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A Construção Da Cidadania Na Perspectiva Escolar

Julia Schneider

  Exercer o direito à cidadania, sem conhecer minimamente sua abrangência, sua dimensão, sua real importância, seu papel no futuro de uma nação, é quase uma tarefa impossível. Um dos caminhos que pode despertar a sociedade, indicando a importância de cada cidadão na construção do futuro de uma nação, é a partir da educação, mediante a adoção de uma política municipal, que vise ensinar a importância da Constituição e a prática da cidadania nas escolas. Para que isso seja possível, precisamos compreender o que de fato é cidadania, seu conceito e sua aplicação. Dessa forma, através de análise bibliográfica, busca-se estabelecer um projeto de ensino para o exercício da cidadania para professores, na forma de educação continuada, para que estes estejam aptos a trabalhar esta temática nas suas turmas, como tema transversal.

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Como citar este trabalho

SCHNEIDER, Julia. A construção da cidadania na perspectiva escolar. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/585-a-constru%C3%A7%C3%A3o-da-cidadania-na-perspectiva-escolar. Acesso em: 16 out. 2025.

A construção da cidadania na perspectiva escolar

A cidadania tem sua origem na cidade ou pólis grega, que era composta de homens livres, com a participação política contínua numa democracia direta, em que o conjunto de suas vidas, dentro da coletividade, era debatido em função de seus direitos e deveres. Está ligada ao surgimento da vida na cidade, na capacidade de os homens exercerem direitos e deveres de cidadão (COVRE, 1999). A cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico e seu sentido varia no tempo e espaço. Instaura-se a partir de processos de lutas que ocorreram ao longo das décadas (PINSKY; PINSKY, 2008).  Dias e Cordeiro (2001, p. 50) expõem que a cidadania é um fenômeno histórico, e dessa forma suas raízes se encontram na própria história e não em princípios ou ideais generalistas que pouca utilidade para o exercício da cidadania.

Minha escrita, deriva da minha monografia em Direito Constitucional nas escolas como garantia ao exercício da cidadania, pois penso que esse assunto ainda precisa ser muito debatido, para que possamos educar não somente para adquirir conhecimento sobre as disciplinas ofertadas em sala de aula, mas também, que se eduque para a vida em sociedade, com cidadãos críticos, cientes de seus direitos e deveres.

Nesse sentido, Teixeira, (1956) descreve que: “A escola tem assim de se fazer uma escola de vida, em que as matérias sejam as experiências e atividades da própria vida, conduzidas com o propósito de extrair delas todas as consequências educativas, por meio da reflexão e da formulação do que, assim, for aprendido. Nessa nova comunidade, que a própria escola já é, não se levam em conta as diferenças sociais, mas se atende, na medida do possível, a todas as diferenças individuais ou da história de cada um (...), visando o estabelecimento de uma verdadeira fraternidade humana.”

Ademais, a herança histórica interfere diretamente na inércia social e escolar, acompanhada pelo sentimento de impotência causada pela alienação política, que propiciou o não reconhecimento dos assuntos coletivos ou públicos, como responsabilidade de cada indivíduo em sociedade. É necessário rever outro ponto no equacionamento da relação entre educação, cidadania e democracia, que compõem a ilusão pedagógica: o peso dado ao saber e à educação no destino dos indivíduos e das classes sociais. Para o pensamento educacional, político, participação, democracia e cidadania foram sempre vinculadas muito mais à consciência, ao saber, à ignorância, à religiosidade e aos valores culturais do que as condições materiais de existência, às formas de produzir a existência material, às relações sociais de produção, como se fossem realidades separadas. Acredita-se mais no peso da religião, da ideologia, ou das letras sobre o comportamento humano em geral e sobre o comportamento político particular, do que no peso da base material, das condições de existência que são submetidas as pessoas e as classes.

 Quando pensamos em alterar o comportamento político, logo pensamos em agir sobre os valores, a visão do mundo, a instrução, deixando intocadas as condições materiais de existência a que estão submetidas as classes trabalhadoras. Entretanto, o sistema capitalista põe aí, nas condições materiais e nas relações de produção, e nas estruturas de poder, os mecanismos de exclusão e alienação, o mesmo campo em que a própria classe operária põe suas lutas pela sua emancipação humana, política e social (ARROYO, 2007, p. 73). Severino (2000, p. 35) argumenta que a educação só se compreende e se legitima enquanto for uma das formas de mediação, nas mediações da vida humana, se for efetivo investimento em busca das condições do trabalho, da sociabilidade e da cultura simbólica. Portanto, só se legitima através da mediação para a construção da cidadania. Tem-se de um lado o sujeito pessoal, nessa busca pela construção da cidadania, junto aos sujeitos sociais, que estão em busca da democracia. Podemos dizer que a cidadania é o conjunto de direitos e deveres exercidos por um indivíduo que vive em sociedade, no que se refere ao seu poder e grau de intervenção no usufruto de seus espaços e na sua posição em poder nele intervir e transformá-lo (PENA, 2023).

Para Charlot, 2023, a cidadania tem um valor crítico, haja vista, que destaca a igualdade de direitos e deveres, o interesse geral, a preeminência da lei. Mas é preciso levar a sério esse conceito, quando se quiser educar os alunos à cidadania. Isto requer a existência de uma comunidade escolar regida pela lei, e não pela vontade do mais forte ou pela arbitrariedade. Ainda traz, que a escola democrática não se assenta em sentimentos, ela deve ser a escola onde o professor ensina e educa todos os alunos, incluindo aqueles de quais não gosta e os que não gostam dele.

Pensando nos apontamentos deixado por Paulo Freire, Gadotti, (2020) destaca entre eles a luta por uma escola pública popular, transformadora, uma escola democrática, emancipadora. Celebrar Paulo Freire é lutar para democratizar a escola e educar para e pela cidadania. Temos certeza de que direitos são uma conquista e não uma doação. Por isso, não se trata apenas de celebrar a escola democrática, mas de lutar por uma escola que forme o povo soberano - acreditando que o povo pode mudar o rumo da história.

Freire, 1967 estabelece que os homens do povo que tomaram parte nos círculos de cultura fazem-se cidadãos politicamente ativos ou, pelo menos, politicamente disponíveis para a participação democrática. Esta atualização política da cidadania social e econômica real destes homens excluídos pelas elites tradicionais contém implicações de amplo alcance. E as elites foram as primeiras a percebê-las.

A cidadania é importante para o funcionamento do Estado, uma vez que envolve a consciência sobre o direito de ir e vir; de zelar pelo espaço em que se vive; de exercer o voto e de ter acesso à educação, por exemplo. Dentro deste espaço é interessante apresentar temas variados, como simulação de eleições, grupos de discussão sobre alguns assuntos importantes que estão descritos no texto constitucional, promover o entendimento dos três poderes e qual a importância e competência de cada um, além de criar projetos de solidariedade. A educação para a cidadania é aquela onde as crianças e os adolescentes são estimuladas a cumprir seu papel social, mas também a se movimentarem para transformar positivamente a sociedade. É uma educação pautada em valores humanitários, no diálogo, na coletividade e na criticidade. O conceito de cidadania traduz, ao mesmo tempo, a concepção de direito e de exercício desse direito. Sem este, o outro é mero discurso (PICONEZ, 2002, p. 15).

Geaquinto,(2022) contribuí expondo que, de forma clara, concreta e objetiva, a cidadania não é seu enunciado, mas seu exercício. Ela emana da sua prática, do compromisso consciente do indivíduo ao atuar, ao assumir o papel de agente da transformação histórica e ocupar o seu espaço de forma objetiva dentro do universo político, econômico, cultural e social. A cidadania qualifica o cidadão, e só se torna transparente e concreta através da ação. O indivíduo parado é só indivíduo e não sujeito instituído de cidadania. Além disso, a cidadania pode ser vista como uma via de mão dupla: traz consigo o querer, o desejo, a reivindicação da concretização de um direito, e, por outro lado, enseja uma contrapartida, uma responsabilidade. Concretamente, isso significa que a cada “gozo de direito” corresponde uma nova ação do sujeito da cidadania, aquela que preserva o direito.

 Sendo assim, a ação de cidadania “não se aliena nem se submete”, ao contrário, a dinâmica do seu exercício é que dá o tom da emancipação do cidadão. A cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente (COVRE, 1999). Assim, exercer a cidadania significa viver em constante luta por melhorias na qualidade de vida ‒ individuais e coletivas ‒, em busca de liberdade, dignidade e igualdade. Autores, como Rousseau, Montesquieu, Diderot e Voltaire, já defendiam essa ideia de cidadania, onde existiria um governo democrático e ampla participação popular, findando os privilégios de classe e inaugurando os ideais de liberdade e igualdade como direitos fundamentais dos homens (MANZINI-COVRE, 2010).

É por meio do exercício da cidadania, assumindo o papel de cidadãos, que se dará a ampliação dos direitos mediante políticas sociais. As ações coletivas, nesse sentido, são mais eficazes do que as individuais, e o que é conquistado por meio do coletivo fortalece a cidadania de todos (LOPES FILHO et al., 2018). Somado a isso é possível afirmar que, a partir do momento em que os indivíduos se reconhecem como cidadãos pertencentes a um grupo social e ansiando pela sua condição de cidadania passarão a enfrentar, sobretudo em coletivo, a forma de organização e produção da sociedade, sendo que os padrões de proteção social e as políticas sociais são as respostas para esses enfrentamentos. A cidadania pode ser definida como um conjunto de práticas, um conjunto de modos de agir, que ligam os indivíduos e grupos sociais ‒ as cidadãs e os cidadãos com um todo ‒ ao sentido geral da sua vida em sociedade. A cidadania expressa a inserção e a participação do sujeito na vida social em que ele existe (GOMES, 2016, p. 46). Campos (2012) enxerga a cidadania como dinâmica, pois ela incorpora transformações que afetam o modo de viver da sociedade. Além disso, cada vez mais os indivíduos tornam-se sujeitos detentores de direitos. Elabora também uma síntese dos direitos de cidadania, que cabem a todos os membros de qualquer grupo social.

Para Mazzuoli (2001) a Carta Magna de 1988 traduz como cidadão aquele indivíduo a quem ela confere direitos e garantias ‒ individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais ‒ e lhe dá o poder de seu efetivo exercício, além de meios processuais eficientes contra a violação de seu gozo ou fruição por parte do Poder Público. Marcon (2022) salienta que é através da Constituição que os homens assumem a responsabilidade de obedecer ao mesmo conjunto de normas e deles se utilizam para sua defesa. Nunca é demais lembrar a importância capital da Constituição, sem a qual a sociedade se degrada novamente para os desmandos autoritários e a tirania.

A Constituição Federal abrange o direito à educação nos arts. 205 a 214. A partir desse contexto, analisaremos como estes artigos estão sendo utilizados para que a garantia da educação esteja sendo aplicada. A Organização das Nações Unidas (ONU) define a educação como um direito fundamental e essencial para o exercício de todos os direitos. Porém, apesar dos esforços da organização e de muitos governos, ainda há elevado número de analfabetos pelo mundo. Em 2018, o número de analfabetos no mundo era de 750 milhões de pessoas, conforme a própria organização. Pessoas que não aprenderam nem o mínimo necessário para uma educação digna (CASTILHO, 2016, p. 26). Já para a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a população brasileira é étnica, cultural e socioeconomicamente diversa e é marcada por profundas desigualdades, que costumam ser interseccionais. Os grupos vulneráveis incluem minorias raciais e sexuais, populações indígenas, pessoas que vivem em favelas, populações ribeirinhas e outras.

Dessa forma, esses grupos acabam sendo os mais afetados pela falta de escolaridade no Brasil (Todos Pela Educação). Além do mais, os governos estaduais e municipais são responsáveis por suas respectivas redes de ensino. Essas responsabilidades são exercidas por meio de Secretarias e Conselhos Estaduais de Educação (SEEs e CEEs, respectivamente) e Secretarias e Conselhos Municipais de Educação (SMEs e CMEs, respectivamente). De acordo com Castilho (2016) a base conceitual da escola que o Brasil contemporâneo deseja, está construída sobre cinco pilares: a) ampliar todos os espaços educativos, com a escola em tempo integral; b) compreender que está no centro de um processo de mudança paradigmática na educação escolar; c) compreender que precisa interagir com a família, a comunidade e a cidade, que como ela são componentes do processo educativo; d) participar das políticas públicas em todas as áreas, a fim de potencializar a oferta de atendimento que contribua para a humanização e a qualidade de vida; e) trazer para o currículo os saberes familiares.

Mesmo após a Constituição Federal em 1988, os governos ainda interferem no currículo, em geral aprisionando a escola, na função de mera transmissora de conhecimentos e informações. Desenvolver novidades pedagógicas como música, teatro e artes costuma ser desautorizado ou, no mínimo, desprestigiado. No entanto, algumas instituições privadas conseguem implantar currículos adequados à sua região geográfica (CASTILHO, 2016, p. 33).

A educação é um direito fundamental e um bem coletivo. Deve servir para o desenvolvimento integral da pessoa. E deve ser tarefa para a vida toda num aprendizado permanente. Já a qualidade da educação se tornou um conceito dinâmico, que deve, constantemente, se adaptar a um mundo em que as próprias sociedades estão sujeitas a profundas transformações sociais e econômicas. É fundamental incentivar o pensamento prospectivo, a antecipação e a proatividade (CASTILHO, 2016).

 Freire (2001) introduz que não há a possibilidade de existir uma prática educacional neutra, descomprometida, apolítica, e ainda enumera questões políticas que a escola deve enfrentar: a. deixar claro aos educandos que há outros sonhos contra os quais, por várias razões a ser explicadas, os educadores ou as educadoras podem até lutar; b. que os educandos têm o direito de ter seus sonhos, também, não importa se diferentes ou opostos aos de seus educadores. Morin (2001) recomenda que seja alterada a tradição educacional. Considera que devemos valorizar o erro, enquanto instrumento de aprendizagem. Não se conhece nada sem sofrer equívocos ou ilusões.

 Além do mais, o conhecimento deve ser intertextual, para que se perceba o conjunto e não apenas uma fração dele. O aluno deve ser orientado a entender a complexidade das pessoas e da sociedade. Devemos também compreender sobre a natureza do ser humano em todas as suas dimensões. Além disso, o aluno precisa conhecer o lugar onde vive, suas necessidades de sustentabilidade, bem como os reflexos desse meio nos problemas sociais e econômicos. Saber também o que e como enfrentar as surpresas da vida, porque nada está planejado completamente. Um ano de estiagem pode mudar totalmente o universo em que o homem habita, e todas as suas atitudes deverão ser repensadas.

Contudo, é preciso saber como é essencial que o homem viva em comunidade, interagindo em todas as situações e, por fim, lembrar da ética: e não fazer aos outros aquilo que não desejamos a nós. Campos (2012) parte do pressuposto de que o primeiro passo para um educador, no sentido de dirigir o trabalho pedagógico para a formação da cidadania dos alunos, é vivenciar ele mesmo sua própria cidadania. Afinal, ninguém ensina o que desconhece. Complementa ainda, expondo que, se a realidade cotidiana dá mostras de que muitos direitos de cidadania ‒ reconhecidos e assegurados na Carta Constitucional e na legislação ‒, ainda não passam de mera expectativa, fica, no mínimo, a certeza de que conhecer os próprios direitos é indispensável na busca de meios para torná-los realidade.

Após minha pesquisa de revisão bibliográfica, sabemos que o município de Feliz/RS pode legislar e alterar o currículo nacional, adequando-o à realidade local e à cultura de seu povo. Dessa forma, analisando o Documento Orientador Municipal da cidade de Feliz/RS, pode-se ressaltar que o documento está pautado à luz do Referencial Curricular gaúcho, além de habilidades acrescidas das contribuições dos profissionais da educação do município. O documento contém 736 páginas e trata da Educação Infantil até o Ensino Fundamental. Nesse texto, a palavra cidadania aparece 41 vezes e está inserida nos parâmetros estabelecidos na BNCC, como tratar a respeito do ensino da educação para o trânsito; a cultura afro-brasileira, africana e indígena; a educação financeira. Além de disponibilizar assuntos que serão debatidos em cada disciplina, como, por exemplo em História, no tema “Povos e culturas: meu lugar no mundo e meu grupo social”. Ou, então, em “Modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946”. Mediante documento disponibilizado pelo município, é possível perceber o quanto ainda está defasado o estudo da cidadania nas escolas, sejam elas municipais, estaduais ou federais. Dessa forma, pensa-se em um projeto de ensino visando inserir o estudo e ensino da cidadania nas escolas municipais de Feliz/RS.

Para que a construção do projeto de ensino de direito constitucional nas escolas municipais aconteça é preciso pensar de que forma isso pode ser feito. Nesse sentido, realizar projetos escolares inovadores estimula os alunos a saírem da rotina e enxergarem as possibilidades de resolver os problemas reais à sua volta. Essa é, sem dúvida, uma habilidade que influencia e ajuda em diversas situações da vida. O exercício de olhar em volta e conseguir identificar problemas, que podem ser resolvidos com soluções simples, é essencial para qualquer área de atuação profissional (NAVE A VELA, 2022).

Para Hernández (1998, p. 61), o trabalho com projetos aproxima-se da identidade dos alunos e favorece a construção da subjetividade, longe de um prisma paternalista, gerencial ou psicologista, o que implica considerar que a função da escola não é apenas ensinar conteúdos nem vincular a instrução com a aprendizagem.

Revisar a organização do currículo por disciplinas e a maneira de situá-lo no tempo e no espaço escolares, o que torna necessária a proposta de um currículo que não seja uma representação do conhecimento fragmentada, distanciada dos problemas que os alunos vivem e necessitam responder em suas vidas, mas, sim, solução de continuidade. Levar em conta o que acontece fora da escola, nas transformações sociais e nos saberes, a enorme produção de informação que caracteriza a sociedade atual, e aprender a dialogar de uma maneira crítica com todos esses fenômenos.

O trabalho com projetos pedagógicos associa-se ao desenvolvimento do conhecimento globalizado e relacional, ou seja, na articulação dos conhecimentos escolares nas atividades de ensino, não de forma rígida e fragmentada, mas pensando na interdisciplinaridade (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998). Os projetos de trabalho devem ser compreendidos como forma de os estudantes perceberem que o conhecimento não pertence, exclusivamente, a uma ou outra disciplina. O principal objetivo da articulação dos conhecimentos incide no rompimento da fragmentação disciplinar, na aplicação na prática e na percepção da articulação dos saberes escolares com os demais saberes que fazem parte do cotidiano.

Para Da Bes (2020), a diversidade da produção humana no Planeta impossibilita o ensino de todos os conhecimentos e culturas já produzidos. Por isso, é necessário fazer uma seleção, e os critérios para que essa seleção seja feita e a maneira como ela é historicamente apresentada aos alunos tendem a privilegiar uma cultura sobre outras, assim como suas crenças, seus valores e suas maneiras de viver. Portanto, o currículo não é neutro, mas, sim, uma maneira de articular o poder socioeconômico para a formação das novas gerações.

Os principais teóricos da educação defendem que as práticas educacionais devem acontecer a partir da educação infantil, tornando a aula como contexto de desenvolvimento do estudante, ao oferecer uma aprendizagem significativa, ou seja, em que o aluno se sinta reconhecido e interessado pelo conteúdo que está sendo oferecido, e podendo estabelecer relações com outros assuntos que já conhece (ALIAS, 2016).

Além disso, chama-se a atenção para a necessidade de participação ativa da família como aliada ao processo inclusivo. Aliás, o contexto familiar do estudante pode influenciar diretamente seu grau de aprendizado dos conteúdos, bem como sua inclusão ao todo escolar e social; por isso, é importante que os educadores conheçam e tenham acesso aos familiares dos alunos (ALIAS, 2016).

Trabalhar um projeto educacional na formação dos professores sobre cidadania é promover a educação continuada, conforme estabelece a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em seu art. 62, § 1º. A Resolução CNE/CP n. 1, de 2020, explana que a formação continuada de professores da educação básica é entendida como componente essencial da sua profissionalização, na condição de agentes formativos de conhecimentos e culturas, bem como orientadores de seus educandos ao caminho da aprendizagem, para a constituição de competências, visando o complexo desempenho da sua prática social e da qualificação para o trabalho; ainda leva em consideração o respeito aos fundamentos e objetivos dispostos na Constituição Federal (arts. 1º e 3º) em sua atuação profissional, honrando os princípios de soberania nacional, cidadania e dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político, de forma a contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, promovendo o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo desigualdades sociais e regionais, para promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 2022).

 Consonante a isso, ainda estabelece que deve-se promover o desenvolvimento pessoal e profissional integral dos docentes e das equipes pedagógicas, por meio da capacidade de autoconhecimento, da aquisição de cultura geral ampla e plural, da manutenção da saúde física e mental, visando a constituição e integração de conhecimentos, experiências relevantes e pertinentes, competências, habilidades, valores e formas de conduta que respeitam e valorizem a diversidade, os direitos humanos, a democracia e a pluralidade de ideias e de concepções pedagógicas.

Magalhães e Azevedo (2015) estabelecem que a educação com qualidade, em perspectiva emancipatória, com vistas a formar professores e alunos como sujeitos investidos de autonomia, está comprometida. E é nesse sentido que resgatamos o conceito de autonomia em Freire (1996), como princípio pedagógico para uma educação libertadora. Educação esta que propicie as necessárias condições aos professores e educandos no desenvolvimento de sua subjetividade, de representações de mundo, de construção e defesa de argumentos, a partir de sua visão de mundo.

Partindo da premissa de que o professor só ensina aquilo que ele conhece, e de que é necessário estar atento ao desenvolvimento pessoal e profissional deste indivíduo, foi pensado um projeto que pudesse ser aplicado a todos os professores da rede municipal, independentemente da área de conhecimento ou análise de idade dos alunos. Um projeto que permitisse a cada professor criar seu próprio material, seu plano pedagógico da disciplina em que está inserido.

Por exemplo, o professor de Matemática pode trabalhar sobre o sistema eleitoral, na contagem e apuração de votos, no sistema de votação dos projetos de lei, em como funciona o cálculo de votos por legenda ou, ainda, o professor de História pode compartilhar sobre os acontecimentos que sucederam a implementação de uma nova Constituição Federal. Criar um projeto na forma da transversalidade é pensar em um conteúdo que seja abordado de forma natural, nos fatos cotidianos, debatidos quando estão acontecendo, permitindo uma vivência mais contextualizada e mais objetiva. O intuito é promover o projeto para pequenos grupos de professores, em módulos, para que estes tenham a oportunidade de ampliar seus conhecimentos em relação ao exercício da cidadania, e que, posteriormente, possam compartilhar essa experiência com seus alunos, estabelecendo quais os assuntos que podem ser abordados em cada faixa etária, nas disciplinas em que lecionam.

Neste contexto, apresenta-se a formulação de um projeto de ensino voltado aos professores das escolas municipais, para que estes se sintam instigados e engajados a repassar o conhecimento sobre cidadania a todos os seus alunos. A Constituição Federal é a lei mais importante do nosso País, que serve de base para todas as outras leis, e nenhuma lei pode ultrapassar o que está estabelecido nela.

Dessa forma, busca-se promover e incentivar o ensino da Constituição Federal nas escolas públicas, a fim de garantir um conhecimento mínimo sobre a lei que rege todos os atos da vida. Possibilitar às crianças e aos jovens e adultos uma interação com a Constituição Federal, apresentando seus direitos e deveres constitucionais, além da organização política e administrativa da nossa República Federativa, é oferecer a eles ferramentas para que se tornem mais dinâmicos e mais preocupados com o que acontece no seu entorno. Nessa direção, acredita-se que a escola tem um papel fundamental a desempenhar nesse processo de construção da cidadania, especialmente na Educação Infantil que, historicamente, era considerada apenas como um local onde as mães deixavam seus filhos para serem cuidados enquanto trabalhavam (KRAMER, 1995).

 Com o passar dos anos, tanto o Poder Público quanto a sociedade em geral passaram a compreender que Educação Infantil tem um papel fundamental no desenvolvimento humano e social. Para exercer todos os direitos é preciso conhecê-los. Para que se possa respeitar os direitos dos outros, é preciso conhecê-los também. Se queremos preparar a criança e o jovem para que tenham um lugar na sociedade, para que se tornem cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, devemos passar a eles seus direitos básicos, e garantir que tenham acesso à informação e, dessa forma, propiciar que tenham condições de escolher e atuar de forma mais consciente no cotidiano da sua sociedade, tendo noções básicas de como isso afeta a si e aos outros.

Oferecer aos professores ensino sobre a Constituição Federal nas escolas é permitir que possam formar cidadãos críticos, é pôr em prática os objetivos estabelecidos na Base Nacional Comum Curricular, na Base Curricular gaúcha e no documento orientador municipal da cidade de Feliz/RS (DOM). É aprender para que possam ensinar. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), no art. 53 diz: “[...] a criança e ao adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”.

O grande desafio colocado às instituições de ensino, que visam contribuir para a formação de cidadãos conscientes, possibilitando-lhes pleno exercício da cidadania, é a quebra de paradigmas, pois a criança, que antes era apenas um receptor de conhecimento, agora deve ser considerada um ser que pensa, age e interage, crescendo com o mundo e com as pessoas que a cercam ‒ sujeito de direitos que podem expressar sua opinião, sendo capazes de construir e reconstruir seu próprio conhecimento (NASCIMENTO, 2012).

Nóvoa, 2006, salienta em seu discurso sobre educação e cidadania que o trabalho escolar tem duas grandes finalidades: por um lado, a transmissão e apropriação dos conhecimentos e da cultura; por outro lado, a compreensão da arte do encontro, da comunicação e da vida em conjunto. É isto que a Escola sabe fazer, é isto que a Escola faz melhor. É nisto que ela deve concentrar as suas prioridades, sabendo que nada nos torna mais livres do que dominar a ciência e a cultura, sabendo que não há diálogo nem compreensão do outro sem o treino da leitura, da escrita, da comunicação, sabendo que a cidadania se conquista, desde logo, na aquisição dos instrumentos de conhecimento e de cultura que nos permitam exercê-la.

Nessa senda, antes de ensinar aos alunos, é preciso ensinar aos professores sobre os elementos fundamentais que permeiam a Constituição Federal e que estão inseridos no conceito de cidadania. Pois já dizia Campos (2012) que “ninguém ensina aquilo que desconhece”. Diante do Documento Orientador Municipal da cidade de Feliz/RS, é possível estabelecer que há a possibilidade de desenvolver o projeto dentro dos temas contemporâneos transversais, que são aqueles que envolvem questões de ética, de pluralidade cultural, meio ambiente, educação fiscal, educação alimentar e nutricional; da saúde e da orientação sexual, cultura afro-brasileira, dentre tantas outras que podem ser incluídas.

Tais temas não são novas áreas ou disciplinas, são questões sociais que devem ser incluídas no contexto escolar e abrangem diferentes disciplinas. É importante lembrar que se trata de estabelecer uma conexão com os agentes de ensino, transmitir a eles conhecimento e inquietude, capaz de fazer com que estes usem o conhecimento adquirido para promover mudança e inserção destes assuntos, nos acontecimentos cotidianos de forma mais pontual.

Promover e incentivar o estudo da cidadania nas escolas é proporcionar ferramentas para transformar a sociedade, tornando os cidadãos mais conscientes do que ocorre em seu entorno e fazendo com que eles sejam capazes de aplicá-los para melhorar a sociedade onde estão inseridos. Ao conhecer e entender seus direitos e deveres, serão capazes de expressar sua opinião e construir uma comunidade mais justa e fraterna.

Aos meus pais Remi Schneider e Maria Luiza Hahn pelo dom da vida.

Ao meu namorado Clauber Andreetta Zaniol pelo apoio incondicional na caminhada acadêmica.

A minha professora Andreia Veridiana Antich por todo apoio e incentivo.

A toda minha família por serem meu porto seguro e maiores incentivadores.

"Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção." (Paulo Freire)

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