Muitas pesquisas tem sido feitas sobre os desdobramentos produzidos a partir das politicas públicas implementadas no âmbito do ensino superior brasileiro ao longo das ultimas décadas. Especialmente a partir do inicio do século XXI as chamadas politicas de inclusão ou politicas de democratização e permanência no ensino superior se multiplicaram e afetaram a oferta de vagas no setor público, bem como no setor privado. Dentre essas ações governamentais podemos destacar a adoção d o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) criado em 1999, o Programa Universidade para Todos (ProUni) de 2004, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a adoção do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como critério de seleção para as universidades federais em 2009, o Sistema de Seleção Unificado (SISU) em 2010, a politicas de cotas com critérios étnico raciais e para alunos egressos do ensino médio público, mediante a Lei de cotas sancionada em 2012 (Lei nº 12.711/2012), conformando um pacote de ações que colocavam em evidencia o caráter historicamente seletivo das universidade.
Essas politicas, certamente, produziram impacto na geografia espacial do ES mediante o estabelecimento de um processo de interiorização das IES públicas e também no retrato dos estudantes universitários uma vez que setores que, historicamente, não se faziam representar no ensino superior brasileiro passaram a acessar este nível de ensino especialmente jovens negros, quilombolas, indígenas que compõem um segmento da juventude brasileira socialmente vulnerável.
Certamente entre esses jovens socialmente vulneráveis encontram-se aqueles que identificamos como juventude rural que foram, também, atendidos/beneficiados por estas politicas. Contudo, pouco se sabe sobre esses jovens e as interfaces entre origem rural e a passagem para a vida acadêmica que, não raro, envolve deslocamento para áreas urbanizadas e um modo de vida distinto, em que pese a progressiva redução das fronteiras entre o rural e o urbano e uma maior interpenetração entre diferentes universos culturais. Esse cenário evidencia a hegemonia das juventudes urbanas no conjunto dos estudos. (LOPES, 2018)
Refletindo sobre esse cenário pretende-se colaborar com os estudos sobre juventude focalizando a juventude rural, e, simultaneamente, salientar alguns aspectos do debate sociológico sobre a categoria juventude, categoria manipulável e fluida conforme as observações de Pais:
o facto de se falar dos jovens como uma «unidade social», um grupo dotado de «interesses comuns» e de se referirem esses interesses a uma faixa de idades constitui, já de si, uma evidente manipulação. (PAIS, 1990, p.140)
A citação acima nos remete aos riscos em desconsiderar o caráter plural que se associa a categoria movediça da ‘juventude’ invocando a multiplicidade de condições juvenis tanto em contextos rurais como urbanos. Isso sem esquecer que nesses contextos, também mutantes, a educação e o trabalho restam fundamentais para jovens do/no rural como para jovens no/do urbano. Temos, portanto, juventudes plurais que circulam e co-habitam em diferentes cenários sociais.
Entretanto, quando se pretende olhar com certa atenção para jovens do rural nos parece necessário lembrar a heterogeneidade que marca o chamado mundo rural. É inegável o processo de modernização que tem afetado o espaço rural contemporâneo associado a novas ruralidades em que a tradicional demarcação de limites rígidos entre urbano e rural se torna tarefa cada vez mais complexa dada a interpenetração entre esses dois mundos.
Estudos críticos tais como Mormont (1987), Mansinho e Schmidt (1997) e Jollivet (1997) indicam que análises baseadas na dualidade urbano x rural são insuficientes para explicar as transformações que estão em curso.
No escopo dessas reflexões buscamos examinar a trajetória de jovens estudantes universitários de origem rural observando o papel que atribuem à escola e ao trabalho em seus projetos de vida, enquanto expressão de uma identidade passível de ser identificada, ou não, como uma identidade rural ou mesmo como expressão de múltiplas ruralidades.
Assim, nos ocuparemos particularmente de estudantes de uma universidade pública federal no Nordeste brasileiro, todos egressos de cursos agrotécnicos realizados em uma unidade ensino federal. Nosso interesse está em analisar os desdobramentos que as experiências formativas e profissionalizantes proporcionadas por cursos agrotécnicos (agropecuária, agroindústria), fortemente assentados em princípios de enraizamento da juventude rural no campo, produzem sobre a elaboração de projetos de futuro e, em que medida tais projetos expressam identidades de pertencimento (ou não) ao território rural, focando, particularmente, o lugar atribuído ao ensino superior e ao ingresso na universidade.
Aspectos metodológicos
Em função das questões propostas no âmbito do estudo adotamos o viés metodológico qualitativo sem desprezar dados quantitativos sempre que oportunos para enriquecer e aprofundar a compreensão do fenômeno investigado. A adoção de uma base qualitativa se associa a busca de uma aproximação da realidade vivida pelos sujeitos e é nesse sentido que a entrevista narrativa foi adotada. Como nos assinala Lalanda (1998), as narrativas permitem um entendimento mais apurado da realidade estudada podendo funcionar como chave para olhar o fenômeno por dentro, ou seja, a partir dos sujeitos que experimentam concretamente aquilo que se investiga. Ao mesmo tempo, Chanfrault-Duchet (1988) nos lembra que a entrevista tem tripla dimensão: narrativo, autobiográfico e interpessoal, pois é no momento da entrevista que o objeto/sujeito se concretiza em um “corpo falante”.
A narração oferece, também, ao pesquisador a possibilidade de identificar as estruturas que interferem nas ações dos sujeitos tal como nos aponta Fritz Schütze, sociólogo alemão, que aportou importantes contribuições à utilização da entrevista narrativa como técnica de produção de dados. Desse modo, o estudioso chama atenção para um aspecto que não deve ser esquecido ao destacar que aquilo que é dito em uma entrevista narrativa não deve ser tomado como autoexplicativo, ou seja, cabe ao pesquisador buscar o que há de implícito, de subjacente naquilo que é dito (SCHUTZE, 2013).
Assim, a estratégia central para produção de dados adotada foi a entrevista narrativa voltada a trajetórias biográficas dos jovens estudantes buscando observar as interseções fabricadas pelos entrevistados quando se trata das dimensões individuais e sociais em seus percursos formativos, o lugar atribuído a formação universitária diante do binômio ‘permanecer’ ou ‘partir’ da comunidade rural de origem, antevendo interações socioeducativas mais amplas ‘dentro’ e ‘fora’ dos muros da universidade e/ou do mundo rural. Nosso interesse estava em favorecer que os sujeitos narrassem as histórias já vividas, e aquelas que experimentavam no momento da pesquisa, especialmente aquelas relacionadas aos itinerários de escolaridade e inserção no mundo do trabalho (MATTOS, 2015).
A perspectiva de fomentar esses depoimentos como processo de produção de dados exigiu atenção ao percurso descrito pelo narrador que, via de regra, se distancia de uma linearidade calcada em uma temporalidade única (DELORY-MOMBERGER, 2012). A busca das narrativas dialoga diretamente com o interesse em buscar a singularidades dos itinerários, mas permanecendo atenta ao fato de que a fala dos jovens está permeada por muitos fatores e que a escuta atenta não dispensa a critica e a contextualização. Objetividade e critica são ferramentas importantes quando estamos diante de longas narrativas de vida que podem parecer bastarem-se a si mesmas.
Alerta a todos esses aspectos as entrevistas narrativas foram realizadas com jovens de origem rural que houvessem realizado, no ensino médio, cursos profissionalizantes vinculados ao rural (agropecuária ou agroindústria) e estivessem inseridos no ensino superior independentemente da área de conhecimento. Este foi o critério central para a definição dos sujeitos da pesquisa.
Como campo de pesquisa adotamos uma universidade federal do Nordeste do Brasil, localizada no estado da Bahia, considerando o prestigio com que contam estas instituições cujo acesso se caracteriza por taxas elevadas de concorrência por uma vaga. O caráter público e gratuito das instituições superiores federais, o prestigio social e a valorização aportada aos profissionais que conquistam seus diplomas junto a elas tona essas instituições objetivo de muitos jovens quando se trata de prolongamento da escolarização. Contudo, almejar o ingresso em uma universidade federal pode, também, aportar o desafio de superar obstáculos não apenas relacionados a apreensão de conteúdos disciplinares ao longo do ensino médio.
Seguindo a perspectiva da investigação o grupo de sujeitos centrais da investigação foi composto por uma amostra aleatória de 12 estudantes universitários matriculados regularmente em cursos de graduação de diferentes áreas de conhecimento oriundos do meio rural, ou seja, jovens oriundos do meio rural que haviam realizado o ensino médio no espaço rural, preferencialmente em formações de nível médio vinculadas a agropecuária e agroindústria.
Todas as 12 narrativas produzidas pelos estudantes foram realizadas em ambientes do campus: sala de estudo, jardim, quadra de esporte e outros que pudessem oferecer alguma infraestrutura (banco/cadeira, proteção do sol/chuva, baixa circulação de pessoas, etc.). Elas foram gravadas e transcritas. O perfil geral do conjunto dos sujeitos será apresentado mais adiante quando trataremos dos dados. Para a análise que nos propomos aqui selecionamos 02 narrativas que foram definidas como uma sub-amostra tomando como critério a vinculação a uma mesma área de formação diretamente vinculada às Ciências Agrárias.
Para que pudéssemos identificar e contatar estes 12 jovens adotamos a técnica da bola de neve a partir da abordagem a estudantes que se aglomeravam diariamente em uma das saídas do campus universitário. Isso porque os estudantes originários/moradores da zona rural, assim como tantos outros que moravam em municípios circunvizinhos, se concentravam, ao final dos turnos, em um dos portões da universidade, local onde diferentes alternativas de transporte poderiam ser acessadas para os deslocamentos em direção a diferentes localidades rurais. A estratégia da bola de neve, como cadeia de referência para contatar estudantes filhos de lavradores e diretamente vinculados a atividades rurais, mostrou-se uma alternativa adequada ao contexto investigado uma vez que a instituição universitária não contava com dados específicos sobre essa população de modo a permitir sua fácil localização no universo de matriculados. Vale destacar que a utilização da amostragem por bola de neve busca se beneficiar das redes sociais dos entrevistados permitindo ao pesquisador contatar um número crescente de potenciais novos entrevistados (VINUTO, 2014).
Posto esse delineamento metodológico que permitiu a produção e análise dos dados, consideramos importante retomar, ainda que brevemente, o debate em torno da temática juventude e, em especial, a discussão sobre juventude rural.
Entre juventudes (in) visíveis
São múltiplas as possibilidades de viver a condição juvenil tal como nos assinalam uma importante bibliografia da qual podemos lembrara os trabalhos de Novaes e Vanucchi (2004) e Castro (2009). Essa multiplicidade nos se restringe aos jovens que vivem em espaços urbanos, mas incide, igualmente, no heterogêneo meio rural que, inclusive, conhece profundas mutações relacionadas ao emprego rural não agrícola reflexo da modernização, uso intensivo de tecnologias e extensão de atividades industriais. Juventude, portanto, é mais que uma palavra é uma construção social, histórica, cultural fortemente dinâmica e envolve formas de classificação relativas a classes sociais, gênero, etnia, etc., estejam elas referidas ao urbano e/ou ao rural.
Ao tratar da juventude rural como objeto de estudo Brumer (2006), destaca duas questões centrais, são elas: 1) a formação de uma imagem que desvaloriza o trabalho agrícola, e consequentemente, o homem do campo, que tende a impulsionar estes jovens rumo à cidade, imagem esta que ganha respaldo nos diversos estudos sobre o campesinato, como uma característica intrínseca à sua reprodução social; 2) os limites impostos pelo processo de transferência dos estabelecimentos agrícolas às novas gerações, já que em sua grande maioria, os processos de sucessão e herança inviabilizariam a produção agrícola, levando à “expulsão” de boa parcela dos jovens rurais para a cidade. Tanto a criação desse imaginário que desvaloriza o rural em favor de um modo urbano de vida, quanto os processos materiais de transmissão da herança que reforçam a ideia de que só restam no campo os mais velhos, findam por reforçar uma imagem de que o campo não seria o lugar do jovem.
A migração de jovens do campo em direção às cidades não é tema novo nas ciências sociais e esse processo vem produzindo o fenômeno da masculinização do campo derivada de um fluxo migratório que se destaca pela presença feminina. À masculinização soma-se o envelhecimento e o esvaziamento demográfico que impacta diretamente na crise de sucessores à propriedade familiar. Esse aspecto é observado por Strapasolas (2006) que assinala um dos impactos advindos da crise de sucessão de propriedade da terra no meio rural assinalando para as mudanças nas relações socio produtivas uma vez que os agricultores familiares passem a ser substituídos por profissionais liberais que adquirem propriedades familiares.
Considerando esse panorama, esse desenraizamento mencionado acima é mais fortemente sentido entre as jovens, tal como sugerem Brumer e Anjos (2008), pelo fato de raramente serem reconhecidas como chefes das unidades agrícolas, à medida que historicamente são destituídas deste direito, ao qual apenas se aproximam por meio do casamento. Neste contexto de exclusão, as jovens são ainda mais fortemente incentivadas a abrir mão de sua herança, principalmente por venda a preços módicos aos irmãos e impulsionadas à cidade, para completar seus estudos e inserir-se em atividades urbanas, principalmente como domésticas ou babás, ou, mais raramente, como trabalhadoras no comércio.
Pesquisa realizada por Silvestro (et al., 2001) aponta a relação direta entre ‘permanecer no campo’, a projeção positiva de geração de renda na propriedade familiar e o nível de escolaridade. Como as jovens são instadas a prolongar seus estudos migrando para as cidades uma vez que desconsideradas como potenciais sucessoras, os rapazes, que investem menos na escolarização são maioria em considerar que terão um melhor futuro permanecendo no campo. Brumer (et al., 2008) em pesquisa realizada em 3 estados do sul do país (Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina) aponta nessa mesma direção revelando que uma visão positiva da vida no campo e o desejo de permanecer morando no meio rural é mais frequente entre os rapazes (71%) do que entre as moças (45%). O que se vê, portanto, é que as desigualdades de gênero não são eliminadas com o investimento feminino na escolarização.
Por outro lado, Carneiro (2005) nos trás outro viés vinculado ao campo das relações familiares, de vizinhança e amizade que levam os jovens a perceber a vida no campo como positiva. Esse viés retoma a perspectiva do meio rural como convivência, como lugar de morada, no qual os jovens se veem inseridos não mais pelas oportunidades de ocupação agrícola, mas pelo pertencimento nessas redes de sociabilidade que se reproduzem e se fortalecem desde sua infância.
Assim, o fluxo diário de jovens entre o campo e a cidade é frequente, realizando um percurso entre o trabalho e/ou estudo na cidade e a casa “na roça”, movimento facilitado pelo encurtamento progressivo das distancias, principalmente em função de melhores condições de acesso e transporte no campo. Brumer (2007) e Wanderley (2007) consideram que este fluxo permite que se mantenha um modo de vida que possibilita aos jovens expandir suas redes de relações, sem que isso implique na rejeição a um modo de vida rural, ainda considerado por estes jovens como “qualidade de vida”. Daí decorre a compreensão de que o rural tende a ser ressignificado, abarcando não apenas as dinâmicas sociais internas aos espaços rurais, mas também as diversas formas de integração a espaços sociais mais amplos, estreitamente relacionadas ao mercado e à vida urbana.
Assim, esses fluxos entre campo e cidade podem ser entendidos como migrações seletivas e dentre elas a questão da escolarização dos jovens de origem rural demanda maior atenção quando se trata, inclusive, do acesso e permanência de grupos sociais historicamente a margem deste nível de escolaridade.
Tomando como referência esse conjunto de questões sobre juventude rural, nos parece fundamental analisar os percursos formativos de jovens oriundos do mundo rural, que conquistam o prolongamento de sua escolaridade ingressando no ensino superior público federal, buscando identificar os quadros de referência em que o ingresso na universidade se constitui e as estratégias adotadas para sua viabilização. Além disso, interessa-nos igualmente focar as relações entre identidade rural e escolarização mediante a identificação dos projetos de vida traçados, de modo mais ou menos estruturados, por esses sujeitos.
Sob quais condições o prolongamento da vida escolar desses jovens rumo a universidade se configura, ou não, em reconversão ao mundo rural ou em seu abandono? De que modo esses jovens articulam sua origem e identidade rural com a vida universitária? Quais os caminhos que esses jovens estudantes percorrem para inserir-se na lógica do mundo universitário? Quais referencias, representações e imagens sobre a universidade foram constituídas por eles ao longo da Educação Básica, especialmente no Ensino Médio Profissionalizante? O que há de particular em ‘ser universitário’ quando se é originário do mundo rural? Essas são algumas das questões que balizam o trabalho de pesquisa aqui proposto.
Jovens do rural e suas trajetórias
Nas ultimas décadas as pesquisas tem indicado a diversificação da população que ingressa no ensino superior seja em função do gênero, raça, faixa etária. Nessa direção, nos associamos a perspectiva de Zago (2013) ao considerarmos que os jovens do rural fazem parte dos grupos que compõem essa diversificação dos públicos que acessam o ensino superior.
Tomando como referencia o balanço apresentado e a presença dos jovens do rural nas universidades trazemos a análise de parte das entrevistas que foram realizadas no escopo da pesquisa que realizamos. Como indicado anteriormente selecionamos 02 narrativas que tratam da trajetória escolar passando pelo ensino médio voltado a profissionalização rural e a vinculação com as famílias e o meio rural. Outro recorte tratado nas narrativas aborda a chegada à universidade, a transição entre a experiência de estudar numa escola agrotécnica, ser oriundo do meio rural e tornar-se estudante universitário.
Tomamos assim a narrativa de Marcelo e Jorge jovensque concluíram o ensino fundamental em escolas publicas em seus respectivos povoados e ingressaram no ensino médio profissionalizante em curso agrotecnico a partir de diferentes motivações e contextos. Em que pese as particularidades do quadro familiar de cada um deles vale registrar que os pais dos dois jovens não concluíram o ensino fundamental. O trabalho vinculado a terra está presente nas famílias seja como atividade principal seja como forma de complementar a renda, mas a vinculação desses jovens com o universo do trabalho rural se fortalece ao longo do ensino médio na escola agrotecnica.
Marcelo, com 20 anos no momento da entrevista, por exemplo, nos conta que :
Meu pai trabalhou muito na terra, ele trabalhava com o pai, meu avô no sítio, eu tive contato com ele também, mas com meu tio eu tinha uma proximidade maior, com meu tio eu sempre fui pro sítio tal, eu sempre tive interesse nas Ciências Agrárias em geral, por isso eu fiz o curso técnico em agropecuária, sempre gostei, sempre tive um desenvolvimento bom, curso técnico né? Como eu falei a terra é do meu avô, por muito tempo quando meu avô era vivo, produzia bastante; gado, tudo. Aí tem uns oito anos que meu avô faleceu, aí de lá pra cá, meu tio tomou conta, meu pai. (Marcelo)
O envolvimento com as atividades rurais da família influenciou a sua escolha pelo curso técnico em agropecuária e seu interesse pelo trabalho na terra. Marcelo se interessa pelo cuidado com as plantas desde cedo por influencia de sua mãe a quem auxiliava na plantação de hortaliças e preparação de plantas ornamentais. Do mesmo modo a mae é citada como referencia quando se trata de prolongar a escolarização: “minha mãe. Minha mãe sempre deu o maior incentivo, queira ou não foi quem sempre mim apoiou a fazer curso técnico, curso superior, foi minha mãe que deu um certo incentivo”. Ainda para auxiliar na renda familiar Marcelo realiza serviços de manutenção em informática uma atividade pela qual ele se interessou ao longo do curso na agrotecnica. A medida que que Marcelo caminha em meio suas experiências se observa a articulação entre escolarização, trabalho e família.
Assim como Marcelo, Jorge sempre auxiliou a família no trabalho com a terra. O pai de Jorge, que era agricultor, morreu quando ele ainda era criança e com a mãe agricultora, ele ajuda no trabalho para garantir o sustento da família que inclui seus 08 irmãos (7 meninos e uma menina). Vale assinalar que no momento da entrevista Jorge já tinha dois irmãos mais velhos que haviam concluído o curso técnico em Agropecuária. Ele nos conta que, no momento da entrevista, ele tinha 4 irmãos estudando na escola agrotécnica e nos fala mais detidamente, também, sobre a vinculação familiar com o trabalho na terra:
Nós compramo um pedaço de terra, aí começamos a tornar uma terra produtiva, não improdutiva, começamos a plantar milho, tinha a friticultura, começamo a plantar coco, tinha coqueiro, bananeira, acerola, pé de acerola e criamos uma animais também, suíno, bovino e a questão também nós criava ovelha mais só que não dava certo, pessoal ia lá roubava lá, roubava, sempre tinha essa dificuldade entendeu? Você cria, você ta criando mais com medo de sempre um lá vim pegar, isso sempre ocorre, você confia, mais às vezes mesmo você ta voltado ali com o pessoal, mais vai lá e ocorre os furto, aí foi nós criava, o pessoal roubava muito, aí pronto minha mãe parou, aí ficou lá na agricultura mermo, assim como dá né? Como a renda familiar é muito pouca, aí também tem o gasto aqui com nós, tem quatro filhos aqui, aí o gasto é maior, nenhum trabalha, só estudano mesmo. (Jorge)
O trabalho na terra se organiza a partir do núcleo familiar. No caso de Jorge temos a mãe e seus 08 filhos envolvidos na organização da produção na pequena propriedade que assegura o sustento de todos (a mãe recebe uma pensão por morte do pai) sem que deixem os estudos. A permanência dos filhos na escola é um objetivo perseguido pela mãe de Jorge. Ela distribui tarefas e responsabilidades de modo a resguardar o turno escolar e, além disso, o ingresso na escola agrotécnica como trilha para concluir a educação básica em uma instituição pública, profissionalizante parece concretizar essa busca pelo prolongamento da escolarização dos filhos. e Jorge nos relata esse aspecto ao tratar do engajamento de sua mãe seja no trabalho seja na escolarização: “antes de eu vim pra agrotécnica sim, eu ajudava, estudava e também ajudava na agricultura, minha mãe não queria que nós fosse, pra ta assim, queria que nós estudasse, mais nós via, ajudava, tinha tarefa pra fazer, tinha comida pra levar pros suínos, já levava.”
O projeto de mobilidade social colocado em pratica pela mãe de Jorge encontrou parceria entre os professores, especialmente aqueles da escola agrotecnica que, ao passar dos anos, identificavam os alunos que integravam a mesma família:
E lá na escola os professores tudo gostava da gente por causa dos meus irmãos também que conhecia, nós fomos, nós não sofremos muito, que já conhecia através de nossos irmãos, os professores incentivava a gente também: ói meu fio estude também que tem vestibular pra passarem, conseguir algo, porque o mundo lá fora é outra coisa, quando você ta aqui estudano na escola você ver mil maravilha, tem momento de curtição, de brincadeira, mais lá fora na área de trabalho; a questão do mata mata, você vai concorrer com os outros, com os melhores, você tem que ser o bom, tem que se destacar no meio deles e assim, (Jorge)
A escola de ensino médio, a escola agrotecnica emerge para Jorge como um espaço em que o projeto de mobilidade para uma vida distante das agruras do trabalho na roça vai se tornando uma possibilidade plausível inclusive pelas condições de infraestrutura oferecidas pela instituição. Ao descrever a escola agrotecnica Jorge ressalta esses aspectos indicando o patamar diferenciado que atribuía à infraestrutura oferecida pela instituição
tinha a biblioteca uma área de lazer muito boa, nós estudava, tinha livro suficiente, nós ia lá, pesquisava, tinha quadra pra nós jogar bola pra se distrair, tinha uma pracinha lá, nós ficava lá conversando mais o pessoal e depois is pros alojamento, tinha o coordenador que ia inspecionar nós tudo certinho. (Jorge)
A valorização atribuída aos estudos reverbera na narrativa de Jorge que inclusive se coloca de modo crítico em relação àqueles que se ‘contentam’ com o ensino médio.
a questão de ter um grau de vida melhor e se você tiver um grau de vida melhor, você vai investino na maneira do cultivo, porque se você tirar um pedaço daqui, vai faltar ali mais tarde pra você e você vai na maneira, não cria essa visão de querer estudar, buscar uma faculdade, muitos pensam que cursar o ensino médio, é só e parou por ali, não quer estudar mais, não tem uma visão, quer ficar lá mesmo, quer bater saco de arroz, puxar na enxada, todo final de semana, tomar cerveja ou então na cachaça, mas tendo uma visão ampla, tem coisas melhores tanto pra nós que moramos no interior, ter visão maior (Jorge)
Essa perspectiva de Jorge para quem o ensino médio não parece suficiente para enfrentar o futuro também aparece no relato de Marcelo para quem as orientações dos professores da agrotecnica serviram de incentivo:
até os professores do ensino médio falavam, eles sempre comentavam que seria interessante se a pessoa de lá fosse pra universidade fazer um curso superior, porque hoje em dia o curso médio não é mais nada, a idéia que eles davam era praticamente, o curso técnico hoje em dia não ta valendo aquela coisa, como antigamente que desenvolvia um trabalho mais amplo no campo, hoje em dia a maioria das partes são o engenheiro entendeu? Aí eles sempre disseram que seria muito interessante se a pessoa desenvolvesse essa parte da universidade e fizesse o curso superior, principalmente os professores do ensino médio mesmo. (Marcelo)
Mas a medida que Jorge relatava sobre as interseções entre trabalho na roça, escola e família é possível observar o funcionamento de uma engrenagem voltada para a mobilidade social e ‘estudar’ é basilar. Aqui estamos tratando de uma questão conhecida pela sociologia da educação quando se trata de analisar o papel da escolarização no seio das classes populares e no mundo rural essa equação não parece ser diferente. A engrenagem a que me refiro parece saltar aos olhos no trecho abaixo em que ‘ir para a escola agrotecnica’ se mostra como um “destino’ que se cumpre individual e coletivamente.
Minha mãe batalhando devagarzinho, dizia: ói meu fio não tenho nada pra lhe dar, o que nós vévi aqui é na agricultura, é melhor vocês estudar, que tem um futuro melhor, aí nós somos oito aí os mais velhos incentivava nós a estudar também, que eles tavam estudano, fazer vestibular aí teve força dos professores de lá do ensino funadamental, do ensino médio, do meu irmão (....), aí o professor incentivou vim pra escola Agrotécnica, aí nós veio, eles fizeram a inscrição, tudo, fizeram a prova, o exame de seleção, passaram, os professores incentivavam meus irmãos a vim e através dos meus irmãos a vim e através dos meus irmãos, aí foi meu outro irmão que é mais velho que eu, depois foi minha irmã, aí depois foi eu e o meu irmão mais novo, nós Fomo pra escola, passamos foi seis pela escola Agrotécnica, ia fazia a prova passava e ficava lá, tipo de garação passando pra família toda, porque assim, são meios que nós percebe que realmente quer alguma coisa não tem medo de lutar pra conseguir vencer pra sair do convívio ali na agricultura, vai ser ideal, tá pegano enxada, puxano enxada tudo, pequeno agricultor e assim nós um incentivando um a outro pra estudar né? Dá força e estudar pra conseguir algo, nosso intuito é esse, consegui algo e não ta sempre na vida que nós convivia antes entendeu? (Jorge)
Ainda observando o relato acima e o fio condutor que Jorge constrói estabelecendo as articulações entre trabalho na roça e as estratégias de escolarização fica evidente a relação entre mobilidade social e ‘partir’ do mundo rural: pegar a enxada, puxar a enxada, querere alguma coisa, lutar para vencer são chaves para que ao menos parte do engajamento em direção a escola é parte da estratégia. Quando observamos o relato de Marcelo a presença de um projeto familiar de ampliar a escolarização dos filhos não se evidencia apesar da mãe de Marcelo, que é professora do ensino fundamental, ter escolaridade superior a mãe de Jorge. Marcelo parece descrever uma trajetória mais individualizada, ainda que informada diretamente nas dificuldades financeiras enfrentadas por sua família, composta por sua mãe e uma irmã, e diretamente focada em sua inserção no mercado de trabalho.
Jorge, membro de uma família extensa teve a trajetória de seus irmãos mais velhos como uma referência, uma prefiguração daquilo que ele mesmo poderia alcançar. Assim, ao tratar da trajetória dos irmãos mais velhos, Jorge anuncia o caminho que ele mesmo percorreu:
E assim a partir a partir dali, meu irmão um dos mais velho, passou pra cá na universidade, lá fazendo Agronomia se forma esse ano, aí quando foi em dois mil e dez passou logo três, eu e meus dois irmãos mais velho, um faz enfermagem, o que faz enfermagem era que incentivava nós mesmo sabe? Que ele sempre tinha essa visão, incentivava nós, minha mãe também, todo mundo assim, nós somos oito irmãos, tudo unido. (Jorge)
Com um irmão mais velho já inserido na universidade cursando Agronomia o projeto de ingressar no ensino superior vai se tornando palpável e já integra as ideia de Jorge ao longo do ensino médio que também se mostrava um ambiente de incentivo quanto ao prolongamento da escolaridade.
Eu via meus irmãos falar vestibular, fazer vestibular pra passar na universidade, ter o ensino superior e assim eu sempre ouvindo meus irmãos falando, eu criei vinculo, eu quero entrar, vou estudar pra entrar e a questão também cheguei na quinta série, aí vinha os professores perguntava você vai fazer vestibular pra quê? Vai fazer faculdade pra quê? O sonho de todo mundo é medicina e a questão; meus irmãos vieram pra Agrotécnica, aí bateu aquela vontade de ir pra escola Agrotécnica, aí comecei a fazer todo ano e assim maior incentivo mesmo porque era meu irmão. (Jorge)
No caso de Marcelo a inserção da universidade em seus planos de futuro emerge diretamente vincula ao incentivo dos professores, em especial aqueles da escola agrotecnica.
Os professores no ensino fundamental, sempre perguntavam, e aí tal, aí eu sempre tive um contato nessa área rural, aí eu sempre tive o interesse entendeu? Sempre assisti o globo rural tal, aí via qual a função do engenheiro agrônomo, aí chegando lá na escola [agrotécnica], também os professores batia na mesma tecla, como o meu interesse maior era só nessa área; aí eu decidi prestar vestibular pra área das Ciências Agrárias (Marcelo)
Marcelo relata que sempre se interessou pelas ciências agrárias e ele ingressa em Engenharia Agrícola. Contudo, nos primeiros semestres do curso ele observa que: “eu não mim identifiquei com o curso de Agrícola, eu também achei uma área muito restrita de trabalho”. E foi a partir dessa avaliação que ele realizou o processo de transferência para o curso de Engenharia Agronômica.
Na minha cabeça mesmo, eu pensava em fazer Agronomia, só como tinha na época o curso de Agrícola, um curso novo; aí eu sabia que tinha muito Agrônomo formado é... desempregado entendeu? Mais quando eu comecei o curso de Agrícola eu vi que não era aquilo que eu pensava mesmo sendo um curso novo aqui no Estado, o curso mesmo sendo um curso novo, o curso no geral as matérias são interessantes, mais acho que pra o mercado de trabalho, não acho que é um curso bom não. Por isso que eu fiz Agronomia, porque é um curso que eu realmente quis, uma área que mexe mais com o campo, e acredito que mercado de trabalo tem pra um bom profissional (Marcelo)
Certa lógica utilitarista vai inspirara Jorge na definição da escolha do curso superior em que acabará ingressando. Com um irmão cursando Engenharia Agronômica Jorge tenta conciliar a logica utilitária, considerando que a família possui uma pequena propriedade rural, com seu desejo pessoal e ingressa, na primeira tentativa, no curso de Zootecnia imediatamente após a conclusão do ensino médio.
Se essa trajetória de Jorge, que é também um projeto familiar, aponta para o afastamento da dinâmica rural, simultaneamente seu processo de escolarização e profissionalização dialoga com o mundo rural e com a realidade da pequena propriedade da família:
E também aqui como eu to fazendo Zootecnia, já que minha mãe cria suíno, o que eu to aprendendo aqui, o muito que eu to vendo, já alico lá já, se eu ver algo errado: ói mãe não é por aqui não, pra tentar mudar e conseguir uma condição melhor entendeu? Conseguir um meio melhor, um meio de administração, onde é que ta errando, uma visão maior, já que eu tô aqui estudando e o meu dever é passar isso, principalmente, é da minha mãe, é da gente, nós tamo lá, nós tem que pensar melhor, amplo. (Jorge)
A transição para a universidade apesar de trajetórias que se dirigiram para o ingresso no ensino superior esteve marcada pelo estranhamento que marca a entrada em um novo mundo institucional e intelectual. Jorge comemora a conquista de uma vaga na universidade federal, mas não perde de vista que novas lutas se anunciam se quiser ingressar e permanecer na universidade agora que a questão da moradia se vidência como uma questão concreta já que teria que se deslocar para outra cidade. Ao mesmo tempo as primeiras semanas de aula trouxeram a experiência da solidão que resulta da ruptura com a condição anterior, aquela de aluno do ensino médio da agrotécnica:
não conhecia ninguém, tava meio perdido, (...), sem saber um bocado de coisa e quando você chega assim sem conhecer ninguém a dificuldade é muito grande, você pensa logo em desistir, mais só que depois de um tempo você vai conhecendo o pessoal, assim você acaba ficando. (Jorge)
Marcelo, também, passou por esse processo de estranhamento em seus primeiros meses de vida universitária e observa que ser um bom aluno no ensino médio com boas notas não significa ter assegurado o mesmo resultado no ensino superior: ele logo descobriu que teria que ‘trabalhar’ mais nos estudos para manter as boas notas e que na universidade ele mesmo teria que buscar materiais auxiliares para sua formação. Enquanto Marcelo costuma estudar sozinho aproveitando o espaço da biblioteca, Jorge se beneficia da situação de morador da residência universitária para participar de grupos de estudo em que se estabelece a ajuda mutua em relação aos conteúdos gerando para ele a percepção de ‘união’ e que funcionam como espaço de socialização que ultrapassa o espaço estrito da universidade.
Para os dois estudantes a maturidade, iniciativa e autonomia emergem como pré-requisitos para enfrentar a vida universitária. Ao mesmo tempo Marcelo considera que sua condição de universitário lhe aporta uma valorização pessoal e social. Por outro lado Jorge observa que seu ingresso na universidade despertou a “inveja” de alguns amigos que deixaram de falar com ele.
Além disso, tanto para Marcelo como para Jorge o fato de ter realizado um curso técnico no ensino médio lhe confere certa vantagem em relação aos outros quando se trata de conhecer o mundo rural e o trabalho na terra frente a formação em Engenharia Agronômica.
eu acho que a pessoa que fez um curso técnico tem uma certa vantagem de que o pessoal da zona urbana. Não tem conhecimento sobre a terra, o campo, uma base maior de conhecimento de que o pessoal que veio da cidade. Muitos conhecimentos já tinha sido passado pra mim entendeu? Por exemplo castração eu já sabia e fazia numa rapidez incrível. (Marcelo)
eu só acho que foi importante pra mim ter feito o curso técnico, como eu disse foi uma base de conhecimento muito boa, já ter um conhecimento prático com meus pais, meu tio foi bom. (Jorge)
Ao longo da entrevista a relação entre formação universitária e planos de futuro evidencia os impactos que a passagem pela universidade pode produzir nas perspectivas elaboradas pelos dois jovens e se observam as similaridades no que relatam os dois jovens. Para os dois a formação técnica conquistada no ensino médio indicava a direta inserção no mercado de trabalho como a próxima etapa, mas a universidade parece qualificar ainda mais o futuro como profissional e colocar outras possibilidades profissionais:
Porque eu pensava que quando eu mim formasse no ensino técnico eu ia trabalhar né? Eu ia trabalhar que nem técnico aí só que passei aqui graças a Deus que bom! Passei pronto aqui já foi começar a estudar e lá eu pensava em trabalhar [ ] assim meus planos é... mim formar, prestar um mestrado, doutorado depois vou dar aula fazer concurso passar aqui na Universidade mesmo ou então trabalhar na área que eu gosto (Jorge)
houve uma mudança, pretendia ser universitário entendeu? Mais eu pensava em trabalhar com o curso técnico, aí mudou nisso eu acabei não trabalhando na área, mais pelo menos eu to estudando aqui o nível superior na área do curso tpecnico de lá, só isso mesmo, questão de nível, atividades bem desenvolvidas, futuramente depois de formado eu tenho condições de desenvolver um projeto interessante, pode ser até na comunidade mesmo, trabalhar com extensão entendeu? E pra você como técnico eu acho muito difícil trabalhar com uma comunidade, desenvolver um projeto por exemplo um assentamento e chaga lá e tem os produtores e tentar fazer tipo um cooperativismo entre eles e como técnico eu acho muito difícil dar assistência. [ ] eu penso em fazer pelo menos uma pós-graduação, trabalhar na área e pretendo, depois de formado, se possível, ser autônomo, trabalhar por conta própria, não pretendo trabalhar pra ninguém não, mais se for o caso a necessidade trabalho, mas aqui na universidade eu pretendo fazer uma pós se possível um mestrado. (Marcelo)
Dar continuidade aos estudos em direção à pós-graduação torna-se interesse dos dois jovens e esse é outro impacto produzido pelo ingresso na universidade. Mas o intuito de chegar à pós-graduação conduz os jovens para projetos distintos. Enquanto vislumbrar a pós-graduação leva Jorge a almejar a carreira de docente universitário como uma possibilidade para seu futuro, Marcelo associa esse ciclo formativo a uma inserção diferenciada no mercado de trabalho como Agronomo, ou seja, ele suscita seu interesse em atuar autonomamente.
Conclusões provisórias
A vinculação com o mundo rural ao qual os dois estudantes se encontram relacionados informa a trajetória que descrevem e esta presença do rural encontra-se nas narrativas que elaboram ao longo da entrevista. O pertencimento a esse mundo e a experiência com o trabalho na roça é resignificado quando conquistam o estatuto de estudante universitário. A vinculação coma roça conduz a definição da formação universitária na área das Ciências Agrárias, mas também se forja como vantagem formativa relativa diante daqueles que não conta com a mesma experiência prática de que dispõem. Essa distinção, advinda do pertencimento ao mundo da roça, quando se é estudante de Agronomia ganha potencia também pela condição de egressos de uma escola agrotécnica.
Assim, dentro de um contexto formativo que marca os caminhos de Marcelo e Jorge o rural e o não rural se articulam, em que pese os riscos na utilização dessas duas categorias de forma estanque. Cada um deles se movimenta em direção ao que poderia ser tomado como um urbano que se associa ao universo universitário e sua derivação em direção à noção de ‘desenvolvido’ e ‘cientifico’, mas ao se pode observar o rural não sai deles, ou seja, eles saem do rural, mas o rural não sai deles.
Mas, como nos indica a literatura é a busca por uma vida melhor que mobiliza os jovens a deixar o convívio familiar, ao menos por certos períodos. Esse movimento entre o dito rural e o urbano, segundo Paulo (2011) ampliam e enriquecem os espaços de socialização além de agregar valores.
Outro aspecto que se evidencia ao longo dos relatos é o papel que a família desempenha nas trajetórias. Ainda que a figura da família se evidencie de diferentes formas na vida dos dois estudantes é inegável a importância que eles atribuem às mesmas. Enquanto na trajetória de Jorge a família é constantemente referenciada por ele como referencia para seus movimentos de vida seja ao se referir a sua mãe ou a seus irmãos, no relato de Marcelo a família aparece de modo mais difuso apesar da figura da mãe permanecer também proeminente.
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