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Corantes Alternativos Em Práticas De Microscopia No Ensino De Ciências Da Natureza: Uma Abordagem Acessível E Eficaz

Geanisson Conceição dos Santos; Katily Luize Garcia Pereira; Rafaella Gregório de Souza

Este trabalho aborda a utilização de corantes alternativos em práticas de microscopia no ensino de Ciências da Natureza. O objetivo é propor técnicas acessíveis e eficazes que possam substituir os corantes tradicionais, tornando o aprendizado mais dinâmico e facilitado. A metodologia utilizada foi qualitativa experimental, com levantamento dos corantes comumente utilizados, escolha do material a ser utilizado, seleção dos corantes alternativos, preparo das lâminas e pesquisa sobre a composição química de cada corante. Os resultados mostraram que a violeta de genciana foi o corante alternativo mais eficaz, corando satisfatoriamente as estruturas celulares básicas. Outros corantes, como os corantes alimentícios, o refresco em pó e a tinta de caneta esferográfica, também apresentaram resultados satisfatórios. Conclui-se que é possível utilizar corantes alternativos de baixo custo e fácil acesso nas aulas de Ciências, tornando as práticas experimentais mais acessíveis e estimulantes para os estudantes. Essa abordagem contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo dos alunos, além de promover a investigação e o interesse pela disciplina.

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Como citar este trabalho

SANTOS, Geanisson Conceição dos; PEREIRA, Katily Luize Garcia; SOUZA, Rafaella Gregório de. CORANTES ALTERNATIVOS EM PRÁTICAS DE MICROSCOPIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA: UMA ABORDAGEM ACESSÍVEL E EFICAZ. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/632-corantes-alternativos-em-pr%C3%A1ticas-de-microscopia-no-ensino-de-ci%C3%AAncias-da-natureza-uma-abordagem-acess%C3%ADvel-e-eficaz. Acesso em: 16 out. 2025.

CORANTES ALTERNATIVOS EM PRÁTICAS DE MICROSCOPIA NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA: UMA ABORDAGEM ACESSÍVEL E EFICAZ

INTRODUÇÃO: 

O Ensino de Ciências tem para a sociedade, a construção do conhecimento científico e a relevância da conexão dos saberes já existentes, principalmente com a promulgação em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A Lei nº 9.394/96, alega que a “educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Brasil, 1996). Essa visão inclui a contribuição e importância do saber científico na formação social dos educandos sob a perspectiva do Ensino de Ciências.

Baseado na LDB, muitos outros documentos legais foram publicados, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), em 1998. Estes foram feitos para auxiliar as equipes escolares no planejamento de seus trabalhos, servindo de apoio na execução das aulas e desenvolvimento do currículo escolar.

Atualmente, o documento curricular que embasa o Ensino de Ciências, é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) homologada em 2017, estabelecendo conhecimentos, competências e habilidades a serem desenvolvidas ao longo da escolaridade básica. A Base tem como um de seus objetivos a educação brasileira para a formação integral, democrática e inclusiva. Há ressalvas no que se refere a condições reais para atingir esses objetivos e a apropriação do currículo mínimo.

A Base Nacional Comum Curricular-BNCC (2018) apresenta-se como um instrumento de referência que propõe o desenvolvimento de dez competências fundamentais em cada etapa do ensino básico. Esse documento funciona como uma referência para a elaboração curricular, visando à equidade do processo educativo em diferentes regiões, trazendo como competências gerais a serem desenvolvidas: conhecimento; pensamento científico, crítico e criativo; produções artísticas; comunicação; cultura digital; autogestão; argumentação; autoconhecimento e autocuidado; empatia e cooperação; e autonomia.

Tais competências buscam levar o estudante a entender e explicar a realidade, colaborando com a sociedade, levando-os também a investigar causas, elaborando e testando hipóteses, além de comunicar-se e produzir informações para o exercício do seu protagonismo, criticidade e responsabilidade.

No que se refere ao componente curricular de Ciências, a proposta é contribuir para a formação cidadã dos alunos, de modo que ampliem suas experiências de vida, permitindo  o desenvolvimento da criticidade, da curiosidade e do respeito ao ambiente que está inserido.

Krasilchick (2019) argumenta que o Ensino de Ciências é uma oportunidade para que o aluno consiga vivenciar, em sala, os conteúdos voltados ao cotidiano de forma experimental, diferente do conteúdo distante da realidade, pronto, somente repassado em aula e cobrado na forma de prova. Dessa forma, é por meio da educação formal, que os conhecimentos da disciplina de Ciências buscam vincular o processo de ensino científico com os conteúdos vistos na prática social.

Os documentos oficiais que orientam o sistema regular do ensino nacional sugerem a promoção de uma formação que oportunize o desenvolvimento intelectual com habilidades para enfrentar os desafios contemporâneos. De forma geral, esses documentos ressaltam a necessidade de repensar a tradicional prática educativa brasileira, mais preocupada em “selecionar” estudantes para um nível mais elevado de ensino do que proporcionar uma educação mais ampla, para o bom exercício da cidadania, em que as aprovações são consequências de uma formação de qualidade.

De acordo com o relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes-PISA (2015), o ensino das ciências deve tratar da compreensão de conceitos científicos, bem como da habilidade de aplicar esses conceitos e pensar sob uma perspectiva científica, através de reconhecimentos e comunicações de questões que podem ser investigadas cientificamente, e identificar o que está envolvido nessas investigações. Isso é o que prevê o letramento científico ou alfabetização científica.

Assim, o ensino de Ciências/Biologia demanda do professor o desafio de trabalhar com variedades de conceitos, que são de difícil entendimento pelo estudante apenas com a observação cotidiana. As modalidades didáticas são propostas mediante uma abordagem diferencial do ensino de ciências tradicional.

Segundo Silva (2017), as modalidades didáticas podem ser classificadas segundo vários critérios de acordo com as atividades que os  docentes desenvolvem, se o objetivo da aula é falar, apresentar, têm-se as modalidades: aulas expositivas e debates; se o objetivo for fazer: existem aulas práticas, simulações, projetos dentre outras. Dessa forma, as modalidades didáticas são classificadas de acordo com o planejamento, finalidade docente e participação dos estudantes na aula, que vai desde uma aula expositiva até a total autonomia e protagonismo discente com um desenvolvimento de projeto de pesquisa, por exemplo.

Dentre as modalidades didáticas mais frequentes utilizadas no Ensino de Ciências e Biologia, as aulas práticas são as que desenvolvem maior autonomia no envolvimento do discente na aula. Essas aulas quando desenvolvidas no laboratório podem corroborar para que os estudantes possam formular, elaborar métodos para investigar e resolver problemas do cotidiano, bem como, desenvolver interesse pelos fenômenos naturais e científicos.

Neste sentido, as aulas práticas laboratoriais no Ensino Básico permitem que os alunos tenham contato direto com os fenômenos, manipulando os materiais e equipamentos e observando organismos. Dessa forma, vale destacar a necessidade de alternativas viáveis e acessíveis que possam ser adotadas pelos professores que irão desenvolver estas práticas com seus educandos em diversos contextos escolares e sociais.

 

ENSINO DE CIÊNCIAS: AULAS PRÁTICAS

O Ensino de Ciências possibilita ao aluno encontrar respostas sobre questões da realidade, que envolvem temas e conteúdos voltados à vida e ao meio que o estudante se encontra. Trabalhar os conteúdos de Ciências na atualidade é oportunizar o estudante para que ele consiga entender o mundo, os fenômenos da natureza, analisem as questões sociais e possa se posicionar criticamente nas escolhas diárias no contexto social e científico (Krasilchik, 2019).

Entretanto, muitas vezes, a realidade educacional limita-se apenas nas atividades teóricas e tradicionais, causando frustração na falta de recursos ou de espaço físico para o desenvolvimento de atividades práticas e experimentais. Fragmentando assim, a qualidade da aprendizagem científica. Nessa perspectiva, consideramos que a disciplina de Ciências da Natureza não está restrita apenas a parte teórica ou prática, ela é embasada no elo entre a teoria e  prática (Sasseron, 2018).

Entendemos que a prática permite a compreensão do conhecimento teórico e vivencial, a comunicação, socialização, participação e alfabetização científica dos estudantes, possibilitam m construção, criação e aprendizado de maneira ativa e investigativa. Essa dinâmica contribui para formação do sujeito para que ele consiga compreender e interpretar o mundo que está inserido.

O ensino de Ciências e Biologia, componentes curriculares da Área de Ciências da Natureza, ministrados nos ensinos Fundamental e Médio, respectivamente, traz algumas dificuldades consigo. Um dos problemas enfrentados pelo educador nessa área é a limitação das aulas práticas e a dificuldade na utilização de recursos didáticos variados. Para superar tais limitações, os professores são desafiados a encontrar estratégias pedagógicas que possam romper com a metodologia tradicional. Assim, conseguirão minimizar as fragilidades no ensino da disciplina, reduzindo os índices de reprovação e evasão. É necessário, então, diversificar as modalidades didáticas, sempre em busca de desenvolver o interesse dos estudantes pelo estudo.

Outrossim, o ensino prático, naturalmente oferece abundância de atividades. Quanto maior a diversidade delas, maior o interesse dos estudantes e maior o aprendizado. Se possível, é preferível diminuir o tempo em sala de aula e aumentar o de laboratório, onde a experimentação levará o aluno a um aprendizado completo, que faça sentido para ele. Nas aulas práticas, o aluno pode trabalhar por conta própria, de acordo com sua habilidade, interesse, necessidade e aptidão, além de ser possível a inclusão de estudantes com diversas deficiências.

Logo, as aulas práticas são insubstituíveis no ensino de ciências, porque permite ao estudante se defrontar com o fenômeno biológico. Para Myriam Krasilchik (2019, p.83)

As principais funções das aulas práticas, reconhecidas na literatura sobre o ensino de ciências, são: despertar e manter o interesse dos alunos; envolver os estudantes em investigações cientificas; desenvolver a capacidade de resolver problemas; compreender conceitos básicos; desenvolver habilidades.

O objetivo deste trabalho foi propor práticas de microscopia para o ensino de Ciências que utilizassem corantes alternativos em vez de corantes tradicionais, tornando o aprendizado mais acessível e dinâmico.

FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS: 

Esta pesquisa caracterizou-se do tipo qualitativa, caracterizada por descrever, compreender e explicar os fenômenos. Segundo Gerhardt e Silveira (2009) os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos buscam explicar o porquê das coisas e analisar as diversas abordagens investigativas. Quanto a metodologia, do tipo experimental, esta que segue um planejamento, um problema norteador, hipóteses que delimitam as variáveis e testes para se chegar no resultado de viabilidade.

A pergunta norteadora deste estudo foi: Corantes alternativos podem substituir métodos de coloração usados tradicionalmente em práticas de microscopia? Para responder a essa pergunta, dividimos a metodologia em cinco etapas: 1. levantamento dos corantes comumente utilizados em práticas de microscopia; 2. escolha de material apropriado para a montagem das lâminas; 3. escolha dos corantes alternativos; 4. preparo das lâminas com os corantes alternativos e 5. pesquisa sobre a composição química de cada corante alternativo.

Todos os procedimentos da pesquisa foram desenvolvidos em uma disciplina eletiva, intitulada “Práticas de Microscopia para a Educação Básica”, ministrada para discentes do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca, Unidade Educacional Penedo. Os ensaios experimentais foram realizados em julho de 2023.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Corantes comumente utilizados em práticas de microscopia

Corantes são compostos químicos, de natureza natural ou sintética, que se fixam molecularmente a um substrato. São utilizados na biologia, química, farmácia e permitem evidenciar organelas e estruturas celulares como núcleos, nucléolos, membranas celulares, paredes celulares, vacúolos e outras estruturas citoplasmáticas. Seu emprego ocorre há centenas de anos, no entanto até a metade do século XIX, os corantes eram isolados de fontes naturais, como vegetais ou animais. Atualmente, os corantes e pigmentos são classificados de acordo com as classes químicas às quais pertencem e com as aplicações a que se destinam (Brammer et al., 2015).

De acordo com Ross e Pawlina (2012, p. 25):

Embora as bases químicas de muitos métodos de coloração nem sempre sejam compreendidas, eles funcionam. Conhecer os componentes que um procedimento revela é mais importante do que saber exatamente como o procedimento funciona.

Em práticas de microscopia de luz com tecidos vegetais, pode-se utilizar tecidos corados naturalmente, como cortes de folhas verdes ou vermelhas, impregnadas por pigmentos como clorofila e antocianinas, ou fazer uso de tecidos vegetais mais transparentes, nesse caso, é necessário o uso de coloração artificial.

Nesse sentido, a coloração é uma técnica necessária para o estudo das células ao microscópio óptico, pois para que a luz atravesse o material examinado, o corte realizado deve ser muito fino, o que torna o material transparente. Além disso, cada estrutura celular tem afinidade por determinado corante (Junqueira e Carneiro, 2018). A diversidade dos compostos químicos presentes nos diferentes pigmentos e corantes proporciona sua aplicação em estudos mais simples, como práticas utilizadas em escolas, ou avançadas, em laboratórios de pesquisa na citologia clássica e molecular.

A hematoxilina combinada com a eosina (HE) é a técnica de coloração mais utilizada em anatomia patológica e em histologia. Os cortes histológicos são inicialmente corados com a hematoxilina, um composto fenólico de caráter básico que cora em azul-arroxeado vários componentes basófilos, como núcleo celular e cartilagem. Já a eosina, um corante ácido, cora em rosa estruturas acidófilas, como citoplasma e fibras colágenas (Brammer et al., 2015).

Um outro corante bastante utilizado em práticas de microscopia óptica é o azul de metileno, um composto aromático heterocíclico da classe das fenotiazinas utilizado nos campos da farmacologia, medicina, biologia, química. Na biologia, o composto é usado em diferentes procedimentos de coloração, com capacidade de corar citoplasma, núcleo, parede celular. No entanto, sua venda em farmácias não é mais comum, o que dificulta o seu uso em práticas escolares (Oliveira et al., 2019).

Outro corante utilizado é a orceína, um corante alimentar natural, que possui propriedades básicas e é extraída do líquen Roccella tinctoria. A orceína geralmente é usada com o ácido acético e, nessa combinação, possui ampla aplicação como contraste em microscopia. A técnica da acetato-orceína é utilizada para fixar e colorir os cromossomos, e assim estudar seu número, forma e deformidades (Brammer et al., 2015).

Por sua vez, o vermelho neutro ou vermelho toluileno é um corante eurodina usado para coloração em biologia. Ele é um corante vital, que penetra a célula viva, sem a matar, corando o vacúolo de vermelho, encontrado em lojas de materiais para laboratório e apresenta custo mais elevado do que os corantes alternativos utilizados neste estudo. O vermelho neutro é considerado tóxico, pois sua decomposição produz compostos perigosos, como monóxido de carbono, dióxido de carbono, óxidos de nitrogênio e cloretos de hidrogênio (Araújo et al., 2021).

Por fim, o lugol, uma solução de iodeto de potássio com iodo em água. É um medicamento e desinfetante usado para várias finalidades. Além disso, é um corante de contraste, usado para melhorar a visualização de células em diversos tipos de exames (Cabral, et al., 2013).

Escolha do material

Para os testes de coloração, os materiais escolhidos foram a epiderme da cebola branca e células da mucosa oral. A cebola (Allium cepa L.) é um bulbo tunicado simples formado por catafilos internos, túnicas ou escamas e por catafilos externos (casca). Por ser de fácil acesso, células do catafilo da cebola são comumente utilizadas em práticas experimentais de microscopia óptica na educação básica. Já para representar a célula animal, raspados da mucosa oral da parte interna das bochechas foram utilizados. As bochechas são revestidas internamente por uma mucosa de epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado. Essas células podem se desprender facilmente em caso de atrito. Do mesmo modo, essas células são bastante utilizadas em práticas microscópicas simples.

O corante tradicional azul de metileno foi colocado como padrão para comparar a eficácia dos corantes alternativos, sendo utilizado como controle positivo. Como controle negativo, foram utilizadas ambas as células, animal e vegetal, sem coloração.

Escolha dos corantes alternativos

Os critérios utilizados para a escolha dos corantes foram: baixo custo, fácil acesso, não apresentar toxicidade conhecida. Os seguintes corantes alternativos foram testados: violeta de genciana, corante alimentício de diversas cores, iodo, refresco em pó de morango, tinta de caneta esferográfica azul, pigmento retirado da beterraba e diluído em álcool ou água, açafrão diluído em álcool ou água.

Preparo das lâminas

Inicialmente, os catafilos da cebola foram retirados com auxílio de uma faca e colocados sobre lâminas de microscopia. Foi utilizado um fragmento para cada lâmina. Em seguida, em cada lâmina foi adicionada uma gota de cada um dos corantes alternativos testados neste estudo, com o auxílio de uma pipeta Pasteur ou conta-gotas. Esperou-se o corante secar, em seguida foi realizada a observação ao microscópio de luz, utilizando as objetivas de 4X, 10X e 40X. Não foram utilizadas lamínulas devido à espessura do material examinado. Os experimentos foram realizados em triplicata.

Para a observação de células da mucosa oral foi realizada uma raspagem da mucosa interna da bochecha com um palito de madeira, em seguida foi realizado um esfregaço do material raspado sobre uma lâmina de microscopia. A lâmina foi, então, mergulhada em álcool 70%, por 2 minutos, para fixação das células. Posteriormente, o excesso de álcool foi retirado, deixando a lâmina escorrer sobre um papel toalha. Os corantes alternativos testados nessa etapa foram: violeta de genciana, iodo, corantes alimentícios e tinta de caneta esferográfica. Com o auxílio de uma pipeta Pasteur ou conta-gotas, foi adicionada uma gota de cada corante por lâmina, aguardando de 2 a 4 minutos para coloração. O corante foi, então, lavado da lâmina em água corrente. Sobre o material foi adicionada uma gota de água destilada e sobre a mesma foi colocada a lamínula. Em seguida, foi realizada a observação no microscópio óptico, utilizando as objetivas de 4X, 10X e 40X. Os experimentos foram realizados em triplicata.

Composição química dos corantes alternativos

Nessa seção serão apresentadas as composições químicas dos corantes que conseguiram corar as amostras estudadas.

A Violeta de genciana, também conhecida como violeta cristal, violeta de metila ou cloreto de pararosanilina é um corante primário usado no processo de coloração de Gram. Seu uso é bastante frequente como antisséptico, antimicótico, para tratamento de lesões da pele e gengivas. Em coloração, pode ser utilizada na diluição de 1% em água e é encontrada facilmente em qualquer farmácia. Por ser utilizada há tanto tempo na medicina, veterinária, e em colorações diversas, seu uso em laboratórios e em escolas é considerado seguro. Apresenta fórmula molecular C25H30ClN3 e sua composição é: violeta genciana, álcool etílico e água purificada. O valor investido na violeta de genciana foi R$ 3,70, em um frasco de 30 ml.

Do mesmo modo, a tintura de iodo é bastante utilizada na medicina como antisséptico que atua contra bactérias, fungos e vírus. É utilizada em curativos no tratamento de lesões de pele, além de ser aplicada na pele intacta para higienizá-la. Em laboratórios de biologia é utilizada para indicar a presença de amido. A tintura de iodo utilizada tem como composição: Iodo 2,0g, Iodeto de Sódio 1,5g, veículo água purificada e álcool. O valor investido na tintura de iodo foi R$ 7,59, em um frasco de 30 ml.

Por sua vez, os corantes alimentícios são produtos utilizados há muitos séculos para dar cor e sabor a alimentos. A legislação brasileira permite o uso de 14 corantes artificiais, que estão apresentados a seguir, junto com o seu número de INS (Sistema de Numeração Internacional): tartrazina (102), amarelo de quinoleína (104), amarelo crepúsculo (110), azorrubina (122), bordeaux S ou amaranto (123), ponceau 4R (124), eritrosina (127), vermelho 40 (129), azul patente V (131), indigotina (132), azul brilhante (133), verde sólido (143), negro brilhante BN (151), marrom HT (155). Neste trabalho, foi utilizado o corante azul, com composição: água, álcool etílico, corantes artificiais azul brilhante (133) e azul indigotina (132). Além do corante amarelo, com composição: água, álcool etílico e corante artificial amarelo tartrazina (102). O valor investido no corante alimentício foi R$ 2,50, em um frasco de 10 ml.

Ainda tratando de alimentos, o refresco em pó ou preparo sólido para refresco, é utilizado diluído em água para ingestão oral. Sua composição é: açúcar, maltodextrina, suco de morango desidratado, vitamina C, acidulante ácido cítrico, regulador de acidez citrato de sódio, espessantes: goma guar e goma xantana, antiumectante fosfato tricálcico, edulcorantes artificiais: aspartame (24mg/100ml), ciclamato de sódio (16mg/100ml), acesulfame de potássio (2,8mg/100ml) e sacarina sódica (1,3mg/100ml), corantes: dióxido de titânio, caramelo IV e vermelho 40 (129), aromatizante e espumante extrato de quilaia. O valor investido no refresco em pó foi R$ 1,19, em um pacote de 18 g.

Por fim, a tinta de caneta esferográfica também foi verificada. Utilizada para marcação permanente em papéis, a sua tinta é à base de corantes orgânicos e solventes. Os corantes podem variar, mas geralmente são a base de anilina (caneta azul). O valor investido na unidade da caneta esferográfica foi R$ 1,15. Ressaltando assim, a viabilidade e acessibilidade dos materiais que poderão ser usados na escola básica.

Diante do exposto, com o objetivo de testar corantes alternativos para práticas de microscopia, que possam ser utilizados na educação básica, este trabalho obteve êxito com a maioria dos corantes testados. Para verificar a eficácia dos corantes foi colocado como parâmetro a capacidade deles de destacar as estruturas celulares básicas, ou seja, núcleo e citoplasma na célula animal, e núcleo, vacúolo e parede celular na célula vegetal.

Inicialmente, a escolha dos tipos celulares foi avaliada como acertada, pois as células de cebola e da mucosa oral coram muito bem com o corante azul de metileno, utilizado como controle positivo. Além disso, essas células são quase transparentes in natura, ou seja, sem qualquer técnica de coloração.

Assim, o corante alternativo que apresentou melhor coloração, ou seja, qualitativamente mais próximo do padrão foi a violeta de genciana. Todas as estruturas básicas das células animal e vegetal foram coradas satisfatoriamente. Por ser um corante já utilizado na coloração de Gram, juntamente com outro corante, a safranina, permitindo a caracterização e classificação inicial de bactérias, esperava-se o sucesso do corante nas práticas de microscopia deste estudo. A violeta tem a capacidade de se ligar a polissacarídeos, como os presentes nas paredes celulares de bactérias e vegetais, e também em proteínas e DNA. Desse modo, na célula animal há uma coloração roxa no núcleo e lilás no citoplasma, já na célula vegetal, a parede celular, o núcleo e o vacúolo são corados em roxo (Figuras 1-A e 2-A).

Figura 1: Células de cebola coradas com corantes alternativos. A: violeta de genciana, aumento de 400X; B: corante alimentício amarelo, aumento de 400X; corante alimentício azul, aumento de 100X; D: caneta esferográfica azul, aumento de 40X; E: refresco em pó, aumento de 100X.

Figura 2: Células de mucosa oral coradas com corantes alternativos. A: violeta de genciana, aumento de 400X; B: iodo, aumento de 100X; C: controle azul de metileno, aumento de 400X.

Dos demais corantes utilizados na coloração da célula animal, apenas o iodo conseguiu corar levemente as estruturas (Figura 1-B). No entanto, as estruturas foram coradas em um tom de amarelo muito claro, mesmo com um tempo de coloração maior (4 minutos). Em relação ao controle negativo, foi possível notar que houve coloração do citoplasma, mas o seu uso só é recomendado na impossibilidade de outro corante mais satisfatório.

Já os corantes alimentícios amarelo e azul apresentaram qualidade comparável ao controle positivo para as células vegetais. Além de corar muito bem as estruturas, ainda apresentam beleza nas suas cores vívidas (Figuras 2-B e 2-C). O corante azul, corou as estruturas em um tom de verde. Do mesmo modo, Silva et al. (2018) utilizaram corante alimentício azul para corar célula de mucosa oral e estômatos vegetais. Embora a composição do corante utilizado por eles não tenha sido descrita, é possível perceber que as células na mucosa oral não apresentaram coloração satisfatória, quando comparado aos nossos parâmetros, mesmo os autores sugerindo como satisfatória. Por outro lado, as células vegetais foram coradas satisfatoriamente por eles.

Por sua vez, o refresco em pó também corou as células vegetais, em todas as estruturas básicas, porém em um tom de púrpura muito claro (Figura 2-D). Não se tem informação de outro estudo que tenha utilizado refresco em pó para coloração de células vegetais. Pela inovação da técnica, incentivamos o seu uso e aperfeiçoamento por parte dos docentes.

Por fim, a tinta de caneta esferográfica azul também corou satisfatoriamente todas as estruturas básicas da célula vegetal. Notou-se que quanto mais tempo a lâmina permanece em contato com a tinta de caneta, de modo que o tecido vegetal fique totalmente seco, mais as estruturas ficam coradas. Das estruturas coradas, a parede celular ficou com um tom azul mais forte, provavelmente pela afinidade do corante pela celulose (Figura 2-E). Também não se tem notícia de estudos que utilizem tinta de caneta para corar células. Do mesmo modo, incentivamos mais estudos que utilizem tinta de caneta para corar células, principalmente tintas de outras cores, já que a tinta vermelha é a base de eosina, a tinta preta em negro de fumo e a tinta verde em ftalocianina, o que pode apresentar resultados diferentes e satisfatórios.

Os pigmentos naturais provenientes da beterraba e do açafrão não apresentaram resultados satisfatórios nesse estudo. Logo, mais ensaios devem ser utilizados a fim de ajustar a técnica. Em um estudo de revisão bibliográfica com trabalhos que utilizaram corantes naturais, realizado por Hartika et al. (2021) foi demonstrado que plantas, como Hibiscus sp. e Curcuma sp., dentre várias outras, apresentam potencial como corante. Assim, as plantas podem ser melhor utilizadas em ensaios que visem demonstrar seu poder de coloração celular.

Dessa maneira, podemos perceber a relevância de utilizar materiais alternativos e que comprovem sua eficiência e aplicabilidade nas aulas de Ciências e Biologia. Destacando também, que podem ser acessíveis para desenvolvimento na escola pública com poucos recursos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Ensino de Ciências e Biologia, as aulas experimentais devem ser desenvolvidas sempre que possível, com a finalidade de auxiliar para que o estudante possa entender a relação entre teoria e prática. É bem verdade, que em muitas escolas públicas do país não existem laboratório de Ciências. Em outras, há laboratório, mas não têm reagentes para os experimentos. Com o intuito de suprir esta última necessidade, este trabalho foi desenvolvido como estratégia alternativa e acessível.

Considerando que na realidade do nosso país, os professores da educação básica muitas vezes precisam retirar uma parte do seu salário para comprar material pedagógico, tornado a prática inacessível em muitas situações. Pensar e aplicar atividades experimentais com materiais de fácil acesso, como no caso dos reagentes que podem estar no armário de casa é uma conquista social, educativa e efetiva para o desenvolvimento das estratégias didáticas.

Conforme desenvolvimento e aplicação, este trabalho demonstrou que é possível simular técnicas amplamente utilizadas em laboratórios, com materiais de baixo custo e fácil acesso, culminando em resultados satisfatórios.

Neste estudo, foram apresentadas técnicas inéditas de coloração alternativa, que podem ser utilizadas por professores da educação básica, no ensino experimental de Ciências. A proposta deste estudo é inquietar os docentes para a necessidade de fazer experimentação, utilizando materiais acessíveis, além de aguçar a curiosidade e investigação. Como também, estimular nos estudantes a formulação de perguntas, construção de hipóteses, montagem de experimentos e conclusão dos mesmos com um pensamento crítico e reflexivo.

Por fim, cabe ressaltar que devido a amplitude deste tema, outros trabalhos sobre coloração alternativa podem ser desenvolvidos, inclusive com outros materiais, como em células de bactérias e fungos, e com outros corantes artificiais e naturais.

Agradecemos à UFAL, Unidade Educacional de Penedo pelo constante incentivo à pesquisa.

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Brammer, S. P. et al. Corantes comumente empregados na citogenética vegetal. Arquivos do Instituto Biológico, v. 82, p. 1-8, 2015.

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