Metadados do trabalho

A Educação Do Campo Como Patrimônio Imaterial: Desafio Ou Necessidade Nos Dias Atuais?

Marcelo dos Santos Bezerra; Marie Jolly Nascimento Pinto; Orlane Santana Coelho

A referida proposta brotou a partir de indagações pertinentes acerca das vivencias como agente do processo em escolas rurais e as contribuições que elas têm dado a cultura e formação de sociedades. O presente artigo tem por objetivo propor uma reflexão acerca do processo de formação sociocultural bem como da identidade, que as escolas da rede pública do campo vêm desenvolvendo e seus principais resultados, para tanto se deve durante o decorrer do trabalho abordar questionamentos de caráter pertinentes a este processo como: O que é cultura? O que é patrimônio material e imaterial? O que é identidade cultural? E quem são os agentes deste processo? O que é educação do campo?  Como preservar a identidade campesina? A partir destes questionamentos será possível analisar o processo de formação social e identitário do povo da zona rural. A metodologia trabalhada foi por meio da pesquisa indireta obtendo informações através do levantamento bibliográfico assim como análise de obras já publicadas que discorrem sobre a temática explorada. Autores como, Choay, Hall, Santos, Willians, dentre outros são de suma importância para dar sustentação à proposta.

 

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Como citar este trabalho

BEZERRA, Marcelo dos Santos; PINTO, Marie Jolly Nascimento; COELHO, Orlane Santana. A Educação do Campo como Patrimônio Imaterial: Desafio ou necessidade nos dias atuais?. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/610-a-educa%C3%A7%C3%A3o-do-campo-como-patrim%C3%B4nio-imaterial-desafio-ou-necessidade-nos-dias-atuais. Acesso em: 16 out. 2025.

A Educação do Campo como Patrimônio Imaterial: Desafio ou necessidade nos dias atuais?

Não se pode falar de futuro sem olhar para trás. Talvez esse enunciado, muitas vezes clichê, tenha que ser (re) analisado principalmente quando diz respeito à educação. Um passo relevante nesse contexto é repensar os alicerces culturais, heranças advindas dos nossos antepassados que permitem o presente, bases estas que trazem ao longo dos tempos um valor incomensurável a formação dos grupos sociais, pois, se compreende que as manifestações humanas, acarretam consigo não apenas uma trajetória meramente histórica, mas, elementos que permitem a formação identitária de um povo nas suas mais variadas formas de relacionar-se entre si, como: pensar e agir. Segundo Albuquerque (2012):

 

Conhecer sobre a história é entender a sociedade na qual se está inserido, é saber a origem de um povo, o significado e o porquê de certos costumes e tradições perpassados através do patrimônio histórico cultural que é um bem coletivo, ou seja, diz respeito à identidade cultural de um grupo social. (VII CONNEPI, disponível em: http://propi.ifto.edu.br/ocs/index.php/connepi/vii/paper/view/1833/2899, 2012)

 

O presente artigo tem por objetivo propor uma reflexão acerca do processo de formação sociocultural bem como da identidade, que as escolas da rede pública do campo vêm desenvolvendo e seus principais resultados, para tanto se deve durante o decorrer do trabalho abordar questionamentos de caráter pertinentes a este processo como: O que é cultura? O que é patrimônio material e imaterial? O que é identidade cultural? E quem são os agentes deste processo? O que é educação do campo?  Como preservar a identidade campesina? A partir destes questionamentos será possível analisar o processo de formação social e identitário do povo da zona rural.

O compromisso para construção de uma cidadania completa perpassa necessariamente por uma prática educacional com um enfoque voltado à do cotidiano,  de acordo com a compreensão da realidade social dos alunos atribuindo a estes características sociais como direitos e responsabilidades que se empregue dentro e fora da escola, contribuindo para a relação deste individuo em sociedade. Baseado nessas práticas educacionais que surge nos PCN’s os temas Transversais com questões diretamente ligadas temas como Ética, Pluralidade Cultural entre outros.

A referida proposta brotou a partir de indagações pertinentes acerca das vivencias como agente do processo em escolas rurais e as contribuições que elas têm dado a cultura e formação de sociedades. Os estudos visam buscar respostas para questões relacionadas à educação patrimonial como: pesquisa, registro, divulgação e manutenção dos elementos que compõe o patrimônio material e imaterial das escolas, e sua influência na construção social das instituições, em primeira instância. Posteriormente se fez necessário conhecer a escola do campo com uma gama de particularidades que ela possui, agregando e compreendendo os seus valores culturais.

A metodologia trabalhada foi por meio da pesquisa indireta obtendo informações através do levantamento bibliográfico assim como análise de obras já publicadas que discorrem sobre a temática explorada. Em acordo com Silva & Meneses (2001, p. 21), ela é “elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na internet”.

Educação do Campo

 

A escola do campo é aquela que “têm sua sede no espaço geográfico classificado pelo IBGE como rural, assim como as identificadas como campo, mesmo tendo sua sede em áreas consideradas urbanas” (HENRIQUES, 2007, p. 14). Sendo assim, essa escola deve estar fora do grande centro da cidade, estando fixadas nos locais denominados povoados ou ainda mais isoladas dessa localidade.

O entendimento sobre a necessidade de prestar um serviço diferenciado aos estudantes do campo está sendo inserido nas políticas públicas há algum tempo, em especial pela Resolução CNE/CEB (Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica) nº 1 de 13 de abril de 2002, em seu artigo 2º que diz:

Art. 2º Estas Diretrizes, com base na legislação educacional, constituem um conjunto de princípios e de procedimentos que visam adequar o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a Educação Indígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a Formação de Professores em Nível Médio na modalidade Normal. (BRASIL, 2002. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13800-rceb001-02-pdf&category_slug=agosto-2013-pdf&Itemid=30192.)

 

Observe que a resolução contempla todos os níveis de educação e, em seu parágrafo único deixa bem claro que “A identidade do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade [...]”. Atada a esta identidade que é exclusiva, o parágrafo único ainda especifica que o conhecimento prévio do aluno deve ser levado em consideração como também a memória coletiva, ou seja, o patrimônio imaterial herdado de seus ascendentes como técnicas de produções agrícolas, pesca, criatórios de animais e extrações de produtos igual a plantas medicinais, látex, óleos entre outros, que devem ser problematizadas e discutidas em sala de aula. (BRASIL, 2002)

O reforço para se discutir na contemporaneidade as escolas do campo, vem da ideia que argumenta Henriques (2007, p. 13) “à sustentabilidade e à diversidade complementam a educação do campo ao preconizarem novas relações entre as pessoas e a natureza e entre os seres humanos e os demais seres dos ecossistemas. Levam em conta a sustentabilidade ambiental, agrícola, agrária, econômica, social, política e cultural”. Portanto, fica clara a importância da educação patrimonial voltada não só para a escola do campo, neste ponto demonstrando a valorização do patrimônio imaterial, mas para todas as escolas do Brasil.

Ocorre que para que a resolução descrita acima seja cumprida e o patrimônio material e imaterial dela seja eternizado. Nesse âmbito se faz necessário uma formação docente voltada para educação campesina. Esses professores devem observar que sua prática é:

 

[...] somada à luta pela humanização das relações de trabalho, resistência na terra, afirmação cultural, social, política, pedagógica, demarcadas pela identidade e dos direitos negados aos povos do campo, para que se articulem, se organizem e assumam enquanto sujeitos construtores da sua educação. (SANTOS, 2011, p. 23).

 

Destarte, além de produzir novos conhecimentos, irá manter as tradições culturais com a discussão e valorização do patrimônio material e imaterial.

 

Formação cultural: um diálogo contínuo e dinâmico

 

A cultura tem como principal característica o mecanismo de auto adaptação, capacidade que permite os indivíduos responder aos estímulos sociais como hábitos e regras do meio ao qual está inserido. Além de ser um mecanismo adaptativo a cultura também possui características cumulativas, tendo em vista que as diversas modificações ocasionadas por uma geração são transferidas às gerações vindouras, passando por inevitáveis transformações como perdas e/ou incorporações de outros elementos culturais, mais atuais como forma de assim melhorar a vivência do presente bem como preparando as novas gerações. Segundo Luiz:

 

Não apenas os recursos naturais devem ser considerados quando se pensa no desenvolvimento dos grupos humanos. Mais importante ainda é observar que o destino de cada agrupamento esteve marcado pelas maneiras de organizar e transformar a vida em sociedade e de superar os conflitos de interesse e as tensões geradas na vida social. (SANTOS, 2006, p.11)

 

O julgamento de cultura está fortemente ligado ao conceito de formação social. Desse modo, é preciso estar atento a essa relação para que se possa compreender o que concerne o assunto nos dias atuais principalmente levando em consideração sua importância no processo sócio educacional. Diante deste contexto, a escola assume um indispensável papel, no tocante as possibilidades de acesso a variadas formas de expressões culturais.  Para tanto, esta estrutura conta com dois agentes de suma importância como: professores e demais funcionários das instituições de ensino que exercem o papel de agentes mediadores dessa relação educação e cultura, outro no papel de agente receptor destas mediações estão os alunos, porém, como já discutido, a cultura é constituída socialmente nas relações sendo assim, os alunos também tem seu papel de mediadores.

A escola enquanto intercessora da relação entre educação (conhecimento erudito) e cultura (saber popular) deve promover espaços que construam, desenvolvam e promovam diversas ações didático-pedagógicas, que devem estar inseridas na Proposta Pedagógica. Assim, as atividades precisam ser planejadas em conjunto, levando em consideração o contexto e os diversos elementos identitários debatidos e observados em diversos momentos da escola, sejam eles oficiais como reuniões, aulas, palestras entre outras, ou através de simples trocas de conhecimento extraoficial como roda de conversa entre os agentes mediadores e receptores da cultura no cotidiano escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – 9.394/1996 prevê no artigo 1º, que “[...] a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.” (BRASIL, 2001, p. 1)

 

Devido os aspectos supracitados o processo de construção cultural deve ser desenvolvido nas várias esferas sociais que envolvem as relações humanas, e a escola tem um papel amplificador desta construção sociocultural. Mas para tal, se faz necessário que ela identifique e contextualize a formação curricular, proporcionando deste modo, concepção cultural coerente e consciente dos alunos, a LDB em sua redação expõe a seguinte compreensão de configuração curricular:

 

Art. 26. Os currículos de ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais de sociedade, da cultura, da economia e da clientela (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, 2001, p. 11).

 

Outro documento que comunga as mesmas ideias são os Parâmetros Curriculares Nacionais, nos temas Transversais Pluralidade Cultural e Ética. Ele trás em sua redação oficial a propostas para uma educação baseada em princípios de formação social e cidadania, orientações que norteiam aos professores no planejamento e desenvolvimento das atividades nas escolas:

 

Dignidade da pessoa humana Implica respeito aos direitos humanos, repúdio à discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito mútuo nas relações interpessoais, públicas e privadas. Igualdade de direitos Refere-se à necessidade de garantir a todos a mesma dignidade e possibilidade de exercício de cidadania. Para tanto há que se considerar o princípio da equidade, isto é, que existem diferenças (étnicas, culturais, regionais, de gênero, etárias, religiosas, etc.) e desigualdades (socioeconômicas) que necessitam ser levadas em conta para que a igualdade seja efetivamente alcançada. Participação Como princípio democrático, traz a noção de cidadania ativa, isto é, da complementaridade entre a representação política tradicional e a participação popular no espaço público, compreendendo que não se trata de uma sociedade homogênea e sim marcada por diferenças de classe, étnicas, religiosas, etc. Co-responsabilidade pela vida social Implica partilhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais, organizados ou não, a responsabilidade pelos destinos da vida coletiva. É, nesse sentido, responsabilidade de todos a construção e a ampliação da democracia no Brasil. (PCN, 1997, p. 21)

 

A abertura da escola à cultura de seu território, a escolha de uma matriz curricular que valorize a pluralidade e a diversidade cultural local e o intercâmbio da escola com produções e produtores de cultura na sociedade são alguns caminhos para unir educação do campo e a tradição. Os desafios, contudo, são muitos, contudo, cabe aos educadores e à sociedade engendrar novas aproximações possíveis.

Diante dos argumentos apresentados pelos referenciais teóricos supramencionados: Jose Luiz em seu livro o que é cultura, os Parâmetros Curriculares Nacionais, e os temas Transversais Pluralidade Cultural e Ética, que tecem um dialogo fortemente coerente, permite uma visão geral dos processos e possibilidades de desenvolvimento das atividades que as escolas rurais podem e devem desenvolver no âmbito da formação social e cultural dos alunos assim como não exclui os direitos e deveres inerentes à família no que dizer respeito à construção sociocultural destes indivíduos ao longo da sua trajetória formativa.  

Patrimônio material e imaterial: uma questão de educação

 

Para iniciar as questões que serão abordadas nesse tópico, primeiro é indispensável que se entenda o que é patrimônio, haja vista que muitos acabam confundindo o conceito. A partir dessa consideração é que se fará uma distinção entre os tipos de patrimônios que se tem na escola.

Então o que seria patrimônio?

 

A palavra Patrimônio é originária do latim e é derivada da palavra pater, que significa pai. Utilizada no sentido de herança, legado, aquilo que o pai deixa para os filhos. Também se refere ao conjunto de bens produzidos por outras gerações, por bens que resultam de experiências coletivas ou individuais para se tornarem perpétuas. Ou seja, atribuir significação a algo que implica um valor, portanto, a significação cultural de um bem pressupõe um valor estético, histórico, científico ou social a ele atribuído por gerações passadas, presentes ou futuras (IPHAN, 1995, p.283)

 

O termo "patrimônio", para Françoise Choay (2001, p.11), está atrelado às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade, radicada no espaço e no tempo, atualmente requalificado por várias características (genético, natural, histórico, etc.) que fazem dele uma definição "nômade", sendo com corriqueiramente empregado no dia a dia para indicar um conjunto de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa, ou seja, suscetível de apreciação econômica.

É importante salientar que essa transmitância ou passagem de uma geração para a outra, seja de uma posse considerada como patrimônio do grupo e da família, é de essencial valor para o prosseguimento de um grupo social. Essa passagem acontece na forma de herança de bens e de práticas sociais. Ou seja, o patrimônio material são os bens palpáveis e o imaterial está atrelado a uma herança cultural.

Segundo a Carta Magna Brasileira, em seu artigo 216:

 

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

 I -  as formas de expressão;

II -  os modos de criar, fazer e viver;

III -  as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV -  as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V -  os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (CFB, artigo 216, 1988).

Como na vida, a escola possui um patrimônio rico, tanto materiais como imateriais. O patrimônio da escola é uma espécie de registro objetivo da cultura empírica das instituições de ensino, além da acadêmica e política, bem como os bens que ela possui. A cultura patrimonial pode ser avaliada como o expoente ligado ao conhecimento, valorização e apropriação de seu espólio cultural, no qual os indivíduos ficam aptos para um melhor usufruírem destes. Todo esse processo cíclico é agente favorecedor de novos conhecimentos de processo contínuo de criação cultural incorporado tradição pedagógica.

Assim, fica nítido que o patrimônio da escola não é somente os recursos materiais, a infraestrutura, os equipamentos etc. Ele tem ainda uma dimensão imaterial maior, que é composto e visto por meio dos símbolos da escola, em sua memória, em sua história. Deve-se criar uma cultura de preservação desse acervo, afinal o que ele representa na vida da comunidade escolar e dos que a cercam, especialmente na escola do campo que tende a perder traços de sua identidade e história em virtude do camponês não egresso. Nesse sentido haveria também um empoderamento dos que ficam.

O artigo 2 ̊ da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial (UNESCO, 2003) entende por patrimônio cultural imaterial:

 

[As] práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. (UNESCO, 2003, Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdf>)

 

Cuidar do patrimônio, planejar o uso dos espaços e dos recursos, providenciar reparos ou reposição de bens materiais, solicitar novos equipamentos e mobiliários, adquirir bens, contratar serviços e gerir a utilização do material de consumo são atividades que ocupam boa parte do tempo do profissional dedicado à gestão escolar, o que requer conhecimentos sobre os procedimentos legais e técnicos.  Nesta referência, as políticas públicas pecam quando se trata da educação, conservação e reposição de bens patrimoniais materiais da escola do campo.

Em suma, é necessário inserir uma cultura nas escolas voltada para uma educação patrimonial, na qual mostre como gerir os recursos materiais e o patrimônio escolar, pois estes vão além do que aprovisionar, a tempo e a hora, os caminhos necessários para o trabalho escolar. Partindo desse pressuposto, nota-se que patrimônio tem uma definição inteiramente arrolada com a identidade da escola e deve coadunir com a gestão pedagógica.  E não se pode esquecer que se deve haver um planejamento para o gerenciamento da conservação desse patrimônio que seja diretamente ligado a comunidade escolar, uma vez que, esses atores são peças fundamentais para a construção dessa nova prática, garantindo o direito de todos exercerem sua cidadania.

 

O papel da escola do campo na formação da identidade cultural do indivíduo: preservar o patrimônio é preservar a cultura

 

Abordar o Patrimônio Histórico e Cultural, muito embora seja uma temática que discorrem sobre elementos obstantes, que estão refletidos atualmente, é um debate contemporâneo. Manter vivos os bens patrimoniais mais que preservar objetos e fatos é dar sentido ao que se produz e se renova.

Toda vez que as pessoas se reúnem para construir e dividir novos conhecimentos investigam para conhecer melhor, entender e transformar a realidade que os cerca, estar-se falando de uma ação educativa.  E, quando se faz tudo isso levando em conta alguma coisa que tenham relação ao patrimônio, estão falando de Educação Patrimonial, e consequentemente de cidadania.

“O entendimento e a prática da cidadania, na nossa compreensão começa pelo conhecimento da realidade onde o indivíduo está inserido.” (SANTOS, 1990, p. 103). Confirmando esse fato, corpo, alma e consciência, devem fazer parte do planejamento sócio educacional, haja vista, tais indivíduos envoltos na ação estarem marchando por caminhos que eternizem, ou ao menos prolongue a cerne de vários legados.

É importante que a escola do campo pense em metodologias voltadas ao levantamento e inventariado das manifestações socioculturais que fazem parte da vida escolar e da comunidade, como uma lista descrevendo os bens que pertencem a uma pessoa ou a um grupo.

 

Quando falamos em inventariar os bens culturais de um lugar ou de um grupo social, estamos falando em identificar suas referências culturais. Além de saber quais são esses bens, precisamos saber quais são suas características e por que eles são importantes para este grupo. Por exemplo, quando alguém escreve um diário ou tira fotografias ou filma momentos de uma viagem, essa pessoa está registrando memórias de momentos importantes de sua vida, paisagens e lugares em que esteve geralmente na companhia de familiares e amigos. Esses registros são importantes para mantermos a memória e os sentimentos vivos, bem como para compartilharmos esses sentimentos com quem não estava lá conosco. (Educação Patrimonial. Programa mais educação, p. 11. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=16727&Itemid=1119>)

 

Atrelando os fatos mencionados é que se deve pensar em conservar constantemente, pois, esse ato em si, e o eleger, é valorizar algo por uma ou várias circunstâncias. Consubstancialmente, preservar trata-se de movimentar-se. Ir à procura, encontrar e continuar buscando incessantemente, em movimentos discretos, meios e tramites que enfim deseje instituir e nutrir planejamentos, recursos logísticos para aprazar retratos (patrimônio material), e eco (patrimônio imaterial) dos registros.

Em se tratando de escola do campo é pertinente deixar claro que sua filosofia unificadora deve ser a de constituir políticas coesas a serem consagradas no estudo de situações reais e específicas, e que possam contribuir para o progresso das condições de vida bem como de formar identidades por meio de suas ações. Atuar de forma isolada é parte do passado: hoje suas ações se tornam realmente efetivas se atuar de forma coletiva junto à sua comunidade. Por conseguinte, as instituições escolares são palco de transformação social e de preservação da identidade de um povo. Assim agindo, estarão preservando a cultura escolar, local e regional.

 

Uma escola sem pessoas seria um edifício sem vida. Quem a torna viva são as pessoas: os alunos, os professores, os funcionários e os pais que, não estando lá permanentemente, com ela interagem. As pessoas são o sentido da sua existência. Para elas existem os espaços, com elas se vive o tempo. As pessoas socializam-se no contexto que elas próprias criam e recriam. É o recurso sem o qual todos os outros recursos seriam desperdícios. Têm o poder da palavra através da qual se exprimem, confrontam os seus pontos de vista, aprofundam os seus pensamentos, revelam os seus sentimentos, verbalizam iniciativas, assumem responsabilidades e organizam-se. As relações das pessoas entre si e de si próprias com o seu trabalho e com a sua escola são a pedra de toque para a vivência de um clima de escola em busca de uma educação melhor a cada dia. (ALARCÃO, 2001, p. 20)

 

Embora a visão de escola do campo seja ampla, é nela que são construídos os espaços de formação social, pois as unidades de ensino possuem uma função social, e esta proporciona a preparação da construção de uma sociedade cujo objetivo mor é o de alicerçar as estruturas para um mundo com gente que veja o outro com um ser digno de estar no convívio social. Segundo (BERGER, 1985) “o mundo cultural não é só produzido coletivamente, como também permanece real em virtude do conhecimento coletivo. Estar na cultura significa compartilhar com outros de um mundo particular de objetividades”.

É válido debater a função social da escola, procurando compreender os elos entre ela e as demandas da comunidade, atrelada a uma proposta que contemple os seus universos de características ímpares. Essa proposta visa mostrar o papel da escola no mundo contemporâneo, seu lugar na sociedade do conhecimento, seus nexos com a democracia, suas interfaces com a comunidade e suas conexões com a cultura (assinalando para as muitas interfaces entre os valores culturais da comunidade e da própria escola).

 

A Educação Patrimonial propõe a articulação de saberes diferenciados. No caso das ações na escola, une o conhecimento oferecido pelo programa curricular com o conhecimento tradicional das nossas comunidades. Esta proposta, pode ser trabalhada nos diferentes níveis de ensino, e também no âmbito da educação não-formal, centrando as ações nos espaços de vida representados pelos territórios educativos. (Educação Patrimonial. Programa mais educação, p. 9). Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=16727&Itemid=1119>)

 

Vê-se então que a responsabilidade social da escola do campo e dos professores é muito grande, pois cabe-lhes escolher qual concepção de vida e de sociedade, tendo em vistas que é esse universo que edifica a identidade cultural dos alunos. Nesse ponto, Stuart Hall, em sua obra A identidade cultural na pós-modernidade é enfático:

 

A questão da identidade está sendo extremamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento, é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. (HALL, 2006, p. 07)

 

Desse ponto de vista percebe-se que talvez deva haver uma mudança de postura, uma vez que, os questionamentos começam a surgir. Será que a escola do campo atual está trabalhando de fato com a questão da memória cultural dela? Até que ponto está sendo formadas identidades culturais nos estabelecimentos de ensino do campo? Nossa escola campesina consegue preservar seu patrimônio imaterial, onde neste está subtendida a sua identidade?

Hall (2006) começa a discorrer acerca de uma crise identidária, quando afirma:

 

A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudanças, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando quadro de referencias que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2006. P. 07)

 

Partindo dessa análise, é que talvez seja imprescindível revisitar os conceitos pré-estabelecidos em outrora, fazendo, assim um paralelo com a atualidade, para que se reestabeleça uma nova ótica, tanto no que diz respeito à formação cultural, quanto na formação da identidade do alunado do campo. Decerto não existe presente sem passado, portanto, não se pode esquecer o ontem como se tudo estivesse começando agora.

A ideia é coadunir o velho e o novo e criar uma nova versão. Pode ser essa crise que o autor se refere, pois uma nova forma dada ao conteúdo, além de dá trabalho pode confundir e até mesmo extinguir algo. Essa junção não precisa excluir nada, apenas agregar novos valores culturais aos já preestabelecidos. Esta então deveria ser mais um atributo a função social da escola. Guardar na memória para que esta não se perca. Nesse sentido a questão está intrinsecamente ligada à preservação constante do patrimônio imaterial dos estabelecimentos de ensino. Willians (2002) aponta um exemplo que pode clarificar, “[...]Embora haja tanto uma continuidade real de formas, quanto esse tipo de continuidade atribuída ou sugerida, é claro que há também novas formas herdadas. Algumas destas podem estar diretamente relacionadas com mudanças nas relações sociais gerais na produção cultural. (P. 64)”.

O documento de proposta pedagógica da escola campesina, se for edificada com a comunidade escola e local é a base  na construção identitária do aluno assim como de todo o ambiente escolar, tendo em vista que a sua estruturação curricular poderá abordar modalidades de ensino que proporcionem diversas opções metodológicas para o registro, promoção e manutenção da identidade cultural da escola.

Considerações

 

É sabido que o vocábulo patrimônio nada mais é que a herança de família, bens, estes podem ser materiais quando se trata de recursos, ou imateriais quando a herança deixada é a cultural.

Para que a escola do campo não se perca com suas memórias e como visto ao longo do estudo, existe uma necessidade de se preservar o patrimônio material e imaterial, uma vez que é um bem rico, e  que a unidade escolar não pode perder ao longo de sua história. Caso isso não aconteça há uma avaria de identidade da instituição.

Partindo desse pressuposto é que as instituições de ensino necessitam promover a atuação conjunta entre os demais profissionais da escola, e juntos desenvolverem ações coletivas na busca por respostas para superação dos problemas que norteiam o desenvolvimento do da cultura, bem como estimular a educação patrimonial, preocupando ainda com a formação de professores voltadas para a educação do campo.

Cuidar do patrimônio, planejar o uso dos espaços e dos recursos, providenciar reparos ou reposição de bens materiais, solicitar novos equipamentos e mobiliários, adquirir bens, contratar serviços e gerir a utilização do material de consumo são atividades que ocupam boa parte do tempo do profissional dedicado à gestão escolar, o que requer conhecimentos sobre os procedimentos legais e técnicos, lutando para o direcionamento para a escola do campo que anda abandonada na atualidade.

Outro fator de suma importância verificado nesse estudo foi o fato de gestores e comunidade escolar apenas estarem preocupados com maior ênfase no patrimônio físico (material), deixando de lado a herança cultural. Uma boa parte das escolas do campo não possui um memorial registrado, poucos ou quase nenhum dos atores que a compõem tem o conhecimento coisas simples, como fundação, ou até mesmo porque esta possui aquele nome. E quando possuem é uma breve apresentação descrita no projeto pedagógico, mas que nem todos têm o conhecimento, ou seja, é algo fechado.

Assim sendo, deve-se garantir de forma igualitária uma educação de qualidade, promover sempre o diálogo aberto escola-comunidade, contribuir para com a articulação de todos os envolvidos com a realidade da escola, acompanhar de forma democrática e participativa o processo resgate da identidade junto ao corpo docente, alunos e pais e assim estimulando todos a participarem da promoção e formação da identidade da unidade de ensino.

Nesse concerne, é preciso criar meios para inserir nos conteúdos das disciplinas uma ênfase no transcorrer da história da escola do campo criando um paralelo com contexto atual fazendo com que o jovem através dessa didática cultural traga pra si características sociais ligadas aos antepassados da escola juntamente com a sua cultura de raiz, transformando-os em cidadãos formadores de opiniões e conscientes que não existe presente sem passado. Outro ponto cogente é um maior planejamento conjunto entre os professores das disciplinas e comunidade, para que juntos produzam atividades que comunguem em prol da preservação da identidade cultural da escola do campo.

Por fim, o princípio básico da Educação Patrimonial é o conhecimento direto dos bens e fenômenos culturais, para se chegar à sua compreensão e valorização, num processo contínuo de descoberta. Esse então será um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. Isto significa tomar os objetos e expressões do Patrimônio Cultural como ponto de partida para a atividade pedagógica, observando-os, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em conceitos e conhecimentos.

ALARCÃO, Isabel. Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

 

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______. Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB 1. Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13800-rceb001-02-pdf&category_slug=agosto-2013-pdf&Itemid=30192. Acesso em 08 de julho de 2023.

 

BERGER, P. L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião.  São Paulo: Edições Paulinas, 1985.

 

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