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As Cadeiras De Francês E Os Desafios Do Ensino Secundário Na Província De Sergipe (1830 -1837)

Júlia Duarte Santiago Nunes

Este artigo apresenta uma análise sobre o ensino de Língua Francesa na Província de Sergipe durante o Império brasileiro (1830-1837). Para tanto, realizamos a análise e comparação das fontes coletadas: Legislação Educacional da época, jornais referentes ao período recortado, Regulamentos de Instrução Pública, Relatórios de Inspeção e a historiografia referente à matéria. Com o objetivo de aprofundar o trato das fontes anteriormente citadas, nos embasamos nos pressupostos teóricos relacionados à Disciplina e à Cultura escolar de Chervel (1990) e Julia (2001). A pesquisa realizada para a elaboração deste artigo nos conduziu à compreensão de que o ensino de Língua Francesa na Província de Sergipe foi motivado pelas exigências das faculdades brasileiras que, a partir de 1827, passaram a exigir certificados de aprovação na Língua Francesa, Gramática Latina, Retórica, Filosofia Racional e Moral e Geometria para o ingresso dos alunos nos Cursos Jurídicos. Além disso, o presente artigo nos traz informações significativas sobre o processo de estruturação do Ensino Secundário, a criação das Cadeiras de Francês na referida Província e os desafios por ela enfrentados para continuar presente nas instituições de ensino.

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NUNES, Júlia Duarte Santiago. As Cadeiras de Francês e os Desafios do Ensino Secundário na Província de Sergipe (1830 -1837). Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/631-as-cadeiras-de-franc%C3%AAs-e-os-desafios-do-ensino-secund%C3%A1rio-na-prov%C3%ADncia-de-sergipe-1830-1837. Acesso em: 16 out. 2025.

As Cadeiras de Francês e os Desafios do Ensino Secundário na Província de Sergipe (1830 -1837)

1.INTRODUÇÃO

A educação no Império brasileiro foi intensamente influenciada pelas transformações políticas e educacionais do século XVIII, principalmente, pelas Reformas Pombalinas e pelo pensamento iluminista que proporcionaram ao Brasil do século XIX um novo olhar sobre a instrução pública, suas metodologias e seu sistema educacional. É importante ressaltar que, de acordo com (OLIVEIRA, 2022), assim como ocorreu em Portugal no período Pombalino, as Línguas Estrangeiras no Brasil acompanharam o processo de institucionalização dos estudos matemáticos representados pelas Academias Militares, centros formadores da elite local. Seu estudo era justificado como meio de acesso às “Ciências Matemáticas” pela tradução de obras e autores que escreviam nos idiomas de suas respectivas nações, e não mais em latim. Sendo assim, não foi por acaso que as primeiras Cadeiras Públicas de Inglês e Francês no Brasil, em 1809, foram declaradas no mesmo documento em que a Mesa do Desembargo do Paço concedeu provimento a uma Cadeira de Aritmética, Álgebra e Geometria, assim como não é de se estranhar que os Colégios e Academias Militares e da Marinha, em Portugal e no Brasil, tenham sido as primeiras instituições responsáveis pela inserção das Línguas Estrangeiras em seus currículos.

 Vale lembrar que, nas primeiras décadas do Império brasileiro, o poder central passou a exercer um maior controle do Ensino Secundário e, a partir da instituição dos Cursos Jurídicos, criou Cadeiras Preparatórias para o acesso à referida instituição, dentre elas, as de Língua Francesa que estiveram voltadas para o acesso ao Ensino Superior.  Nesse contexto, foi criada a Cadeira de Língua Francesa da Província de Sergipe que durante o seu processo de criação passou por desafios diversos, como: dificuldades de encontrar professores qualificados, ordenados desestimulantes e dificuldade de manutenção e permanência devido às precárias condições financeiras da Província e da baixa frequência dos alunos.

1.1. O ENSINO DE LÍNGUA FRANCESA: A INFLUÊNCIA DA FRANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA DAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XIX

De acordo com Santos (2017), havia na Legislação das primeiras décadas do século XIX uma tentativa de desmerecer tudo que estivesse associado à França, como contrapartida à proteção que a Inglaterra concedeu a Portugal, através da escolta dos seus navios e do auxílio na expulsão das tropas napoleônicas. Esse esforço em deter a influência francesa no Brasil fica evidenciado na Decisão de Guerra N. 51, de 14 de dezembro de 1809, que proibia a Imprensa Régia de imprimir qualquer obra não autorizada pela Mesa do Desembargo do Paço, pois estas poderiam estar associadas a alguma sociedade secreta e os ensinamentos transmitidos poderiam ser altamente prejudiciais ao Império, por terem sido encontradas “provas authenticas da sua adhesão aos abomináveis e subversivos principios do Governo Francez” (BRASIL, 1891).

Apesar de haver na legislação brasileira do início do século XIX uma tentativa de evitar a influência francesa, é importante esclarecer que tal atitude estava apenas no âmbito legislativo, uma vez que o Brasil do século XIX absorvia muito da cultura francesa, principalmente a elite do Império, que desde a chegada da Missão Artística Francesa em 1816, passou a ser fortemente influenciada em termos sociais, culturais e intelectuais. Destaca-se, nesse contexto, o pintor francês Jean Baptiste Debret, cujas obras expressavam o cotidiano da Corte brasileira. Sendo assim, não era por acaso que, nas primeiras décadas do século XIX, na rua do ouvidor, no centro do Rio de Janeiro, se costumava dizer que as pessoas se vestiam, comiam, liam e pensavam como os franceses. Para os brasileiros de posses, inclusive o imperador, Paris era a paixão cosmopolita dominante ao redor de todos eles (SCHWARCZ, 2012, p.153). Vale ressaltar que as marcas francesas deixadas em terras brasileiras vão além da arquitetura, das obras literárias, das pinturas e dos costumes dos brasileiros, pois uma forte influência chegou através da Língua Francesa que, durante quase todo o século XIX, foi considerada universal e conseguiu atravessar o Atlântico, não só como um novo idioma, mas também como símbolo de poder e dominação cultural de uma nação que, desde séculos anteriores, influenciava a vida ocidental, principalmente a europeia, como nos mostra Hazard (1971):

Tanto assim é, que para a aristocracia intelectual da Europa as traduções já não são necessárias, e o francês tende a tornar-se a língua universal. É o que diz Gruy Miège, genebrês residente em Londres, que publica um dicionário francês-inglês e inglês francês, “porque a língua francesa, em certo sentido, vai-se tornado universal”; é o que diz Gregório Leti, que em Amesterdão traduz para francês a sua Vida de Cromwell; para francês, porque a língua francesa tornou-se, neste século, a mais geralmente conhecida de toda a Europa, quer por grandeza da França a tornar mais florescente, tal como se viu outrora o poderio dos Romanos espalhar a sua língua por todo o universo, quer porque a língua francesa, trabalhada como está, tenha belezas particulares, na nitidez desafectada que nela se observa”.Mas de todos os testemunhos que seria fácil acumular aqui, nenhum é mais significativo, decerto, que o de Bayle: “ A língua francesa é doravante o ponto de contacto de todos os povos da Europa e uma língua que se poderia chamar transcendental (HAZARD, 1971, p. 54-55).

Desse modo, a Língua Francesa, nas primeiras décadas do século XIX, é considerada como o principal idioma a ser estudado e ensinado no Brasil, havendo a preocupação em criar leis que regulamentassem seu ensino. É importante ressaltar que, segundo Oliveira (2010), em seu livro “Gramatização e Escolarização: contribuições para uma história do ensino das línguas no Brasil (1757-1827)”, a forte influência da Língua e da cultura Francesa no Brasil, durante as primeiras décadas do século XIX, dificultou a institucionalização do ensino de Inglês e que durante esse período, a Língua Francesa tinha seu status assegurado, sendo reconhecida como língua de acesso ao conhecimento e à cultura, o que fez com que o ensino desse idioma não precisasse de maiores explicações e justificativas. Porém, o mesmo não acontecia com o Inglês, que, segundo a análise de Santos (2017), embora tivesse uma utilidade comprovada, ainda disputava espaço educacional junto ao Francês.

Ao observar a análise de Santos (2017) sobre os prefácios de alguns compêndios de Língua Inglesa desse período, percebe-se que a influência francesa, através da língua, era tão forte que havia uma necessidade de convencimento para a legitimação e divulgação do ensino de Inglês. Isso fica evidenciado no prefácio do compêndio Arte Ingleza, publicado por Guilherme Tilbury, em 1827, no qual o autor se mostra preocupado com a valorização do Inglês frente a um grande crescimento da Língua Francesa no Brasil, tornando-se um árduo defensor das questões inglesas. Ele declarava que seu desejo era ver sua obra servindo de “antídoto” contra a filosofia francesa, que deveria, a todo custo, ser combatida, sendo de sua autoria a célebre frase: “se, como dizem, a França e a Inglaterra são os dois olhos da Europa, para que contentar-se em ver por hum delles só? Ou quando assim se fizer, escolha-se ao menos aquelle que contenha a vista mais comprida” (TILBURY, 1827, p.i, apud SANTOS, 2017, p.71-72). Sendo assim, é possível afirmar que a preocupação de Tilbury não era sem razão, uma vez que, de acordo com Oliveira (2010), a supremacia da Língua Francesa se mostrava pela sua maior procura nos Exames de Preparatórios e na maior disponibilidade de professores públicos e particulares.

2.ESTRUTURAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO E A LÍNGUA FRANCESA NO LICEU DE SÃO CRISTÓVÃO

 

De acordo com Nunes (1984), o início do processo de organização do Ensino Secundário em Sergipe se deu em 1830, a partir da criação das Cadeiras Preparatórias de Retórica, Filosofia, Geometria, Francês, Geografia e História que funcionavam no sistema de Aulas Avulsas e passaram, a partir de 1833, a funcionar de forma centralizada no Liceu de São Cristóvão.Nesse contexto, a análise de Lima (2005) nos permite perceber que a centralização das Aulas Preparatórias no Liceu trouxe mudanças significativas para a Instrução Secundária em Sergipe, pois foi a partir dessa decisão que passou a existir um interesse pela estruturação do Ensino Secundário na Província. Outra importante mudança aconteceu em relação aos locais e conteúdos de ensino, que nas Aulas Avulsas eram decididos pelos professores e a partir de então passaram a ser atribuições dos Regulamentos e Regimentos da Instrução Pública. Além dessas alterações, passou a existir também uma presença mais forte e definidora da Igreja Católica nas questões educacionais. Sendo assim, todas essas transformações fizeram com que os professores públicos, muito mais que os particulares, se sentissem retraídos para exercer suas funções, pois estavam sujeitos à censuras e punições, caso não obedecessem às imposições do Governo e da Igreja.    

É importante ressaltar que o ano de 1833 foi de fundamental importância para a Instrução Pública em Sergipe, pois a partir desse momento dá-se início à estruturação do Ensino Secundário na Província, através da centralização das Cadeiras Preparatórias no Convento dos Carmelitas em São Cristóvão, da criação de Estatuto e de cargos de direção, vice-direção e secretariado e da realização de concurso para o provimento das Cadeiras Públicas, o qual, segundo os estudos de Lima (2005), foi realizado em 1832 na capital da Província com o objetivo de ocupar as vagas das Cadeiras de Filosofia Racional e Moral, Geometria, Francês e Retórica. Dessa maneira, após a realização do concurso, o Liceu de São Cristóvão contava com 5 Cadeiras Preparatórias, dentre elas, uma de Francês, 4 lentes, 1 diretor e um vice-diretor, como nos mostra o quadro da estrutura administrativa do Liceu em 1833: 

 

CADEIRAS

LENTES

DIRETOR

VICE-DIRETOR

Francês

Joaquim Maurício Cardoso[1]

Frei Jose dos

Prazeres

Bulhões

Joaquim Maurício

Cardoso

Geografia

Frei Jose dos P. Bulhões

Filosofia

Manuel Ladislau Aranha

Dantas

Manuel Hertêncio A. Pereira

Latim

Manuel Ladislau Aranha

Dantas

Retórica

Joaquim Maurício de Cardoso

             Estrutura Administrativa do Liceu de São Cristóvão em 1833 

 

[Imagem local removida]Fonte: LIMA, Aristela Aristides de. 2005. A instrução da mocidade no Liceu Sergipense: um estudo das práticas e representações do ensino secundário na província de Sergipe: (1847-1855). Dissertação de Mestrado. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe         -UFS, P.29.

Vale ressaltar, que a estruturação do Liceu se deu através da iniciativa do Presidente Jose Joaquim Germiniano de Moraes Navarro, que em 1834 formalizou a autorização através de ofício: 

Devendo-se reunir todas as cadeiras de ensino Público no Liceu novamente criado, instalado no Convento do Carmo desta Cidade, cumpre-me que V.S. comunique os respectivos Professores que ai devem desempenhar as funções de seu Magistério, conseguinando-lhes as salas para as respectivas aulas, e incumbindo-se V.S. de requisitar por obséquio a cadeira do ex-professor Dr. Manuel Ladislau Aranha Dantas, para servir na aula de Latim, podendo certificar que será indenizado brevemente no valor da mesma (SERGIPE,1834).

Segundo a análise de Lima (2005), em 1834, período de estruturação do Ensino Secundário em Sergipe, a Província possuía somente 160.462 habitantes, sendo considerada, portanto, uma Província pequena que representava apenas 3% da população total do Império. Tanto a pequenez quanto as suas precárias condições financeiras e conflitos políticos dificultaram a permanência do Liceu de São Cristóvão, que apesar de cumprir o papel de reunir todas as Cadeiras de Ensino Secundário e de possibilitar a criação de Estatutos, em 1835, teve o seu funcionamento suspenso por causa da decisão da Assembleia Provincial de não permitir nenhuma despesa com um estabelecimento que atendia a uma pequena quantidade de alunos: 

 

Sem fazer despesas, ele ainda funcionou no ano de 1834. Mas um dos primeiros atos da Assembléia Provincial instalada nos começos de janeiro de 1835, a Lei de 25 do mesmo mês, suspendia o funcionamento do Liceu “por não poder a Província concorrer com as despesas do seu custeio e pelo diminuto número de alunos freqüentes às matrículas das diversas aulas (NUNES, 1984, p.51).

 Com o fechamento da referida instituição, por ordem do Presidente da Província, as Aulas de Francês e as outras Preparatórias voltaram a funcionar no sistema de Cadeiras Isoladas, sob a administração dos professores e em suas próprias casas: 

 

Para o Diretor do Liceu desta Cidade. Ilmo. Sr. De ordem de S. Excia. participo a V.S. para a sua inteligência, a fim de que haja de fazer publicar onde convier, que a Assembléia Legislativa Provincial houve por bem dissolver o Liceu desta Cidade, mandando por isso o Exmo. Sr. que os respectivos Professores que o acompanham, passem já a dar aula em suas casas, até ulterior resolução a respeito. Secretaria da Presidencia de Sergipe, 3 de fevereiro  de 1835.Ilmo. Sr. Diretor do extinto Liceu desta Cidade Pe. José dos Prazeres Bulhões. Braz Diniz Villas Boas (SERGIPE, 1835).

Sendo assim, o Ensino Secundário em Sergipe, até 1847, continuou a ser ofertado através das Aulas Públicas no sistema das Aulas Avulsas e da iniciativa de particulares. Nessa perspectiva, vale ressaltar as implicações que o Ato Adicional de 1834 teve em todo o Império, inclusive em Sergipe, que promovendo a descentralização do Ensino Secundário, permitiu que cada Província o administrasse de acordo com sua condição financeira, fato que, segundo Nunes (1984), provocaria uma grande disparidade educacional entre as Províncias, caso não houvesse os estudos Preparatórios, os quais foram estabelecidos pelo Poder Central como requisito para o ingresso nos cursos superiores e contribuíram para uma unificação dos objetivos de ensino, uma vez que, tanto em Sergipe quanto nas outras Províncias brasileiras, os estabelecimentos de Ensino Secundário, quer públicos, quer particulares para alcançarem êxito diante da sociedade e serem frequentados pelos alunos que buscavam os estudos superiores, se voltaram para o ensino das Disciplinas requeridas pelos Preparatórios. 

 

3. “DANÇA DAS CADEIRAS”: DESAFIOS PARA A MANUTENÇÃO DO ENSINO DE LÍNGUA FRANCESA NA PROVÍNCIA DE SERGIPE

É no contexto de estruturação do Ensino Secundário que acontece, em 1830, a criação da primeira Cadeira de Língua Francesa de Sergipe por decisão do Conselho Geral da Província e com um ordenado de 600$000. Tal ato foi motivado pelas exigências das Faculdades brasileiras que, a partir de 1827, de acordo com a lei de 11 de agosto do mesmo ano, passou a exigir dos alunos que quisessem se matricular nos Cursos Jurídicos, além da certidão que comprovasse idade superior a 15 anos, os certificados de aprovação na Língua Francesa, Gramática Latina, Retórica, Filosofia Racional e Moral e Geometria.

Na província de Sergipe, assim como em Minas Gerais e Pernambuco, as Cadeiras de Francês estavam voltadas para os estudos Preparatórios, funcionando, até 1832, no sistema de Aulas Avulsas e a partir de 1833, segundo a análise de Lima (2005), passou a funcionar no Liceu de São Cristóvão junto com as outras Cadeiras do ensino secundário. Com a centralização das Cadeiras Preparatórias no referido Liceu, localizado no Convento dos Carmelitas na capital da Província, as cadeiras de Francês, assim como todas as de estudos Preparatórios, passaram a ser providas através da realização de concurso, sendo que o primeiro foi realizado em 1832 na capital e apresentou apenas um concorrente à Cadeira de Francês: o professor Joaquim Maurício Cardoso, que foi aprovado e passou a exercer suas funções.

 A falta de candidatos dispostos a concorrerem às vagas das Cadeiras Preparatórias foi uma problemática muito presente nas primeiras décadas do século XIX, pois não era fácil encontrar na Província sergipana pessoas qualificadas para ensinar as Disciplinas exigidas no Ensino Secundário, fato que se comprova através do ofício do Presidente Joaquim Marcelino de Brito ao ministro Luis Coutinho, em junho de 1832: 

 

As cadeiras de Filosofia Racional e Moral, Retórica e Poética, novamente criadas pelo Decreto de 11 de novembro do ano passado se acham em concurso, sem terem até agora opositores, que com dificuldade aqui apareceram com a necessária capacidade para tais cadeiras, achando-se porém já provida a de francês criada pelo mesmo decreto ( SERGIPE,1832).

 

Além da dificuldade de se encontrar pessoas hábeis para ocupar as Cadeiras Preparatórias, inclusive as de Língua Francesa, a baixa remuneração desestimulava os que tinham as requeridas habilidades, sendo assim, de acordo com os estudos de Nunes (1984), na tentativa de solucionar o problema, o Conselho Geral, em 1834, ordenou a elevação do ordenado das Cadeiras de Retórica, Geometria, Filosofia e Francês para 800$000 réis e as de Latim da capital e de Estância para 600$000 réis. 

 

ANO

VALOR

 

1833

 

Até 30 de maio= 500$000 réis

De 31 de maio à 18 de junho=700$000 réis A partir de 19 de junho 600$000 réis

1834

800$000 réis

1835

600$000 réis

QUADRO  - Ordenados dos Professores de Francês de Sergipe (1833-1835)

Fontes: RECOPILADOR SERGIPANO, p.03, jun.1833; NUNES, Maria Thetis. Historia da Educação em Sergipe. Aracaju: Paz e Terra, 1984; FRANCO, Candido Augusto. Compilação das Leis Provinciais 1835-1880. Aracaju: Typografia de F. das Chagas Lima, 1879.( Quadro elaborado pela autora do artigo)

           Vale ressaltar que, desde o final do século XVIII, as dificuldades financeiras para o pagamento de professores na Província de Sergipe era um problema constantemente enfrentado, de acordo com Nunes (1984), os professores sergipanos ficaram sem reajuste de ordenado por cerca de 30 anos, além de receberem seus pagamentos com constantes atrasos. Ao observar a tabela anterior, podemos perceber que de 1833 até 1835 também não houve um aumento de ordenado que, de fato, fosse motivador para atrair pessoas para a carreira do Magistério, promovendo a continuação da dificuldade de se encontrar candidatos hábeis para concorrer às Cadeiras Preparatórias, inclusive à de Língua Francesa.

É importante destacar que a baixa frequência de alunos, aliada às dificuldades financeiras enfrentadas pela Província sergipana motivaram a criação da lei de 22 de março de 1836, que autorizava o governo a suspender os ordenados dos professores que não tivessem em suas Aulas a quantidade mínima determinada de alunos matriculados, inclusive os das Aulas Preparatórias, nas quais as de Língua Francesa se encontravam inseridas e precisavam ter no mínimo 6 alunos para que os ordenados de seus professores não fossem suspensos:

 

LEI DE 22 DE MARÇO DE 1836

Art.13. O Governo fica autorizado a suspender os ordenados d’aquelles professores de primeiras letras, que tiverem menos de dezesseis discípulos; das professoras que tiverem menos de oito; das de preparatórios, e grammatica latina, que tiverem menos de seis: cessará esta disposição logo que constar ao Governo por informação das Camaras respectivas, que aquelles professores tem conseguido o indicado numero (SERGIPE, 1879, p.141). 

 

Além dos obstáculos enfrentados para se encontrar pessoas hábeis para o ensino de Francês e das outras matérias do Ensino Secundário sergipano, outro problema existente, no período estudado, foi a dificuldade de permanência dessas Cadeiras, principalmente entre 1830 e 1854, tanto na capital quanto na Vila de Estância, que à época exercia significativa influência no setor econômico e cultural da província[2]. Tal fato pode ser percebido através da Legislação educacional do período que constantemente apresentava leis de criação e de extinção das referidas Cadeiras. Sendo assim, a cadeira de Francês da capital, que havia sido criada em 1830 por decisão do Conselho Geral da Província, foi extinta em 1838 pelo decreto N. 6 de 16 de Fevereiro do mesmo ano, sendo novamente criada pela Lei N. 139 de 10 de Fevereiro de 1845:      

DEC.N.6 DE 16 DE FEVEREIRO DE 1838.

Art. 2º Ficão suprimidas as seguintes cadeiras:

§ 1. As de rhetorica, geometria, francez e filosofia desta Capital. (SERGIPE, 1879, p.206)

 

LEI N.139 DE 10 DE FEVEREIRO DE 1845

Art. 1º. Ficão creadas nesta Capital as cadeiras da lingua franceza, filosofia racional e moral, geometria e rhetorica (SERGIPE, 1879, p.207). 

 

A mesma instabilidade aconteceu com a Cadeira de Língua Francesa de Estância, criada em 1835, pelo decreto de 5 de março do mesmo ano, extinta pelo decreto de 16 de fevereiro de 1838, e novamente criada pela Resolução N. 398 de 21 de Junho de 1854:

LEI DE 5 DE MARÇO DE 1835

Art.1º. Ficam creadas na villa constitucional da Estancia trez cadeiras preparatorias, isto é, uma de filosofia racional e moral, outra de rhetorica e poetica, e outra de francez, com o ordenado anual de 600$ cada uma (SERGIPE,1879, p.176).

 

DEC.N.6 DE 16 DE FEVEREIRO DE 1838.

Art. 2º Ficão suprimidas as seguintes cadeiras:

§ 2º. As de rhetorica, filosofia e francez da villa de Estancia (SERGIPE, 1879, p. 176-177).

 

RESOL. N.398 DE 21 DE JUNHO DE 1854

Art.1º Ficam creadas nas cidades de Laranjeiras e Estancia, além das cadeiras de Latim, que já nelas existem, as cadeiras de Philosophia, francez, geometria, e geografia e historia (SERGIPE, 1879, p.177).  

 

Como podemos perceber, a falta de leis que garantissem a estabilidade do ensino de Língua Francesa provocou uma “dança das Cadeiras” da referida disciplina, que ora tinha sua permanência decretada, ora era repentinamente encerrada. Tal situação pode ser justificada por dois fatores: primeiro, o desequilíbrio orçamentário que, de acordo com os estudos de Nunes (1984) era um problema constantemente enfrentado pela Província, fato que levou o presidente José Elói Pessoa da Silva, no ano de 1838, a assinar um decreto suprimindo diversas Cadeiras, inclusive a de Língua Francesa da capital e da Vila de Estância. Segundo, o fato de a população economicamente mais favorecida e constituída por proprietários rurais preferir que seus filhos estudassem nas instituições particulares, ou que fossem enviados para realizar seus estudos em outras Províncias mais desenvolvidas com a finalidade de cursarem as disciplinas exigidas para o ingresso nas Academias do Império, o que causou uma baixa taxa de matrícula nas Cadeiras Públicas Preparatórias existentes e desmotivou o Governo a lutar pela continuidade desse tipo de ensino, como fica evidenciado na Fala do Vice-Presidente Manuel Joaquim Fernandes de Barros à Assembleia Legislativa Provincial em janeiro de 1836:

 

Quanto ás outras Aulas, de Geometria, Rhetorica, Logica, Francez, etc., creio, Senhores, que as que estão providas se devem conservar; mas as outras deste gênero , que por lei são criadas, não devem prover: pois o pequeno número de alumnos, que frequentão as existentes nos dá a conhecer, que ellas de pouco proveito são para os nossos co-habitantes. (Noticiador sergipense, p.01, 5 de fev.1836)

Temos finalmente quatorze Cadeiras de preparatórios providas, que contão cento e secenta e quatro discipulos, não tendo algumas mais de hum até dous alumnos (Noticiador sergipense, p.02, 5 de fev.1836). 

 

4. A QUESTÃO DOS COMPÊNDIOS NA PROVÍNCIA DE SERGIPE E OS DESAFIOS DO ENSINO DE FRANCÊS

Nas fontes analisadas, relacionadas à Província de Sergipe, não foram encontrados compêndios específicos utilizados no período recortado, porém, no Relatório da Comissão encarregada de examinar as Relações vindas das diversas Aulas da Província, de 21 de Janeiro de 1834, há um relato sobre a precariedade dos compêndios utilizados nas Aulas, afirmando que tal fato retardava o desenvolvimento das ideias dos alunos: 

Quanto aos livros cada um ensina pelo impresso, ou manuscrito, que julga mais acomodado, vendo-se alguns na obrigação não só de procurarem folhetos, livros, etc, como até de copiarem pedaços para lhes darem a ler, do que resulta não pouco atraso á mocidade, que não sendo imbuída em compêndios methodicos, retarda infalivelmente o desenvolvimento das suas ideias (SERGIPE, 1834).              

Vale lembrar, que o fato de o Ensino Secundário está em processo de estruturação na Província em análise não permitiu que houvesse uma padronização para os compêndios, ficando os professores responsáveis pela elaboração do seu próprio material de ensino. Dessa maneira, esta pesquisa nos levou a identificar alguns possíveis compêndios utilizados nas Aulas de Francês das Províncias do Império, como: a Grammatica Franceza de Lhomond[3]; dicionários francês –português; e português- francês;  Gramatica franceza em quatro partes, por Hamonnière  e um Guia de conversação em Francês e Português. Ao levar em consideração que tais materiais de ensino circulavam nos anúncios de jornais de Minas Gerais e Pernambuco, podemos considerar que, possivelmente, também foram utilizados nas Aulas Avulsas da Província de Sergipe.

 

[1] De acordo com os estudos de Nunes (1984), Joaquim Maurício Cardoso foi um professor baiano radicado em Sergipe, desde 1829, que lecionou Primeiras Letras em Estância (Vila Santa Luzia) e a partir de 1833, ensinou Francês em São Cristóvão, retornando, porém, à Estância em 1835 para, após o concurso, ocupar a Cadeira de Retórica e Poética, até a extinção em 1838. Foi pai de outro ilustre professor, o sergipano Brício Maurício de Azevedo Cardoso, progenitor de um dos mais destacados governantes de Sergipe, o Dr. Maurício Graco Cardoso (1922/1926).

[2] Comprova-se, assim, a importância que essa vila assumia não só na área econômica como no setor cultural da Província. Contava com três escolas de Primeiras Letras, e a partir de 1835 com as Cadeiras preparatórias. A vila também alcançou êxito no desenvolvimento do ensino privado, atendendo uma clientela numerosa, constituída pelos filhos dos senhores de engenho. (NUNES, 1984, p.57)

[3] A dissertação de Oliveira (2016), intitulada: “A institucionalização do ensino do francês no Brasil: o caso da Academia Real Militar do Rio de Janeiro (1810-1832)” faz uma análise detalhada do referido compêndio (p.8285).

Ao analisar os dados referentes à Província de Sergipe, percebemos que a criação da Cadeira de Francês da referida Província ocorreu em 1830 e coincide com o início do processo de estruturação do Ensino Secundário. Inicialmente, o ensino dessa Língua aconteceu no sistema de Aulas Avulsas e, a partir de 1833, passou a funcionar de forma centralizada no Liceu de São Cristóvão. É importante destacar que a criação dos concursos públicos para docentes das Cadeiras Preparatórias foi uma importante iniciativa, pois contribuiu para a estruturação do Ensino Secundário em Sergipe, aproximando-o do modelo de ensino desenvolvido nas outras Províncias do Império.  Nesse sentido, a análise e comparação das fontes também nos levou a concluir que o processo de criação das Cadeiras de Francês em Sergipe enfrentou diversos obstáculos: dificuldades de encontrar professores qualificados, ordenados desestimulantes e dificuldade de manutenção das Cadeiras criadas devido às precárias condições financeiras da província e da baixa frequência dos alunos.

FONTES E REFERÊNCIAS

FONTES:

NOTICIADOR SERGIPENSE. São Cristóvão, 01 de fevereiro de 1836. Typografia de Silveira.

O RECOPILADOR SERGIPANO. Villa Constitucional de Estância, 10 de julho de 1833,Typografia de Silveira.

SERGIPE. (1879). FRANCO, Candido Augusto Pereira. Compilação das Leis Provinciaes de Sergipe (1835 a 1880). Aracaju: Typ. De F. das Chagas Lima, 1879.

SERGIPE. 1832. Ofício do Presidente Joaquim Marcelino de Brito ao Ministro Coutinho, sobre as cadeiras vagas por falta de opositores, datado de 12 de junho de 1832. APES,G¹276.

SERGIPE. 1834. Ofício do Presidente José Germiniano de Moraes Navarro ao diretor doLiceu de São Cristóvão, Jose dos Prazeres Bulhões, sobre a reunião de todas as cadeiras do ensino preparatório no liceu, datado de 17 de março de 1834. APES, G¹280.

SERGIPE. 1834. Relatório da Comissão encarregada de examinar as relações vindas das diversas Aulas da Província de Sergipe, datado de 21 de janeiro de 1834. Arquivos Particulares- Arquivo Epifânio Dória, Caixa 14, Doc-04.

SERGIPE. 1835. Ofício do secretário da Presidência Brás Diniz Villa-Boas ao diretor do Liceu de São Cristóvão, Jose dos Prazeres Bulhões, sobre o fechamento do referido liceu, datado de 03 de fevereiro de 1835. APES, G¹280.

 

 

REFERÊNCIAS

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