Introdução
Levando em consideração o discurso como um conjunto sócio-histórico e o sujeito como alguém que o profere e sente, será discutido como o machismo chega à sala de aula a partir de crenças limitadoras de gêneros. Para isso, usou-se das perspectivas metodológicas de estudiosos como Cisne (2015), Orlandi (1999), Araújo (2015), Bonetti (2011), Castañeda (2006), Silva e Mendes (2015), Rocha (2016) e Klein (2021).
Para a construção do artigo, é preciso enfatizar que se achou necessário dividi-lo em quatro partes. Na primeira, aponta-se que o machismo está, de maneira geral, presente em várias instâncias sociais, inclusive nas escolas, limitando professoras e alunas. Será apontado, assim, que ele existe a partir de crenças patriarcais que inferiorizam a mulher e trazem que o homem é o detentor do poder e do conhecimento, um ser escolhido para ser superior às componentes do sexo oposto. Além disso, aponta-se que a mulher também acaba se tornando um sujeito que profere este discurso, violentando a si mesma e aos seus filhos de maneira inconsciente. Dito isso, será abordada a importância do professor reconhecer quando este discurso é reproduzido em sala de aula pelos alunos a partir de uma formação social que é adquirida por eles principalmente em casa, tudo isso com o objetivo de destacar que a escola, instância que garante a aprendizagem e é uma das grandes desenvolvedora do senso crítico, deve trazer meios para que o aluno não expanda o discurso machista, mas que o transforme em dizeres que contemplem a igualdade de gênero.
Portanto, será trazido à tona o machismo estrutural que faz com que a mulher se violente e acabe propagando dizeres que a coloca em posição inferior, enquanto mulher, para seus filhos, os quais absorvem e levam também de forma inconsciente para a escola. Assim as mães acabam ensinando também as suas filhas que elas devem ser submissas aos homens, e os filhos a tratarem mulheres de forma inferior.
Além disso, será trazido que o discurso machista tem como impulsionador os dogmas cristãos repassados pela igreja, destacando que a mulher é o fruto da desgraça do mundo e do homem, a grande difusora do pecado; e colocando o homem como um ser imaculado, que foi enganado pela mulher. Fazendo com que a mulher se sinta culpada e o homem seja visto como aquele que pode tratá-la de forma punitiva sempre que achar necessário.
Também foi trazido o quanto até hoje às mulheres possuem seus direitos negados, pois, além de serem estupradas, não possuem de fato domínios sobre seus próprios corpos.
Na segunda parte, é discutida a importância de mostrar aos alunos sobre como o discurso machista não é absoluto e pode ser transformado pelos sujeitos, apontando assim que a igualdade de gênero pode ser realidade um dia na sociedade. Além disso, é reforçado novamente que o professor deve saber reconhecer quando os alunos trazem, a partir das suas vivências, este tipo de dizer para a sala de aula, e, assim, usar de metodologias para reverter a situação, mostrando a eles que a sociedade como um todo é vítima do machismo, mas que as mulheres sofrem mais do que qualquer outro ser com as suas consequências, sendo violentadas e tendo seus direitos constitucionais negados e violados. Assim, será reforçada a importância da escola como instância influenciadora do aguçamento do senso crítico e transformadora do discurso machista, apontando que os educadores devem trazer para a sala de aula leituras que coloquem as mulheres no mesmo patamar social masculino. Por fim, visa-se também, a partir deste trabalho, apontar o quanto é contraditório que as mulheres ainda sejam vítimas do machismo em um espaço que um dia não foi delas, e que elas tiveram que lutar para conquistar: a escola.
Na terceira parte, são trazidas considerações finais sobre tudo que foi discutido durante a construção do trabalho e na quarta e última parte serão apresentadas as referências que o embasaram.
Antes de começar a de fato apresentar as partes mencionadas, é de extrema importância que o leitor entenda o porquê da importância de escolher falar sobre a mulher e o discurso machista que a fere na sociedade como um todo. Tratar sobre este assunto é uma forma de apoiar lutas travadas por elas contra opressores, instâncias de poder e principalmente contra si mesmas. Não é fácil ser violentada e julgada a todos os momentos e em quase todos os lugares só por ser mulher. Ela é a definição de um ser que não desistiu de buscar seus direitos por séculos mesmo quando as batalhas pareciam estar perdidas. Ser mulher não é apenas sinônimo de força, na verdade, é isso somado à inteligência, astúcia e sagacidade. O mundo é marcado por gerações femininas que não param de sonhar com o dia que não precisarão mais temer andar nas ruas sem correrem o risco de serem mortas ou estupradas; o dia que poderão vestir as roupas que se sentirem confortáveis sem que sexualizem seus corpos; o dia que vão respeitar suas opiniões da mesma maneira que respeitam as dos homens; o dia que vão confiar de fato em seus trabalhos porque elas também são capazes intelectualmente de fazê-los; o dia que não vão mais pensar em comprá-las com flores, joias ou sexo depois de violentá-las, espancá-las, agredi-las; ou o dia em que não vão mais debochar de suas faces por optarem seguir suas vontades. A única coisa que elas querem de fato é respeito em casa, na rua, no trabalho ou em qualquer lugar que cheguem ou habitem. As mulheres possuem vozes, mas ainda não são ouvidas.
Origem do discurso machista e como ele chega à sala de aula
Assim como se mostra presente em todas as instâncias sociais, não é de se assustar que o machismo também esteja presente nas escolas, entre alunos, professores, diretores e coordenadores, atingindo a todos e principalmente às mulheres. As regras patriarcais se sustentam em um discurso que foi formado por ideais que inferiorizam o gênero feminino quando comparado ao masculino. As mulheres, assim como todos que vivem em sociedade acabam expandindo estes dizeres por vezes sem saber que está a violentar a si mesma.
Sobre o patriarcado e suas marcas na sociedade, CISNE (2015, p. 64) traz que:
O poder hegemônico do patriarcado nas relações sociais vigentes permite que o mesmo se efetive até na ausência do homem, uma vez que as mulheres, também, incorporam-no e o reproduzem, seja entre si ou na educação de seus filhos e filhas. Isso não ocorre devido à concordância ou à conivência consciente das mulheres, mas devido ao fato do patriarcado funcionar como um sistema regido pelo medo e embebido de ideologia, concretizado em uma sociedade permeada por relações de alienação.
As mulheres não reproduzem o machismo de forma consciente, tudo isso é fruto do dizer, afinal “quando nascemos os discursos já estão prontos e acabados, e nós é que entramos nesse processo” (Orlandi, pág 33). Assim, o discurso não é inédito. Tudo que elas ouviram durante toda a vida em vários locais socais, inclusive em casa e na escola, tomaram para si. Quando um professor ouve de uma criança insinuações machistas, infere-se que o discurso também é reprodução do que vem de casa, e não se deve culpar a mãe pela educação ou a criança por reproduzir o que lhe foi ensinado. O machismo é fruto de uma junção sócio-histórica, ou seja, o que é dito agora, já foi dito antes e assim sucessivamente. Assim, muitas mulheres ainda acreditam que "toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Agradá-los, ser-lhes úteis, fazer-se amar e honrar por eles, criá-los, cuidar deles depois de crescidos, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida agradável e suave " (PERROT apud ROUSSEAU, 2007, p.92). Foi ensinado às mulheres que elas deveriam cuidar dos homens e aos homens foi ensinado que não deviam respeitar as mulheres, já que eles deviam estar no controle de tudo e não elas.
Sobre a situação que a mulher vivencia há séculos, sendo ela violentada pelo sexo oposto, e sobre seu corpo ter sido ensinado que deve agir da mesma forma violenta e machista diante dos seus filhos, prática que é exercida de maneira inconsciente e naturalizada, Klein traz que:
vivencia como algo “natural” o fato de ser reduzida em relação ao gênero masculino, mesmo que ocupe um cargo superior por exemplo, seja independente financeiramente ou mesmo sendo a única responsável pela renda familiar é ela quem será contestada sobre a casa, sobre filhos, sobre o seu companheiro (Klein, 2021).
Levando em consideração a situação reforçada por Klein, sobre a situação das mulheres no trabalho e em casa, é indubitável é que as escolas expandam o discurso machista também, já que este ambiente deve ser berço da transformação do discurso, através do desenvolvimento do senso crítico. Sabe-se que todo ambiente possui regras, e não é diferente que as escolas tenham as suas, mas não é igualitário ditar que a aluna ou a professora, na escola, não podem se vestir como quiserem ou que elas devam se comportar de forma diferente dos alunos ou professores.
A vestimenta discreta e adequada, ou seja, o tamanho dos decotes, o comprimento das saias e shorts ou o uso de camisões ou blusas maiores por cima de calças legging ou outras roupas que destaquem muito a silhueta feminina geralmente é cobrada das professoras por parte dos gestores, e na maioria dos casos quando a equipe gestora é formada exclusivamente por homens. (ARAÚJO, 2015, p. 15).
Infelizmente, até o que a mulher deve vestir é ditado pelos homens. Há séculos o gênero feminino vive sob estereótipos que inferioriza a mulher e a coloca dentro de um padrão que viola seu corpo, seus sentimentos e quem ela é. É dito o que a mulher deve e o que não deve fazer na escola, em casa, no trabalho e em qualquer lugar social que seu corpo se faça presente. Ela é tratada de forma diferente dos homens, e quando se opõe a isso é dada como louca. Não é raro que se veja por aí mulheres se culpando por coisas que não são somente suas responsabilidades, mas mesmo assim elas se sentem no dever de se justificar o tempo todo para os homens e para elas mesmas:
O sistema patriarcal, portanto, ao estabelecer dois setores no social, estava criando um processo de diferenciação sexual, ligado à expressão do “natural”. Ser homem, neste sistema, passa a ser sinônimo de razão, criação, autoridade, poder, e ser mulher, limitada a seu destino biológico, significa ser mãe, esposa, dedicada, cuidando de todos, das crianças, dos velhos, das famílias e dos doentes. Ou, caso recuse estas funções, ela passa a ser considerada prostituta, ou “histérica”, ou autoritária, ou masculinizada. (2011, p.86) –
Enquanto criança, as meninas são ensinadas que mulheres devem se responsabilizar pelos afazeres da casa, devem cozinhar bem, limpar a morada, inclusive a bagunça que os homens fazem, e a se portar como uma dama, caso contrário, ouvem que nunca vão arrumar um bom marido, como se elas precisassem de um homem para protegê-las, guiá-las ou comandá-las.
Concomitantemente, os homens são ensinados que não devem chorar e que devem frear as suas mulheres, afinal “o sistema de valores de gênero e sexualidade na nossa sociedade atribui um valor negativo menor àquilo que é considerado feminino, criando discriminação contra as mulheres.” (BONETTI, 2011, p. 94). É ensinado que tudo que vem da mulher deve ser passado pelos homens para que eles avaliem e aprovem.
O machismo, que tanto violenta as mulheres, possui ideais formados que são repassados de geração para geração:
O machismo pode ser definido como um conjunto de crenças, atitudes e condutas que repousam sobre duas ideias básicas: por um lado, a polarização dos sexos, isto é, uma contraposição do masculino e do feminino segundo a qual são não apenas diferentes, mas mutuamente excludentes; por outro, a superioridade do masculino nas áreas que os homens consideram importantes. Assim, o machismo engloba uma série de definições sobre o que significa ser homem e ser mulher, bem como toda uma forma de vida baseada nele. (CASTAÑEDA, 2006, p. 16).
Assim, tem-se que, apesar do sofrimento das mulheres, há um grupo que se beneficia sempre dos ideais patriarcais: os homens. Durante muito tempo, as mulheres não eram consideradas cidadãs, apenas seres físicos, custou muito para que finalmente pudessem ter o direito ao voto. Suas conquistas e seus direitos atuais, constados na Constituição Federal, devem ser citados nas escolas, para que ambos os gêneros fiquem cientes disso e o discurso seja sempre transformado de maneira a favorecer a todos.
Como já dito, quando o sujeito profere o dizer, ele não está trazendo algo novo, por isso, não dá para dizer como de fato surgiu o discurso machista, mas é sabido como e porque ele se perpetua historicamente e socialmente.
Sobre a influência da igreja e das escrituras bíblicas Teodósio e Holanda trazem que:
A Igreja Católica difunde um imaginário social ligado às mulheres, a demonização, onde elas levariam a fraqueza aos homens e iriam acarretar o desvirtuamento da Igreja. Como instituição de grande poder social, a Igreja utiliza a figura de Eva, de acordo com o texto bíblico do Pecado Original, para alegar que o pecado cometido pela mesma refletia em todas as mulheres, sendo elas diretamente atreladas as tentações e disseminadoras do mal.
Apresentando aos alunos como se perpetua o machismo, é preciso destacar que a mulher não é bem vista diante das escrituras bíblicas, o que implica no discurso daqueles que as consomem. Além disso, “os discursos religiosos estão diretamente interligados à questão de gênero, sendo fundamentada no patriarcado, em busca de normatização, estabelecendo papéis determinados para ambos os sexos.”(Klein, 2021).
Quem trataria uma figura que é destratada e dita como pecadora de forma positiva? Somente aqueles que possuem um olhar crítico sobre o que lê. Os professores precisam trazer para a sala de aula um novo olhar para os alunos que veem a bíblia como verdade absoluta, ou seja, que sustentam que a mulher deve continuar como submissa do homem, servir-lhe sempre, fazer de tudo para agradá-lo, ser apenas aquela que serve os filhos e ao marido.
Segundo Ribeiro (2000, p.11):
[...] o comportamento de Eva determinou o fim da existência paradisíaca e abriu as portas à dor e à mortalidade. Ao desobedecer a Deus, Eva tornou-se directamente responsável pela morte de toda a humanidade. Daí que seja associada ao demoníaco, que se afaste da imagem divina, e que ‘naturalmente’ tenha que submeter-se à vontade de um ser mais perfeito: o homem.
Percebe-se assim que a imagem que foi construída da mulher pelos dogmas cristãos foi de um ser que precisa ser domado, já que destruiu a humanidade e precisa ser punida por isso. Assim, o escolhido para ser seu domador foi aquele que mais foi atingido por ela: o homem, o grande amigo de Deus.
Ainda sobre o que deve ser passado em sala de aula sobre os dogmas cristãos, é preciso fazer com que os alunos se questionem se não é tal discurso que favorece as milhares de mortes e estupros de mulheres todos os dias no Brasil e no mundo e a violência gratuita que mães, filhas, irmãs, tias, primas... mulheres (todas elas) vivem desde que nasceram.
Sobre as marcas do discurso machista baseado em crenças cristãs, Teodósio e Holanda trazem um caso que aconteceu em Pernambuco:
O caso mais recente que gostaríamos de abordar foi relatado no site do Jornal do Comércio, do estado de Pernambuco, trata-se da menina de dez anos que foi estuprada pelo próprio tio durante quatro anos, a vítima após os recorrentes abusos, engravidou e teve o aborto autorizado pelo juiz, já que o aborto em caso de gravidez decorrente de estupro é autorizado no Brasil. Após ter o pedido de aborto negado no estado do Espírito Santo pela equipe médica, a menina foi trazida para a cidade do Recife para realizar o procedimento no CISAM – UPE, onde o procedimento ocorreu no dia 16 de agosto de 2020. Uma multidão de pessoas se reuniu em frente ao hospital para tentar barrar o procedimento, entre essas pessoas estavam deputadas/os, vereadoras/es, integrantes da igreja católica e evangélica.
Pode-se inferir que até hoje, mesmo com direitos constitucionais, a sociedade nega justiça à mulher, ao seu corpo, seu bem-estar físico e mental. O discurso patriarcal e bíblico condena o aborto, mas não condena o homem que pratica violências contra a mulher, ao invés das pessoas se revoltarem contra aquele que violentou sua própria sobrinha foram tentar barrar um procedimento que era direito da jovem.
Os alunos precisam estar cientes que as marcas medievais ainda ferem as mulheres neste século e que se o discurso não for transformado tudo continuará como está, ou seja, mulheres que só possuem direitos no papel. O Estado só protege a mulher de maneira formalizada, constitucionalmente e conceitualmente, mas no dia a dia milhares são estupradas pelos próprios parentes, dentro de suas próprias casas.
A quem estas mulheres, meninas e jovens devem recorrer de fato se não estão seguras em casa, nem nas ruas? A quem elas devem confiar as situações de violência que passam diariamente se não estão seguras em lugar algum?
Sobre o não cumprimento dos direitos das mulheres, Klein exemplifica a injustiça através de um caso que é recorrente na sociedade:
O que nos chama atenção é a grande quantidade de mulheres que em algum momento sofreu algum tipo de abuso ou violência, e houve um caso em particular que repercutiu em todas as mídias e redes sociais - um julgamento em que a mulher, “suposta” vítima de estupro tem os seus direitos violados de todas as formas possíveis, desde o ato em si, até o próprio julgamento, cuja sentença final é “estupro culposo” (Klein, 2021).
Assim o homem é mais uma vez colocado como não praticante de um crime contra a mulher. É de fato preciso que isso seja debatido em sala de aula, fazendo com que os alunos se perguntem como um ser comete um crime contra outro que afeta a vítima psicologicamente e fisicamente e é dado como inocente. E se fosse ao contrário, será que a mulher iria ser compreendida?
É preciso mostrar aos alunos como o homem se aproveita do discurso machista para violentar a mulher em todas as instâncias e de todos os jeitos, inclusive depois de morta:
Recentemente foi descoberta uma página no Facebook em que homens promovem estupro contra mulheres mortas. O grupo intitulava-se “Festa no IML”, homens que trabalham em necrotérios postavam imagens atreladas à necrofilia e despertavam sinais de desejo por estas mulheres (Klein, 2021).
Como inocentar homens que tripudiam de corpos sem vidas só porque estes são do sexo oposto?
O homem acaba tendo total liberdade de tripudiar da cara da mulher e de violentar seus corpos, já que a justiça nunca é feita da maneira correta. Apesar dos direitos constitucionais, as mulheres continuam sofrendo as consequências do discurso machista mesmo depois de mortas, inferindo-se, portanto, que elas não têm culpa de serem abusadas, violentadas ou mortas, que não são suas roupas ou seus jeitos que estimulam os homens a violentá-las ou matá-las, mas a ideologia patriarcal, a crença de que são inferiores àqueles que compõem o sexo masculino.
Sobre a violência vivida pela mulher diariamente Klein traz que:
A violência contra a mulher está presente em todos os espaços, a sua imagem é exposta e compartilhada em redes sociais em busca de prazer ou até mesmo de vingança por ex-companheiros que não aceitam o fim do relacionamento justamente por essa ideia de posse, e quando noticiadas a pergunta que geralmente fazem é “por que a mulher se submeteu a tirar fotos ou gravar vídeos que pudesse comprometê-la?” O homem mais uma vez sai impune e a vítima é considerada culpada nessa sociedade machista e patriarcal(Klein, 2021).
Não há explicações para um homem que, por vingança, decide expor sua ex-companheira nas redes sociais ou em qualquer ambiente que sabe que a mulher será julgada e coloca como errada na situação.
Combatendo o discurso machista
Segundo Orlandi (1999), “não há começo absoluto nem ponto final para o discurso”, ou seja, o dizer pode ser transformado, reconstituído de uma forma igualitária pelos sujeitos. Assim, é preciso que os alunos saiam da escola reproduzindo um discurso que contemple os direitos das mulheres como cidadãs da mesma forma que contempla os homens, reconhecendo a igualdade de gênero.
Sobre a definição de gênero tem-se que:
É a construção cultural sobre a diferença sexual. Se sexo diz respeito ao macho e à fêmea da espécie humana, porque eles têm corpos diferentes (pênis e vagina), gênero diz respeito aos valores dados às diferenças sexuais, que variam de sociedade para sociedade e dentro da mesma sociedade, nos mostrando que há inúmeras possibilidades de masculinos e femininos BONETTI (2011, p. 92).
Assim, conclui-se que o gênero não deve ser visto como limitador de corpos, sejam estes femininos ou masculinos.
Para acabar com a crença de que o gênero feminino deve ser visto como inferior e o masculino superior, é preciso reconhecer que a violência gerada a partir do machismo existe e está presente também nas escolas, com isso, os alunos precisam aprender a reconhecer presságios machistas, tendo seu senso crítico aguçado através dos discursos igualitários trazidos para as salas de aula.
Sobre o discurso opressor presente nas escolas SILVA e MENDES (2015, p. 92) trazem que:
A opressão existe e está presente em nossa sociedade, nas instituições que a compõe. No caso da instituição escolar ela está presente nas relações empreendidas entre os meninos e as meninas e, também, entre os homens e mulheres que fazem parte dos grupos sociais. (SILVA; MENDES, 2015, p. 92).
Neste sentido, para que o discurso seja transformado, os livros, a escola e os educadores precisam estar preparados, munidos de metodologias igualitárias, assim alunos passarão a consumir conteúdos que definem os gêneros, sem crenças limitadoras, os quais entrarão na memória discursiva do aluno, fazendo com que ele passe a perceber a existência do machismo e a repreendê-la sempre que tiver contato, já que é preciso “diminuir os efeitos das discriminações nas relações de gênero e no processo de construção de novas relações entre homens e mulheres”. (SILVA, M. C.; MENDES, O. M., 2015).
Assim, necessita-se trazer para a sala de aula o quanto estas mulheres foram torturadas quando não se colocavam a favor dos dogmas embutidos socialmente. Quando elas lutaram por seus direitos e de alguma forma se destacaram socialmente foram queimadas e mortas por aqueles que não queriam ficar abaixo delas, mas mesmo assim elas resistiram:
A subversão da mulher, considerada bruxa, instiga uma reflexão desta para além do discurso religioso. A ideia então vai ao encontro de pensar a bruxa enquanto uma construção sócio-histórica da mulher transgressora, empoderada, sobretudo em relação ao seu corpo (ROCHA, 2016, p.2).
Hoje as mulheres ainda são tratadas com inferioridade, “por mais que atualmente [...] ocupem cargos importantes em seu local de trabalho, se trata de um número extremamente pequeno em relação aos cargos ocupados por homens, sem falar na diferença salarial de homens e mulheres” (Klein, 2021), mesmo fazendo as mesmas funções que eles, elas “ganharam em média 20,50% menos do que os homens no 4º trimestre de 2021, contra 19,70% a menos no final de 2020.” (ALVARENGA, 2022).
É preciso apresentar aos alunos a mulher como ser não inferior, ou seja, que possui a mesma capacidade intelectual do homem e que ela é um ser pensante e resistente.
Assim, é imprescindível que as meninas se vejam capacitadas a desenvolver métodos que tragam melhorias para o mundo e que se inspirem em nomes da ciência, história e da literatura, como a escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), mulher preta que revolucionou a literatura com seus livros que remetem a realidade da maioria das mulheres que são mães e ao mesmo tempo pais dos seus filhos e que precisam batalhar para sobrevirem; e Marie Curie (1867 – 1934), considerada a “mãe da física-moderna”, aquela que prova que mulher também possui intelecto. Além destas, também é imprescindível trazer para a sala de aula nomes que inspiram, como: Cora Coralina (1889-1985); Cecília Meireles (1901-1964); Raquel de Queirós (1910-2003); Clarice Lispector (1920-1977); Lygia Fagundes Telles (1923-); Hilda Hilst (1930-2004); Adélia Prado (1935-); Hypatia de Alexandria (cerca de 351 a 370 d.C - cerca de 415); Anna Atkins (1799-1871); Florence Sabin (1871-1953); Ada Lovelace (1815-1852); Gertrude Bell Elion (1918-1999); Mária Telkes (1900-1995); e Nise da Silveira (1905-1999).
Considerações finais
Pode-se considerar que o machismo estava presente no discurso antes mesmo dos sujeitos que o proferem hoje nascerem. Assim, levando em consideração os direitos que as mulheres possuem e que estão documentados na Constituição Federal, é preciso reverter esta questão sócio-histórica a partir de dizeres que trazem à tona a igualdade e a liberdade dos corpos femininos.
Diante disso, o machismo não deve ser apresentado nas escolas como algo que educa os sujeitos, é preciso que os educadores mostrem que este tipo de dizer fere direitos e deveres dos cidadãos e trazer para a sala de aula que os gêneros não são diferentes ou limitadores, já que em casa é ensinado que o homem comparado à mulher “é um sujeito de poder, possuindo um domínio sobre ela, que por mais que saibam que estão sendo violentadas seja moralmente, fisicamente ou de outras formas é internalizada a questão conservadora e patriarcal”. (Klein, 2021). Percebe-se que é necessário deslegitimar a imagem que foi criada e repassada durante séculos da mulher como um ser que propaga o erro, o pecado, de acordo com as crenças religiosas cristãs.
O discurso machista, assim como qualquer outro, não sumirá da sociedade de uma hora para outra, mas pode ser transformado aos poucos, sendo a escola uma das maiores motivadoras para esta ação. No entanto, para isso é indubitável que o ambiente escolar também seja um dos propagadores do discurso patriarcal.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer e dedicar este trabalho a todas as mulheres do universo, as que já se foram e as que ainda estão aqui, as trabalhadoras, mães de família, as filhas, as tias, as jovens e as idosas. Em especial, agradeço às minhas ancestrais: Valdesina da Silva Céu; Valdeci Céu; Francina Céu; Maria Pernambucana; e Maria Céu. Também a que me deu a vida e está comigo para o que der e vier: Maria do Amparo da Silva Correia; e as que me pegaram no colo: Irani Santos; Evanice Correia; Alaide e Ivanildes.
Agradeço às mulheres de axé que estão comigo sempre: Priscila; Dani; Vitória; Suyan; e Mariana.
Gratidão àquelas que regem a minha espiritualidade e que me ensinam a ser forte e mulher todos os dias: as deusas femininas africanas e indígenas, em especial, aquela que rege a minha cabeça: Yemanjá.
Agradeço às minhas tias, primas, amigas, irmãs de axé, professoras, sogra, que serão representadas pelos seguintes nomes: Larissa; Bárbara; Eluiza; Deize; Eliane; Bel; Clécia; Michele; Gilvaneide; Flávia; Nete; Milena.
Agradeço a todas as mulheres que lutaram e lutam pelos nossos direitos de ir e vir, de votar, estudar e trabalhar e àquelas que foram queimadas injustamente por causa do patriarcado.
Por fim, só tenho a agradecer a todas que me deram força todos estes anos e não me deixaram desistir mesmo em meio a tantas tribulações. Desejo que este artigo inspire e toque cada uma delas de maneira positiva, pois ele foi feito para dar vez e voz a nós mulheres.
Referências
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