Metadados do trabalho

Práticas De Existência Contextualizada No Cotidiano Dos Corpos Nas Telas.

Iara Cerqueira Linhares de Albuquerque

RESUMO: Este artigo, a partir do entrecruzamento entre filosofia, comunicação, ciências cognitivas, sociais e políticas, propõe pensar uma relação teórico e prática docente, de criação em dança a partir do cotidiano nas telas. A hipótese desse artigo foi gerada em consonância a processos artísticos desenvolvidos como mostra final de um semestre letivo numa instituição de nível superior em diálogo a aspectos que pudessem gerar outros modos de existir não separatistas ou dicotômicos, diante da impossibilidade do “fazer junto” e que traduz literalmente nossa atual vida nas telas. Essa pesquisa se desenvolve a partir da Teoria Corpomídia e apoia-se na filosofia da partilha do sensível (RANCIÈRE,2005), na metodologia indisciplinar (GREINER, 2005) e na bricolagem dos discursos que ouvimos, falamos, repostamos e nos tornamos “súditos” (HAN, 2020). Entende-se que esse caráter híbrido é o nosso modo de vida e nos atualiza a fazer/ser o que somos, a partir das trocas, das “ressonâncias” e da responsabilidade do que se coloca no mundo e, como se torna indissociável essa relação com os aspectos afetivos, políticos e sociais.

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Como citar este trabalho

ALBUQUERQUE, Iara Cerqueira Linhares de. PRÁTICAS DE EXISTÊNCIA CONTEXTUALIZADA NO COTIDIANO DOS CORPOS NAS TELAS.. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/605-pr%C3%A1ticas-de-exist%C3%AAncia-contextualizada-no-cotidiano-dos-corpos-nas-telas. Acesso em: 16 out. 2025.

PRÁTICAS DE EXISTÊNCIA CONTEXTUALIZADA NO COTIDIANO DOS CORPOS NAS TELAS.

SOMOS UMA QUANTIDADE DE AFETOS, SIGNIFICAÇÕES E FLUXOS

Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. O pior momento de sua vida era nesse dia ao fim da tarde: caía em meditação inquieta, o vazio do seco domingo. Suspirava. Tinha saudade de quando era pequena – farofa seca – e pensava que fora feliz (LISPECTOR,1998).

 

 

O corpo como produtor de imagens, de metáforas e contaminações, e nas suas especificidades dialoga com a enxurrada de informações diárias envolvidas nos processos corporais, sócio midiáticos, histórico-culturais e evolutivos. Em tempos de pós isolamento involuntário e na continuação vivendo de maneira híbrida que esse artigo está sendo escrito, além de afetos, significações e fluxos contínuos e colaborativos durante e após esse processo.

A questão mobilizadora nessa escrita é a seguinte: Os corpos nesse espaço atual algoritmizado podem ainda ser/estar afetados? De partida, produzir conhecimento possibilita construir inflexões que proporcionam um estudo crítico não dicotômico entre teoria e prática, assim como fomenta possibilidades de ser/estar nesse atual contexto e pensar incoerências da vida sem olhar os tempos de agora. Considerando o corpo com um fluxo de imagens, o ensino da dança por esse viés, pode ser entendida nesses tantos fluxos e como resultante, já transformadas em corpo, ou corpadas (KATZ&GREINER, 2011), pois no corpo é que se encontram subsídios para pensar redes de conexão com o ambiente, e não por relações de causa- efeito.

“Aparentemente” o dualismo entre corpo e mente não provoca mais inquietações, mas na dança há indícios de que o mesmo se encontra recorrente, e se estende ao promover separações que culminam em entendimentos e discursos que ampliam o preconceito e a separação aos modos de viver. O problema do dualismo já vem sendo discutido e citado há muito tempo, principalmente quando se trata no entendimento de corpo como recipiente, ferramenta, casa, caixa, etc. As pesquisadoras KATZ&GREINER (2005), a partir da Teoria Corpomídia atestam o quanto existe uma afetação recíproca e o quanto somos influenciadores e influenciados nos ambientes no qual estamos inseridos, por isso quando o tema é essa relação cartesiana, propõe-se uma leitura crítica do papel do corpo na sociedade para pensarmos dança enquanto área de conhecimento neste ambiente virtual.

Atualizando, corpo e ambiente coexistem em trocas incessantes que tem o corpo como papel central, resultado desses cruzamentos, e operando como modelo de responsabilidade social, ou seja, como o mundo possa vir a ser. Afinal, continuamos vivendo nas telas e para continuarmos existindo acordos são necessários, da mesma  forma que para dançarmos estabelecemos relações, produzindo novas  possibilidades de movimentos, que inclui o modo de lidar com as questões de  mundo e nesse caso, com as restrições que nos impedem de atuar livremente nos espaços comuns. Contudo, percebe-se que essas estruturas atuais nas redes digitais estão a cada instante conformando o corpo e nos fazendo agir e/ou reagir de um ou de outro modo na vida.

Venho citando há algum tempo exemplos contínuos de discursos e entendimentos cartesianos e que na dança é facilmente identificável: técnica e expressão (ballet clássico), texto e contexto (axé music), dança e não dança (dança-teatro), teoria e prática (dança contemporânea), dentre outros, que são exemplos amparados nas discussões que ocorrem entre diretores, professores, produtores de dança, artistas, coreógrafos e que vêm sendo discutidos por pesquisadores na área. Pensar essas divisões citadas é necessário e reforça a importância de continuar pesquisando o fazer dança pontualmente também na hibridez que essas práticas em dança se tornaram, inicialmente discutindo esse assunto que é um campo fértil para a produção de conhecimento nesse modo atual de vida na infosfera[1]

Tangenciar essa discussão a uma prática artística docente é necessária, pois estamos continuamente tentando descrever e buscando solucionar, categorizar, ou colocar em caixinhas e até mesmo rotular o ensino da arte na atualidade. Segundo Vieira (2006, p. 99), arte “é uma forma refinada de conhecimento”, deslocando para o ensino num curso de licenciatura em dança, ao observar o termo pode-se compreender a complexidade diante dessa citação e o que constitui fazer arte nas redes. Acredito que podemos começar a perceber que precisamos de outras narrativas aos processos de nossas práticas docentes e artísticas ao encontro de proposições em coletivo para expandir ideias e interagir em outras perspectivas, a partir de comprometimento com o que pode vir a estar nas plataformas digitais.

Viver no tempo de algoritmos, nesse ambiente informacional não tem sido uma tarefa fácil, principalmente com as convulsões que vêm redesenhando o mundo e impregnam o corpo a partir de uma convicção ainda centrada numa rede que configura o homem como centro de tudo, “súditos”, sem escuta, de aparência e centrada no “curtir” (HAN, 2021).

 Ainda em relação às discussões sobre essa visão dualista no universo da dança ser extremamente recorrente, retomar sempre que possível essa discussão é necessária, uma vez que nos dias atuais a replicação das postagens se faz continuamente em fluxos sucessivos, sem de fato apresentar o mundo no qual se vive, porém na corrida a “produzir um tipo de corpo” instrangável, como forma de garantir a permanência nesse ambiente e dessa forma construindo contextos cada vez mais abissais. Sabemos que nesse espaço não tão democrático nem todos tem acesso. Há quem diga que faz dança contemporânea discorrendo nesta fala: a tarefa do artista é praticar a arte e não falar dela, no caso das redes, a informação não é mais informativa e a “comunicação não mais comunicativa, mas sim cumulativa” (HAN, 2018, p.106).

Tal afirmação ganha força de argumento, pois encontra terreno fértil para a reprodução e ausência de questionamentos quanto a sua veracidade dificultando o exercício da dúvida sobre questões dogmáticas via o dualismo cartesiano, alicerçando pensamentos rígidos e descontextualizados devido ao esgotamento e cansaço que permeia um presente optimizado, assim, uma via única para produção e difusão de conhecimento. Na busca a romper com padrões, regimes e separatismos recorre-se a frase: o corpo “é sempre corpomente assim mesmo, tudo junto” (KATZ, 2005, p. 129), uma citação que permite mapear práticas de ensino/aprendizagem e instigam caminhos colaborativos criando conexões e consequentemente formulações para seguirmos coletivamente.

Nessa via sigamos pensando: “A teoria precisa ser necessariamente uma reflexão da experiência vivida, porque ela se organiza durante a ação” (GREINER, 2005, p. 23), de encontro. Esse artigo segue com o propósito de trazer para a discussão experimentos e ações feitas numa prática docente compartilhada após um momento de afastamento das salas de aula, agora no modo presencial, dando continuidade e buscando fomentar o hibridismo posto ao que foi atualizado em termos de conexão digital durante o isolamento socia.

Vivemos um momento que fez o homem ocidental transportar-se para uma “bolha”, nesse caso as redes sociais, que emerge numa vigília permanente e que constitui o chamado capitalismo da vigilância (HAN, 2021). Torna-se urgente mover-se de acordo com essa realidade e existência em transformação contínua, tentando mudar nossa maneira de conviver, ou na busca a um jeito que se torna mais do que necessário afirmar sobre o aprendizado, que precisa ser constante, reflexivo e contínuo, afinal já saímos do século XIX e XX. Nesse caminho, olhar o corpo nessa situação, vivificado pelo neoliberalismo e pelas transformações cognitivas trazidas com a COVID-19, nos faz repensar o ensino e as práticas artísticas em dança e quais epistemologias ajudam a ampliar esse estado recorrente ao que nos é comum, plural, diverso e sem separações com as telas.

Assim, evoca-se uma epistemologia denominada como Corpomídia criada por Helena Katz e Christine Greiner (2005), proveniente da semiótica peirceana nos usos dos conceitos de fluxo permanente (semiose), das teorias evolucionistas neodarwinianas (entre as quais se destacam o meme de Richard Dawkins e a concepção de mente de Daniel C. Dennett) e da abordagem filosófica do papel das metáforas na construção da cognição proposta por George Lakoff e Mark Jonhson (KATZ&GREINER, 2005, p. 131). Nesse espaço de ação, pensar dança como área de conhecimento conflui a entender corpo como mídia de si mesmo, em que esse corpo não é um lugar onde as informações que chegam são processadas para serem depois devolvidas ao mundo, ou seja, o corpo não é somente atravessado, mas contaminado dessas informações.

Sob o olhar dessa episteme a dança se deserarquiza e destitui autorias dominantes, em fluxo contínuo e inestancável com o ambiente que ele se encontra. Nesse sentido processos de ensino e aprendizagem se estabelecem com compartilhamentos em um determinado espaço-tempo e com modos de organização em forma de acordos, que se situam sob uma perspectiva complexa, que negociam e reconfigurando-se continuamente, sendo assim, pensa-se corpo coevoluindo com o ambiente.

A partir desse pensamento desmonta-se o entendimento do corpo que tem extensões a ele acopladas, repropondo pensar esse corpo a partir de sua existência processual, na forma de uma mídia, sendo a ideia de mídia aqui proposta referente ao modo do corpo existir, não a mídia dura, impressa. Na continuação, como um sistema vivo, contínuo, como um corpo que nunca é, porque está sempre sendo um momento recortado em fluxo. O interesse aqui é uma atuação vinculada na relação teoria e prática, sem separações com as telas, contextualizando sem pré-conceitos a reflexão do profissional de Licenciatura em Dança em sua ação, como mola propulsora a novos questionamentos e aprendizagens, atuando em um espaço com moderação e flexibilização enquanto artista/professor/pesquisador em dança.

A teoria aqui partilhada garante e constitui um exemplo de continuação no exercício de crítica e reflexão à ação em que esse fazer no corpo se encontra implicada no conhecer. Proceder com reflexão/reconhecimento em dança, possibilita gerar determinadas considerações, como um exercício de identificação do seu processo, mapeando ações que instigam um caminho docente e seus prosseguimentos, consequentemente criando conexões e gerando documentos, formulações, sejam esses, manuscritos, resenhas, resumos, cartas, ensaios, danças, etc.

Peter Pál Pelbart traz no prólogo do seu livro intitulado Ensaios do Assombro (2019), a impossibilidade de pensar a vida sem as inflexões que lhe cabem. Reporta a outros autores que falam aspectos sobre viver a vida, e ressalta o quanto a vida é indissociável do modo que vivemos, e como o coletivo está calejado em pensar a vida sem a inflexão que lhe é impressa.  Além disso, relata a dificuldade de estarmos em um contexto em que tudo se torna mercadoria, e ao mesmo tempo “inapropriável”. E traz como questão presente, como sustentar essa “inapropriabilidade” da vida quando todos se apropriam de tudo, fazendo crer que estão cuidando para que todos desfrutem livremente.

Se formos aproximar a realidade dos algoritmos, que hoje nos fazem companhia diária, as trocas persistem em todas as relações e nos tornam prisioneiras e limitadas, como a desigualdade que nos assombra, frente a violência que estamos convivendo e aumenta a cada dia. Sejamos coerentes nessa observação, parte das vidas que merecem viver e das quais são condenadas a perecer retrata a atual precarização da educação, da cultura e da saúde, muito bem apresentada na discussão de MBEMBE (2018) com o conceito de necropolítica.

No momento o desafio se converte na manutenção de formas-de-vida com suas características vitais de existência, sem, contudo, compactuar com que vai se impondo com a política que vemos na sociedade de vigilância, e com a distribuição desigual da oportunidade de viver e morrer no sistema capitalista atual.

 

[1] Infosfera é um neologismo criado pelo filósofo da informação Luciano Floridi e que faz referência a um complexo ambiente informacional constituído por todas as entidades informacionais, suas propriedades, interações, processos e demais relações.

O QUE NÓS HABITAMOS, NOS ATRAVESSA, em outras formas de vida. 

 

A proposta é apresentar um modo de ser/estar como docente a partir de uma experiência já feita durante o período de crise sanitária com estudantes do curso de Licenciatura em Dança e Teatro da UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e na atualidade com discentes no componente curricular “Práticas do Corpo na Cena” refletindo sobre quais implicações e atravessamentos podem seguir atualizadas com as redes digitais numa prática teórica/corporal.

Nossa proposta de hibridismo, tem como mote aproximar os corpos de outras localidades e tecer uma postura menos dicotômica do que habitualmente é praticada em relação à teoria e prática e agora ao corpo/ambiente digital, a partir de encontros, videodocumentários, lives, provocações e experiências em/com contextos diversos que se encontram disseminadas no mundo em arte-política. Sempre atentas às reverberações das ações cotidianas e reflexões responsáveis sobre arte-vida-política-natureza, buscando gerar possíveis desembocaduras artísticas como: textos fluxos, performances em tempo real e danças.

O objetivo com essa forma de trabalho é apresentar caminhos possíveis a e continuarmos atuando coletivamente com as telas. Diante disso, nas práticas corporais começamos a investigar quais transformações foram ocorrendo de forma processual nos corpos e assim materializar em movimentos/paisagens camadas desses atravessamentos diários do cotidiano no qual esse novo habitat permite tudo a todos, uma democracia que se manifesta nos dados disponíveis e compartilhados nas aulas, nos textos e nos corpos.  Atentos ao exercício de aprender a habitar melhor esse espaço, sem se deixar ofuscar pela miopia que atravessa alguns posicionamentos nesse ambiente de ação/vida confirmando o papel de reproduzir variadas visões de mundo que nele são postadas, e nós de aprender a usar melhor esse espaço.

Podemos estender as escolhas que se protagoniza nas redes, para pensar os sujeitos colaboradores quando esse compartilhamento tem aspectos referentes a uma prática docente, que tem o corpo que dança o seu eixo estruturante, lembrando que “é nessa re-partilha [sic] do sensível que consiste sua nocividade, mais ainda nos simulacros que amolecem as almas” (RANCIÈRE, 2005, p. 65).

Para pensar uma pouco mais sobre esse processo de continuidade nos apoiamos na filosofia de Jaques Ranciére, em sua Partilha do Sensível (2005) que nos retorna ao pensamento comum compartilhado e nas práticas artísticas como “maneiras de fazer” que intervém na distribuição e nas relações entre as maneiras de ser, inclusive nas formas visíveis dessa resultante. Essa filosofia, ganha ecos nos depoimentos iniciais dos discentes, no afastamento involuntário e no negacionismo fantasmagórico que nos assombra com notícias diárias na atualidade.

As maneiras de perceber e pensar essas questões de cada um individualmente, definem e reverberam à atual situação que vivenciamos. Não se pode deixar de afirmar que, diante do quadro instaurado, o que ficou mais explícito foi a desigualdade, assim como os discursos de ódio que parecem criar muros, ou como não pensar, criar mundos. Trazendo o entendimento de corpo e palavra, na continuação, pensando nos discursos produzidos em rede, corpo e palavra têm poder e como profissionais da área, temos autonomia para gozar e subverter normas e manobras de dominação (RANCIÈRE, 2005).

Entende-se que toda e qualquer notícia nas redes tem um grau de repercussão enorme, principalmente quando se trata de uma tentativa de desestabilizar e criar corpos dóceis (FOUCAULT, 2008), pois quanto mais obediente e disciplinado às normas sociais, mais docilizado se torna esse corpo. A noção de modernidade, para o homem ocidental, aliada a toda essa camuflagem de próteses tecnológicas, tem transformado o homem, nesse ser mecânico, frio, hostil, que passa da euforia ao desolamento, tornando-o “cada vez mais e mais esse existencialista superequipado, que tudo engendra, que

tudo recria de modo contínuo, sem conseguir suportar uma realidade que, por todos os lados, o ultrapassa” (COMITÊ INVISÍVEL, 2016, p. 34).

O compartilhamento, ou deslocamento a espaço de ação inspira um modo de viver que já existia e tornou-se um recurso que pode servir como ampliação das possibilidades de ensino e criação a partir da grande quantidade de publicações que todos têm acesso diariamente. Hoje somos sujeitos que entendemos que compartilhar/gerar conteúdo/polemizar e ser protagonista é a condição para ser lembrado em alguma rede social. Cabe, todavia, essa sinalização: o acesso democrático às redes pode também levar esses atores a se deslumbrarem com a rapidez momentânea e as inúmeras possibilidades de acesso nesse espaço social. 

Observa-se a todo momento esse espaço que ocupamos como possibilidade de não nos tornarmos redundantes e com isso ampliar esse campo de ação artístico, político, social e também afetivo, com trocas e uma escuta a um estado necessário de aprendizagem corporal.

Proposta lançada, a opção metodológica se fez a partir do pensamento indisciplinar que Greiner (2005, p. 11) e na “possibilidade de conectar tempos, linguagens, culturas e ambientes distintos” e romper com enquadramentos teóricos, dessa forma, potencialmente indisciplinar, já que a produção estética, ou resultados previstos são dependentes de uma variedade de ações provocadas e desenvolvidas ao longo das práticas do semestre. Sobre essa metodologia Greiner (2005, p. 11) nos aproxima a esse atual contexto, “(...) sempre parecerá perturbadora a desestabilização de objetos de estudo, assim, como a falibilidade de suas respectivas teorias no mundo contemporâneo”. 

Quanto aos discursos, segundo Michel Foucault (2008, p.48) “é a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos, a 

propósito de tudo, (...).” que compartilhados se tornam dispositivos de poder,    

consequentemente reverberam, se proliferam e se faz em ação, corpo e nos vídeos assistidos e nos textos lidos durante esse processo. O que podemos fazer é estar atentos sobre as vozes que estimulam e podem vir a criar protagonistas detentores de um saber absoluto, ou se tornarem “súditos” como cita HAN (2020), de uma sociedade que nos convida a compartilhar, opiniões e desejos de contar nossa vida.

A metodologia, não busca encontrar um caminho ou resultados impecáveis, o estímulo, aqui, é a produção de conhecimento nesse espaço, atentas e atentos a precarização que nos envolve e na busca a outros modos de existir com/a partir das telas. Um ambiente que podemos contar com experiências de corpos diversos, em espaços variados com olhares, tessituras de imagens e textos poéticos, fundamentais para gerar resultados artísticos.

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES EM FLUXOS CONTÍNUOS

 

Durante todos os semestres são feitas as orientações que irão acontecer durante o curso e apontadas as necessidades de colaboração em conjunto sobre o processo de ensino, aprendizagem. Com isso, as aulas se organizam com leituras, estudos em coletivos, práticas de corpo e escritas a partir dos desdobramentos experimentados em comum, para que o processo amplie a produção intelectual e estética de forma conjunta, favorecendo e tornando os corpos disponíveis para estas e outras ações, interações e na produção final da mostra, caso possa acontecer.

Nessa última experiência do semestre letivo de maneira híbrida, porém com ênfase no modo presencial, foram disponibilizados videodocumentários com palestras de Ailton Krenak, estimulando questões ligadas à preservação da natureza, citada por ele como mãe de todos nós, além de outros autores que possam tecer ligações com essa temática. Juntos e juntas, fomos buscando assistir pequenos vídeos de dança com leituras fluxos (leituras em voz alta de parágrafos do texto de maneira individual, mas com escuta em coletivo). Como tentativa de aprofundar o pensamento crítico/reflexivo, após as leituras fluxos, buscamos interpretações em coletivo e sugerimos uma escrita fluxo das impressões pessoais sobre os textos escolhidos e como isso ressoava nos corpos. Assim, “gerar este estado de prontidão a partir da escuta é disponibilizar o corpo para que ele não se isole” (BASTOS, 2020, p.10), ratificando o pensamento das aulas com exercícios práticos que ativassem o corpo com um todo em grupos.

          Cientes que vemos a realidade de acordo com nossa cultura, retornando a questão mobilizadora: Os corpos nesse espaço atual algoritmizado podem ainda ser/estar afetados? A resposta foi se construindo enquanto corpo, na sua relação aos ambientes, ora na sala, ora nas redes. Observa-se que cada tipo de aprendizado traz no corpo uma rede particular de conexões, de subtrações, lutas, de relações excludentes e na capacidade de se reorganizar via contexto específico em estado de total apreensão. Nesse caminho, lembramos constantemente de alguns fundamentos que queremos colocar no mundo, como por exemplo: prudência ao compartilhar informações nas telas, o respeito à diversidade e a importância do conhecimento.

Nessa teia de acontecimentos durante as aulas tudo foi se envolvendo por trajetórias espiraladas (BASTOS, 2020, p. 14), como a pesquisa sobre a Caverna de Platão e os movimentos que um cada trazia em seus corpos nas experimentações em coletivo. Um fazer que se organiza nas discussões e provocações, sendo que a “responsabilidade de cada um de nós com o que cada um é e com o que o mundo não somente é, mas, sobretudo com o que o mundo pode ser” (KATZ &GREINER, 2011, p.6).

De partida, ratifica-se que o olhar (KRENAK, 2022), a escuta (BASTOS, 2020), o caminhar mais lentamente (SILVESTRE, 2021) e a urgência a viver harmoniosamente seguem conosco tornando-se necessários, assim como a prática da empatia nos ambientes on line. A sugestão de Michel Serres (2017), filósofo contemporâneo que busca aproximar ciência e cultura, é sempre muito bem vinda quando nos apresenta o caminho de uma busca a ternura, mansidão e paz. Uma paz que não se faz com invólucros, nem de maneira velada, mas a partir de um conjunto de práticas e de intervenções que suavizem nosso habitat que a cada dia parece estar mais desmedido em relação ao próximo.

Na dança, o corpo faz acordos, e cria conexões como condição de sobrevivência, de continuidade. Tais conexões ocorrem em/nas redes digitais pela sua natureza complexa numa retroalimentação corpo/ambiente que, como já fora citado se contaminam mutuamente, esta contaminação é característica dos processos, da evolução e não elimina a especificidade dos contextos levantados: são sistemas de linguagem que dialogam numa ação interativa e dialógica em fluxo contínuo.

Outras referências de autores foram trazidas para nossa conversa, relacionadas ao excesso de visibilidade, auto exposição e a violência estrutural. Porém, encontramos em Ailton Krenak um caminho em consonância com a nossa sugestão sobre empatia: “vamos cantar, dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu”. Dessa forma a manutenção do ensino e aprendizagem no qual nos propomos de maneira híbrida, a partir de narrações com fragmentos autobiográficos, encontros virtuais tematizados e principalmente nas escutas em coletivo parece favorecer um mover “juntos” no espaço no qual agora também faz parte do nosso cotidiano e assim sermos capaz de suspender o céu e nos mantermos em contato com a terra, a natureza, o cosmos e cheios de esperança.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BASTOS, Helena. Corpo sem vontade imerso em coisas vivas, 2020. Disponível em : http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/55694.Acesso em 02.07.2021.

COMITÊ INVISÍVEL. Aos nossos amigos: crise e insurreição. São Paulo: n-1 edições, 2016.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2008.

GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos interdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.

 

HAN, Byung-Chul. Sociedade paliativa: a dor hoje. Petrópolis, RJ: Vozes, 2021.

________________Psicopolítica – o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Editora ÂYINÉ, 2020.

________________enxame: perspectivas do digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.

KATZ, Helena; Greiner, Christine. Por uma teoria do corpomídia. In: ______. O corpo: pistas para estudos interdisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.

_____________________________. KATZ, Helena; GREINER, Christine. Corpo, dança e biopolítica: pensando a imunidade com a Teoria Corpomídia. Anais do 2º. Encontro Nacional de Pesquisadores em Dança, 2011.

KRENAK, Ailton. Futuro ancestral. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 1. Edição.

VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Teoria do conhecimento e arte: formas de conhecimento - arte e ciência uma visão a partir da complexidade. Fortaleza:  Expressão, 2006.

PÉLBART, Peter Pal. Ensaios do Assombro. São Paulo: n-1 Edições, 2019. 

RANCIÈRE, Jaques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo:  EXO experimental (org.), Ed.34, 2005.

SILVESTRE, Helena. Alianças antissistema: varrer as ruínas e adiar os fins do mundo. In: KRENAK, Ailton. O sistema e o antissistema: três ensaios, três mundos no mesmo mundo. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.

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