Metadados do trabalho

Arquitetura Dos Espaços Escolares E Qualidade De Ensino Na Educação Profissional E Tecnológica: Interlocuções Possíveis

Glauber Fontes de Oliveira

Este artigo apresenta uma abordagem teórica, numa perspectiva educacional, que reúne por meio de uma revisão bibliográfica embasada em autores consagrados na área da arquitetura escolar, a exemplo de Frago (2011) e Kowaltowski (2017), bem como nas bases conceituais da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), a exemplo de Manacorda (2007), Mészáros (2005), Ciavatta (2014), entre outros, trazendo informações que indicam as relações existentes entre a arquitetura dos espaços escolares e a promoção de uma educação profissional de qualidade. O objetivo é propor uma reflexão que permita perceber a escola para além do seu ordenamento físico e material que se constitui como espaço, incluindo a relação de pertencimento e de identidade cultural que ela deve ter com a comunidade escolar.

Palavras‑chave:  |  DOI:

Como citar este trabalho

OLIVEIRA, Glauber Fontes de. Arquitetura Dos Espaços Escolares e Qualidade De Ensino Na Educação Profissional e Tecnológica: Interlocuções Possíveis. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/580-arquitetura-dos-espa%C3%A7os-escolares-e-qualidade-de-ensino-na-educa%C3%A7%C3%A3o-profissional-e-tecnol%C3%B3gica-interlocu%C3%A7%C3%B5es-poss%C3%ADveis. Acesso em: 16 out. 2025.

Arquitetura Dos Espaços Escolares e Qualidade De Ensino Na Educação Profissional e Tecnológica: Interlocuções Possíveis

A idealização do tema aqui proposto sugere uma abordagem sobre as relações existentes entre a composição arquitetônica dos espaços escolares e suas influências no processo de ensino-aprendizagem na Educação Profissional e Tecnológico (EPT), com vistas aos conceitos de ensino integrado, politecnia e formação omnilateral, de modo a enfatizar a importância de promover uma educação emancipadora em todos os aspectos da vida humana, associando a formação geral e a educação profissional.

O objeto deste artigo não foi definido ao acaso, mas levando-se em consideração alguns critérios: inicialmente, não se pode desconsiderar a influência exercida pela experiência pessoal deste autor enquanto usuário do espaço escolar, no âmbito da EPT, seja como estudante do curso técnico de nível médio em edificações (1999-2002), seja como docente no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (desde 2021), ambas no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS) - Campus Lagarto. Inclua-se também aqui, a influência das reflexões e inquietações pessoais, estimuladas pela formação deste autor como arquiteto e assim sendo, consideremos a oportuna declaração de Lüdke (2013), onde afirma que:

Não há, portanto, possibilidade de se estabelecer uma separação nítida e asséptica entre o pesquisador e o que ele estuda e também os resultados do que ele estuda. Ele não se abriga em uma posição de neutralidade científica, pois está implicado necessariamente nos fenômenos que conhece e nas consequências desse conhecimento que ajudou a estabelecer (Lüdke, 2013, p. 23).

Mas, para além da motivação de cunho pessoal, é imprescindível destacar que a delimitação da abordagem aqui proposta, também leva em consideração o fato de que desejamos prioritariamente, estimular uma reflexão que leve a uma melhor percepção, entendimento e tomada de consciência a respeito das relações diretas e indiretas, existentes entre o espaço construído e seus usuários, especialmente no que se refere a arquitetura dos ambientes escolares, pois acreditamos que assim poderemos fortalecer a intenção de alcançar uma formação contextualizada, ampla e completa, capaz de proporcionar ao estudante, o desenvolvimento pleno de suas competências e habilidades.

A formação para o trabalho no Brasil ocorre desde o tempo da colonização, ao se considerar, dentre outros, o desenvolvimento de aprendizagens laborais realizados nas Casas de Fundição e de Moeda e nos Centros de Aprendizagem de Ofícios Artesanais da Marinha do Brasil criados no ciclo do ouro. Durante o Brasil Império (1822 a 1889), o destaque é para a instalação das Casas de Educandos Artífices em dez províncias entre 1840 e 1865. Em 1909, já na República, são criadas dezenove “Escolas de Aprendizes Artífices”. Destinadas ao ensino profissional, primário e gratuito, estabelecem-se como marco do início da Educação Profissional e Tecnológica como política pública no Brasil, tendo sido instituídas por meio do Decreto nº 7.566 de 23 de setembro. A partir de 1927, o Congresso Nacional aprova projeto que torna obrigatória a oferta no país nas escolas primárias subvencionadas ou mantidas pela União, sendo prevista uma instância de Inspetoria do Ensino Profissional Técnico logo depois em 1930 quando da criação do Ministério da Educação (MEC, 2018a).

A educação profissional e tecnológica (EPT) é uma modalidade educacional prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) com a finalidade precípua de preparar “para o exercício de profissões”, contribuindo para que o cidadão possa se inserir e atuar no mundo do trabalho e na vida em sociedade. Para tanto, abrange cursos de qualificação, habilitação técnica e tecnológica, e de pós-graduação, organizados de forma a propiciar o aproveitamento contínuo e articulado dos estudos. Com esta concepção, a LDB situa a educação profissional e tecnológica na confluência de dois dos direitos fundamentais do cidadão: o direito à educação e o direito ao trabalho. Isso a coloca em uma posição privilegiada, conforme determina o Art. 227 da Constituição Federal, ao incluir o direito a “educação” e a “profissionalização” como dois dos direitos que devem ser garantidos “com absoluta prioridade” (MEC, 2018b).

Assim sendo, para iniciar a presente reflexão, é importante levar em consideração que arquitetura não se encerra no projeto e nem tão pouco na execução da construção. O fazer arquitetônico pressupõe essencialmente, a interação do usuário com o espaço por ele experienciado. Desse modo, considerando a tese de que os espaços edificados, além de se relacionarem com a percepção de quem os projeta e de quem os executa, também se relaciona e exerce uma forte influência na vida das pessoas que deles se utilizam, então, podemos nos fazer a seguinte pergunta, relacionando o tema à educação: como a arquitetura dos espaços escolares pode interferir nas relações interpessoais, organizacionais e por conseguinte, nos processos de ensino-aprendizagem, levando em conta o que preconizam as bases conceituais da EPT?

Sem a intenção de trazer uma resposta concreta a essa indagação, mas na expectativa de contribuir para uma reflexão acerca do assunto, é que foi proposta a realização do presente trabalho, pois apesar de entendermos que o exercício pedagógico pode ocorrer em espaços formais e não formais, sejam eles construídos ou não construídos, entendemos também que a arquitetura pode se apresentar como suporte material ou simbólico, reforçando a concepção de que a luta por um ensino tecnológico de qualidade, deva passar também pela necessidade de contar com espaços físicos adequados à formação integral, politécnica e omnilateral, tão defendida por autores consagrados e por nós tão desejada.

A INTERLOCUÇÃO ENTRE A ARQUITETURA E A EPT

É bastante comum que a maioria das pessoas julguem a arquitetura somente por seu caráter estético, observando sua aparência externa, assim como muitas vezes se julga o conteúdo de um livro apenas observando a sua capa. Em seu livro intitulado “Arquitetura vivenciada”, Rasmussen (2015) descreve a arquitetura como uma arte funcional muito especial, que confina o espaço de modo que possamos habitar nele e ele habitar em nós. E a partir dessa consideração ele também acrescenta:

O arquiteto é uma espécie de produtor teatral, o homem que planeja os cenários para as nossas vidas (...) Quando suas intenções são coroadas de êxito, ele é como um perfeito anfitrião que proporciona todo o conforto a seus hóspedes, de modo que conviver neles é uma grata experiência (Rasmussen, 2015, p. 8).

Na obra supramencionada, Rasmussen nos apresenta um apanhado de reflexões sobre a vivência e experimentação do espaço em que habitamos, e para tanto, o autor discorre sobre como podemos treinar a nossa percepção sobre as coisas que nos cercam, enfatizando questões básicas da arquitetura, de maneira a instigar o leitor a perceber os efeitos dos recursos relacionados aos planos de cor, a escala e proporção, ritmo, texturas, luz natural e acústica.

Inicialmente abordaremos questões relacionadas a arquitetura, por entendermos a necessidade de explicar alguns conceitos importantes, que devido a suas especificidades, talvez não sejam tão comuns para o leitor. Sendo assim, buscaremos embasamento também em Bruno Zevi, outro importante autor, que se propõe a contextualizar a teorização e historiografia da arquitetura.

Em seu livro “Saber Ver a Arquitetura” (2015), Zevi, nos apresenta o espaço como protagonista da arquitetura, e sendo a nossa pretensão trazer para discussão o espaço escolar e as relações da arquitetura com o aprendizado dos alunos, então, nos valeremos da referida obra, que juntamente com o livro de Rasmussen, também ajudará nesta finalidade. Na referida obra, Zevi distingue a arquitetura das demais atividades artísticas, devido ao fato de identificar a sua ligação inseparável com o seu usuário, atraindo, elevando e subjugando-o espiritualmente. Ele afirma que “a arquitetura é como uma grande escultura onde o homem penetra e caminha” compondo com ela uma única peça, e acrescenta que o espaço arquitetônico “não pode ser reconhecido e vivido a não ser por experiência direta” (Zevi, 2015, p. 17;18).

Sobre essa relação entre o espaço arquitetônico e seus usuários, consideremos o conceito de formação omnilateral, apresentado por Manacorda (2007) em sua obra “Marx e a pedagogia moderna”. Nesse livro o autor nos apresenta com exatidão os sentidos do ensino politécnico bem como do ensino tecnológico, apoiado em Marx, possibilitando uma compreensão gradativa e sólida do conceito de omnilateralidade na formação integral do ser humano. Assim, ele nos apresenta uma concepção que pode ilustrar como o meio e o contexto social adequados, transformam o indivíduo:

O homem não nasce homem: isto o sabem hoje tanto a fisiologia quanto a psicologia. Grande parte do que transforma o homem em homem forma-se durante a sua vida, ou melhor, durante o seu longo treinamento por tornar-se ele mesmo, em que se acumulam sensações, experiências e noções, formam-se habilidades, constroem-se estruturas biológicas nervosas e musculares – não dadas a priori pela natureza, mas fruto do exercício que se desenvolve nas relações sociais [...] (Manacorda, 2007, p. 22).

Nesse contexto, não podemos deixar de destacar que essas sensações e experiências, habilidades e inclusive as relações sociais, citadas pelo autor, estão diretamente relacionadas à educação, e consequentemente, podem também estar associadas às conformações arquitetônicas dos espaços escolares e as vivências sociais aí experimentadas.

Ratificando essa proposição, podemos ainda destacar o livro escrito por Antonio Viñao Frago e Augustin Escolano, denominado “Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa”, que como o próprio título sugere, trata do espaço escolar, enfatizando “o caráter cultural que tiveram e têm os discursos sobre os saberes sobre o espaço” (2011, p.25) bem como a função curricular desempenhada pela arquitetura escolar. Ao falar sobre a dimensão educativa do espaço escolar, Frago afirma que “o arquiteto é um educador” que transmite seus ensinamentos por meio das formas que ele concebeu.

Assim, todo educador, se quiser sê-lo, tem de ser arquiteto. De fato, ele sempre o é, tanto se ele decide modificar o espaço escolar, quanto se o deixa tal e qual está dado. O espaço não é neutro. Sempre educa (Frago, 2011, p.74-75).

Nessa linha de pensamento, em seu livro “Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino”, Doris Kowaltowski (2017) nos apresenta sua concepção de que a arquitetura e a pedagogia têm uma relação que vai muito além dos aspectos visuais, afirmando que outros parâmetros também devem ser considerados, tendo em vista as características específicas de utilização e as experiências vividas nesses ambientes, a exemplo da ergonomia, do conforto térmico, lumínico e acústico, bem como da relação de identidade dos hábitos culturais com as práticas pedagógicas.

Kowaltowski faz questão de primeiro reconhecer a importância das práticas educativas realizadas em espaços não formais, considerando as inúmeras possibilidades de sua contribuição para formação humana, inclusive pela promoção da cidadania. Porém, a autora enfatiza que é no plano da educação formal, que a escola e seu contorno físico assumem um papel de destaque:

O ambiente físico escolar é, por essência, o local do desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem. O edifício escolar deve ser analisado como resultado da expressão cultural de uma comunidade por refletir e expressar aspectos que vão além de sua materialidade. Assim, a discussão sobre a escola ideal não se restringe a um único aspecto, seja de ordem arquitetônica, pedagógica ou social: torna-se necessária uma abordagem multidisciplinar, que inclua o aluno, o professor, a área de conhecimento, as teorias pedagógicas, a organização de grupos, o material de apoio e a escola como instituição e lugar (Kowaltowski, 2017, p.11).

Nessa mesma perspectiva, Frago, também afirma que a noção de espaço, e lugar transcende a objetividade material, associando a organização espacial a uma energia que flui: “A escola é espaço e lugar. Algo físico, material, mas é também uma construção cultural que gera fluxos energéticos” (Frago, 2001, p. 77). Ou seja, a escola tem o seu ordenamento físico e material dominado por uma estrutura lógica que se constitui como espaço, mas também deve haver aí algo que transcenda a simples materialidade, como por exemplo, a relação de identidade cultural com seus usuários. Assim, a escola deixa de ser apenas um espaço e se torna um lugar.

Também convém considerar as definições da Neurociência, entendida como “Ciência que estuda o sistema nervoso, a organização cerebral, a anatomia e a fisiologia do cérebro, além de sua relação com as áreas do conhecimento (aprendizagem, cognição ou comportamento)” (Neurociência, 2023). Somados às concepções acima apresentadas, estudos recentes relacionam a arquitetura a conceitos fundamentados na Neurociência, para explicar a relação entre ambas:

Não divergindo de outras áreas como a educação, o marketing, a administração, dentre outras e, formando uma onda crescente, são localizados os estudos da ergonomia e da arquitetura inserindo os conceitos da neurociência, quando a preocupação com o bem estar do ser humano desenvolvendo atividades nos seus ambientes representa o foco principal dessas matérias (Vilarouco, 2020. p. 93).

Quando trazemos o bem estar do ser humano para a discussão, não podemos deixar de considerar a relevância da adequação de todos os ambientes escolares, porém, cabe refletir sobre a necessidade de uma atenção especial a sala de aula, afinal, é nesse espaço que os alunos passam a maior parte do tempo e nele é que se concretiza a atividade fim do processo educativo. Entretanto, apesar da importância da adequação das salas de aula às necessidades pedagógicas, não existe, tanto no âmbito nacional quanto internacional, um consenso quanto à forma de sala de aula ideal.

Vale lembrar que originalmente, a arquitetura escolar implementada em nosso país, inspirou-se em referenciais de congregações e ordens religiosas e mais tarde nos modelos de quartais e unidades prisionais, onde se reproduziam as concepções de claustro ou cela, como forma necessária para sua concepção educacional, centrada na disciplina, obediência, submissão, controle e reprodução cultural de ideologias, fossem elas religiosas ou militares. Tais influências têm sua importância, pois transmitem percepções de mundo, sendo agentes educativos importantes, porém inconscientes, já que uma disposição extremamente condicionada dos espaços de ensino pode gerar seres padronizados, controlados, alienados e conformados (Neto, 2016), na contramão do que se preconiza o direcionamento para uma educação que proporcione uma formação integral, politécnica e omnilateral.

Apesar das novas tendências arquitetônicas implementadas ao longo da história, os prédios escolares atuais permanecem com suas salas de aula com padrão habitual, caracterizadas por um conjunto de cadeiras enfileiradas voltadas para uma lousa e uma mesa posicionada em lugar de destaque para o professor. Acredita-se que esta configuração tradicional, desmotiva os alunos, ao mesmo tempo que exalta a autoridade do professor, se chocando com as teorias pedagógicas atuais e as novas abordagens metodológicas. Contudo, apesar do consenso sobre a necessidade de inovação, “a maioria das escolas no Brasil ainda apresenta o criticado modo de ensino tradicional, que utiliza os espaços de forma pouco criativa” (Kowaltowski, 2017. p. 161).

Depois de fazer esse importante compêndio sobre a Arquitetura, tendo em vista os objetivos deste trabalho, retomamos a referência a Mario Alighiero Manacorda, agora apontando outra obra do autor: “O princípio educativo em Gramsci”. Aqui, o escritor analisa a visão de Gramsci (teórico marxista) sobre a educação, destacando o conceito de "educação integral" e suas implicações.

Fazendo uma referência direta a Gramsci, ao falar sobre a proposta de uma escola unitária, capaz de proporcionar uma educação omnilateral, que englobasse não apenas o desenvolvimento intelectual, mas também o desenvolvimento moral, estético, físico e técnico dos estudantes, Manacorda admite a complexidade relacionada a questão dos edifícios, prevendo “ser necessário um aumento do orçamento estatal para a escola, considerando a ampliação que ela teria, em termos de edificações”. Neste mesmo raciocínio, o autor enfatiza a necessidade de espaços arquitetônicos adequados para alcançar os objetivos da escola unitária, a exemplo de “dormitórios, refeitórios, bibliotecas especializadas, salas adaptadas para o trabalho de seminários, etc” (Manacorda, 1990, p.158).

Assim como Manacorda, outro escritor importante para a presente reflexão, é István Mészáros. Porém, apesar de terem bebido de fontes homólogas, enquanto Manacorda concentrou-se principalmente em questões educacionais e pedagógicas, Mészáros se destacou por suas análises filosóficas e políticas mais amplas, relacionadas ao sistema capitalista e à transformação social. Aqui podemos citar o livro “A educação para além do capital”, onde o autor aborda criticamente a relação entre educação e capitalismo, propondo uma análise do sistema educacional sob uma perspectiva marxista. Ou seja, o autor critica o modelo de educação voltado para a formação de mão de obra especializada e a serviço da produção e do consumo, argumentando que essa abordagem não promove uma formação integral dos indivíduos nem uma compreensão crítica da realidade social.

Dessa forma, os princípios orientadores da educação formal devem ser desatados do seu tegumento da lógica do capital, de imposição de conformidade, e em vez disso mover-se em direção a um intercâmbio ativo e efetivo com práticas educacionais mais abrangentes. Eles (os princípios) precisam muito um do outro. Sem um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como “a nossa própria vida”, a educação formal não pode realizar as suas muito necessárias aspirações emancipadoras (Mészáros, 2005, p. 58-9).

Desse modo, diante de tão grandioso desafio de alcançar uma transformação emancipadora, através de uma educação plena e por toda a vida, “o papel dos educadores e sua correspondente responsabilidade não poderiam ser maiores” (Mészáros, 2005, p. 58).

Seguindo no encaminhamento para uma abordagem conceitual relacionada a Educação Profissional e Tecnológica (EPT), não podemos esquecer de citar a contribuição de diversos teóricos da educação, a exemplo de Dermeval Saviani, especialmente no que diz respeito a concepção de politecnia, e o conceito de trabalho como princípio educativo. Sobre a noção de politecnia, o autor indica que essa “se encaminha na direção da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral” (Saviani, 1989, p.13), articulando a teoria e a prática, cujo desdobramento se dá a partir da concepção do trabalho como princípio educativo:

Toda a educação organizada se dá a partir do conceito e do fato do trabalho, portanto, do entendimento e da realidade do trabalho. Nesse sentido é possível perceber que, na verdade, toda a Educação e, por consequência, toda a organização escolar, tem por fundamento a questão do trabalho (Saviani, 1989, p.7).

Ao fazer essa relação do trabalho com a educação, observemos que o autor faz também uma ponte com “toda organização escolar”. Sabemos muito bem que essa expressão foi por ele utilizada pretendendo indicar um sentido mais amplo, contudo não podemos deixar de considerar que, certamente, essa organização também diz respeito a arquitetura do espaço escolar, cujo tema é objeto do presente artigo.

Reafirmando a importância de revisitar alguns teóricos da EPT, para melhor fundamentar o presente trabalho, não podemos deixar de referenciar a valiosa contribuição da professora Maria Ciavatta, doutora em Ciências Humanas e autora de diversos livros e artigos científicos que abordam temas relacionados a defesa de uma educação pública de qualidade. Ao discorrer sobre os desafios a serem superados para se alcançar uma formação integrada, plena, que venha a possibilitar ao estudante a compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, a autora considera que:

As condições de vida são adversas, as relações de trabalho são dominadas pelo poder hegemônico do capital, a educação não está universalizada em acesso e em qualidade para toda a população; a ideologização crescente da educação subsumida ao consumo e ao mercado de trabalho torna ambíguo o conceito de qualidade da educação, e é incipiente a participação da população na reivindicação de um sistema educacional público, gratuito e de qualidade para todos (Ciavatta, 2014, p. 198).

Marise Nogueira Ramos, outra educadora e escritora renomada, que inclusive divide em coautoria, alguns textos com Ciavatta, partilhando com ela concepções semelhantes, nos traz em uma de suas obras intitulada “História e política da educação profissional” (2014), uma abordagem que, entre outras coisas, pretende possibilitar a educadores e gestores da educação, compreender sua dinâmica à luz de um modelo de Estado e da formação social concreta brasileira. Neste livro a autora faz uma breve historiografia da EPT no Brasil, transcorrendo dos anos finais do século XX aos anos iniciais do século XXI, versando sobre as principais transformações na condução da educação de nível médio neste período.

Conforme apontado por Ramos (2014), no início dos anos 90, a Secretaria de Educação Média e Tecnológica do Ministério da Educação (SEMTEC), preocupada em alinhar a formação de técnicos a reestruturação produtiva do novo cenário político do país, cujo contexto neoliberal priorizava o “viés tecnicista e economicista na ótica do capital humano”, em detrimento da concepção da “formação humana, incluindo a construção sistematizada do conhecimento articulada com o mundo do trabalho em suas múltiplas dimensões” (Ramos, 2014. p. 36). Essas políticas que marcaram a educação nos anos 90 e se consolidaram no o início dos anos 2000, ainda hoje se apresentam como:

[...] realidade a ser superada pela restauração de uma outra ordem, em que o fundo público seja utilizado em benefício público, em respeito a necessidade dos trabalhadores brasileiros e de forma coordenada com um projeto de desenvolvimento econômico-social nacionalmente soberano (Ramos, 2014. p. 64).

Essa consideração feita pela autora, nos remete à citação proferida por Manacorda (1990) e aqui já apresentada, na qual considera-se ser necessário um aumento do orçamento estatal para a escola, e aqui podemos estender essa referência para além das ampliações em termos de edificações, incluindo também a necessidade de maiores investimentos em “material didático no sentido amplo, de corpo docente: a relação numérica de mestres-professores parece-lhe, de fato, determinante com relação aos objetivos de eficiência da escola” (Manacorda, 1990, p.158).

Portanto, com base nessas perspectivas, podemos considerar que a dinâmica dos interesses político-econômicos vigentes influencia diretamente nos investimentos necessários a promoção da qualidade dos ambientes escolares. Porém, convém considerar que o problema não se encerra neste ponto, mas também tem raízes multidisciplinares, requerendo reflexão e conscientização dos diversos atores que compõe a comunidade escolar, a exemplo dos professores, gestores, alunos etc.

Reforçando o que já foi antecipado na introdução, esse artigo não tem o objetivo de propor ações práticas no sentido de intervir diretamente e transformar realidades concretas no ambiente escolar, mas sim promover uma reflexão, ainda que fundamentalmente teórica, sobre a relação da arquitetura com a qualidade de ensino, de modo que possa auxiliar na percepção e interpretação do espaço escolar, para assim compreendê-lo não só como espaço de experiência humana, mas também como espaço de construção de possibilidades. Inclusive como lugar de produção de memórias, de aspirações e de concretizações de objetivos relacionados ao campo da formação profissional, sem desconsiderar que o ambiente escolar precisa ser reconhecido como espaço de experiências pedagógicas espontâneas, favoráveis às diversidades de opiniões, essenciais à cidadania.

O arquiteto em sua atuação como projetista exerce também a função de educador. Suas preferências e escolhas podem contribuir ou prejudicar o desenvolvimento educacional, refletindo no papel da escola e na sua integração com a sociedade. A construção do espaço escolar, assim, pode representar e constituir-se como um instrumento de controle e de alienação cultural ou por outro lado, tornar-se um local propício para a construção do saber, da autonomia, da formação humana.

Espera-se que o leitor sinta-se interessado em aprofundar o assunto, através de novas pesquisas relacionadas a temática aqui abordada, para assim evidenciar, por exemplo, que o conforto acústico, lumínico e térmico, e suas relações antropodinâmicas, ajudam a promover ambientes escolares propícios ao exercício da criatividade, incluindo também as implicações referentes a utilização de cores apropriadas e paisagismo adequado, na constituição de ambientes mais acolhedores e favoráveis ao bem-estar dos estudantes e demais usuários dos espaços educacionais.

Ciavatta, Maria. O ensino integrado, a politecnia e a educação omnilateral. Por que lutamos? Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v.23, n.1, p. 187-205, jan-abr. 2014.

Frago, Antonio Viñao; FERNANDES, Augustin. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Trad. Alfredo Veiga Neto. 2 ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2001.

Gil, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999.

Kowaltowski, Doris C. C. K. Arquitetura escolar: O projeto do ambiente de ensino. São Paulo: Oficina de Textos, 2017.

Lüdke, Menga. Pesquisa em educação abordagens qualitativas. 2. Rio de Janeiro E.P.U. 2013.

Manacorda, M. A. Marx e a pedagogia moderna. Campinas: Alínea, 2007.

Manacorda, M. A. O princípio educativo em Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

MEC – Ministério da Educação – Educação Profissional e Tecnológica (EPT) – Apresentação. Brasília, 2018a. Disponível em: . Acesso em: 29.06.2023.

MEC – Ministério da Educação – Histórico da EPT. Brasília, 2018b. Disponível em: . Acesso em: 29.06.2023.

Mészáros, István. A educação para além do capital. Trad. Isa Tavares. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

Neto, Enéas Arrais, et al. Arquitetura escolar: currículo ou curral?. Labor, v. 1, n. 16, p. 137-151, dez. 2016. ISSN 19835000. Disponível em: . Acesso em: 12. 07. 2023.

Neurociência. In: DICIO, Dicionário On-line de Português. Porto: 7Graus, 2023. Disponível em: . Acesso em: 13.07.2023.

Ramos, Marise Nogueira. História e política da educação profissional. Coleção formação pedagógica. V.5. Curitiba: Instituto Federal do Paraná, 2014.

Rasmussen, Steen Eiler. Arquitetura vivenciada. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

Saviani, Dermeval. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. Politécnico da Saúde Joaquim Venâncio, 1989.

Villarouco, Vilma et al. Neuroergonomia, Neuroarquitetura e Ambiente Construído – Tendencia futura ou presente?. Ergodesign & HCI, v. 8, n. 2, p. 92-112, dez. 2020. ISSN 2317-8876. Disponível em: . Acesso em: 12. 07. 2023.

Zevi, Bruno. Saber ver a arquitetura. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2017.

Encontrou algo a ajustar?

Ajude-nos a melhorar este registro. Você pode enviar uma correção de metadados, errata ou versão atualizada.