A Gestão Social é uma temática relativamente recente ao considerarmos como ponto de partida a conquista dos direitos fundamentais e sociais no Brasil elencados na Constituição Federal de 1988, que se instituem através da luta dos movimentos sociais e populares no período de transição democrática, em meados de 1980, e concomitantemente a esse processo, a defesa legal da democratização da gestão pública.
O conjunto de processos denominado de Gestão Social tem como objetivo fundamental formular e gerir as políticas sociais, cabendo ao Estado o dever de garantir os direitos sociais que devem ser materializados através do acesso efetivo a essas políticas por parte dos usuários, constituídos não somente como sujeitos de deveres, mas também, de direitos. Segundo Wanderley (2013, p. 22), “Política pública é entendida como uma ação desenvolvida pelo Estado, seu regulador, e gestão social, como a gestão das ações públicas.” É nesse contexto que a Gestão Social é inserida como temática central para que necessidades da classe trabalhadora sejam atendidas através das políticas sociais, que é o componente principal daquela.
A compreensão em torno das primeiras formas de gestão das políticas de cunho social, que se estruturam no país no período de 1930 até o marco regulatório da Constituição Federal de 1988, condiciona um desafio no que concerne à identificação da(s) configuração(ões) de gestão dos serviços públicos ao longo do período. Entretanto, não se caracteriza como uma impossibilidade de ser realizado, já que na apreensão do objeto a ser estudado considerar-se-á os aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais na sua totalidade. O que permite uma aproximação da realidade baseada nos fundamentos que possibilitam captar as determinações da constituição dos modelos de gestão que se concretizam no decorrer da história das políticas públicas no Brasil.
Diante disto, compreende-se a relevância de um direcionamento teórico crítico à luz da teoria marxista atribuído ao estudo teórico da gestão das políticas sociais, pois possibilita uma análise dos seus fundamentos, permitindo a apreensão de suas formas e das bases históricas da política brasileira, a citar o patrimonialismo, o burocratismo e o corporativismo que resistem e se conservam na contemporaneidade, condicionando as estruturas e os sujeitos envolvidos a desconsiderarem o acesso às políticas sociais enquanto direito garantido legalmente após a Constituição Federal de 1988, induzindo as ações institucionais ou de seus agentes para com os usuários pela via do clientelismo, autoritarismo, da troca de favores, da caridade, da benemerência e do assistencialismo.
A escolha da temática justifica-se pela relevância da compreensão dos antagonismos que constituem a Gestão Social, que apesar de ser instituída legalmente com o objetivo de gerir os serviços sociais da coletividade comprometida com o desenvolvimento de mecanismos democráticos, simultaneamente, está inserida em uma estrutura antagônica, conservadora e burocrático-institucional que lhe impõe condições objetivas no sentido de contrapor-se à sua ação prática, e de acordo com seus objetivos na defesa e garantia dos compromissos legalmente assumidos para com a classe trabalhadora.
2 Gestão das políticas sociais no Brasil no período de 1930 a 1964
O planejamento e a organização dos serviços públicos prestados pelo Estado à população trabalhadora no Brasil acontecem em meados de 1930 quando as expressões da questão social passam a serem sentidas de forma aprofundada pela classe trabalhadora a partir do processo de industrialização no país, devido à forma como as relações sociais de produção se estruturam baseadas na exploração da força de trabalho. As consequências disto são a generalização e acentuação das desigualdades sociais à medida que a riqueza é socialmente produzida, porém privadamente apropriada.
Esse é o ponto crucial para a apreensão de como são elaboradas as precedentes formas de gestão das políticas sociais, por ser a questão social resultante dos antagonismos inerentes ao modo capitalista de produzir. As políticas públicas passam a ser implementadas pelo Estado com envolvimento do empresariado e da sociedade civil, no momento em que os trabalhadores exigem respostas para as precárias condições de vida e trabalho. Dessa forma, não longe da lógica contraditória vigente, o planejamento, organização e execução desses serviços públicos terão como limite a inviolabilidade da apropriação privada da riqueza socialmente produzida, independente da forma que a gestão das políticas públicas assumirá em cada conjuntura.
Antes de adentrar no contexto dos anos 1930 para a aproximação da gestão das políticas sociais que se constituiu no país, torna-se fundamental apontar o contexto internacional ao longo desse período que, de acordo com Behring e Boschetti (2016), após a crise de 1929-1932 e a Segunda Guerra Mundial, a defesa e concretização em torno de uma forte intervenção do Estado na regulação das relações econômicas e sociais se fizeram presentes, a partir dos ideais de Keynes, como forma de minimizar os efeitos provocados pela crise, momento em que houve uma ampliação das políticas sociais em alguns países da Europa, nos quais o Estado era caracterizado como Welfare State. Essa expansão teve como direcionamento o Plano Beveridge.
No Brasil, após a crise de 1929 e as duas grandes guerras, as autoras chamam a atenção para as primeiras greves no país realizadas, principalmente, após 1907, por meio da organização política do movimento sindical e dos trabalhadores, que reivindicavam respostas do Estado Liberal às expressões da questão social em um país que saía recentemente do regime escravista. As autoras destacam a influência da Revolução Russa em 1917 na fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1922. Além da Semana de Arte Moderna realizada por artistas como Tarsila do Amaral, Oswald e Mário de Andrade, entre outros (Behring; Boschetti, 2016).
Como já mencionado, em 1930 a industrialização inicia seu processo nas terras brasileiras, quando as consequências da crise de 1929 já se faziam presentes no mundo. Santos (2012) aponta que na década de 1930, sob o governo de Getúlio Vargas, o país transitava de uma economia agroexportadora baseada no café, para o desenvolvimento da industrialização. Além disso, a autora sinaliza que Vargas adotou um ideário de governo baseado na centralização do poder no que concerne aos interesses burgueses, e discursos nacionalistas, principalmente a partir do golpe em 1937 com a instituição do Estado Novo. Conforme aponta Hora (2014), em 1930 houve a transição de um formato de Estado baseado no liberalismo para o modelo nacional-desenvolvimentista, com o aprofundamento da intervenção estatal na economia brasileira.
No contexto internacional o capitalismo se encontrava no estágio monopolista em sua fase clássica. Nesse período no Brasil é constituída a industrialização restringida devido a mudanças no sistema econômico produtivo, ou seja, “[...] consolida o processo de substituição de importações de produtos manufaturados pelos da indústria nacional, dando início à segunda fase da constituição do capitalismo brasileiro.” (Santos, 2012, p. 72).
Nessa perspectiva, Hora (2014) realiza em seus estudos um apanhado sobre a estruturação do planejamento estatal enquanto um instrumento de gestão utilizado pelo governo simultaneamente ao processo de desenvolvimento do capitalismo no país. Hora (2014, p. 24) destaca que “[...] o planejamento estatal se constitui como uma relevante ferramenta de gestão contribuindo, assim, para a construção ordenada de procedimentos que visam ao alcance de objetivos que, quando delineados em ações, podem levar à construção de caminhos fundamentais para a resolução de diversas situações.” A autora observa que historicamente os planos estatais tinham como prioridade o crescimento econômico em detrimento do planejamento que envolve ações, recursos e planos no campo social.
Torna-se primordial sinalizar as primeiras intervenções do Estado no governo de Vargas em relação às legislações trabalhistas e enfrentamento da questão social como mecanismo de manutenção da força de trabalho e manipulação das massas para atender aos anseios do capitalismo. As políticas sociais a partir de 1930 vão se estruturando sob a égide do desenvolvimento industrial a partir do momento em que a classe trabalhadora adentra na cena política e reivindica melhores condições de vida e trabalho e o Estado redireciona suas funções utilizando-se de mecanismos institucionais como forma de controle das forças populares (Bavaresco; Martins, 2019).
Para compreender as primeiras modalidades de políticas sociais e sua trajetória, e, portanto a gestão dessas políticas, torna-se necessário destacar as características que fundamentaram o Estado e que, portanto, determinaram a implementação das políticas públicas a partir da década de 1930: “O Estado brasileiro nasceu sob o signo de forte ambigüidade entre um liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido da garantia dos privilégios das classes dominantes.” (Behring; Boschetti, 2016, p. 75).
As Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) surgiram em 1923 com a Lei Eloy Chaves, sendo considerada um marco da política social no Brasil. A gestão e financiamentos dessas Caixas eram realizados pelos empregadores e trabalhadores tendo relação com o modelo bismarckiano.
No ano de 1930 tem-se a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), seguindo como referência, de acordo com Behring e Boschetti (2016, p. 106), a “[...] cobertura de riscos ocorridos nos países desenvolvidos, [...]. Em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, e em 1932, a Carteira de Trabalho, a qual passa a ser documento de cidadania no Brasil [...].” As primeiras formas de respostas às expressões da questão social foram direcionadas somente para os trabalhadores que possuíam vínculo empregatício formal. O acesso aos benefícios nos momentos de incapacidade para o trabalho era administrado por meio da cidadania regulada, entrelaçada à lógica do seguro social. “Essa é uma das características do desenvolvimento do Estado social brasileiro: seu caráter corporativo e fragmentado, distante da perspectiva da universalização de inspiração beveridgiana.” (Behring; Boschetti, 2016, p. 106).
Em 1933 tem-se a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), administradas por meio da gestão tripartite a partir do envolvimento do Estado, trabalhadores e empregadores. Diante disto, Behring e Boschetti (2016) enfatizam o surgimento do sistema público de previdência, destinado para trabalhadores em ramos estratégicos da economia.
Em relação à Política de Educação, Kang (2017) chama a atenção para as mudanças nos diferentes regimes políticos no período de 1930 a 1964, sinalizando, inclusive, o atraso educacional como marca que caracteriza tal período devido ao viés elitista das políticas educacionais. O autor destaca que a maior parte da receita tributária ficava a cargo da União, e, portanto, as políticas educacionais e seu financiamento não priorizavam o ensino primário para as massas, sendo este de responsabilidade dos estados que discursavam encontrar-se em privação financeira. Inclusive, governos como o de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, que se voltavam para estratégias em torno da substituição das importações pela industrialização, privilegiavam o ensino superior para as elites comparado ao investimento no ensino primário. Ele ratifica ainda, que “Em várias ocasiões, as ações tomadas pelo governo federal reforçaram a desigualdade no acesso à educação básica.” (Kang, 2017, p. 46).
De uma forma geral a permanência em torno de uma orientação elitista dos gastos públicos em educação, tendo como privilégio o ensino superior, era o que direcionava as ações dos governos na política de educação. A centralização política a partir da década de 1930 propiciou a criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública (MESP), do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Consultivo do Ensino Comercial, e a realização das reformas do ensino, através do ministro Francisco Campos. Em 1934, com o ministro Gustavo Capanema, as reformas continuaram, porém, tendo como ênfase o ensino secundário e superior para a formação da elite brasileira (Kang, 2017).
O referido autor sinaliza que nos governos de Dutra e Goulart os poucos avanços em relação à relevância do ensino primário se fizeram presentes. Entre 1950 e 1960 houve uma redução na taxa de analfabetismo da população, porém não se deu por conta de investimento no ensino primário comum para crianças, mas do crescimento do ensino supletivo.
Sobre a Política Nacional de Saúde, esta emergiu no Brasil sob o regime ditatorial de Vargas em 1937 a partir da saúde pública, delimitada a campanhas sanitárias dirigidas pelo Departamento Nacional de Saúde (DNS) e, também, pela medicina previdenciária associada aos IAPs que se dava através de serviços médicos, além de assegurar benefícios e pensões a trabalhadores formais, por categoria profissional, e que estivessem organizados junto aos sindicatos fundados por Vargas, ou seja, a saúde não era um direito garantido a todo cidadão de forma efetiva (Escorel; Teixeira, 2008).
O MESP sofreu alteração passando a ser Ministério da Educação e Saúde em 1934, de forte caráter centralizador. O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) foi criado nesse mesmo período com o objetivo de desenvolver ações de medicina preventiva e curativa para a contenção emergencial de epidemias (Bussinguer; Salles, 2016). Ainda de acordo com Escorel e Teixeira (2008, p. 3), “O período ficou marcado pela separação entre saúde pública – centrada na erradicação de doenças infectocontagiosas, endemias ou epidemias – e assistência médica previdenciária, de caráter individual, destinada aos indivíduos acometidos por doenças que lhes impediam de trabalhar.”
Os referidos autores destacam que entre os períodos de 1946 e 1963 a saúde pública foi marcada pelo sanitarismo campanhista centralizador e autoritário. Os respectivos autores sinalizam que no segundo governo de Vargas surgiu o “sanitarismo desenvolvimentista”, que atribuiu uma dependência em relação ao nível de saúde da população ao grau de desenvolvimento econômico, ou seja, a prioridade pairava sobre a esfera econômica. Em 1953, o Ministério da Saúde é desvinculado da educação; na previdência social houve uma expansão dos gastos com assistência médica. No governo de Juscelino Kubitschek foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu) que se voltava para o trato de algumas doenças nas áreas rurais, e o SESP ampliava os serviços de assistência à saúde. Em 1962, no governo de Jânio Quadros, aconteceu o XV Congresso de higiene, onde foi apresentado pelo ministro Souto Maior um conceito ampliado de Saúde.
Em 1963 foi realizada uma Conferência Nacional de Saúde tendo como objetivo estudar a “[...] situação sanitária nacional e aprovar programas de saúde que, se ajustando às necessidades e possibilidades do povo brasileiro, concorram para o desenvolvimento econômico do País.” (Escorel; Teixeira, 2008, p. 4-5). Dessa conferência, sai como sugestão a constituição de uma lei municipal que possibilitasse aos municípios a criação de seus serviços de saúde. Essa estratégia reduziu “[...] o novo projeto sanitário, que pretendia ser descentralizado e sustentado em um modelo de cobertura dos serviços de saúde, começando pelo atendimento básico prestado por auxiliares da saúde e se estendendo até o nível terciário com atendimento médico‐hospitalar especializado.” (Escorel; Teixeira, 2008, p. 5).
Em relação à Política de Assistência Social, em 1938 Vargas criou o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), vinculado ao Ministério de Educação e Saúde que tinha como funções: a elaboração de inquéritos sociais, análise das subvenções e isenções das entidades sociais, e demandas dos desfavorecidos (Carvalho, 2008). “Entretanto o CNSS tampouco chegou a ser um organismo atuante, caracterizando-se mais pela manipulação de verbas e subvenções, como mecanismo de clientelismo político.” (Carvalho, 2008, p. 16).
Em 1942 houve a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA) de caráter patrimonialista, assistencialista, seletivo, clientelista, de tutela e favor, com forte relação ao primeiro-damismo, já que sua coordenação era realizada pela primeira dama, Darcy Vargas. A LBA foi a primeira instituição nacional de assistência social, tendo seu registro no Ministério da Justiça e Negócios Interiores (Carvalho, 2008). Segundo a autora,
[...] até 1988 a assistência social não era prevista constitucionalmente como um direito. As ações que lhe eram relacionadas acabavam por serem realizadas de forma assistencialista e seletiva, direcionadas aos indigentes, desvalidos, filhos de “pais miseráveis” – todos inaptos ao trabalho - ou, simplesmente, visando a reinserção no mercado de trabalho formal (aos aptos para o trabalho). O “dever de trabalhar” permanecia sendo a base para o acesso a maioria dos direitos sociais. À assistência restavam as ações residuais ligadas à saúde ou previdência social; era, assim, tratada como uma espécie de “parente pobre” no âmbito das políticas sociais. (Carvalho, 2008, p. 19).
Torna-se pertinente destacar que em 1941 o Código de Menores no Serviço de Assistência ao Menor (SAM) se consolidou fortemente relacionado a características punitivas (Behring; Boschetti, 2016).
Adentrando na particularidade dos planejamentos que foram estruturados para o desenvolvimento econômico no país, Hora (2014) sinaliza o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional entre 1939 a 1945 como marco introdutório do planejamento no Brasil, com o objetivo de realizar metas, entre elas: “[...] a criação de indústrias básicas, execução de obras públicas e o aparelhamento da Defesa Nacional, [...].” (Hora, 2014, p. 31). Inclusive, em relação à resolução das problemáticas por parte do Estado, este tinha como direcionamento o tecnicismo e o controle das forças produtivas do mercado. A autora destaca como um exemplo desse controle a
[...] criação, em 1937, do Conselho da Economia Nacional, responsável pela emissão de pareceres sobre os projetos governamentais com recomendações para as políticas públicas. Esta iniciativa oportunizou a sistematização de dados, levando o Estado a atuar sempre nos momentos de crises econômica, trabalhista e financeira. (Hora, 2014, p. 31).
Essa perspectiva, baseada no tecnicismo, possui relação com os princípios tayloristas e de Fayol que direcionavam o processo de planejamento e organização racional da produção e do trabalho para o aumento da produtividade. O Plano de Obras está entre uma das primeiras iniciativas do planejamento do governo entre 1944 a 1948. Nesse plano foram realizadas duas missões técnicas norte-americanas (Missão Taub em 1942 e a Missão Cooke em 1943) com o intuito de detectar por meio do diagnóstico os problemas e, concomitantemente, a sua solução. Estas missões visavam o crescimento do país em 10 anos.
O governo de Vargas tinha o apoio dos tenentes, da igreja católica, dos democratas e republicanos paulistas e da burguesia industrial. A partir dos argumentos de estudiosos, Santos (2012) menciona que a queda do referido governo aconteceu mais por conta da política externa que de uma instabilidade na base de apoio interna de Vargas. “A entrada na guerra ao lado dos aliados (1942) punha de manifesto uma contradição que aguçou as oposições: a incongruente posição de um país que luta internacionalmente ao lado das democracias, mas vive sob ditadura.” (Santos, 2012, p. 76). Dessa maneira, Vargas perde legitimidade, principalmente quando a alta inflação invade o cenário econômico.
Ademais, a autora destaca que em 1945 Dutra é eleito pelo voto direto e que este elemento, juntamente com a instituição da Constituição de 1946, simboliza a democratização naquele contexto. Sinaliza ainda o planejamento econômico e o controle do Executivo pelo Legislativo como pautas acirradas na Assembleia Constituinte de 1945/1946, aspectos estes que evidenciavam a disputa do controle social e político do Estado pelas classes dominantes na defesa de seus interesses.
A presença do populismo como ideologia de Estado, garantindo a transição da hegemonia da burguesia cafeeira para a burguesia industrial se revela no nível do discurso das classes dominantes em que a “questão social” continua a ocupar lugar de destaque e no desenho constitucional do país, estabelecido em 1946 (que pouco alterava a face do Estado corporativo, herdado de Getúlio). (Santos, 2012, p. 79).
No campo político, o período republicano democrático que corresponde aos anos de 1945 a 1964 é considerado como um momento “[...] de muitas sucessões presidenciais, marcado por instabilidade nas bases de apoio desses chefes políticos, que correspondiam à diversificação de interesses e forças sociais em jogo.” (Santos, 2012, p. 78).
Entre as forças políticas, ela cita os partidos criados por Getúlio, o Partido Social Democrático (PSD) de base ruralista e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de base trabalhista urbana, contrários aos partidos União Democrática Nacional (UDN), Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PCdoB), entre outros. Ainda sobre as forças políticas naquela conjuntura, podem ser elencadas: a burguesia industrial, os proprietários fundiários, uma classe média urbana que se constituía, e que inclusive se beneficiava do prestígio eleitoral por conta da escolaridade, em um processo onde os analfabetos eram excluídos do direito de votar. Além dessas forças, tem-se a partir de 1950 o retorno da organização do movimento sindical de forma autônoma e a ampliação do movimento social com as ligas camponesas, estudantes e organizações católicas de esquerda. A autora destaca ainda que simultaneamente a esses acontecimentos no país, a “Guerra Fria” acontecia no panorama internacional pressionando a correlação de forças.
Em relação aos aspectos econômicos, Santos (2012) enfatiza o aprofundamento da crise, e, portanto, o aumento da inflação e a obstrução do crescimento econômico. Alguns elementos contribuíram para a fase de crise como, por exemplo, o saldo negativo da balança comercial, os subsídios públicos para a importação de produtos e o aumento da dívida externa. Em 1951 Getúlio assumiu a presidência novamente com o apoio das bases que defendiam a industrialização e ampliação da legislação do trabalho. Em 1952 seu plano de desenvolvimento econômico priorizava os investimentos no setor das indústrias de base como solução para os problemas que barravam o crescimento econômico (Santos, 2012).
Nesse momento os sindicatos já não eram totalmente controlados por Vargas e realizavam greves e grandes mobilizações, por conta do exacerbado aumento da inflação que teve como resultado uma elevação do custo de vida articulado a uma política de arrocho salarial no governo de Dutra. João Goulart, ministro do trabalho, tentava conter as mobilizações a partir de propostas mais progressistas, porém Vargas o afastou do cargo com o intuito de prevenir o crescimento da oposição (militares e civis). Entretanto, a radicalização de Vargas no que se refere ao nacionalismo e anti-imperialismo em torno da economia, além do assassinato de um major da aeronáutica, comandado por Carlos Lacerda, resultou na formação de um movimento comandado pelos militares que visava à deposição de Vargas, o que não chegou a acontecer, pois Getúlio cometeu suicídio em 1954. Os militares não tomaram o governo naquele momento por conta das fortes manifestações populares, e Café Filho assumiu a presidência.
De acordo com Santos (2012), entre 1956 e 1961 o capitalismo se constitui de forma completa no país, desembocando na sua terceira fase, o período de industrialização pesada. Em 1955 Juscelino Kubitscheck foi eleito presidente e João Goulart vice. Seu governo teve como enfoque uma política econômica nacional-desenvolvimentista realizada sob intensa intervenção do Estado para atrair capital estrangeiro com atrativas concessões fiscais. Porém, apesar dos satisfatórios efeitos da política econômica de JK, seu governo enfrentou dificuldades em relação ao saldo da balança comercial que sinalizava um déficit entre importações e exportações e elevados custos nos investimentos para a construção de Brasília.
Em 1956 foi instituído o Plano de Metas, considerado uma continuação efetiva do planejamento governamental no país. O Plano de Metas foi implementado tendo em vista a solução para os problemas originados por conta da recessão econômica ocorrida pós Segunda Guerra Mundial nos países em desenvolvimento Lafer (1987 apud Hora, 2014,p. 32).
Esse período se configurou como efetivo na implementação do planejamento no país, traduzido por um conjunto de medidas econômicas voltadas para o desenvolvimento nacional interno, gerando um maior destaque para as instituições econômicas governamentais existentes, a exemplo do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDE), criado em 1952; da Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX), em 1953; da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), em 1945, entre outras instituições criadas ao longo da execução do Plano. Por meio do Plano de Metas, procedeu-se ao diagnóstico dos setores que mais precisavam de uma maior intervenção estatal. (Hora, 2014, p. 33).
Nas eleições de 1960, Jânio Quadros foi eleito presidente e João Goulart vice. Em seu governo não conseguiu conciliar interesses de esquerda e direita, além da difícil realidade econômica em que se encontrava o país, advinda do governo JK. Sua proposta girava em torno de uma “reforma institucional” que abarcava além do Estado, o setor agrário (no sentido de desapropriar latifúndios improdutivos, e a política trabalhista (que partia da defesa da autonomia sindical), de saúde e educação. Entretanto, Jânio renunciou por conta da inexistência de condições histórico-concretas para pôr em prática seus projetos. E dessa maneira, João Goulart assumiu o governo, porém os militares não concordavam e tentaram impedir já que visualizavam Goulart como representante dos comunistas (Santos, 2012). Ainda de acordo com a autora, os militares não chegaram a interromper tal situação por conta dos militares do sul, comandados por Brizola, que ameaçaram afundar navios na entrada de Porto Alegre em apoio a Goulart. Ainda assim, o Congresso decretou o parlamentarismo como regime de governo com o objetivo de diminuir os poderes do presidente.
Na década de 1960, o Brasil adotou o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, o qual o colocou em uma posição de crescimento interno substituindo os planos anteriores (Hora, 2014). Esse plano esteve presente no governo Goulart e suas principais preocupações eram a de “[...] materializar os anseios dos cidadãos por meio da elaboração das metas e de objetivos econômicos e sociais.” (Hora, 2014, p. 34). A autora aponta que,
Ao se traçar um comparativo entre o Plano Trienal e o Plano de Metas, pode-se constatar que o Plano Trienal se aproximou mais particularmente da realidade brasileira, devido à elaboração do diagnóstico a partir dos anseios da população. Traduziu ainda a necessidade de reformas de base (inclusive nas políticas sociais), para que o país pudesse se desenvolver. (Hora, 2014, p. 34).
O governo de Goulart foi considerado o mais progressista no Brasil, devido seu comprometimento com as “reformas de base”, apesar de consideradas por alguns autores como contraditórias, já que objetivavam efeitos econômicos, para além do embate contra as desigualdades sociais, como por exemplo: “[...] regulação das remessas de lucro para o exterior e a extensão do monopólio do petróleo.” (Santos, 2012, p. 85).
Santos (2012) destaca que em 1963 foi realizada uma consulta popular tendo como resultado a aprovação do presidencialismo. As reformas não obtiveram apoio pela maioria no Congresso, assim como o “plano trienal”. De acordo com Hora (2014) a articulação em torno de aspectos econômicos e sociais no planejamento do governo foi suprimida com a instituição do golpe militar de 1964, assumindo o protagonismo os Planos de Ação Econômica de Governo (PAEG) que materializaram naquele contexto uma nova modalidade de planejamento do país.
Nessa perspectiva, observa-se que as primeiras iniciativas de modalidades de gestão das políticas públicas sociais no Brasil têm como base os planejamentos que direcionavam o desenvolvimento econômico do país. Sendo assim, a gestão pública econômica e social desenvolvida pelo Estado inicia e segue seu percurso a partir do processo de industrialização que se institui na década de 1930, e no momento em que o Estado, pressionado pela classe trabalhadora, passa a intervir nas políticas públicas sociais como mecanismo de reprodução da força de trabalho e como controle social da massa popular com o objetivo de maximizar a rentabilidade do capital, já que sua intervenção para o capital sempre se deu de forma prioritária e permanente. Conforme destaca Hora (2014, p. 34) acerca de um dos planos que foi instituído: “[...] o Plano de Metas tinha a área social como investimento secundário.”
Até aqui se verificou que os primeiros sinais de gestão das políticas sociais no Brasil se deram a partir da utilização do planejamento como instrumento de execução das políticas sociais desenvolvidos através de planos de governos.
3 Gestão das políticas sociais no Brasil no período de 1964 a 1988
Nesta conjuntura sócio histórica, devido às sucessões presidenciais, vários interesses de diferentes setores da sociedade em jogo e o aprofundamento da crise econômica levaram à fragilização da democracia brasileira e com isso, ao Golpe Militar, cuja ditadura que se instaurou seguiria uma nova modalidade de planejamento através dos Planos de Ação Econômica de Governo. No cenário mundial, o capitalismo iniciava um período de estagnação.
De acordo com Santos (2012), as primeiras questões que o golpe põe em manifesto, são o exército se afirmando e intervindo nas disputas políticas em torno do Estado e a união dos militares contra o populismo ao assumirem o poder. Prova disso, ainda segundo a autora, foi a publicação do primeiro Ato Institucional (AI), após recusa do Congresso em criar legislações que possibilitassem cassação de mandatos e demissão de funcionários públicos. Fausto (2006) aponta que nesse período diversos grupos foram alvo da repressão militar, a exemplo dos estudantes, universidades, sindicatos e as Ligas Camponesas. Além disso, foi criado um Serviço Nacional de Informações (SNI) que tinha como principal objetivo “ ‘coletar e analisar informações pertinentes à segurança nacional, à contra - informação e à informação sobre questões de subversão interna’.” (Fausto, 2006, p. 468).
É válido apontar que no período da ditadura militar, segundo Behring e Boschetti (2011, p. 135) “[...] expandia-se também a cobertura da política social brasileira, conduzida de forma tecnocrática e conservadora, reiterando uma dinâmica singular de expansão dos direitos sociais em meio à restrição dos direitos civis e políticos, modernizando o aparato varguista.”
A adoção do PAEG no governo Castelo Branco tinha como principais objetivos, segundo Holanda (1983 apud Hora, 2014, p. 35) “[...] acelerar o ritmo de crescimento econômico; conter a inflação; atenuar os desníveis salariais – setoriais e regionais; assegurar uma política que oportunizasse a criação de empregos.” Hora (2014) ainda aponta que nesse plano há um predomínio dos aspectos econômicos sobre os sociais, desta forma o seu fracasso
em comparação aos outros planos se dá por conta da ausência de um diagnóstico mais global da economia do país, gerando uma estagnação aparente.
No âmbito político, mais duas promulgações de AI ocorreram, os AI nº 2 e o nº 3, visto que mesmo com algumas cassações ainda se manteve o quadro pluripartidário. Após tais promulgações, o quadro partidário ficou restrito a dois grupos: Aliança Renovadora Nacional (Arena), que reunia os governistas, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), considerado como oposição. Em seguida, um novo AI, o de nº4, é recriado com a finalidade de convocar novamente o Congresso, que havia sido fechado em outubro de 1966, e assim aprovar uma nova Constituição em 1967 (Santos, 2012).
Ainda em 1967, Costa e Silva toma posse, em seu governo, foi decretado o mais duro Ato Institucional, o de nº 5, que além de não ter tido uma validade pré-determinada, possibilitou que os militares adquirissem poderes para realizar os piores arbítrios contra os direitos individuais e coletivos. O AI nº 5 permaneceria vigente até 1979. Essa ação repressora se deu porque a oposição se fortaleceu e começou a se organizar. O destaque do seu governo foi o início do milagre econômico e a promoção da reforma universitária (Santos, 2012).
Na política econômica, Hora (2014) aponta que foi implantado o Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), em que o objetivo principal era desenvolver o Brasil econômica e socialmente tanto no âmbito externo, quanto interno. Lafer (1987 apud Hora, 2014, p. 36) mostra que o plano destacou ações voltadas para o fortalecimento da empresa privada; estabilização gradativa do comportamento de preços; melhoria da infraestrutura; aumento do emprego e fortalecimento do mercado interno, entre outros. Nos aspectos sociais, houve o desenvolvimento de metas voltadas para saúde, educação e habitação. Porém, apesar de alguns avanços nesta área, a que mais se sobressaiu foi a área econômica.
Escorel (2008, p. 1) aponta que “[...] a partir de 1968 foi implementada uma política de expansão de crédito favorecendo a construção civil, a indústria automobilística e outras indústrias de bens duráveis de consumo.” Ainda segundo a autora, "[...] o capital internacional encontrava no país as condições ideais para investimento: mão-de-obra abundante, salários baixos e repressão à atividade política e à organização sindical.”
Com relação às políticas sociais, Escorel (2008, p. 1) indica que “[...] as principais medidas implementadas no período, relativas às políticas sociais, foram: o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público (Pasep).” Além disso, houve a unificação dos IAPs através do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS).
Com a criação do INPS, diversas medidas foram adotadas e, em sua maioria, prejudicavam os trabalhadores que necessitavam dos serviços prestados. Prova disso, segundo Escorel (2008, p. 2) foi que “O INPS passou a ser o grande comprador de serviços de saúde, estimulando um padrão de organização da prática médica orientada pelo lucro.” No Plano Nacional de Saúde em 1968 a proposta era a de vender os hospitais à iniciativa privada deixando para o Estado e os pacientes, o papel de financiar os serviços privados (Escorel, 2008).
Permanecendo por pouco tempo no governo, devido a problemas de saúde, Costa e Silva se afasta da presidência e quem assume é Médici, entre os anos de 1969 e 1974, dando continuidade à mesma repressão do seu antecessor. Além disso, manteve o milagre econômico até 1973, responsável pela aura de legitimidade adquirida pelo regime perante a classe média e a burguesia industrial (Santos, 2012).
Enquanto o Brasil, em um contexto de regime militar, tentava se recuperar economicamente; os países de capitalismo central passavam por um momento de reação da burguesia para enfrentar a crise do capital que surgiu no final dos anos 1960 e início dos 1970 (Behring; Boschetti, 2011). Nos países centrais, essa situação contribuiu para a ofensiva capitalista, entrando no plano econômico a reestruturação produtiva e financeirização, acompanhadas no plano político, da reconfiguração do Estado, com a entrada do neoliberalismo, o que rebateu no destino das políticas sociais. Assim, para Behring e Boschetti (2011, p. 115 - 116) “[...] a entrada em um período de estagnação, a partir do início dos anos 1970, e que colocavam uma nova condição para a implementação de políticas sociais.” O caso do Brasil, tal ofensiva, com as devidas particularidades, só vai ocorrer a partir de 1990, em função do processo de redemocratização, que criou um contexto adverso à entrada imediata do neoliberalismo (Behring; 2003).
Nos anos de 1971 a 1978, foram criados Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). O I PND, que compreendeu o governo Médici, tinha como principais objetivos, conforme Hora (2014, p. 37), “[...] elevar o Brasil da categoria de nação subdesenvolvida para a de uma nação desenvolvida; melhorar a renda per capita do país, e aumentar o PIB nacional de 8% para 10%.” Ainda segundo a autora, o plano detinha o planejamento como instrumento de racionalidade e eficiência, possibilitando o desenvolvimento de setores produtivos.
Em 1974 assumiu a presidência Ernesto Geisel, momento em que o milagre econômico entrava em decadência e, somado a isso, também ocorreu uma rearticulação da oposição, que agora contava com a classe média. O enfrentamento da crise do milagre se deu de forma a investir nos setores públicos que pudessem substituir itens de importação e tornasse a economia menos dependente de tais fatores. Nesse mesmo período, somado ao declínio do milagre econômico se deu também a organização de diversos setores da sociedade que estavam descontentes com as medidas adotadas pelo governo Geisel (Santos, 2012). É no governo Geisel, em 1978, que o AI nº 5 tem seu fim decretado. É ainda neste governo que se inicia o período de distensão lenta e gradual do regime militar, porém ao mesmo tempo permanecia a repressão por parte do setor militar que não apoiava a abertura do regime (Escorel, 2008).
A adoção do II PND, que vai de 1975 a 1978, pretendia, segundo Hora (2014, p. 38), “[...] colocar o Brasil no contexto internacional como uma potência emergente e articular o desenvolvimento econômico e financeiro do país com a economia internacional, sobretudo destacando as questões de energia e petróleo.” Necessário apontar que o capitalismo industrial se consolidava, porém, a matriz econômica permanecia a mesma dos governos anteriores. O planejamento adotado neste plano correspondeu a uma perspectiva de planejamento governamental voltado para dentro dos ministérios, seria a chamada tecnocracia estatal. Nesse momento teve início uma estrutura de gestão pública voltada para o conhecimento técnico-científico, com a presença de técnicos em diversas áreas compondo os auxiliares do executivo nos Ministérios (Hora, 2014).
Ainda em relação ao II PND, Escorel (2008, p. 04) aponta que este plano “Estabelecia como prioridades no campo social a educação, particularmente na pós-graduação, e na saúde, principalmente a assistência médica da previdência social.” E esse plano ainda serviu para aumentar os recursos direcionados para essas áreas, desenvolvendo projetos, pesquisas, elaboração dos serviços de saúde e de desenvolvimento dos recursos humanos, estimulando o crescimento do movimento sanitário (Escorel, 2008).
Os principais campos institucionais desse período foram o Ministério da Saúde (MS), responsável por medidas de interesse coletivo e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) com atuação voltada para o atendimento médico-assistencial individualizado. Em 1975, o MPAS teve o seu orçamento aumentado, o que favoreceu a formação de aliança com o setor privado. Já em 1977, criou-se o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), que se constituía de três institutos: Instituto Nacional de Assistência Médica (Inamps), Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e Instituto Nacional de Administração da Previdência Social (IAPAS); duas fundações: Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Fundação Nacional para o Bem-Estar do Menor (Funabem); uma empresa: Empresa de Processamento de dados da Previdência Social (Dataprev); e uma autarquia: Central de Medicamentos (CEME) (Escorel, 2008).
Assumindo a presidência em seguida, dos anos 1979 a 1985, João Figueiredo deu continuidade ao que ficou pendente no governo Geisel. Ou seja, teve de lidar com o declínio do milagre econômico e a organização de setores da sociedade que resistiam à ditadura militar. É durante o governo de Figueiredo que foi dado início à transição democrática, que segundo Santos (2012, p. 90), “[...] seria conduzida, novamente, como em 1945, com o mínimo de rupturas em relação às forças políticas dominantes.” Logo no início do seu mandato em “[...] 1979 marca o ano da ‘anistia’ aos exilados e completa o ciclo de liberalização do regime.” (Santos, 2012, p. 90-91).
Referente às políticas sociais nesse momento, o movimento sanitário continuava se ampliando e se organizando juntamente com outros movimentos que apoiavam a democratização do país. Em 1980 é realizada a 7ª Conferência Nacional de Saúde que tinha como tema central a “Extensão das ações de saúde através dos serviços básicos”. Ainda nesse período a previdência passa por uma crise e o governo lança em 1981 o pacote da previdência, que tinha como uma de suas medidas a criação do Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária (Conasp) no intuito de contê-la (Escorel, 2008).
Com a promulgação de uma nova lei dos partidos no Congresso, que tinha como objetivo fragmentar a oposição surge um novo quadro pluripartidário, com a criação do Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Popular (PP) e o Partido Democrático Social (PDS). Nesse quadro, o movimento sindical também se beneficia e divide-se em duas centrais sindicais: Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). A movimentação política no país nesse período influenciou nas campanhas por eleições diretas, tanto para os estados quanto para o Executivo Federal. A campanha para a eleição direta para o Executivo Federal, conhecida por Diretas Já, ganhou adesão das massas, tanto que em 1984 existiu uma pressão para que as eleições pelo colégio eleitoral fossem substituídas pelas eleições diretas, mas sem sucesso, a eleição de 1985 ainda ocorreu de forma indireta tendo como vencedor Tancredo Neves, do partido da oposição, porém antes de assumir a presidência, faleceu e quem assumiu foi seu vice, José Sarney (Santos, 2012).
Nesse período, segundo Escorel (2008) houve nomeação de representante do movimento sanitário para ocupar cargo no MS, além da realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, que trazia em seus debates acerca da participação social, direito de cidadania e a unificação do sistema de saúde, que mais tarde resultaria no Sistema Único de Saúde (SUS).
O diferencial do planejamento na década de 1970 se deu por conta da presença da adoção da tecnocracia estatal, que tinha o objetivo, através de um balanço crítico das estratégias de governo, de conciliar as razões econômicas aos interesses políticos. A adoção do I e II PND levaram ao crescimento dos recursos financeiros e orçamentários nacionais (Hora, 2014).
Já nos anos 1980, no governo de João Figueiredo, o desenvolvimento econômico não foi um dos melhores, somado a isso ocorreu uma insatisfação por parte da sociedade em relação ao regime adotado, que repercutiu em diversas manifestações. Ademais, houve a centralidade do desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social (Hora, 2014).
Com a redemocratização, no governo de José Sarney, de 1985 a 1989, o planejamento foi marcado pela acentuação da crise nas relações entre a política econômica e o planejamento, com sucessivas trocas de ministros das pastas. O principal objetivo dos planos que vieram a ser adotados nesse período era o controle da inflação (Hora, 2014).
Um desses planos foi o Plano Cruzado, lançado em 1986, e que tinha como principal objetivo conter a inflação. Inicialmente teve êxito, porém no seu andamento apresentou falhas. Em seguida, na tentativa de recuperação foi adotado o Plano Cruzado II, entretanto segundo Hora (2014, p. 41), “O plano fracassou, tendo em vista que a inflação voltou com os preços ainda mais elevados.”
Ademais, em 1987 houve o lançamento do Plano Bresser, que tinha o mesmo objetivo do anterior, conter a inflação, porém novamente sem êxito. E por último o Plano Verão, que assim como os anteriores não obteve sucesso com relação ao controle da crise financeira. A justificativa dada pelo governo foi a de que a preocupação se voltou para as dimensões sociais ao invés dos aspectos econômicos (Hora, 2014). Não obstante o que se viu foi o aumento dos problemas tanto de uma área, quanto a de outra.
O período ditatorial foi marcado por diversas mudanças. No âmbito econômico, recorreu-se ao uso do planejamento como instrumento de gestão na intenção de recuperar o desenvolvimento econômico e conter a inflação, com a adoção de planos que foram destacados anteriormente e no período do “milagre econômico” que, de fato, beneficiaram a concentração de capital aliada à exclusão social. As políticas sociais “[...] objetivaram legitimar o sistema autoritário daquele período, com características fragmentárias e emergenciais, de caráter assistencialista e clientelista.” (Bavaresco; Martins, 2019, p. 6). Somado a isso podemos destacar as manifestações por parte de diversos setores da sociedade, em prol da redemocratização do país.
Temos ainda a implementação de diferentes estratégias para as políticas sociais durante este período. Entre elas, podemos citar a estratégia conservadora adotada de 1964 a 1985 e Fagnani (1997, p. 204) assinala que “[...] foi nesse período que as políticas sociais se apresentaram de maneira mais antagônica aos interesses dos segmentos subalternos da sociedade”, apesar do crescimento nas taxas de índice econômico, o que nos permite apreender diante da breve exposição abordada até aqui que a gestão das políticas públicas era caracterizada de acordo com Rocha (2009) pela centralização decisória e financeira na esfera federal, restando aos outros entes federados (Estado, Distrito Federal e Municípios) apenas a competência para execução de políticas específicas formuladas pela esfera federal, o que propiciava uma maior efetividade de práticas clientelistas entre as esferas administrativas, gestão e execução de políticas fragmentadas e desarticuladas institucionalmente.
O decorrer dos anos 1980 foi relevante no sentido de recuperar o Estado democrático de direito e o papel do movimento operário e popular no âmbito político do país (Behring; Boschetti, 2011). A presença desses grupos possibilitou impactos na agenda política e avanços importantes em direção ao reconhecimento e garantias de direitos, sendo a Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, um marco nesse sentido.
Apreende-se, a partir deste breve apanhado teórico que a lógica em torno do controle e da gerência do processo produtivo adentra da mesma forma em todos os âmbitos da vida social, o que possibilita identificar o motivo pelo qual o planejamento e a formatação de gestão da economia tornam-se modelo a ser seguido ou adotado em outros patamares da vida social, como, por exemplo, na gestão das políticas públicas, no momento em que estas vão ganhando forma, configurando-se e modernizando-se de acordo com o projeto econômico. Mesmo como resultado da luta da classe trabalhadora, a gestão das políticas sociais a partir dos planejamentos segue funcional ao capital, tendo como direcionamento e base o planejamento e organização da economia no processo de reprodução da força de trabalho, considerando as particularidades da formação social e histórica do país.
A gestão dos serviços públicos na sociedade burguesa é determinada a partir da dinâmica de acumulação e valorização de valor proveniente do modo de se produzir ampliado no capitalismo, e da forma como as relações sociais de produção se estruturam e se reproduzem para a criação, apropriação, ampliação e valorização de valor. Sendo assim, essa lógica invade toda a vida social, condicionando de forma estrutural e antagônica as relações sociais, e nesse caso, as políticas sociais e sua gestão que serão implementadas pelo Estado e empresariado como respostas à luta da classe trabalhadora às suas necessidades sociais. Compreende-se que apesar da relevância desses serviços para os trabalhadores, ainda que nessa ordem, as políticas sociais são funcionais à lógica vigente, independentemente de sua formatação e, dessa mesma maneira, a gestão dessas políticas está imersa nessa dialética.
A apreensão em relação à questão social e às legislações que foram regulamentadas pelo Estado até 1945 para o seu enfrentamento é considerada como um marco no que diz respeito ao reconhecimento do Estado enquanto legislador sobre a questão social como um problema de administração pública. Contudo, mesmo fundamentando-se na lógica do seguro, possibilita captar as prematuras formas de planejamento ou gestão que vão se estruturando para atender os anseios de um projeto econômico, mas também de parte da classe trabalhadora que reivindica melhores condições de vida.
Percebeu-se ainda que as primeiras modalidades de gestão das políticas sociais têm como fundamento os planejamentos que direcionavam o desenvolvimento econômico no país e a organização da base técnica de produção, ou seja, a gestão desenvolvida pelo Estado acontece, concomitantemente, ao processo de industrialização a partir da década de 1930, impulsionada pelas lutas políticas da classe trabalhadora ao colocar para a sociedade, Estado e empresariado, a questão social.
Observou-se que a partir da dinâmica antagônica das relações sociais de produção na sociedade burguesa, a configuração das políticas sociais e, portanto, da sua gestão é determinada de acordo com o movimento econômico, político e social dos diversos contextos, possibilitando a apreensão de que até a década de 1980 a gestão das políticas sociais era estabelecida de forma centralizada e burocrática, tendo como consequência o desenvolvimento de uma gestão verticalizada, antidemocrática e engessada em uma perspectiva de práticas assistencialistas, clientelistas e de troca de favor no que diz respeito às etapas que envolvem a decisão, elaboração e execução das políticas sociais.
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