estereótipos que descaracterizam o negro, colocando-o em segundo plano.
Vimos que a literatura de Aluísio Azevedo oferece uma oportunidade única de explorar as complexidades das identidades raciais e étnicas. Raimundo, o protagonista mulato da obra, é um exemplo de como as pessoas eram categorizadas e discriminadas com base em sua ascendência racial. Essa categorização arbitrária e injusta é um ponto de partida para discussões sobre como as identidades raciais são construídas e como podem ser desconstruídas. A partir dele, os alunos podem ser incentivados a refletirem sobre suas próprias identidades e como elas são moldadas pela sociedade em que vivem.
Outro aspecto importante a ser abordado em sala de aula é a representatividade. A literatura, quando bem escolhida, pode oferecer aos alunos modelos de personagens negros que não se limitam a estereótipos. Em "O Mulato", vemos personagens complexos e multifacetados, como Raimundo e Domingas, que desafiam as expectativas raciais da sociedade da época. Esses personagens podem também inspirar os alunos a questionarem estereótipos e a reconhecer a diversidade de experiências dentro da comunidade negra.
Além disso, a leitura crítica de "O Mulato" pode abrir espaço para discussões sobre a importância da representatividade negra na literatura contemporânea. Os alunos podem ser incentivados a buscar obras de autores negros brasileiros e de outras origens que abordem questões raciais de maneira mais atual. Isso ajuda a ampliar a perspectiva dos alunos sobre a literatura e a mostrar que a representatividade é um elemento fundamental para a construção de uma sociedade mais inclusiva.
Portanto, a obra "O Mulato" de Aluísio Azevedo oferece uma base sólida para discutir a questão étnico-racial no contexto da sala de aula. Ela não apenas aborda as complexidades do preconceito racial no Brasil, mas também permite que os alunos explorem questões de identidade, representatividade e a importância da diversidade na literatura. Ao utilizar essa obra como ponto de partida, os educadores podem desempenhar um papel fundamental na formação de cidadãos conscientes e engajados na luta contra o racismo e pela promoção da igualdade racial.
ALVES, C. S. Revisão Bibliográfica: Importância E Métodos Aplicados À Administração. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em Administração de Empresas) - Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2015.
ATAIDE, D. P. Leitura De Textos Literários Nas Aulas De Língua Inglesa: Uma Proposta Didática Para A Educação Básica. Dissertação (Mestrado em Letras). Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.
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