Metadados do trabalho

Estudos Culturais E Educação: Uma Articulação Potente Para Os Estudos De Gêneros E Sexualidades

Joanderson de Oliveira Gomes; Joseval dos Reis Miranda

O presente ensaio pretende refletir acerca do campo dos Estudos Culturais e a Educação, buscando problematizar sobre os encontros possíveis entre ambos e as possibilidades investigativas geradas a partir desse entrelaçamento, e desse modo na potência possível que a união dos campos oferece para os estudos de gêneros e sexualidades. Dessa forma elenca-se como objetivo geral: refletir sobre as contribuições teórico-metodológicas dos Estudos Culturais para a investigação do fenômeno educacional e seu olhar sobre os estudos de gêneros e sexualidades. Trata-se de um ensaio teórico de base bibliográfica onde a análise partirá das contribuições de autores como Hall (1997, 2020), Bapstista (2009), Esteves (1984), Escosteguy (2004, 1998), Louro (2019), Junqueira (2013). Foi possível inferir, a partir da reflexão aqui proposta, sobre a importância de ambos os campos e da potência que se obtém em seu entrelaçamento, ganha-se alargamento nos objetos investigativos e traz para o centro da discussão vozes de grupos de quem muito sempre foi dito, mas não a partir de suas vivências, experiências e atravessamentos pessoais.

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GOMES, Joanderson de Oliveira; MIRANDA, Joseval dos Reis. ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAÇÃO: UMA ARTICULAÇÃO POTENTE PARA OS ESTUDOS DE GÊNEROS E SEXUALIDADES. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2022 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/405-estudos-culturais-e-educa%C3%A7%C3%A3o-uma-articula%C3%A7%C3%A3o-potente-para-os-estudos-de-g%C3%AAneros-e-sexualidades. Acesso em: 16 out. 2025.

ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAÇÃO: UMA ARTICULAÇÃO POTENTE PARA OS ESTUDOS DE GÊNEROS E SEXUALIDADES

Primeiras Palavras

A presente reflexão, fruto da disciplina de Pesquisa em Estudos Culturais da Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, (PPGE/UFPB), pretende problematizar sobre o campo dos Estudos Culturais e suas potencialidades para a investigação do fenômeno educacional, pensando em como ambos os campos se articulam e contribuem para investigações mais profundas, implicadas e com relevância social, no que diz respeito a gêneros e sexualidades, termos grafados aqui no plural por entendermos que as vivências dos sujeitos são múltiplas e diversas, não sendo possível pensá-las de modo singular.

A reflexão aqui proposta tem como referência os textos utilizados durante o componente curricular “Pesquisa em Estudos Culturais da Educação”, distribuídos em eixos temáticos, que se articulam entre si, formando uma grande unidade temática, que visa pensar e problematizar: pesquisa, educação e estudos culturais enquanto produção do conhecimento. Para além disso acrescentamos outras produções que dialogam com o campo dos gêneros e das sexualidades, alinhavados a Educação Sexual.

Sendo os Estudos Culturais um campo diverso, (ESCOSTEGUY, 2004, 1998; WORTMANN; COSTA E SILVEIRA, 2015) perpassado de questionamentos e incertezas, que nos levam a indagar e questionar tudo aquilo que nos é posto como normalidade, padrão, certezas absolutas, na perspectiva do estranhamento e de olharmos para o possível objeto a ser investigado, pensando em suas finalidades, nos leva a formularmos algumas indagações, a saber:

Que caminhos são possíveis entre Estudos Culturais e Educação? Quais limites nos são impostos e quais possibilidades atravessam o objeto investigado? De que maneira é possível compreender essas relações no âmbito dos Estudos Culturais? Que singularidade nos é oportunizada ao realizarmos pesquisas a partir do campo dos Estudos Culturais? De que forma os Estudos Culturais potencializam os estudos sobre gêneros e sexualidades no âmbito da educação? Atrelar toda essa dinâmica ao campo educativo e pensar sobre esses fatores são questões que norteiam a discussão que aqui pretendemos desenvolver.

Desta forma, elencamos enquanto objetivo geral: refletir sobre as contribuições teórico-metodológicas dos Estudos Culturais para a investigação do fenômeno da Educação e na potencialidade gerada desse entrelaçamento para os estudos de gêneros e sexualidades. A partir desse objetivo partimos do interesse em observar quais as possibilidades encontradas nos Estudos Culturais e de onde o pesquisador se localiza no campo para pensar as singularidades do campo educativo e nas questões que perpassam o campo dos gêneros e das sexualidades, ao falarmos sobre essas temáticas inevitavelmente estamos falando sobre educação sexual e sua importância nas pesquisas e no âmbito educativo. 

Nesse sentido, pensando na centralidade que a cultura tem no campo dos Estudos Culturais, (HALL, 1997; BAPTISTA, 2009), nosso ponto de partida é o de compreendermos os aspectos culturais e dessa forma depreender como os Estudos Culturais definem o conceito de cultura que lhe é tão caro, partindo do pressuposto de que a educação é um espaço potente de disseminação/produção e perpetuação de culturas que social e historicamente tem sido produzidas, e passadas de uma geração a outra.

Entendemos que só é possível compreendermos gêneros e sexualidades, se partimos do contexto cultural no qual os indivíduos se situam e se organizam enquanto sociedade, tendo em vista que cada cultura percebe essas relações de forma particular e que se alinham a sua visão de mundo.

Iniciamos o diálogo com Martino (2012), quando ele elucida que cultura, vista sob a ótica dos Estudos Culturais, é entendida enquanto uma prática cotidiana, dito de outro modo, a cultura como algo que se faz, não algo que se tem, ou que existe de forma pronta e acabada, esperando apenas ser apropriada pelos sujeitos sociais, perpassada por questões de diversas ordens, entre as quais: política, econômica e social, que são construídas a partir de um contexto histórico.

Na esteira desse pensamento Costa, Silveira e Sommer (2003), problematizam como na perspectiva dos Estudos Culturais, a cultura não é mais compreendida unicamente dentro da esfera elitizada, como consequência única da produção da elite, limitada a um único grupo social. Problematização que já se apresenta desde os primeiros textos de emergência dos Estudos Culturais, tais como sintetizados por Escosteguy (1998). O entendimento sobre cultura passa então a se alargar para a produção e os gostos das grandes multidões, e dessa forma toda produção humana pode ser entendida como cultura, produzida na e pelas relações humanas, que independem de poder aquisitivo ou classe social, podemos então falar sobre culturas, nas suas mais variadas formas.

Percebemos a potência que começa se delinear ao se entrelaçar Estudos Culturais e Educação, partindo, por exemplo, da compreensão de cultura, nota-se que, existe um alargamento nesse entendimento, a luz dos Estudos Culturais, o que, grosso modo, potencializa a visão sobre o espaço educativo e as relações que ali se estabelecem, consequentemente as possibilidades de investigação também se expandem.

Dentro dessa perspectiva a visão que se tem sobre o fenômeno educativo nos convida a uma educação que esteja atenta as diversas demandas que vão ao seu encontro, compreendendo que a pluralidade dos sujeitos não pode ser suprimida, mas, precisa ser compreendida, problematizada e respeitada. Dessa forma, os variados saberes são valorizados, não apenas os saberes considerados relevantes pela elite, mas onde pessoas comuns tenham seus interesses percebidos e contemplados, ou seja, a cultura precisa ser estudada pensando em todas as esferas sociais.

Nesse direção, Hall (1997) ao falar sobre a centralidade da cultura aponta como ela tem sido importante para a estruturação e organização da sociedade, consequentemente vamos ter uma concepção mais social do sujeito, que se constrói e “assume identidades diferentes em diferentes momentos”, (HALL, 2020, p. 9). Cultura esta que não pode ser pensada fora das relações de poder, que produzem significados no tocante ao que é pertinente/importante a cada grupo (VEIGA-NETO, 2000). Na esteira dessa reflexão inicial se faz necessário definirmos, mesmo que em linhas gerais, os campos de conhecimentos que ora pomos em diálogo, a saber, Estudos Culturais e Educação.

 

 

Estudos Culturais e Educação: delimitando os campos de conhecimento

 

Wortmann, Costa e Silveira (2015) nos apresentam algumas situações que culminaram na emergência e consequentemente na expansão dos Estudos Culturais e sua aproximação com a Educação, tais situações vinculam-se aos anos 90, as autoras apontam o desejo presente nos intelectuais da época em romperem com as vertentes teóricas dominantes, um desejo de se questionar as teorizações canônicas que não conseguiam dar conta dos desafios postos pela escola básica, que se refletiam em baixos índices de desenvolvimento, repetência e precariedade do ensino público, demandas que ainda refletimos (e estão presentes) nos dias atuais.

As autoras destacam a criação da linha de pesquisa, a nível de mestrado e doutorado, “Estudos Culturais em Educação”, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e no mestrado com área de concentração nos Estudos Culturais da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, que teve reflexos importantes na produção acadêmica, sobretudo gaúcha, de concepções teóricas que até então não haviam sido pensadas ou eram pouco utilizadas no espaço universitário.

Vale ressaltar que embora em seu artigo as autoras abordem de forma mais detalhada o trabalho desenvolvido no sul do país, o nordeste também tem se dedicado e articulado Estudos Culturais e Educação, a exemplo da Universidade Federal da Paraíba – UFPB que também possui uma linha de pesquisa, a nível de mestrado e doutorado, em seu Programa de Pós-Graduação em Educação, intitulada “Estudos Culturais da Educação”, com a produção de dissertações e teses que problematizam questões que são de interesse do campo, questões que tem relação tanto com o espaço político quanto teórico.

Costa, Silveira e Sommer (2003) apontam que os Estudos Culturais surgem em meio a movimentações sociais de alguns grupos, na luta em prol de uma cultura que fosse mais democrática, acessível e não enclausurada em um ideal que não contempla a todas/os, uma cultura de/para todas/os precisa estar alicerçada em uma educação que também contemple a todas/os. Uma educação que conseguisse estabelecer relação direta com as mais diversas realidades, sobretudo das camadas populares de nossa sociedade.

O alargamento do entendimento de cultura, como já anunciado anteriormente, era extremamente necessário para que fosse possível incluir as pessoas comuns no centro dos debates. O “convite” era então para olhar aquilo que estava posto, naturalizado, com estranhamento, nesse sentido, era preciso refletir por que determinadas práticas são consideradas “cultura” e outras não? Que implicações podemos extrair de tal reflexão? Pensar dessa forma muda as coisas de lugar, “deslocando e ampliando nesse processo, significados e seus efeitos produtivos” (WORTMANN; COSTA; SILVEIRA, 2015, p. 35).

Na esteira desse pensamento, um fato importante de ser lembrado foi a chamada “virada cultural”, que tem seu início com um certo estranhamento a linguagem, ou seja, uma preocupação com as representações e como a linguagem atribui significados aos objetos, a forma como a linguagem organiza os objetos classificando-os e separando-os, os agrupa e os difere das demais coisas, ou seja, atribui significado, dito de outro modo, atribui sentidos (HALL, 1997).

Sérvio e Martins (2013) apontam que essa relação de significado ocorre pelo local que a linguagem ocupa dentro do sistema de diferenças, ou seja, a cadeira, por exemplo, chama-se dessa forma não porque naturalmente tenha sido assim, mas é resultado da convenção social, dito de outro modo, ficou acordado socialmente que ao pronunciarmos a palavra cadeira estaríamos nos referindo a um objeto em específico que se difere dos demais, dentro do sistema classificatório.

Retomando a reflexão anterior, a crítica tecida diz sobre a relação presente entre a existência e o significado, o que Hall (1997) chamou de “jogos da linguagem”, ou seja, por trás do que é considerado natural existe uma relação de poder que se dá via discurso. Nos termos de Alcântara e Carlos (2013, p.63) em diálogo com Foucault, “os signos “naturais” são uma espécie de preparação para a invenção dos signos convencionais”. Podendo assim normalizar objetos, coisas, pessoas através da fala instituída que se reverbera nos sistemas de classificação que organizam a nossa sociedade.

É dentro da estrutura social que esses elementos ganham significados, e dentro desse processo de classificação nós temos a identidade, que só existe na negação do outro, nas diferenças que são construídas por esse sistema classificatório (SÉRVIO; MARTINS, 2013). Dessa forma a identidade une/atrela o sujeito a essa estrutura maior, onde ele faz parte através desse sentimento de pertença a determinado grupo, que o classifica e o distingue dos demais.

Hall (2020) nos fala sobre como o advento da modernidade transformou essa compreensão de identidade, rompe-se com a ideia da intervenção divina, e passa-se a compreensão de que essa identidade é afetada pelas mudanças que ocorrem no espaço social e que ela é produzida na e pelas relações que se estabelecem socialmente, fruto de negociações, resistências que vão dando forma as identidades, atrelada ao contexto social e histórico no qual cada um/a se localiza.

Dentro desse processo o autor relata ainda a ideia de uma identidade cultural única, onde todas/os os membros de uma sociedade se identificam, com o discurso de uma grande família nacional, eles desconsideram as diferenças que são inerentes aos sujeitos, em termos, por exemplo, de classe, de sexualidade, de gênero, de raça. Dessa forma anula-se as diferenças culturais em nome de uma suposta unidade cultural. Buscando uma homogeneização que não contempla a diversidade presente em nossa sociedade, (HALL, 1997).

Veiga-Neto (2000) tece algumas considerações sobre como o mundo mudou e vem mudando, de forma radical, dentro do percurso histórico, e como via de regra, buscamos sempre um culpado para os problemas sociais que são presentes em nosso dia a dia, para o autor, o maior discurso que se mantém é de que nosso problema é efetivamente um problema educativo, entretanto, é preciso pensarmos além dessa constatação, e compreendermos que existe uma estrutura que engloba essa dimensão educativa, na mesma medida em que é mantida por esse espaço educativo. O autor nos convida a “hipercrítica”, ou seja, uma reflexão constante e uma desconfiança a nível máximo, perante tudo aquilo que se apresenta como verdade absoluta, ou inquestionável.

Na esteira desse entendimento ao focarmos nossa atenção para a Educação, podemos perceber como ela é um instrumento importante na perpetuação/reprodução desses jogos de linguagem, onde desde cedo as crianças aprendem o nome dos objetos e os significados que socialmente/culturalmente lhes são atribuídos. A Educação por sua vez é uma criação humana, elaborada com o propósito de que as experiências humanas fossem preservadas, repassadas e aprimoradas para as gerações futuras, (ESTEVES, 1984).

Esses conhecimentos acumulados e sistematizados pela educação nada mais são que experiências culturais, são as produções humanas, seguem sendo mantidas/preservadas, via de regra, pelo espaço escolar, dito de outro modo, é no campo da Educação, que nós preservamos boa parte de nosso repertório cultural, nossos saberes e conhecimentos, que são considerados importantes para a preservação da vida humana, não significando que seja esse o único espaço onde o processo de ensino-aprendizagem aconteça, é nele no entanto que esses saberes tendem a ser sistematizados e organizados de forma intencional, afim de atender as demandas postas por cada época, contexto e lugar.

Uma crítica que pode ser tecida nesse sentido é sobre esses conhecimentos acumulados e como eles são selecionados para serem passados as gerações futuras pela instituição escolar. Estamos, assim diante de uma compreensão geral de currículo que se impõe questionamentos, como: O que fica de fora? O que permanece sendo “ensinado” como verdades? Para Esteves (1984) é isso que se tem questionado, essa perpetuação de certezas absolutas e o preconceito que dessa forma desemboca em determinados grupos sociais.

A educação sexual, por exemplo, durante muito tempo esteve ausente do espaço educativo (e em certa medida, ainda na contemporaneidade ela tem ficado aquém do que se propõe), mesmo fazendo parte da nossa vida em sua totalidade e não apenas no âmbito biológico/reprodutivo, mas, em toda a expressão da existência humana, conforme Miranda (2015), ela se traduz em uma manifestação intrínseca da existência humana e que extrapola os limites reprodutivos, que alinha-se ao direito ao prazer, a desmistificação de mitos e tabus, e também ao direito a exercê-la com responsabilidade e segurança.

Na esteira desse pensamento, Britzman (2019), reflete a partir da dimensão do currículo escolar e em como ainda existe uma versão da sexualidade que não é tolerada, em seu interior, sobretudo quando as questões das sexualidades dialogam com o campo dos gêneros e das mais diversas possibilidades de interação afetivo sexual vivenciada por mulheres e homens no espaço social.

Embora, tenhamos avançado nessa perspectiva é preciso estarmos atentos frente ao avanço de grupos conservadores no âmbito político nos últimos anos em nosso país, que tendem a questionar ou deslegitimar as pesquisas e os estudos sobre as sexualidades, mas não apenas sobre ela, como também os estudos de gêneros, ou qualquer campo que questione a normalidade imposta pela heteronormatividade (JUNQUEIRA, 2013; LOURO, 2019; BUTLER, 2020).

Ampliar nosso campo investigativo e potencializar os estudos sobre as questões das sexualidades é uma tarefa necessária a todos/as os/as pesquisadores/as. Trazer essa discussão para o currículo escolar e para a formação de professores é um caminho profícuo partindo do pressuposto de que ela começa no início da vida e se perpetua durante toda a nossa existência, (NUNES, 2005).

Nesse sentido, Costa, Wortmann e Bonin (2016) elucidam à importância que os Estudos Culturais vão exercer sobre a educação, e nesse caso em específico podemos delimitar a dimensão do currículo, que quando refletido sob a ótica dos Estudos Culturais, advoga o “direto a diferença”, e da ampliação de discussões que se alinham com a vida cotidiana dos sujeitos.

Miranda (2015) compreende que falar sobre a educação sexual, no âmbito escolar, é romper com as visões cristalizadas no tocante ao que é ser homem e mulher no espaço social, questões que para o autor são tidas enquanto verdades absolutas que se fundamentam em uma visão biologicista da dimensão da sexualidade, compreendida nesse caso meramente para fins reprodutivos. Alinhar essa discussão ao campo dos Estudos Culturais potencializa o olhar sob a dimensão da educação sexual, rompendo com a busca por verdades, mas refletindo sobre como os sujeitos vivem as sexualidades e seus gêneros.

Para Esteves (1984) quando o processo educativo não oportuniza aos educandos o pensar crítico, o refletir sobre suas vivências pessoais, mas ao contrário, quando a escola se torna lugar de treinamento, sem análise, sem reflexão, como se o espaço educativo e o professor fossem meros transmissores do conhecimento, então nesse caso seria na própria escola que o ser humano vivenciaria o seu maior processo de agressão, pois consequentemente ele é visto como um reprodutor do conhecimento que já está posto, que já está dado, não se crítica, ou se reflete, apenas se repete.

Dentro desse cenário notamos que as contribuições teórico-metodológicas dos Estudos Culturais para a Educação se fundamenta e ganha robustez na perspectiva do alargamento do campo, e na propositura do questionamento e da reflexão sobre o que entendemos por conhecimento, sobretudo as verdades inquestionáveis que durante o percurso histórico foram naturalizadas e aceitas como se nada mais pudesse ser pensado além do que está posto. Desse modo, podemos alargar o campo de discussão e refletirmos sobre a dimensão dos gêneros e das sexualidades, conceitos que transitam entre o permitido e o proibido, onde os indivíduos são definidos a partir da dimensão biológica dos sujeitos.

Pensar sobre as questões de gêneros e sexualidades a luz dos Estudos Culturais é entender que existem outros fatores que influenciam nessas dimensões que estão para além dos órgãos reprodutores. Para Beck e Guizzo (2013) uma das maiores contribuições do Estudos Culturais para o campo da educação, no tocante aos gêneros e as sexualidades se insere a partir dessa prerrogativa, onde nossos corpos e nossas identidades não são compreendidos enquanto naturalmente dados, mas, são produzidos na esteira da cultura e nas mais diversas relações que aí se estabelecem.

Um outro ponto importante a considerarmos a partir do entrelaçar entre Estudos Culturais e Educação, nos é apontado por Costa, Silveira e Sommer (2003) quando alertam que a educação não está limitada apenas ao espaço físico da instituição escolar, ocorrendo então em diferentes espaços, somos educados por diversos espaços e situações, filmes, imagens, músicas, entre tantas outros que poderíamos citar, “é a isto que nos referimos quando usamos as expressões currículo cultural e pedagogia da mídia” (p. 57). Não é de menos dizer que estamos diante de uma compreensão alargada para educação e para os processos educativos.

Dito de outro modo, nos constituímos enquanto sujeitos nos mais diversos espaços nos quais transitamos, e as relações de gêneros e sexualidades estão presentes o tempo todo e de diversas formas, tudo isso por fim engloba uma dimensão maior da educação sexual. Que por fazer da vida em sua totalidade precisa também está presente nos espaços escolares, atravessada pela diversidade e pela diferença. O trabalho com essas questões, conforme, Miranda (2015) não deve se restringir a fins reprodutivos, mas se abrir ao diverso, as questões de aborto, homossexualidade, transexualidade, violência, estupro, enfim, todo um universo de fatores que juntos compõe esse cenário maior da educação sexual e que precisam ser compreendidos em suas mais diversas dimensões.

Compreender essa realidade, sobretudo na contemporaneidade, onde somos bombardeados de informações a cada segundo é um convite potente a instituição escolar, para que se pense o lugar que ela ocupa em nossa sociedade, entendendo que ela não é a única detentora/propagadora de conhecimento, mas que existem espaços outros de aprendizagem onde diversos conhecimentos e formas de subjetivação são ensinados e aprendidos.

Nesse sentido, o campo educativo ganha mais elementos para pensar a educação em si, por exemplo na perspectiva da pedagogia cultural (COSTA, WORTAMANN, BONIN, 2016), onde é necessário que esse sujeito seja compreendido a partir das diversas pedagogias culturais de que ele é alvo no espaço social e de como o espaço escolar tem dialogado com essa dinâmica.

Pensar a Educação, tomando por base os Estudos Culturais é uma possibilidade de romper com a norma, norma esta que aqui é entendida enquanto condição de exclusão, uma vez que ao normalizar determinadas coisas, formas de ser e estar no mundo, estabelece-se o padrão de anormalidade, e nesse sentido cabe a indagação: normal para quem? Normal segundo quem? Esses padrões de normalidade, via de regra, afetam a todos e todas, principalmente aqueles/as que não são brancos, heterossexuais e cristãos.

Entender que dentro da estrutura social diversas culturas se chocam, se encontram, existem, coexistem, é uma tarefa necessária as/aos pesquisadoras/es, principalmente para pensarmos o fenômeno educativo, com a potência de não mais excluir, mais de oportunizar aos sujeitos o sentimento de pertença. Vivemos em um mundo globalizado e cercado de muitos conflitos, de raça, de religião, na área financeira, um mundo desigual, e que nos causa estranhamentos (VEIGA-NETO, 2000).  São problemas de diversas ordens, e que precisam estarem também articulados na relevância e implicação de nossas pesquisas.

Wortmann, Costa e Silveira (2015), apontam que as investigações realizadas dentro do campo dos Estudos Culturais em Educação, tem se dedicado a um espaço que via de regra vinha sendo negligenciado, esse novo olhar para a pesquisa em educação visa então interrogar o poder da cultura no âmbito educacional, na perspectiva da produtividade, principalmente na contemporaneidade, onde somos atravessados o tempo todo por diversas culturas, modos diversos de ser, existir e estar no mundo, e de pensar sobre ele.

Na esteira desse pensamento, André (2001), ao problematizar sobre as questões que perpassam a pesquisa elucida como os temas possíveis de investigação têm aumentado no decorrer dos anos e como novas demandas tem surgido no espaço social. Consequentemente precisamos de aportes teórico-metodológicos que nos forneçam meios para podermos analisar e compreender essas demandas.

 

Entrelaçando os campos: educação e estudos culturais

 

Em continuidade ao que se pretende neste ensaio, é importante que reflitamos sobre a pesquisa, para tanto nos ancoramos em Alves Marroti (1996), com o texto, O debate atual sobre os paradigmas em educação, onde a autora nos traz uma discussão sobre os paradigmas de pesquisa e como eles se desenvolvem (e são defendidos por seus adeptos) na educação. Também em Esteves (1984), com o texto, Pesquisa educacional em crise: ontem, hoje – que caminho tomar? onde a autora tece uma reflexão – e também uma crítica – a crise que vem se fazendo presente no pesquisa educacional, sobretudo no questionamento da validade de tais pesquisas. E em André (2001) com o texto Pesquisa em educação: buscando rigor e qualidade onde a autora problematiza o que se entende sobre uma boa pesquisa e os critérios tecidos para fundamentar tal argumento.

Entendemos que pesquisar demanda localizar e produzir respostas, oriundas de perguntas que se apresentam como problemas que precisam ser pensados, avaliados, problematizados, investigados. Conforme Esteves (1984, p. 5) “pesquisar, portanto, é produzir conhecimentos”. Vale ressaltar que conhecimento não é um dogma, uma verdade universal, mas ele é fruto de investigações que fundamentam aquilo que se apresenta como conhecimento dado em determinado momento e sob determinadas circunstâncias,  que precisa ser entendido a partir do contexto socio-histórico e das condições disponíveis no momento da realização da pesquisa, dito de outro modo, a produção do conhecimento se dá a partir de uma realidade sócio histórica existente, guardando consigo uma dimensão relacional, relativa e, para o campo dos Estudos Culturais da Educação, um conhecimento implicado e aplicado.

Via de regra, pesquisar é também um caminho para se questionar verdades, valores, afirmações que são feitas dia após dia, muitas vezes, esvaziadas de criticidade, reflexão, indagação. Mas, e quando a pesquisa é em educação? Conforme nos indaga André (2001, p. 52) “o que se considera uma boa pesquisa em educação?”

Frequentemente pesquisadoras/es do campo da educação são atacadas/os com o argumento de que suas pesquisas não trazem os “elementos” necessários para efetivamente serem consideradas como boas pesquisas, ou que possuam relevância social. As implicações desses ataques empobrecem a pesquisa em educação, desdobrando-se, muitas vezes, na ínfima oferta de recursos para o desenvolvimento da pesquisa, que dessa forma acabam sendo inviabilizadas, (ESTEVES 1984; ANDRÉ, 2001).

Um dos argumentos mais frequentes é na afirmação da não-neutralidade que é comum em pesquisas que tem acento no campo educativo, (ANDRÉ, 2001; ALVES-MAZZOTI, 1996; ESTEVES, 1984). Exige-se, dessas pesquisas, um distanciamento do pesquisador e do objeto pesquisado, uma imparcialidade total. Não estranhamente alguns paradigmas vão se constituindo nessa busca por objetividade, neutralidade e imparcialidade.

Alves-Mazzoti (1996), nos fala sobre esses paradigmas de pesquisa, a autora nos apresenta o pós-positivista, o teórico-crítico e o construtivista, apresentados por ela como sucessores do positivismo. Podemos depreender como eles vão se desenvolvendo e como se constituem. Existe uma luta entre eles (mais especificamente entre suas/seus adeptas(os)/defensoras(es)), no sentido de afirmação de qual o “correto” a ser seguido, essa luta é fruto dessa busca pelo fazer pesquisa e dos sentidos que são lhes são atribuídos.

A pesquisa em educação implica justamente as relações humanas, não existe neutralidade ao estudarmos o fenômeno educativo, somos movidos por interesses pessoais, que dizem de nossa vivência e de nossa prática, consequentemente das questões que nos afetam no percurso desse caminhar, (ESTEVES, 1984). É através dessas experiências pessoais que construímos e transformamos nossa realidade social. Tal fato, não tira a validade e o rigor das pesquisas em educação, pelo contrário, é essa implicação que a singulariza e a potencializa.

É na esteira desse pensamento que Educação e Estudos Culturais se entrelaçam tão bem, (WORTMANN, COSTA E SILVEIRA, 2015), a primeira pela necessidade de não ser neutra naquilo que se pretende em fazer, inclusive nas pesquisas que tem acento em seu campo, o segundo pela defesa e afirmação da não neutralidade em suas investigações, é uma das características do Estudos Culturais, a implicação, nesse sentido, quem pesquisa, pesquisa movido por algo, por interesses que a/o atravessam de diversas formas.

As autoras argumentam que essa articulação entre estudos culturais e educação permitiu ampliar as possibilidades de investigação, tanto no que se refere a instituições quanto as práticas, as produções, ou seja, os objetos de análise podem ser significativamente ampliados. Desse modo, temas que antes não poderiam serem analisados, como as questões de gênero, por exemplo, ganha-se então a possibilidade de problematizar essas questões, que perpassam ainda todo o âmbito cultural e social na qual se inserem.

Cabe, nesse percurso, ressaltar as singularidades que são inerentes ao campo dos Estudos Culturais em suas várias versões nacionais e regionais, não sendo este absorvido da mesma forma nos diversos lugares, como se fosse apenas uma transferência, o que ocorre é uma relação estabelecida com o local, com as demandas que se fazem presentes e necessárias, não podendo se pensar em Estudos Culturais sem partir do contexto social, cultural e histórico do qual falamos (ESCOSTEGUY, 1998, 2004).

Nessa direção estudar os problemas contemporâneos que perpassam a cultura, se constitui como espaço profícuo para que reflitamos sobre temas emergentes que trazem à tona demandas de grande parte de pessoas marginalizadas - mas, não só desses - questões que tocam as dimensões de gêneros, raça, sexualidades, etnia, identidade, poder, política cultural, pedagogias culturais, alteridade, entre outras, dimensões estas presentes no espaço educativo e que muitas vezes não se sabe como lidar com as demandas que são postas a partir dessas realidades. Dito de outro modo, as pesquisas em educação atreladas aos Estudos Culturais, tiveram a possibilidade de ampliação, de olhar a partir de novos horizontes, promovendo uma concepção de educação, mais diversa, mais plural, e consequentemente mais abrangente (SÉRVIO; MARTINS, 2013).

Fischer (2003) tomando por base os estudos de Michel Foucault, nos traz algumas considerações sobre a pesquisa em educação, embora em seu texto a autora esteja mais interessada nas possíveis contribuições de Foucault para a educação, podemos inferir uma reflexão que se volta sobre a importância de se investigar o que estar para além do dado, do que estar posto, buscar entender como via de regra a linguagem, por exemplo, produz subjetividades, perfis de sujeitos, modos socialmente aceitos de se viver em sociedade, e como essa linguagem desenha formas possíveis (e aceitas) de se vivenciar as sexualidades e os gêneros, dependendo de onde a linguagem se localiza poderemos potencializar as diferenças ou suprimi-las com o argumento de que somos todos iguais.

Uma vez que amplia-se o campo e mais objetos são possíveis de serem acessados na articulação entre Estudos Culturais e Educação, exige-se do pesquisador mais rigor em suas investigações, ou seja, não é qualquer “coisa” que pode ou que se tem interesse dentro dos campos anteriormente citados, mas o que se questiona é sua relevância social e acadêmica e disso o pesquisador não pode fugir, devendo estar ciente em todo seu percurso investigativo (ANDRÉ, 2001; ESCOSTEGUY, 1998).

Dentro dessa ampliação de temas e objetos, Martino (2012) nos fala sobre como os Estudos Culturais, trouxeram legitimidade para a pesquisa com práticas culturais do dia a dia, filmes, novelas, músicas, são alguns exemplos de elementos que podemos eleger como objetos de estudo, são possibilidades de entendermos dimensões culturais de nossa sociedade. Na abertura desse espaço, dentro do ato de pesquisar, os Estudos Culturais aproximam a vida cotidiana da vivência universitária, refletindo sobre as demandas sociais a partir dessas experiências que são próprias do viver em sociedade.

Em suma, o que se pretende a luz dos Estudos Culturais é ter um olhar crítico sobre essas práticas e buscar analisar os sentidos que as perpassam e que consequentemente são apreendidos e repassados de um sujeito ao outro. Dito de outro modo, trata-se de analisar o mundo de uma forma mais intensa, criteriosa e rigorosa, (BAPTISTA, 2009).

Parafraseando Escosteguy (2004), os Estudos Culturais contribuem para repensar o sentido da educação e as relações que a atravessam e as possíveis implicações que estão presentes em seus direcionamentos. A educação funciona na perspectiva da manutenção da cultura, por isso é tão importante se refletir sobre o que se ensina, para que se ensina, e quais interesses aí estão presentes, conforme nos dizem Costa, Wortmann e Bonin (2016) ao refletirem sobre as contribuições dos Estudos Culturais para as pesquisas sobre o currículo.

 

Alguns caminhos possíveis

 

Como dito anteriormente, este ensaio é fruto do componente curricular “Pesquisa em Estudos Culturais da Educação”, na oportunidade tivemos acesso a algumas possibilidades de investigação que se alinham a perspectiva dos Estudos Culturais, apresentamos na sequência algumas dessas possibilidades, ressaltando que não são elas as únicas, mas, existem caminhos outros que podem ser trilhados, sobretudo pensando a partir do caráter trans/antidisciplinar que é característico aos Estudos Culturais (SÉRVIO; MARTINS, 2013).

No que tange a dimensão antidisciplinar dos Estudos Culturais, Costa, Silveira e Sommer (2003) afirmam que não é de interesse do campo se constituir enquanto uma disciplina, no sentido mais tradicional do termo, ao invés disso, os Estudos Culturais pretendem ser um campo onde diferentes abordagens e problematizações rompem com lógicas instituídas e teorias já consagradas.

Conforme Escosteguy (1998), os Estudos Culturais não se constitui (nem tem interesse em se constituir) como uma nova disciplina, mas como um campo amplo, diverso, onde variadas disciplinas podem se interseccionar para o estudo da sociedade contemporânea, nos seus aspectos culturais, aumentando assim as possibilidades de investigação, de análise e de compreensão de determinadas realidades.

Ao nos propormos realizar pesquisas em Educação que encontram acento no campo dos Estudos Culturais, existem alguns percursos possíveis e temas de interesse que são relevantes e pertinentes para pensarmos. Uma trilha possível de ser feita, alinhavada a dinâmica dos estudos culturais, é a análise arqueológica do discurso, que conforme nos apresentam Alcantara e Carlos (2013) nos trazem apontamentos importantes e direcionamentos precisos para aquelas/es que desejarem enveredar por esse viés.

Os autores discorrem sobre a análise do discurso em uma perspectiva arqueológica, buscando delinear as sutilezas e especificidades que são próprias desse modo de fazer pesquisa que constitui uma parte do processo de construção do conhecimento. Eles elucidam ainda que a análise arqueológica do discurso não diz respeito a prática de resumos, fichamentos ou sínteses a respeito de determinado objeto/tema, mas sobre os detalhes mais ínfimos que dificilmente seriam vistos a partir de uma análise superficial. Segundo eles, são os vestígios, que aqui, nos interessam. Se ater as minúcias é o trabalho do pesquisador-arqueólogo que faz uma análise arqueológica do discurso, esse discurso (linguagem) pode ser escrito, falado ou imagético (ALCANTARA; CARLOS, 2013).

Outra possibilidade de produção do conhecimento na intersecção da Educação e os Estudos Culturais é a cartografia, que conforme nos é apresentada por Oliveira e Paraíso (2012), é sempre um convite a experienciar o novo, a ousar, e se deixar levar pelo campo de incertezas, dúvidas e hipóteses que constituem o ato de pesquisar. Com uma linguagem muito singular o autor e a autora nos convidam a “bailar”, trazer algo de novo para a pesquisa que parece ter sido sufocada por uma espécie de “camisa de força”, que adapta, corrige e direciona e que ao novo, não parece estar interessada.

Para esse metodologia, conforme nos apresentam o autor e a autora ao realizarmos pesquisas precisamos entender que existem diversos sujeitos, que escapam as normas, que mudam constantemente, que não estão fixos em um modelo único de organização, e que não carecem de uma unificação que os encaixem em padrões pré-estabelecidos, mas, que abrace e potencialize as suas singularidades.

Oliveira e Paraíso (2012) tecem reflexões sobre a vida, e como ela perpassa as pesquisas, pesquisa esta que nos é apresentada em constante movimento, a busca não é sobre certezas, conclusões, afirmações categóricas, mas sobre o devir, e a potência que esse devir tem para a pesquisa, um caráter inventivo que não quer constatar o óbvio, mas, que reinventa-se. E nesse sentido não há um modelo predefinido a ser seguido, um método adequado. Cartografar se apresenta como sinônimo de liberdade, de estar atento ao que nos escapa quando limitamos, traçamos rotas únicas que não permitem mudanças.

Ainda nesse entrelaçar de possibilidades entre Estudos Culturais e Educação, Costa, Wortmann e Bonin (2016) nos apresentam as aproximações ocorridas entre o currículo e os estudos culturais, para as autoras os Estudos Culturais em Educação tem interrogado sobre múltiplas formas o ideal do currículo, uma questão importante é pensarmos a quem interessa a forma como o currículo é organizado, nesse sentido a quem interessa, até mesmo no currículo oculto, quem define o que fica “oculto” ou aparente no espaço do currículo, e dessa forma a quem interessa os conhecimentos/saberes selecionados para serem ensinados nos espaços educativos.

Nesse processo de aproximação entre Estudos Culturais, Educação e Currículo foi possível perceber como os currículos são zonas de conflitos, de poder e também de interesses, onde as questões de cultura e de identidade são constantemente negociadas. E nesse sentido a ótica em um sujeito universal passa a não fazer mais sentido, o que se questiona é na implicação que se tem dentro desse espaço (currículo), onde se produz sujeitos que se chocam com definições do que elas/es podem ou mesmo devem ser.

Os caminhos aqui apontados são caminhos possíveis para investigarmos temas e objetos de interesse dos Estudos Culturais, que via de regra, se comprometem com as mais variadas formas de expressão humana, cultural, identitária, crenças, costumes. Elementos que nos ajudam a pensar os mais diversos sujeitos que compõem a nossa sociedade. Sem amarras, distinções ou preconceitos. É um constante questionar do que estar posto, muitas vezes como verdade dada e absoluta, e um convite sempre presente a entender que na gênese das supostas “verdades”, existem ‘n’ fatores a serem problematizados/analisados.

É essa marca que singulariza os Estudos Culturais, essa abertura ao novo, ao que, talvez, ainda nem existe, mas que pode vim a ser, é sobre essas demandas (e as que ainda estão por vir) que encontram acento nos Estudos Culturais e que podem ser investigadas sob variadas lentes. E é no limiar dessas questões que gêneros e sexualidades se potencializam quando vistos a partir da lente dos Estudos Culturais, objetivando a potência presente na diversidade, no novo, na pluralidade.

Sérvio e Martins (2013), ao apontarem o caráter antidisciplinar dos Estudos Culturais elucidam que é justamente essa característica, que faz com que esse campo possa “flertar” com uma possibilidade maior de caminhos metodológicos e de posições teóricas diferentes. Essa abertura a novas possibilidades potencializa o fazer pesquisa, oportunizando um repertório teórico-metodológico, que não é sempre a mesma coisa, mas, que também não pode ser qualquer coisa.

Embora, esse seja um dos fatores que dão base aos ataques aos Estudos Culturais, por ele não ter um “repertório” próprio para chamar de seu, mas ter um caráter inventivo, que não quer se engessar em uma forma única de pesquisar, que abre um leque de possibilidades que amplia significativamente o campo de atuação/investigação, e que acessa diversas áreas do conhecimento com a finalidade de poder analisar o objeto alvo de sua investigação, sob diversas perspectivas teórico-metodológicas, que oportunizem assim uma compreensão mais ampla, precisa e rigorosa, nas análises realizadas (ESCOSTEGUY, 2004; MARTINO, 2012).

Considerações (que não se pretendem finais)

 

As reflexões postas aqui nesse ensaio nos levam a refletir sobre os Estudos Culturais e Educação, em certa medida distintos, mas, que se complementam como foi possível exemplificar ao longo do ensaio. As ponderações feitas no percurso dessa escrita, chamam a atenção sobre o mundo no qual vivemos e em como ele vem mudando no percurso histórico. As transformações pelas quais o mundo tem passado traz consigo avanços sobre muitos aspectos, mas há também uma série de retrocessos.

Os casos de preconceito, discriminação, violência, ainda são uma realidade muito presente. Olhar para esse cenário com estranhamento e dizer não a naturalização do que estar posto é um convite e algo a que se pretende os Estudos Culturais, para tanto a instância cultural assume um papel central, entendida como uma prática social que está presente em todos os espaços e é construída na e pelas relações socialmente realizadas, cultura entendida sob a ótica dos Estudos Culturais, fruto das relações humanas em todas as suas esferas e não um privilégio de certos grupos sociais.

No bojo dessas reflexões os Estudos Culturais, vinculado ao campo da educação potencializam os estudos sobre gêneros e sexualidades, trazendo para o centro da discussão todos e todas que em muitos momentos são tidos enquanto desviantes da norma que privilegia a heterossexualidade, tida enquanto naturalmente dada, quando vista sob a ótica biologicista, o alargamento dessas questões enriquece a educação sexual, que desse modo, rompe com a ideia de que educar sexualmente é falar, apenas, sobre a reprodução/perpetuação da espécie, mas, falar sobre todas as nuances que perpassam esse cenário e a vida humana em toda sua pluralidade.

Colocar essas questões em “xeque”, olhá-las com desconfiança e indagação tem sido uma possibilidade para aqueles que pretendem trilhar o caminho, nada linear, que se constrói na articulação, necessária, entre Estudos Culturais e Educação. Se pensarmos a longo prazo a forma como atribuímos significados as coisas, ou como normalizamos o preconceito, o machismo, a discriminação em todas as suas esferas, chega a ser irracional, a nós, que nos autodeclaramos racionais.

Entender as nuances que perfazem o campo da Educação e entender que ela é uma ferramenta que funciona na manutenção da nossa estrutura social, do nosso campo cultural. Compreender então que os seres são singulares e que tentar colocar todo mundo dentro da mesma ‘caixa’ é uma prática que não nos cabe, ou ao menos não deveria caber. Os Estudos Culturais conforme podemos perceber, traz essa característica e surgem mediante essa necessidade de fugir aquilo que já se tem ou que achamos já saber. É uma nova lente, é um novo olhar. E com isso não pretendemos dizer que é ele a panaceia que salvará a educação, mas certamente é um outro caminho possível para ao menos tentarmos fazer algo diferente.

As contribuições teórico-metodológicas dos Estudos Culturais a Educação, e também podemos pensar no sentido oposto da Educação aos Estudos Culturais, é perceptível na amplitude de temas/objetos que ganham destaque e espaço para serem investigados e problematizados, esse é um dos principais ganhos na articulação entre os dois campos, onde novas investigações são possíveis de serem realizadas, nos ajudando a compreender aspectos culturais que perpassam o nosso viver em sociedade e que diz sobre como os indivíduos são singulares e específicos.

Embora as contribuições sejam muitas e as possibilidades de se pesquisar também, existe algo que o/a pesquisador/a precisa estar atento, a forma como produzimos nossas pesquisas e como justificamos as nossas escolhas por esse ou aquele objeto precisam seguir um rigor e uma qualidade, afinal isso reverbera no próprio financiamento da pesquisa pelas agências de fomento. Embora, mais burocráticas, são questões que não podem ser desconsideradas.

São elementos que nos fazem refletir sobre as condições da pesquisa e da pós-graduação, em nosso país, sobretudo nas áreas das humanidades. Sabemos do descaso e dos desafios que são impostos aos pesquisadores/as que com muitos entraves buscam desenvolver suas pesquisas. Pesquisar implica produzir conhecimento, por isso devemos estar atentos/as a forma como desenvolvemos e justificamos nossas práticas investigativas.

Na tecitura desse ensaio podemos inferir que os Estudos Culturais buscam construir uma reflexão crítica sobre os fenômenos sociais, sobre aquilo que socialmente tem sido tido como normalizado/naturalizado, instituído, na perspectiva de olhá-los com dúvidas, com incerteza, com perguntas e com problematização. Dessa forma configura-se enquanto um campo teórico que é sempre implicado. Que sempre leva o pesquisador a se colocar na pesquisa. Pois o ato de pesquisar acontece por interesses dos mais diversos, nunca sendo uma prática neutra e esvaziada de motivações.

O fato de as pesquisas que tem acento no campo dos Estudos Culturais, serem assumidamente implicadas, não significa que as que se dizem neutras de fato sejam neutras, toda pesquisa é movida por interesses diversos, mesmo as que se julgam neutras, as ações são realizadas por seres humanos, que são movidos por interesses outros e de diversas ordens.

Afirmar-se implicado e assumir isso perante as próprias produções só mostra a seriedade com a qual os Estudos Culturais veem as pesquisas realizadas em seu campo investigativo. O posicionamento do pesquisador na perspectiva da implicação nos dá elementos para pensar as motivações singulares que o levaram a se dedicar no estudo e na investigação de determinado objeto/tema que lhe despertou interesse.

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