Metadados do trabalho

Emoções, Desafios E Superações Dos Docentes E Discentes No Cenário De Pandemia E Pós-Pandemia

Carla Roberta Sasset Zanette

RESUMO: Esta proposta de investigação ancora-se na experiência vivenciada no contexto escolar da educação básica nos anos marcados pela pandemia Covid-19 e pelo cenário pós-pandêmico. O objetivo consiste em dar voz aos docentes e discentes, a fim de explicitar relatos e buscar subsídios para contribuir com os processos de ensino e aprendizagem, após o retorno presencial, tanto nas questões socioemociais quanto na busca de estratégias de recuperação de aprendizagens. Os alicerces teóricos que norteiam esta pesquisa fundamentam-se, essencialmente, na teoria da relação com o saber, desenvolvida por Charlot e seus colaboradores. Os resultados evidenciam a importância de serem pensadas políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de projetos socioemocionais, bem como de recuperação ou recomposição das aprendizagens.

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Como citar este trabalho

ZANETTE, Carla Roberta Sasset. EMOÇÕES, DESAFIOS E SUPERAÇÕES DOS DOCENTES E DISCENTES NO CENÁRIO DE PANDEMIA E PÓS-PANDEMIA. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/653-emo%C3%A7%C3%B5es-desafios-e-supera%C3%A7%C3%B5es-dos-docentes-e-discentes-no-cen%C3%A1rio-de-pandemia-e-p%C3%B3s-pandemia. Acesso em: 16 out. 2025.

EMOÇÕES, DESAFIOS E SUPERAÇÕES DOS DOCENTES E DISCENTES NO CENÁRIO DE PANDEMIA E PÓS-PANDEMIA

INTRODUÇÃO

 

A viabilização precária de aulas online ou de distribuição de atividades pedagógicas representou a alternativa possível para que os alunos pudessem ter, minimamente, aprendizagens escolares. No entanto, era esperado que no retorno presencial lacunas e defasagens cognitivas fossem evidenciadas, bem como o surgimento latente de questões socioemocionais. Deste modo, primeiramente, procuramos escutar os professores, seus dizeres, saberes, suas angústias, medos e superações no que diz respeito aos momentos vivenciados na pandemia e no retorno à escola. Para tanto, foram realizadas entrevistas com professores que atuam na educação básica de escolas públicas do município de Caxias do Sul.

Contextualização do cenário pandêmico no âmbito educacional

 

O isolamento social provocado pela pandemia mundial da COVID-19 trouxe à área da Educação desafios e incertezas nunca antes vivenciados. Diante da suspensão das aulas presenciais, o cotidiano educacional precisou ser redimensionado e ressignificado em um tempo muito rápido. Professores tiveram de pensar estratégias que garantissem ações eficazes para que este processo diferenciado obtivesse êxito, projetando novas possibilidades de ensino e aprendizagem. Compreender o que pensam e sentem os professores, tanto nos âmbitos emocionais quanto nos físicos, é o propósito maior desta escrita. Para tanto, pressupõe adentrar o cotidiano escolar, promovendo uma escuta reflexiva e sensível ao docente, o qual evoca suas emoções e percepções nas ações e na tomada de decisões, considerando a complexidade dos desafios a serem enfrentados diante do ineditismo e do contexto de incertezas.

Sabemos que a pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19) ocasionou o distanciamento social. Embora muitas sejam as interfaces que rondam o protagonismo exercido pela saúde na tentativa de combater o vírus e salvar vidas, não temos como deixar despercebido o movimento educacional que perpassa todos os atores do processo educativo, desde a suspensão presencial das aulas. Diante desse contexto, inúmeras foram as situações que modificaram a rotina dos lares, das famílias, dos estudantes, e, especificamente, dos professores. Em instantes de tempo, professores tiveram de ressignificar seus modos de planejar e ministrar aula. Muitos criaram e recriaram espaços de ensino simulados aos do ambiente escolar, buscando estratégias para minimizar as lacunas provocadas pelo distanciamento social. Disponibilizaram seus whatsapps para contatos com famílias, estudantes, sempre com o propósito maior de resgatar o vínculo afetivo e a aprendizagem. Espaços e tempos foram redimensionados em favor de alternativas de aproximação não presenciais. Esforços não foram medidos para que o conhecimento pudesse chegar aos estudantes.

A partir de vivências percebidas e interpretadas em narrativas verbalizadas em escrita pelos docentes que atuam na Educação Básica da Rede Municipal de Caxias do Sul, é possível compreender um pouco o que sentiram e pensaram os professores naquele momento de ressignificação do ser e fazer docente. Por que os professores se desafiaram e ousaram em suas iniciativas com o propósito de levar o conhecimento até o aluno? O que mobilizou os professores a ensinar e a continuar acreditando na educação, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas no cenário educacional, percebidas nitidamente no contexto de pandemia. Pois bem, não precisamos investigar muito para saber que os motivos utilizados transcenderam a questão salarial e a obrigatoriedade da profissão.

O professor revela que existe uma relação ativa com o saber que ensina, bem como um vínculo afetivo com seus estudantes, aspectos esses que o mobilizam a ensinar. Nesse sentido, o professor é um sujeito que se relaciona com o saber, isto é, consigo, com os outros e com o mundo, articulando e promovendo situações dialógicas que possibilitem aprendizagem para si próprios, para os alunos e para o mundo, tornando-se, assim, um profissional e um ser humano melhor.

Com o propósito de fundamentar conceitualmente a relação do professor com suas emoções e com o ensinar no contexto de pandemia, buscamos em Bernard Charlot, pressupostos que dialogam com esse entendimento. Charlot define a concepção de homem como um ser humano incompleto, inacabado, que se apropria de um saber construído histórico-social-culturalmente. Por conseguinte, aprender é condição para o ser tornar-se humano. Para Charlot, um sujeito é:

um ser humano aberto ao mundo, movido por desejos e em relação com outros seres humanos; II) um ser social, que nasce e cresce em um ambiente familiar, que tem uma posição em um espaço social, que está inscrito em relações sociais; III) um ser singular, exemplar único da espécie, tem história própria, interpreta o mundo, atribui sentido a esse mundo, à posição que ocupa nele, às relações com os outros, à sua própria história, à sua singularidade. CHARLOT (2000, p.33).

 

O autor (2000) entende que as relações com o saber podem ser definidas sob três dimensões: epistêmica, de identidade e social. A relação epistêmica pressupõe entender os diferentes sentidos de como o indivíduo percebe sua própria aprendizagem, a partir de diferentes finalidades. A relação com o saber é social, pois envolve princípios que estruturam a sociedade. Da mesma forma, é de identidade, uma vez que expressa a identidade do sujeito. Essas relações, por sua vez, se constituem de modo interdependente. A noção da relação com o saber busca compreender, entre outros aspectos, “como o sujeito apreende o mundo e, com isso, como se constrói e transforma a si próprio: um sujeito indissociavelmente humano, social e singular” (CHARLOT, 2005, p. 41).

A relação do docente com o saber, no contexto atual, considera o objeto de saber, mas também as emoções e experiências vivenciadas consigo, com o outro e com o mundo. Neste sentido, entendemos que os professores se mobilizaram a ensinar. Mas o que levou eles a se mobilizarem? Muito provavelmente foi o sentido e o desejo de ensinar seus alunos. Segundo Charlot, mobilizar “é pôr recursos em movimento”, “(...) é também engajar-se em uma atividade originada por móbiles, porque existem ‘boas razões’ para fazê-lo” (CHARLOT, 2000, p.55). Móbile é entendido aqui como movimento interno do sujeito, ou seja, o desejo que leva à atividade.

 Por certo, é possível pensar que a suspensão presencial das aulas, no momento de pandemia, ativou a relação do docente com o saber, ressignificando as concepções e o entendimento para e com a educação. Conforme Charlot, para que o sujeito se mobilize, faz-se necessário que ele atribua sentido ao que está aprendendo/ ensinando, isto é, quando o sujeito se coloca em situação de movimento por móveis que exprimem desejo, sentido, valor. Em outras palavras, o sentido atribuído ao saber pressupõe o envolvimento e a realização das práticas educativas.

É a aula em ação que movimenta o professor. Assim, o desejo de movimento pela aprendizagem do estudante orienta o professor a buscar alternativas de novas relações com o saber, as quais estão envolvidas e engajadas com vivências, emoções e experiências da docência, na relação consigo, com o outro e com o mundo. Adentrar o cotidiano escolar, direcionando o olhar e a escuta ao docente, por meio de narrativas escritas, permitiu que subjetividades fossem evocadas, em um processo de relação com o saber.

Isso significa compreender a complexidade que envolve a construção do currículo escolar articulada aos processos de ensino e aprendizagem. A relação do docente com o saber pressupõe entender os sentidos, ou seja, o que pensam e sentem os professores quando o assunto diz respeito à educação, evocando seus desejos e medos. Isso requer compreender as transgressões, os conflitos, os desejos de cada docente. Cada um se sente e se diz professor a partir das experiências e vivências que o constituem, num processo de imbricamento entre o eu profissional e o eu pessoal. Desse modo, “a maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino.” (NÓVOA, 1992, p.16).

A questão fundamental é a necessidade de compreender as emoções que atravessam o ser e o fazer docente, no sentido de dar voz aos sonhos, desejos, medos, angústias, em um processo reflexivo sobre a relação do docente consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Conforme Charlot (2005, p. vi), compreender os professores implica “interessar-se não somente por sua relação com o saber (com sua relação e a de seus alunos) mas também pela relação com o ensinar (com a situação e com a atividade de ensino).”

Sob essa perspectiva, o professor é concebido como um sujeito incompleto, inconcluso, em constante aprendizagem. Um ser singular, que assume uma posição social, ao se relacionar com o ensinar e com o aprender.

 Com o propósito de preservar os registros das memórias vivenciadas no cenário educacional durante a pandemia, os professores da Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul foram desafiados a escrever narrativas retratando as experiências e percepções vivenciadas nesse contexto de pandemia e de distanciamento social. A escrita teve a intenção de promover o protagonismo e a autoria docente, como uma forma de dar voz às emoções que perpassam as relações humanas, a historicidade dos sujeitos, as vivências e saberes. Para provocar e desencadear as narrativas, alguns questionamentos foram propulsores: “Como você se sentiu na pandemia? Quais foram suas emoções nesse momento educacional? Que seres humanos somos após a pandemia? Essas indagações provocaram o registro de histórias repletas de angústias, dores, incertezas, medos, entrelaçados à esperança, à ousadia, à ressignificação, à reinvenção e à transformação da educação e dos seres humanos, as quais reverberam mudanças pessoais e profissionais e implicam uma nova travessia.

Diante disso, apresentamos alguns depoimentos de professores, os quais são identificados por Professor 1, Professor 2, sucessivamente, a fim de manter o anonimato do entrevistado.

Assim como era uma preocupação para os pais, para nós professores também. Como alcançar nossos estudantes? Um sentimento de impotência nos invadiu e nos fez reinventarmos nosso pensar pedagógico de muitas maneiras. Tivemos que sair da nossa zona de conforto para irmos em busca de novas estratégias, muitas das quais nem dominávamos. (Professor 1)

 

A narrativa do professor revela o olhar acolhedor em relação às necessidades de aprendizagem dos estudantes e a busca de alternativas para garantir o direito à educação e o comprometimento da equipe diretiva e dos professores no atendimento às famílias. Impressiona a relevância de o professor estar aberto para uma aprendizagem que rompe com as barreiras dos tempos e espaços, colocando à prova as diferentes teorias de aprendizagem e suas concepções balizadoras. Ao compreender a dimensão histórico-social vivenciada, houve a necessidade de reinventar o papel da educação, com a finalidade de buscar estratégias diferenciadas para que a escola pudesse cumprir sua função social de garantir a aprendizagem a todos.

Neste quesito, a observação, o planejamento, a ação coletiva, a experiência e o apoio da equipe gestora foram fundamentais para o apoio pedagógico e para a execução de ações viáveis e eficazes, diante de muitos percalços.

 

Desde o início tivemos apoio da equipe diretiva em relação aos passos iniciais a serem tomados e as diretrizes do andamento dos Estudos monitorados. Utilizamos a ferramenta do WhatsApp, atendemos diariamente das 8:00 às 12:00, de segunda a sexta-feira, tirando dúvidas, dando explicações e tentando auxiliá-los no que for necessário, para que pudessem realizar as atividades que foram enviadas fisicamente. Como professoras, nos unimos e tivemos oportunidade de planejar e pensar juntas (mesmo que online) cada atividade a ser entregue, visando assim ao entendimento e à aprendizagem significativa do aluno. (Professor 2)

 

Neste sentido, percebemos que a articulação com o grupo e com toda a comunidade escolar foi fundamental para possibilitar segurança, tranquilidade e efetivação do planejamento pedagógico, permitindo que os professores partilhassem saberes e construíssem caminhos possíveis, conforme a narrativa:

 É preciso ressaltar-se que, como tudo foi inédito nos anos de 2020 e 2021, percebeu-se, mais do que nunca, a necessidade primordial do trabalho coletivo, participativo e que dialoga incessantemente com todos os atores da comunidade escolar para que se pudesse, minimamente, ter firmeza na condução dos processos educativos nesse período de pandemia (Professor 3)

 

Os relatos dos docentes evidenciaram esforços em busca de compreensão do contexto em que se encontraram, buscando melhorias diante do “caos”:

Durante a pandemia, tivemos de olhar para nosso interior e perceber que tipo de transformação era necessária, e que era preciso ter para nos libertarmos de velhos hábitos e darmos um salto rumo à mudança, percebendo que somos parte de algo muito maior do que imaginamos. (Professor 4)

 

O entendimento da educação como processo, potencializou a resiliência do professor, bem como o cuidado com sua saúde física e mental e demonstrou a responsabilidade da escola no atendimento aos estudantes. A tomada de consciência sobre a importância da vida circundou o âmbito escolar, potencializando novas formas de conceber o currículo e os processos de ensino e aprendizagem passam a ser dimensionadas e refletidas.

As intenções foram as melhores, espero que as sementes lançadas deem bons frutos posteriormente. Aos poucos tudo está voltando à normalidade. Percebo, por exemplo, muitas dificuldades de leitura, compreensão em meus alunos, mas não vou me desesperar com isso. De que adianta? Farei o melhor que posso hoje da maneira que consigo. Se no ano que vem eles ainda tiverem dificuldades muitas, começo tudo de novo. Afinal não é essa a função do professor? (Professor 5)

 

Por certo, a relação com o saber, de Charlot, estabelecida na relação com o eu, com o outro e com o mundo, pode ser compreendida na medida em que o professor, sujeito que se relaciona com o saber, percebeu que a pandemia nos deixou grandes legados, que nos orientam para uma qualificação interior, uma vez que

Esse vírus chegou para desvelar nossas fragilidades, nossas limitações e a necessidade de nos colocarmos no lugar do outro, para não perdermos, em primeiro lugar, nossa saúde e nossas vidas e, por fim, nossa humanidade. (Professor 6)

 

Nessa linha de pensamento, em que todos estão, de certo modo relacionados, o senso de coletividade, a empatia e a solidariedade são intensificados e evidenciam o seu potencial para a resolução das questões da melhor forma possível.

Essa excepcionalidade provocada pela pandemia desencadeou incerteza, angústia e medo, ao mesmo tempo, impulsionou a renovação, a reinvenção e a mudança, tanto na dimensão individual/pessoal quanto na coletiva/profissional. (Professor 7)

 

            As narrativas dos docentes explicitaram o quanto cada um procurou fazer o seu melhor, mesmo que diante de situações tão adversas, de um futuro incerto e de não saberes constantes. Reinventar passou a ser palavra orientadora. A preocupação em mediar os recursos tecnológicos seguros disponíveis e a realidade da comunidade escolar, a segurança das informações tanto dos professores quanto dos estudantes, revelou a presença de uma equipe responsável, comprometida, acolhedora e cuidadosa.

Diante de tantas dificuldades, muitas experiências positivas foram vividas (..) aprender coisas novas é muito bom!!! Foi um momento inovador gerou diversos aprendizados, a busca pelo conhecimento é enriquecedora.  (Professor 8)

 

Embora permeadas de adversidades, é possível perceber, nas entrelinhas das narrativas, o sentimento de esperança e de valorização do professor. Sentimentos que se mesclam com o desejo de dias melhores e de novas formas de perceber a docência e o ser humano. Transformações e ressignificações de conceitos curriculares, de avaliação, de concepções educacionais, bem como da própria existência humana.

Quero um mundo com mais flores, menos dores e muito mais amores, pois foi e está sendo um momento histórico na vida de cada ser humano, que passou batido para uns, sem significação; e para outros, de grandes transformações. Foram dois anos de muitas emoções, risos e lágrimas, mas, acima de tudo, de muito aprendizado e resiliência. Ninguém e nenhuma tecnologia substitui a presença de um professor em sala de aula. A vida escolar será vista por toda a humanidade com prioridade, pois nunca uma sala de aula cheia e um professor fizeram tanta falta. (Professor 9)

 

As narrativas retrataram ainda os diferentes e variados recursos que o professor utilizou no isolamento social para manter o vínculo com seus alunos, tanto por meio de tecnologias contemporâneas quanto pelo papel impresso, pois no início, a grande dificuldade foi encontrar uma forma que fosse significativa para os estudantes. E também de como conseguir o retorno das aprendizagens.

A quarentena reforçou a ideia de que não poderia trabalhar na frente de um computador, não nasci para isso...Escolhi ser professora pelo contato direto do olho no olho.  (Professor 10).

 

Após o diálogo apresentado e interpretado na voz dos docentes, explicitam-se as interlocuções estabelecidas com os estudantes, a fim de compreender suas percepções sobre a escola, a pandemia, as aprendizagens, revelando seus medos e alegrias.

Participaram desse momento 09 estudantes que frequentam o nono ano do Ensino Fundamental, com idade de 13 a 17 anos. Esses estudantes escreveram suas narrativas nas aulas de Língua Portuguesa, fazendo uso do tempo necessário. Alguns escreveram muito rápido; outros demoraram mais, escreviam, pensavam, erguiam a cabeça, retornavam ao papel. Percebemos que alguns se emocionavam ao escrever e choravam.

Inicialmente explicamos aos alunos de que se tratava a proposta de escrita, que iriam fazer um balanço dos momentos vivenciados em casa durante a pandemia, das aprendizagens que tiveram, dos estudos e agora, no retorno. Falamos que não precisavam se preocupar com notas, com avaliações. Assim, poderiam escrever livremente, abrindo espaço para seus pensamentos e emoções.

Ao concluírem suas escritas, os alunos entregaram suas narrativas, as quais foram lidas e interpretadas. Como recortes do que foi analisado e percebido, são apresentados a seguir, alguns fragmentos de narrativas, cuja autoria é identificada como aluno 1, 2, 3, e assim sucessivamente, a fim de manter a identidade preservada.

Aluno(a) 1

Na pandemia eu não conseguia prestar atenção nas aulas, hoje não lembro de quase nada que aconteceu, sendo sincera, apenas no início das aulas não presenciais eu senti um pouco de falta da escola, mas ao decorrer desses últimos anos, não senti muito, fiquei bastante nervosa para quando iriamos voltar para a escola. Ao retornar para as aulas presenciais me sentia ansiosa, nervosa e com muito medo porque na pandemia eu me limitei de quase tudo, quase nem saia, nem tinha contato com outras pessoas e isso fez eu achar que os outros me julgavam e amei a ideia de usar máscara. Eu acho que após a pandemia, a escola ficou um pouco diferente da última vez que me lembro, pois toda aquela alegria que tinha parece que sumiu e as pessoas ficaram julgando mais ainda os outros por errar uma questão que não entendeu.

 

Pela narrativa descrita, percebemos que durante a pandemia a aluna revela não ter conseguido “prestar atenção nas aulas” online, e de quase não sentir falta da escola. Esse fato pode retratar uma relação de distanciamento com a escola. Constamos que o retorno presencial foi gerador de ansiedade, medo e nervosismo por parte da aluna, tanto pelas interações sociais quanto pela exposição das possíveis dificuldades de aprendizagem que agora se evidenciavam presencialmente. No que diz respeito ao entendimento sobre medo, Freire e Shor (1993, p. 70) explicitam que é importante reconhecermos “que é normal sentir medo. Sentir medo é uma manifestação de que estamos vivos. Não tenho que esconder meus temores. Mas, o que não posso permitir é que meu medo seja injustificado, e que me imobilize.”

Outra questão importante a ser interpretada, porém não com a devida profundidade no âmbito desta investigação, diz respeito à aluna amar “a ideia de usar máscara”, o que pode representar a exposição física dos jovens em relação ao padrão de beleza, estereótipo idealizado, aos possíveis constrangimentos e práticas de bullying, muitas vezes encontradas entre os jovens. A máscara para os jovens, talvez, possa ter sido um escudo das imperfeições, uma alternativa que permitia a invisibilidade diante dos olhos dos outros. E mais, para a aluna, a escola perdeu a alegria e hoje é lugar de julgamento das falhas, das não aprendizagens.

 

Aluno(a) 2

Quanto à mobilização para se adaptar ao novo modelo não presencial, não tive muita efetividade. Por não ter tido tão boas experiências na escola naquele período e a mesma ter me oferecido malefícios, acabei não sentindo falta do ambiente. O cenário era imediatamente diferente e havia muitas distrações, o que dificultava bastante o discernimento e a compreensão sobre as matérias. Já em relação à volta às aulas, foi bem melhor do que imaginei, pois minha escola se adaptou ao problema dos alunos e retomou conteúdos anteriores.

 

Na narrativa acima, interpretamos que o estudante não teve uma boa relação com a aprendizagem no contexto não presencial. Todavia, mesmo reconhecendo suas dificuldades em adaptar-se ao sistema não presencial, o estudante explicita não sentir saudades da escola e que essa havia lhe “oferecido malefícios”. Percebe-se que o estudante não menciona quais malefícios, talvez pelo fato de não querer relembrar o que lhe causou mal.  O estudante menciona que se distraía facilmente, o que lhe ocasionou a compreensão dos conteúdos.

Quando escreve sobre o retorno, parece haver um brilho no estudante, ao reconhecer que a escola entendeu as defasagens dos alunos e proporcionou alternativas de recuperação das aprendizagens. Percebe-se uma mudança na relação do estudante com a escola antes e depois da pandemia, isto é, uma relação mais próxima.

 

Aluno(a) 3

Pra mim aprender com as aulas online foi muito difícil, eu tentava me concentrar mas, muitas vezes, tinha algo me distraindo. De início eu até fiquei feliz que a gente ficaria um tempinho sem aula, mas quando eu vi que esse tempinho não seria tão curto eu não gostei mais da ideia. Como naquele tempo eu era um pouco envergonhada, quando eu tinha alguma dúvida sobre a matéria normalmente eu não perguntava nas aulas online e isso fazia muito mal pra minha aprendizagem. Eu lembro que eu ficava torcendo pros professores não pedirem pra mim ligar a câmera, mas eu amava quando eles pediam pros meus colegas ligarem, eu me sentia tão bem vendo o rosto deles de novo, e me perguntava: "quando tudo vai voltar ao normal?" Era só isso que eu queria naquele momento. Eu me sentia muito estranha passando todo esse tempo sem ir pra escola, sem ver meus amigos, parecia que aquilo nunca ia acabar. Quando finalmente eu ouvi a notícia que as aulas presenciais iriam voltar sem as restrições, eu simplesmente não conseguia acreditar, minha felicidade era algo sem explicação. Com tudo isso que aconteceu, eu aprendi a valorizar essa rotina, eu aprendi a valorizar essa liberdade. Muitas vezes eu não tô muito animada pra ir pra escola, mas eu lembro como eu queria isso há alguns meses, então eu me animo e vou, no final é o lugar que eu mais me divirto e eu me sinto muito bem com meus amigos!

 

Entendemos, por meio da narrativa descrita, que o período de afastamento foi muito cruel, especialmente para os alunos tímidos, envergonhados, uma vez que esses tinham dificuldades de se expressar nas telas dos computadores, em lugar as câmeras. Percebemos, também, que havia o desejo de ver o outro (colega) nas câmeras, mas não o desejo de mostrar-se. A relação eu e outro parece estar muito próxima neste enunciado.

Além disso, constatamos um certo “estranhamento” do aluno em relação a esse novo sistema de ensino e de vida, de afastamento dos amigos. O relato acima deixa claro a alegria e animação do estudante em poder retornar à escola, especialmente, para rever os amigos. A relação com o estudante é fortificada com a presença física na escola, esta entendida como o lugar de estar com amigos, “lugar que eu mais me divirto e eu me sinto bem com meus amigos!”

 

Aluno(a) 4

Não, eu não consegui me mobilizar para aprender de modo não presencial. Eu senti muita falta da escola, dos meus amigos, dos professores, das bagunças, das aulas malucas e divertidas. Eu acho que não consegui aprender tanto, pois não tinha um professor ali pra me ajudar quando eu precisava, ou quando eu tinha dificuldades, mesmo eles explicando pelo computador, eu não conseguia acompanhar. Depois que voltei ao presencial, eu senti muito medo de não conseguir fazer as coisas, pois eu tinha medo de não conseguir entregar o que os professores pediam, mas aos poucos fui conseguindo a voltar ao normal e melhorar minhas notas. A escola mudou um pouco após a pandemia, os professores também, os professores começaram a entender mais os alunos e respeitar o limite deles, dar apoio, ajudar a entender.

 

O estudante 4 evidencia a importância de ter presencialmente o professor na explicação das atividades, dos conteúdos. Deixa claro que não conseguiu aprender durante o período de suspensão das aulas presenciais. Segundo Charlot (2013, p. 120), não existe “educação sem exigências, normas, autoridade. Educar é possibilitar que advenha um ser humano, membro de uma sociedade e de uma cultura, sujeito singular e insubstituível.”

Ao mencionar o retorno à escola, sinaliza o medo inicial de não corresponder às exigências escolares, medo de não conseguir realizar as atividades, provavelmente, por entender que aprendeu muito pouco na pandemia.

Interessante notar que, para o estudante, a escola mudou um pouco após a pandemia, uma vez que os professores “começaram a entender mais os alunos e respeitar o limite deles, dar apoio, ajudar a entender”. Parece que uma nova relação com o saber foi estabelecida para esse aluno, na qual os professores entendem mais os alunos. Assim, para o estudante, a escola se tornou mais compreensiva pós-pandemia.

Aluno(a) 5

 De forma não presencial pra algumas pessoas pode até ser considerado mais fácil, mas eu senti muita falta de uma explicação e professores me auxiliando. No início do retorno da escola eu não gostava de ir, eu não tava mais acostumado a ir pra escola e essas coisas, mas depois de alguns meses eu já me acostumei e consegui pegar os conteúdos de quase todas as matérias.

 A escola mudou bastante pós- pandemia, muitas coisas que éramos acostumados antigamente já não têm mais, mas aos poucos eu percebi que a escola tá voltando a ser como era. Acho que não consegui aprender por falta de vontade minha.

Eu confesso que não senti falta da escola em si, mas senti de alguns colegas. Nos tempos de pandemia eu passava muito tempo no celular, por isso ensino a distância foi um pouco difícil pra mim, eu ficava muito tempo no celular e não queria mais estudar.

 

Novamente a ausência física do professor e de suas explicações é mencionada como um dos fatores que tornou difícil a aprendizagem. O estudante deixa claro que não sentiu saudades da escola (local de aprendizagem), mas sim “de alguns colegas”. Percebemos a resistência do aluno em querer retornar presencialmente à escola, bem como uma autoculpa por não ter aprendido significativamente durante a pandemia, provavelmente por ter “ficado muito no celular”.

 

Aluno(a) 6

Na pandemia eu fiquei muitas aulas online sem participar porque não tinha vontade de fazer nada, mal sair da cama eu tinha vontade, e com isso eu percebi o quanto a escola me distraía, eu me socializava bastante fora que o ensino presencial é muito melhor, então eu realmente senti muita falta da escola. No início quando eu voltei pro presencial eu senti que não sabia mais fazer amigos, pelo contrário, eu comecei a ter fobia social, não gostava de ficar em lugares cheios mas com o tempo isso passou e o ensino presencial é realmente bom porque você consegue tirar suas dúvidas ali na hora com os professores fora que você distrai sua cabeça estudando do que pensando nos problemas de casa. E eu acredito que mudei muito de antes da pandemia para agora, mas eu acho que isso é mais questão de amadurecimento.

 

Mais uma vez a escola é considerada como um espaço de interação, de socialização, de amizades. Na narrativa acima, compreendemos que o estudante sentiu falta da escola, especialmente por que nela tinha amigos; sem ela, passou a ter “fobia social”. A relação do estudante com a escola se constitui nos laços de amizade, nos momentos em que não fica “pensando nos problemas de casa”. Interessante apontar que até então, por meio dos balanços interpretados, não se percebeu relação de falta de saber mais os conteúdos escolares. Escola é local para ver amigos, para estar com eles, segundo os estudantes.

 

Aluno(a) 7

Entendo que tive um pouco de dificuldade no início, principalmente pra fazer amigos. Eu senti e não senti falta da escola. Eu acho que seria legal a gente fazer aulas online, ano passado eu não levava muito a sério, mas como eu comecei a "romantizar" os estudos eu acho que eu levaria muito a sério e não faltaria. Continuando... Eu senti, mas não senti falta da escola.

 Eu acho que eu aprendi e sou um bom aluno, obviamente não sou o que tira nota máxima em todas as matérias, mas eu geralmente tiro notas boas, a única coisa que eu acho que tenho que melhorar é um pouco em matemática e ciências. Ao voltar pra escola, me senti sozinho e meio isolado, mas com o tempo fui criando intimidade com as pessoas novamente, e agora eu tou começando a interagir muito mais. E eu não acho que a escola mudou após a pandemia.

 Tenho medo de reprovar e ter que começar tudo de novo, tenho de ir mal nas provas. Gosto de fazer amigos, ir bem nas provas, ter o caderno bonito, e principalmente uma letra bonita. Algo que me deixa muito orgulhoso e feliz é ter o caderno bonito e decorado, me deixa motivado demais

 

No texto acima entendemos que há uma indecisão no estudante em saber se sentiu ou não falta de estar presencialmente escola. Afirma que sentiu, mas, ao mesmo tempo, gostou das aulas online, mesmo que “não levava muito a sério”. Ou seja, ficar em casa, ter aulas online também teve seu lado bom, um novo jeito de aprender, que inicialmente pode ter sido difícil, mas que poderia ser experimentado novamente em alguns momentos. Por meio da narrativa do aluno, percebe-se o desejo de vivenciar um ensino híbrido, com situações de aprendizagens ora presenciais na escola, ora online, em casa. Talvez o fato de ter dificuldade para fazer amizades possa ser um dos motivos que leve o estudante a estar em contradição quanto à falta ou não da escola em sua vida.

O medo de reprovar, de “ir mal nas provas” é um sinalizador de que a avaliação escolar precisa ser repensada e muito no contexto pós-pandemia. A relação do estudante com o saber se evidencia no fato de “ter um caderno bonito e principalmente uma letra bonita”. O capricho com seu material escolar, com seu “caderno bonito e decorado” o motiva a gostar da escola. Constata-se uma relação com o suporte didático, que é o seu caderno.

 

Aluno(a) 8

No meu ponto de vista e da minha pessoa, consegui aprender porque eu tinha alguém da família que me apoiava. Eu tive apoio, querendo ou não muitas pessoas não aprenderam porque não tinham como ir buscar as atividades no começo da pandemia, moravam longe, não tinham um familiar para buscar as atividades na escola.  Eu tinha apoio da minha família e consegui aprender sim boa parte desses conteúdos nesses anos complicados que a gente vivenciou na pandemia.

Eu senti muita falta da escola, no meu ponto de vista pessoal, a escola é o primeiro passo das nossas vidas, um dos mais principais, na minha opinião, porque na escola você aprende a convivência, responsabilidade, respeito, compreensão das situações complicadas que às vezes nos temos que lidar, mas que, apesar das complicações que temos e dos momentos de tensão, temos os momentos de descontração e vivências boas.

Eu lidei com a pandemia de uma forma muito complicada, sou uma pessoa muito de conversar, de momentos, de vivenciar o agora, mas no momento que a gente não podia vivenciar o agora com ninguém praticamente foi um momento muito difícil, não só para mim, para milhões de pessoas em todo o mundo e muito mais, mas eu posso dizer por mim mesmo que foi um momento muito complicado porque eu, uma pessoa que sempre está à frente, que leva as pessoas para o caminho certo, que está sempre conversando e fala com diversos tipos de pessoas e conhece diversos tipos de pessoas, foi complicado me conter e ficar entre as 4 paredes da minha casa. Foi complicado, é essa a palavra, foi ruim, mas foi um momento para a gente refletir o quanto a gente precisa ver que a gente não precisa só das pessoas, a gente precisa reparar que a gente precisa de nós mesmos, e não apenas dos outros. É no momento que a gente não tiver ninguém, é poder contar com a gente mesmo, com nós mesmos.

Eu considero que eu aprendi sim, porque num momento tão complicado, eu fui atrás, eu fiz as atividades e realmente me esforcei porque eu sabia que aquilo ia ser influente para o resto da minha vida. Essa “pausa”, querendo ou não, que tivemos naquele momento foi uma pausa que complicou a sabedoria, o aprendizado de muitas pessoas, de muitos adolescentes e crianças, mas eu considero que consegui tirar coisas boas do momento da pandemia.

Eu posso dizer que eu presenciava as aulas online porque eu queria ver os meus colegas. Ver os meus colegas, ver os meus professores, era uma das melhores coisas no meu dia. No começo era complicado, mas eu comecei a ligar minha câmera e comecei a interagir com o professor. Voltar presencialmente, eu digo para mim e para muitas outras pessoas, que foi ser eu mesmo novamente. Voltar presencialmente foi ver as pessoas, ver novas pessoas, conversar, me comunicar, colocar em prática o dom que eu tenho a vida inteira, é o meu maior dom, que é a fala, é ouvir, é conversar, é ouvir o sentimento das pessoas, e é assim a vida inteira, as alegrias em ver os professores, conversar. Estar ali presencialmente é totalmente diferente do que você estar através de uma tela. É algo assim inexplicável, porque você está aí junto de pessoas que, querendo ou não, fazem parte do teu dia a dia, porque, querendo ou não, são importantes para você. Todos nós pegamos afetos e sentimentos pelos nossos professores, pelos nossos colegas, por todos que estão ali na escola. É um grande convívio.

A pandemia foi um grande aprendizado para todos nós. Todos nós adquirimos alguma parte, alguma fraçãozinha da pandemia, a gente tirou algum aprendizado. E eu acredito que a escola também, que a tecnologia, de vez em quando, pode nos ajudar muito, muito mesmo, que, apesar das dificuldades, todos nós conseguimos contornar a situação da melhor forma que podíamos e conseguimos. E eu digo que a escola é um lugar de nos acolher, ainda é um lugar de sustentação para nossa vida inteira, um lugar que a gente sabe que pode contar nos momentos difíceis e complicados. Eu amo minha escola, meus colegas, meus professores, minha escola. Não tenho o que reclamar, temos problemas, mas, em geral, e querendo ou não, eu amo todo mundo que tá lá, todos os dias...

 

O aluno 8, em seu expressivo texto, potencializa sua aprendizagem durante a pandemia, relacionando-a ao fato de ter tido apoio familiar, e reconhece que muitos outros jovens não tiveram da mesma forma, por inúmeros motivos. Para o estudante, sem dúvida, escola é lugar de fazer amigos, de estar com amigos, de conviver, de falar, de se comunicar. “A escola é um lugar de nos acolher”.

A relação do estudante com a escola e com a aprendizagem está nos afetos, nas amizades, que considera ser essencial em sua vida. Reconhecer que permanecer longe de todos na pandemia foi “complicado”, pelo fato de desejar muito estar entre os pares. Embora reconheça a importância dos conteúdos escolares para “sua vida”, a tônica está no convívio social, na relação com os amigos e professores.

                       

Aluno(a) 9

 

A pandemia foi um momento muito constrangedor para mim, mas sobre as aulas online eu consegui aprender com facilidade, mas a parte complicada foi a parte da internet, que às vezes travava ou caía o sinal. Mas tirando isso foi bom porque eu ficava com o meu irmão, consegui aprender mesmo do jeito que eu me virava, eu, meu irmão e minha irmã ficávamos sozinhos em casa porque meus pais ficavam o dia inteiro trabalhando, eu acordava e já não tinha meus pais em casa, e logo que eu acordava o meu irmão já levantava, nós tomávamos café é ficávamos brincando, e a minha irmã ficava dormindo no quarto. E quando era 12:30 o meu pai fazia almoço e ia embora correndo para o emprego, e quando era 14:20 eu já estava no quarto dos meus pais para fazer a aula online com o meu irmão do meu lado. Eu fechava a porta com medo de ladrões, e meu irmão também tinha aula online mas ele não participava a maioria das vezes.

Eu senti muita saudade da escola, mas depois eu e meu irmão nos mudamos de escola ,e quando a pandemia "acabou" retornamos à escola e foi muito bom, como eu tinha mudado de escola foi uma reação nova, eu fiz várias amizades e consegui entender às aulas melhor  porque tinha o quadro que foi muito bom, porque, como eu disse a internet falhava bastante ,e por causa disso eu não conseguia entender o que a professora falava e na escola foi diferente a professora estava bem perto e consegui entender muito melhor, mas mesmo de eu ter retornado a escola os cuidados continuaram, tinha que usar máscara e tinha que levar duas máscaras, uma era para ir à escola e a outra era para trocar às 10:00 horas, as meninas tinham que ir de cabelo preso, e eu lembro que na escola eles proibiram de tomar água no bebedouro e não tinha recreio, é também não podia levar lanche de casa tudo por causa da covid-19 .

Mas tudo muda e agora estou muito melhor onde eu estou, eu gostei das aulas online mas eu prefiro mil vezes as aulas presenciais.

 

Na narrativa acima, percebemos as dificuldades pelas quais o aluno passou durante a pandemia, especialmente pelo fato de os pais estarem trabalhando e não conseguindo dar o suporte necessário. Entraves como problemas de conexão, de ficar sozinho em casa, de ter de lidar com a presença de irmãos em casa que também estavam estudando online, dividir espaços, computadores, foram os principais motivadores de um possível desgaste do estudante em relação à aprendizagem não presencial. O medo de ficar sozinho em casa, participar das aulas online, com falhas de conexão, e ainda ter de “cuidar” do irmão, que “não participava a maioria das vezes”, fez com que o estudante preferisse “mil vezes as aulas presenciais”. Aliado a isso, evidenciamos, conforme relato, que a escola é considerada pelos alunos o espaço formal de aprendizagem, com a presença da professora, “que estava bem perto” e possibilitava uma melhor compreensão, bem como de um quadro, que auxiliava a sistematizar os conteúdos e, assim, facilitava a aprendizagem melhor.

A partir das narrativas descritas, podemos apontar as considerações de Nuccio Ordine (2017), ao compreender que

vamos à escola para sermos pessoas cultas! Para sermos pessoas melhores, para sermos éticos (…) devemos estudar por amor ao conhecimento, por amor à aprendizagem, para que sejamos homens e mulheres livres. Os alunos têm de compreender que (…) só se é livre se formos sábios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante disso, entendemos, por meio dos relatos, que a escola é reconhecida como o espaço formal de aprendizagem, que os recursos tecnológicos disponíveis na escola, bem como o recurso humano, na figura do professor, são indispensáveis para que o estudante se mobilize a aprender. Na voz do professor, compreendemos e sentimos os principais desafios enfrentados, as angústias, os anseios, as realizações e as superações enfrentadas durante e após a pandemia, especialmente no retorno presencial

Ao compreendermos os sentimentos, os dizeres dos professores e dos estudantes em momentos vivenciados durante e após a pandemia, constatamos a importância de serem pensadas políticas públicas sensíveis e eficazes voltadas às percepções diagnosticadas, seja no âmbito cognitivo, seja no emocional. Interessante, ainda, a escola organizar planejamentos pedagógicos flexíveis, viáveis, prioritários, capazes de atender às defasagens de aprendizagem. Para tanto, torna-se essencial pensar projetos de continuidade curricular, com ênfase nas habilidades e nos conteúdos essenciais. Da mesma forma, destacamos a importância de serem organizados tempos e espaços nas escolas para uma escuta sensível, para diálogos e práticas pedagógicas voltadas às questões socioemocionais.

Referências bibliográficas

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FÁVERO, Altair Alberto; PAVIANI, Jayme; RAJOBAC, Rai- mundo. Vínculos filosóficos: homenagem a Luiz Carlos Bombassaro / org. Altair Alberto Fávero, Jayme Paviani, Raimundo Rajobac. – Caxias do Sul, RS: Educs, 2020. NÓVOA, Antônio. Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2011.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

ORDINE, N. & GOUVEIA, R. (2017). A utilidade dos saberes inúteis. Fundação Francisco Manuel dos Santos/Porto Editora.

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