No atual contexto educacional, torna-se fundamental a abordagem crítica e fenomenológica-hermenêutica das influências de gênero e identidade de gênero sobre a experiência das mulheres autistas no âmbito do ensino superior. Apesar dos avanços na pesquisa que têm delineado nuances no espectro do autismo relacionadas ao sexo biológico e às influências de gênero, persiste uma lacuna substancial em termos de compreensão e ação eficaz (Lai & Szatmari, 2020).
A constatação de que as abordagens convencionais frequentemente não capturam as sutilezas específicas das vivências das mulheres autistas revela uma evidente falha no reconhecimento das suas necessidades no ambiente universitário. Este cenário suscita questionamentos acerca da adequação das estratégias acadêmico-pedagógicas destinadas a garantir a permanência e o êxito das autistas no ensino superior (Barry et al., 2022).
Além disso, a identificação de desafios sociais particularmente enfrentados pelas mulheres autistas levanta preocupações sobre a carência de apoio social e emocional adequado nas instituições educacionais. A demanda por um ambiente inclusivo transcende a mera acessibilidade física, abrangendo também a compreensão e a sensibilidade às complexas interações entre gênero e o espectro do autismo (Lai & Szatmari, 2020).
Os estereótipos de gênero e preconceitos sociais manifestam um impacto substancial no contexto universitário das mulheres autistas, prejudicando a obtenção do suporte necessário e a continuidade no ambiente acadêmico. Tais constatações destacam a urgência de uma reavaliação profunda das práticas de inclusão e acesso, o que, por sua vez, coloca em questão a formação e treinamento da comunidade acadêmica.
Nesse contexto, a inserção da dança como meio de promover o acesso, a inclusão, a permanência e o sucesso acadêmico das mulheres autistas no cenário universitário apresenta um potencial analítico-crítico de grande relevância. A dança transcende os limites convencionais da educação, fornecendo uma plataforma capaz de abordar de maneira específica os desafios enfrentados pelas mulheres autistas, ao mesmo tempo que incentiva uma participação plena na vida acadêmica (Teixeira-Machado, 2023).
A prática da dança pode ser adaptada para atender às necessidades sensoriais e de comunicação das mulheres autistas. A abordagem cinestésica da dança, em particular, demonstra eficácia na promoção da expressão emocional, das habilidades sociais e das interações interpessoais, aspectos frequentemente desafiadores. Isso cria um ambiente inclusivo onde as mulheres autistas podem sentir-se parte integrante e aprimorar suas competências sociais (Teixeira-Machado et al., 2022).
Adicionalmente, a dança proporciona um espaço seguro e não julgador para a exploração criativa, permitindo que as mulheres autistas expressem-se livremente e construam confiança. A autenticidade das emoções expressas através da dança pode influenciar positivamente a autoimagem e a autoestima, fatores cruciais para fomentar a permanência e o sucesso acadêmico.
Contudo, é essencial considerar desafios potenciais, como a formação de instrutores de dança sensibilizados para as particularidades das necessidades das mulheres autistas. Além disso, assegurar tanto a acessibilidade física quanto a emocional, em conjunto com a desconstrução de estereótipos de gênero e normas sociais, revela-se imprescindível para evitar perpetuar barreiras existentes.
A abordagem centrada na pessoa, a valorização da expressão criativa e a promoção das interações sociais configuram-se como elementos basilares que, quando integrados ao contexto acadêmico, contribuem para a formação integral e bem-sucedida das mulheres autistas no ensino superior (Lai et al., 2017; Teixeira-Machado, 2023). Assim, para efetivamente apoiar as autistas no ensino superior, esta pesquisa almeja uma transformação paradigmática que inclua a desconstrução dos estereótipos de gênero, assegurando que todas as vozes no espectro do autismo sejam ouvidas, reconhecidas e habilitadas a enfrentar os desafios acadêmicos e sociais em igualdade de condições.
O propósito essencial deste estudo reside na investigação crítica e analítica do potencial da dança improvisação como facilitadora do acesso, inclusão, permanência e sucesso acadêmico das mulheres autistas na transição do ensino médio para o ensino superior. Através de uma abordagem interdisciplinar que entrelaça educação, dança e saúde mental, busca-se desvelar como a experiência da dança pode impactar positivamente o percurso acadêmico das participantes, explorando a intersecção entre expressão artística e vivência autista.
Além disso, este estudo objetiva:
- Analisar a relação intrínseca entre a prática da dança improvisação e o fortalecimento da autoconfiança e autoestima das mulheres autistas no ambiente universitário.
- Investigar os efeitos das aulas de dança improvisação na redução dos sintomas de ansiedade e depressão, considerando os desafios inerentes à interação social e mudanças contextuais.
- Examinar o impacto da dança improvisação na consciência corporal e espacial das mulheres autistas, explorando a interligação entre os sistemas sensoriais e motores.
- Avaliar a percepção das participantes acerca da importância da dança enquanto ferramenta educativa e expressiva, sublinhando sua capacidade de proporcionar um espaço de metamorfose e empoderamento.
- Refletir sobre a implementação de abordagens inclusivas na prática da dança improvisação, considerando a diversidade do público participante, abarcando tanto autistas quanto não autistas.
- Identificar os desafios enfrentados pelo educador na planificação e condução das aulas de dança improvisação, com vista à promoção da inclusão e desenvolvimento das participantes.
- Contextualizar a vivência da pesquisadora enquanto participante e observadora nas aulas de dança improvisação, enfatizando os impactos pessoais, emocionais e acadêmicos dessa prática na sua adaptação à vida universitária.
- Propor reflexões sobre o potencial da dança improvisação como veículo de transformação da percepção social acerca do autismo, desafiando estigmas e preconceitos e contribuindo para um grau mais elevado de consciencialização das aptidões das pessoas autistas.
Com vistas a atingir tais objetivos, este estudo de experiência procura oferecer análises críticas e analíticas quanto à eficácia da dança improvisação como meio de promover a inclusão e o êxito acadêmico das mulheres autistas no ensino superior, ampliando as perspectivas nas áreas da educação, arte e interação social.
2. Métodos
A abordagem fenomenológica-hermenêutica foi empregada para compreender e interpretar a experiência das mulheres autistas envolvidas no projeto de dança improvisação, considerando suas vivências pessoais e a interação com o ambiente universitário. Esta abordagem permite explorar os significados subjacentes e as nuances das experiências individuais, dando voz às participantes e buscando uma compreensão profunda do fenômeno em estudo.
2.1 Participantes e Contexto
A pesquisa foi conduzida com participantes do grupo TALT (Técnica Aplicada Lavínia Teixeira), como parte de um projeto de extensão universitária, no início de junho de 2023. A seleção das participantes ocorreu por meio de um processo seletivo, que culminou na atuação da pesquisadora como professora auxiliar no projeto "Dança e Educação para Pessoas com Necessidades Específicas". O grupo se concentrou na prática da dança improvisação direcionada a mulheres autistas.
O projeto foi concebido e coordenado pelo professor-pesquisador Jeverton dos Santos, graduado em dança pela UFS. A escolha da dança como meio de interação e expressão fundamentou-se na perspectiva de que essa linguagem permitiria uma experiência única de vivência e comunicação das experiências corporais, facilitando a relação das participantes com seus corpos, o espaço e as outras pessoas. O objetivo era estabelecer um ambiente educacional que transcendesse a mera instrução técnica, incentivando a exploração das conexões entre o eu, o corpo e o ambiente circundante.
2.2 Procedimentos
Figura 1. Andrade, A. (2023). [Registro de Ensaio do grupo TALT] [Fotografia]. Universidade Federal de Sergipe.
As aulas eram realizadas duas vezes por semana, com duração de uma hora cada. A regularidade das sessões permitiu a imersão das participantes na prática da dança improvisação, facilitando a assimilação das técnicas e a construção de um ambiente de confiança mútua. A dinâmica das aulas incluía a exploração da consciência corporal e espacial, englobando a kinesfera como ponto de partida, poses específicas, deslocamentos, improvisações livres e o contato-improvisação com objetos e colegas.
Figura 2. Andrade, A. (2023). [Registro de Ensaio do grupo TALT] [Fotografia]. Universidade Federal de Sergipe.
Ao término de cada sessão, um espaço era reservado para a troca de experiências em dança. Nesse momento, as participantes compartilhavam suas percepções, sensações e aprendizados resultantes da prática. Essas trocas eram conduzidas de forma aberta e respeitosa, encorajando uma comunicação sincera e genuína entre as participantes. Essa partilha contribuiu para a formação de laços entre as integrantes do grupo, gerando uma sensação de pertencimento e colaboração.
2.3 Análise
A análise dos dados foi realizada seguindo uma abordagem fenomenológica-hermenêutica. Inicialmente, os relatos e as reflexões compartilhadas pelas participantes nas sessões de troca foram transcritos e examinados em busca de padrões, temas e significados subjacentes. Essa etapa permitiu a identificação de elementos-chave relacionados às experiências das mulheres autistas no contexto da dança improvisação e do ambiente universitário.
Em seguida, os dados foram submetidos a uma análise hermenêutica, na qual foram interpretados à luz das perspectivas individuais das participantes, considerando suas histórias de vida, percepções e contextos pessoais. Essa interpretação profunda buscou compreender os significados ocultos, os sentimentos subjacentes e as mudanças vivenciadas pelas mulheres autistas durante o processo de participação no projeto.
2.4 Considerações Éticas
O estudo seguiu diretrizes éticas rigorosas, obtendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE nº 73302017.7.0000.5546, parecer nº 2.499.567). Foram garantidos o anonimato e o consentimento informado das participantes, assegurando a confidencialidade e a proteção de seus direitos durante todo o processo.
Ao adotar essa abordagem fenomenológica-hermenêutica, este estudo buscou revelar as ricas percepções e experiências das mulheres autistas envolvidas na prática de dança improvisação, proporcionando uma compreensão profunda e contextualizada do impacto dessa atividade no âmbito acadêmico e pessoal.
3. Resultados e Discussão
De acordo com os objetivos específicos apresentados, este relato de experiência abordou os seguintes resultados:
Objetivo Específico 1: Investigar os impactos da dança improvisação na autoconfiança e autoestima das participantes autistas no ambiente universitário.
Os relatos das participantes evidenciaram que a prática da dança improvisação teve um impacto positivo na autoconfiança e autoestima delas. Através das trocas de experiências, foi possível observar que a expressão autêntica proporcionada pela dança contribuiu para o fortalecimento da confiança em si mesmas e para uma melhoria na percepção de sua própria imagem. Além disso, a regularidade das aulas e as interações com colegas e professores criaram um ambiente de apoio que incentivou as participantes a se sentirem mais seguras e confiantes em sua identidade e habilidades.
Objetivo Específico 2: Analisar como a dança improvisação influencia a consciência corporal e espacial das participantes autistas.
As participantes relataram uma ampliação significativa de sua consciência corporal e espacial ao longo das aulas de dança improvisação. A exploração de movimentos, poses e improvisações permitiu que elas se conectassem de maneira mais profunda com seus próprios corpos e compreendessem suas possibilidades de movimento. Esse aumento na consciência corporal não apenas contribuiu para sua experiência na dança, mas também se estendeu para outras áreas de suas vidas, auxiliando na adaptação ao ambiente universitário e na realização de atividades cotidianas.
Objetivo Específico 3: Avaliar como a dança improvisação promove a interação social e a comunicação entre as participantes autistas.
A prática da dança improvisação demonstrou ser um meio eficaz para promover a interação social e a comunicação entre as participantes autistas. A natureza colaborativa das atividades de improvisação encorajou o contato físico e a troca de experiências entre as participantes, criando oportunidades para a comunicação não verbal e para o estabelecimento de conexões significativas. Além disso, o ambiente acolhedor e respeitoso das aulas permitiu que as participantes se sentissem à vontade para compartilhar suas percepções e emoções, fortalecendo ainda mais os laços interpessoais.
Objetivo Específico 4: Verificar os efeitos da dança improvisação na redução de sintomas ansiosos e depressivos nas participantes autistas.
Os relatos das participantes indicaram uma redução significativa nos sintomas ansiosos e depressivos após a prática regular da dança improvisação. A expressão corporal, a liberação de tensões e o ambiente de apoio proporcionado pelas aulas contribuíram para a diminuição dos níveis de ansiedade e estresse. Além disso, a interação social positiva e as sensações de pertencimento criadas pelo grupo de dança também tiveram um impacto positivo na saúde mental das participantes.
Objetivo Específico 5: Explorar como a dança improvisação contribui para a inclusão das participantes autistas no contexto universitário.
A prática da dança improvisação desempenhou um papel crucial na promoção da inclusão das participantes autistas no ambiente universitário. A sensibilidade da equipe em acolher as necessidades específicas das alunas autistas criou um espaço seguro e inclusivo onde elas se sentiam valorizadas e compreendidas. A confiança desenvolvida por meio da dança também se estendeu para outras atividades universitárias, permitindo que as participantes explorassem mais oportunidades acadêmicas e sociais.
Objetivo Específico 6: Investigar como a dança improvisação contribui para o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras das participantes autistas.
A prática da dança improvisação teve um impacto positivo no desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras das participantes autistas. As atividades de improvisação desafiaram suas capacidades cognitivas, estimulando a criatividade, a flexibilidade cognitiva e a resolução de problemas. Além disso, a movimentação física envolvida na dança contribuiu para o desenvolvimento motor, a coordenação e o controle corporal das participantes.
Objetivo Específico 7: Investigar como a dança improvisação pode ser adaptada para atender às necessidades sensoriais das participantes autistas.
A pesquisa evidenciou a importância da adaptação da dança improvisação para atender às necessidades sensoriais das participantes autistas. As estratégias incluíram o uso de músicas suaves, exercícios de relaxamento e a criação de um ambiente sensorialmente acolhedor. Essas adaptações não apenas permitiram que as participantes se engajassem na prática da dança, mas também ajudaram a reduzir a sobrecarga sensorial e a ansiedade, tornando a experiência mais confortável e benéfica.
Objetivo Específico 8: Identificar o papel do educador na promoção da dança improvisação como ferramenta de desenvolvimento para autistas.
O educador desempenhou um papel fundamental na promoção da dança improvisação como uma ferramenta de desenvolvimento para autistas. Sua sensibilidade em criar um ambiente inclusivo e adaptado, a clareza na comunicação dos comandos e a compreensão das necessidades individuais dos participantes foram cruciais para o sucesso da abordagem. A capacidade do educador de se adaptar e criar metodologias sensíveis permitiu que a dança improvisação se tornasse uma experiência positiva e enriquecedora para as participantes autistas.
A pesquisa demonstrou que a dança improvisação tem um potencial significativo para impactar positivamente a vida de pessoas autistas no ambiente universitário. Através de uma abordagem cuidadosa e adaptada, a dança improvisação contribuiu para o desenvolvimento emocional, social e cognitivo das participantes. Além disso, a inclusão e a promoção da autoconfiança proporcionaram uma experiência acadêmica mais enriquecedora e satisfatória.
O papel do educador foi fundamental para criar um ambiente seguro e acolhedor, permitindo que as participantes explorassem seu potencial e se expressassem de maneira autêntica. Outras questões foram observadas neste relato que merecem destaque.
Transformações na Experiência Autista no Ambiente Universitário
A transição para um ambiente universitário agitado e a interação com novos grupos constituem desafios recorrentes na vida das pessoas autistas. Uma participante autista nível 1 de suporte e com TDAH relatou que, ao chegar à universidade, seu corpo levava tempo para se adaptar aos estímulos presentes. Ela descreveu seu corpo enrijecido pela tensão, enquanto vozes e barulhos dificultavam seu equilíbrio, resultando em deslocamentos ansiosos e apressados. Momentos que exigiam comunicação também geravam ansiedade, levando-a a evitar se comunicar como desejaria. As primeiras experiências em prédios diferentes resultaram em crises, afetando sua autoestima como estudante universitária. Além disso, a discente comenta ter dificuldades sociais para acompanhar as divulgações de projetos, eventos e atividades que a universidade proporciona, pelo fato de existirem diversos meios de comunicação formais e informais com desafios organizacionais.
Devido à baixa autoestima social, a estudante relata não conseguir participar efetivamente destas atividades, ou por não entender o que estava sendo proposto, por não acessar divulgações específicas ou por não conseguir ingressar sem orientação ou apoio necessários caso precisasse de adaptações. Isso gerava um impacto negativo na sua saúde mental, evidenciando sentimento de solidão, sensações de insuficiência e incapacidade perante as competências de discente.
Com o acúmulo de estresse devido às questões sociais, a estudante relata a oscilação emocional presente durante toda sua jornada acadêmica, assim como dificuldades de concentração, organização dos estudos, de funcionamento executivo e baixa autoestima, o que dificultava a iniciativa para estabelecer redes de apoio.
Entretanto, a participante observou uma diferença no estado de seu corpo ao entrar e sair do campus. Ela passou a usar as salas de estudo da biblioteca após as aulas de dança, estudando perto de outras pessoas e acessando o acervo. A prática de dança tornou as atividades obrigatórias menos dolorosas, permitindo-lhe aproveitar outras oportunidades oferecidas pela universidade, como pesquisas e extensão. Ela também notou a diminuição da intimidação no ambiente universitário, o que levou a uma redução dos sintomas ansiosos. Sua autoconfiança aumentou, possibilitando maior participação em atividades extracurriculares e interações sociais mais autônomas no grupo de dança, devido ao apoio e acolhimento da equipe em relação às necessidades específicas das alunas autistas.
Impacto da Dança Improvisação na Autoconfiança e Autoestima
A prática da dança improvisação demonstrou influenciar positivamente a autoconfiança e autoestima das participantes. Nas trocas de experiências, percebeu-se que a dança proporcionava um espaço de expressão autêntica, o que impactava positivamente a confiança e a imagem pessoal das mulheres autistas. A prática regular das aulas também contribuiu para a redução dos sintomas ansiosos e depressivos, conforme relatado pelas participantes. Isso possibilitou que as mesmas cmeçassem a comentar mais seguramente sobre suas necessidades de adaptações sem receio de serem julgadas, o que pode contribuir para o aumento das suas respectivas redes de apoio.
Ampliação da Consciência Corporal e Espacial
A exploração de movimentos e improvisações ampliou a consciência corporal e espacial das participantes, como previsto nos objetivos. As mulheres autistas relataram uma conexão mais profunda com seus corpos e uma compreensão mais abrangente de suas possibilidades de movimento. A vivência das aulas também proporcionou uma experiência de contato e comunicação diferenciada, desafiando as barreiras sociais típicas do autismo.
Figura 3. Louis, A. (2023). [Registro de Ensaio do grupo TALT] [Fotografia]. Universidade Federal de Sergipe.
Dança Improvisação como Ferramenta de Inclusão e Desenvolvimento
A prática da dança improvisação no contexto universitário, dentro da abordagem do projeto, contribuiu para a inclusão e o desenvolvimento das participantes. Isso destacou a eficácia de estratégias pedagógicas que valorizam a expressão individual e promovem a interação e colaboração. A frequência regular das aulas e as trocas de experiências ao final proporcionaram um espaço de aprendizado e transformação, reforçando a ideia de que a dança pode ser uma ferramenta poderosa para promover mudanças positivas na trajetória acadêmica e no bem-estar emocional das mulheres autistas no ensino superior.
Dança Improvisação como Linguagem e Escolha Autêntica
A escolha da dança improvisação no contexto da pesquisa não foi arbitrária; as participantes já haviam explorado a linguagem da dança anteriormente. A continuidade dessa escolha na transição para o ensino superior reflete uma adaptação contextual que permitiu à dança adquirir novos significados. A dança improvisação foi selecionada como uma linguagem artística que possibilita o acesso a questões relacionadas ao sujeito, corpo, espaço e interações. Ela proporcionou um meio de desenvolver habilidades necessárias para enfrentar os desafios do contexto universitário, como estar presente, interagir e comunicar-se.
Além disso, a linguagem artística escolhida possibilitou, a cada aula, um processo educacional em constante diálogo com o contexto social atual dos próprios alunos, visto que a dança improvisação trabalha com proposições individuais do corpo que dança, o que implica um relacionamento de troca entre dança e sujeito. As questões presentes no dia a dia das estudantes autistas eram esperadas pela equipe e abraçadas pela prática, que buscava trabalhar os conteúdos específicos sem negar esses estados emocionais e, consequentemente, corporais. Improvisar na dança exige uma consideração e valorização do que compôe o sujeito, para assim, ser realizada. A educação pela arte proporcionou um espaço de aceitação das intenções e significados inerentes às alunas e um aproveitamento do mesmo no fazer artístico.
Desafios e Oportunidades na Educação pela Dança Improvisação para Autistas
A pesquisa identificou a carência de abordagens específicas que explorem a interseção entre a dança improvisação e o autismo, particularmente no âmbito do autismo adulto e autismo em mulheres no contexto universitário. Diante disso, surgem questionamentos sobre o potencial da educação artística da dança para melhorar a trajetória acadêmica e as experiências de estudantes autistas.
A autora Teixeira-Machado (2023) destacou que a dança é uma ação que envolve aspectos motores, sensoriais, cognitivos e afetivos. Para os autistas, situações envolvendo corpo, sentimentos e relações sociais são desafios constantes. Abordagens como a dança improvisação oferecem um espaço para enfrentar esses desafios de maneira diferente, criando novos relacionamentos com o corpo, a existência e a comunicação.
O Papel do Educador na Dança Improvisação para Autistas
O educador desempenha um papel fundamental na dança improvisação para autistas, adaptando as práticas para atender às necessidades sensoriais e emocionais individuais. A sensibilidade do professor em criar um ambiente adaptado, promovendo exercícios de relaxamento e respeitando o tempo dos alunos, é crucial para facilitar uma experiência de aprendizado positiva. A clareza e objetividade dos comandos também são essenciais para tornar a proposta de aula compreensível, permitindo que os alunos alcancem os objetivos de forma autêntica e respeitosa.
Desafios e Possibilidades na Sala de Aula
A prática da dança improvisação em sala de aula enfrenta desafios diversos, como a diversidade de necessidades individuais dos autistas, comportamentos desafiadores, compreensão social, comunicação, sensibilidades sensoriais e outros. No entanto, esses desafios também proporcionaram oportunidades de crescimento para o educador, incentivando a adaptação e a criação de metodologias sensíveis às particularidades de cada aluno.
Potencial da Dança Improvisação como Ferramenta de Desenvolvimento
A dança improvisação, ao proporcionar um espaço de expressão autêntica e individual, mostrou ser uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento emocional, cognitivo e social de pessoas autistas. Ela promoveu o desenvolvimento de habilidades de comunicação expressiva, motoras, emocionais e sociais. Além disso, a prática regular da dança improvisação também mostrou potencial para reduzir os níveis de ansiedade, estresse e depressão, contribuindo para o bem-estar global dos participantes.
4. Considerações Finais
As conclusões desta pesquisa ecoam a experiência profunda e transformadora das mulheres autistas envolvidas no projeto de dança improvisação no cenário universitário. A abordagem fenomenológica-hermenêutica revelou uma riqueza de significados subjacentes aos relatos das participantes, dando vida a uma narrativa que transcende os resultados superficiais.
Ao abordar a dança improvisação como uma linguagem autêntica, a pesquisa mergulhou nas nuances da experiência vivida pelas participantes. A dança se tornou um veículo para expressar não apenas movimentos corporais, mas também emoções profundas e complexas. A adaptação cuidadosa das práticas, que considerou as necessidades sensoriais e emocionais dos autistas, desempenhou um papel fundamental na criação de um ambiente seguro e enriquecedor. Essa abordagem reflete a hermenêutica, que busca compreender as experiências humanas em sua plenitude, levando em consideração a interpretação e o contexto.
Os resultados, coerentes com a perspectiva fenomenológica, destacam a transformação que ocorreu nas participantes. A autoconfiança e autoestima cresceram à medida que elas encontraram uma voz autêntica através da dança. A consciência corporal e espacial ampliada transcendia o ambiente das aulas, impactando suas interações diárias e adaptabilidade. A inclusão se materializou não apenas como um conceito, mas como uma vivência real, permitindo que as participantes encontrassem um senso de pertencimento e colaboração.
No entanto, a abordagem fenomenológica-hermenêutica também lança luz sobre os desafios inerentes a essa jornada. A sensibilidade e adaptação do educador emergiram como elementos cruciais na promoção de uma experiência bem-sucedida. Isso ressoa com a hermenêutica, que enfatiza a compreensão das interpretações individuais e a necessidade de se adaptar constantemente à complexidade humana.
As conclusões desta pesquisa não apenas reforçam a importância da dança improvisação como uma ferramenta de crescimento e expressão, mas também apontam para uma direção futura. A ênfase na necessidade de mais estudos, especialmente no contexto do autismo adulto e das mulheres autistas, reflete a atitude fenomenológica de busca contínua por compreensão e exploração mais profundas.
Autores-referência da abordagem científico-metodológica fenomenológica-hermenêutica, como Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, destacam que a hermenêutica é um processo de interpretação que busca capturar a essência das experiências humanas. Eles enfatizam a importância da compreensão prévia e do diálogo interativo na construção de significados compartilhados. Nesse sentido, os resultados desta pesquisa não são apenas dados, mas fragmentos ricos de histórias humanas que foram interpretados e compreendidos dentro de um contexto mais amplo (Seibt, 2018).
Portanto, à luz dessa abordagem fenomenológica-hermenêutica, os resultados desta pesquisa transcendem os números e estatísticas, mergulhando na profundidade das experiências humanas das mulheres autistas no contexto universitário. Eles refletem a interação complexa entre a dança, a educação, o ambiente social e as identidades individuais. Mais do que um mero resumo de descobertas, as conclusões apresentadas aqui são convites para uma compreensão mais profunda, uma apreciação mais rica e uma exploração contínua dos mistérios da experiência humana.
Agradecimento especial à todos os integrantes do grupo TALT.
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