Metadados do trabalho

A Hegemonia Do “Saber-Fazer” E A Formação De Professores: Contradições Epistemológicas

Hélio da Guia Alves Junior

Este estudo tem como objetivo identificar os pressupostos epistemológicos predominantes que fundamentam e orientam as atividades de pesquisa nos cursos de Licenciatura em Pedagogia oferecidos por instituições privadas na região da Baixada Santista. Parte-se da seguinte indagação: de que maneira as instituições de ensino superior com fins lucrativos na Baixada Santista abordam a pesquisa como um componente curricular na formação de professores em seus Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs)? O estudo se baseia na análise documental com abordagem qualitativa, caracterizando-se como uma pesquisa de natureza básica com objetivos exploratórios. Para a seleção dos documentos analisados, foram estabelecidos critérios que incluíram o local, a data de publicação entre 2015 e 2018 e a modalidade de ensino presencial. A partir desse recorte, foram coletados três PPCs para análise, com foco nas seguintes categorias: (i) concepção de pesquisa; (ii) concepção de pedagogo; e (iii) prática da pesquisa. Os resultados obtidos indicam que a pesquisa é geralmente concebida como uma dimensão secundária e não essencial das práticas pedagógicas nos cursos de Licenciatura em Pedagogia oferecidos por instituições de ensino privadas na Baixada Santista, sendo diluída ao longo das disciplinas, com a suposição de que está intrinsecamente incorporada ao currículo.

Palavras‑chave:  |  DOI:

Como citar este trabalho

ALVES JUNIOR, Hélio da Guia. A HEGEMONIA DO “SABER-FAZER” E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONTRADIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/573-a-hegemonia-do-saber-fazer-e-a-forma%C3%A7%C3%A3o-de-professores-contradi%C3%A7%C3%B5es-epistemol%C3%B3gicas. Acesso em: 16 out. 2025.

A HEGEMONIA DO “SABER-FAZER” E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: CONTRADIÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

O presente estudo aborda a importância da pesquisa como um componente essencial do currículo nos cursos de Pedagogia e investiga como ela é implementada na modalidade presencial oferecida por instituições de ensino superior privadas com fins lucrativos na região da Baixada Santista, situada no litoral do estado de São Paulo.

Como ponto de partida, toma-se como princípio a posição de que a formação de professores deve priorizar a consistência epistemológica das atividades realizadas ao longo do curso, elencando como o objetivo a promoção de uma abordagem emancipatória dos estudantes, com vistas a capacitá-los para se tornarem professores-pesquisadores imbuídos de autonomia, criticidade e uma postura conscientemente reflexiva.

Isso deve ocorrer porque os processos formativos, mesmo quando desenvolvidos no contexto de instituições privadas, não deve ser compreendido meramente como um serviço que atende às demandas do mercado, mas como um direito que se concretiza por meio de uma relação de diálogo, em uma perspectiva histórica, com ênfase na experiência contínua dos sujeitos, permitindo o tempo necessário para a reflexão e a construção de uma postura crítica que se opõe à lógica neoliberal.

Na direção contrária, essa racionalidade mercantil, até então hegemônica, distorce as expectativas educacionais, subvertendo-as por meios dos valores do individualismo, da concorrência, do lucro e da eficiência, reduzindo as práticas pedagógicas a roteiros didáticos desvinculados das necessidades e da singularidade dos sujeitos envolvidos.

Nesse contexto, a partir dessa perspectiva contra-hegemônica, a seguinte pergunta orienta este trabalho: de que maneira as instituições de ensino superior com fins lucrativos da Baixada Santista abordam a pesquisa como parte integrante da formação de professores em seus Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs)?

Parte-se da hipótese de que essas instituições de ensino privadas concebem o pedagogo como alguém que simplesmente executa diretrizes externas, seguindo uma abordagem praticista e burocrática, sem demonstrar interesse pela pesquisa ou pela reflexão crítica sobre suas práticas e o papel político que desempenham.

A partir da formulação da pergunta orientadora da pesquisa, estabeleceu-se o objetivo geral seguinte: identificar os pressupostos epistemológicos predominantes que embasam e orientam as atividades de pesquisa presentes nos PPCs dos cursos de Licenciatura em Pedagogia. Para atingir tal fim, elencou-se os seguintes objetivos específicos: (i) compreender como as atividades de pesquisa estão inseridas nos PPCs dos cursos de Pedagogia privados; (ii) analisar as concepções de pesquisa disseminadas pelas instituições de ensino superior privadas; (iii) refletir sobre as intenções expressas nas concepções e atividades de pesquisa identificadas.

O interesse neste estudo surge da observação da necessidade de se enfatizar nas licenciaturas a valorização de atividades e abordagens coletivas que buscam superar o tratamento fragmentado da formação, que muitas vezes promove o individualismo e a competição, os quais são, junto com a busca pelo lucro e pela máxima eficiência, características inerentes às sociedades capitalistas neoliberais.

Portanto, justifica-se a relevância deste estudo como uma tentativa de resistir a essa imposição, visando à possibilidade de se criar espaços de reflexão para abordar os desafios mencionados e capacitar os professores em sua formação inicial. Com isso, é urgente que os profissionais envolvidos com a formação de professores compreendam a dimensão política da Educação e da Pedagogia, envolvendo-se ativamente na luta contra a desumanização das práticas pedagógicas e sociais perpetuada no ambiente institucional.

Referencial Teórico

Em meio aos impropérios da barbárie nas políticas públicas (Charlot, 2020), a lógica neoliberal, mascarada como uma “tendência de mercado”, impôs aos cursos de licenciatura de todo o território nacional as novas diretrizes curriculares, definidas para os cursos de Pedagogia a partir de 2019 (Brasil, 2019), as quais reafirmam um discurso sobre as competências que, há muitas décadas, já tem esvaziado a dimensão intelectual do trabalho docente, contribuindo para a exacerbação da tecnização na formação de professores e da compreensão do seu exercício  profissional (Pimenta, 2006).

Desde então, essa formação tecnicista que tem sido demandada às instituições tem afastado os professores da compreensão de que a Pedagogia, entendida como Ciência da Educação, toma como objetivo o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis docente (Franco, 2008), o que vai na direção contrária de uma formação que entende esses profissionais como meros técnicos executores de diretrizes.

Nesse contexto de proletarização docente, onde se busca cada vez mais o esvaziamento da dimensão intelectual da docência, a burocratização e o controle do trabalho dos professores (Contreras, 2012), não há espaço para “os saberes interrogantes das práticas, os saberes dialogantes das intenções da práxis e os saberes que respondem às indagações reflexivas formuladas por essas práxis” (Franco, 2008, p. 86).

Portanto, nos cursos privados de Pedagogia, que desde sua concepção estão submetidos à lógica mercantil, é crucial resgatar a pesquisa como uma dimensão essencial da formação e da prática docente, tendo em vista que a perspectiva e a prática “[...] ‘bancárias’, ‘imobilistas’, ‘fixistas’, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter histórico e da historicidade dos homens” (Freire, 1987, p. 47).

Com isso, permite-se que a futura prática pedagógica desses educandos esteja “sempre a serviço de um objetivo e não de um cliente, de modo a tornar-se militante de uma causa e não serviçal de um projeto imposto” (Franco, 2005, p. 494).

Além disso, a pesquisa é fundamental porque, ao considerar os sujeitos em formação como objeto, proporciona a busca por respostas aos desafios da educação e do ensino, permitindo uma perspectiva crítica sobre as ideologias presentes na ação docente e promovendo a emancipação e a formação dos sujeitos (Franco, 2008).

Nesse contexto, a pesquisa em educação, que compreende a Pedagogia como uma ciência dedicada à práxis educativa (Franco, 2008), desempenha um papel crucial na formação de professores, instigando a reflexão crítica sobre a prática e os propósitos da formação docente, com o objetivo de promover práticas comprometidas com a emancipação dos sujeitos (Costa, Martins & Lima, 2021).

Dessa forma, a prática docente, complexa e permeada pela contingência, requer a pesquisa para analisar e compreender os problemas que surgem nas práticas pedagógicas. Portanto, não é coerente que os cursos de Pedagogia formem apenas executores de protocolos, mas sim sujeitos que reflitam sobre sua prática e as circunstâncias em que ela ocorre (Franco, 2011).

Essa abordagem vai de encontro às atuais diretrizes para a formação de professores (Brasil, 2019), que enfatizam o desenvolvimento de competências em uma perspectiva técnica, restringindo as possibilidades de emancipação de professores e alunos. Isso leva a uma vida guiada exclusivamente pela lógica da produtividade e eficiência, excluindo a dimensão ética e o compromisso com a coletividade (Pimenta, 2006).

Portanto, é necessário valorizar na formação de professores propostas que desafiem a lógica hegemônica da formação, promovendo a subversão dessa dinâmica de exploração e cultivando valores de justiça e liberdade (Freire, 2002).

No contexto mencionado, Diniz-Pereira (2017) destaca a existência de modelos divergentes que competem por posições dominantes na área da formação de professores. Ele identifica dois principais enfoques: um baseado no modelo de racionalidade técnica e outro ancorado nos modelos de racionalidade prática e crítica. Esses modelos podem ser categorizados em três conceitos-chave: (i) modelos técnicos de formação docente; (ii) modelos práticos de formação docente; e (iii) modelos críticos de formação docente.

No primeiro modelo, conforme explicado por Diniz-Pereira (2017), a formação é estruturada com base em uma epistemologia positivista da prática. Essa abordagem, conforme descrita por Schön (1983), envolve a resolução instrumental de um problema por meio da aplicação rigorosa de uma teoria científica ou técnica específica.

Os modelos de formação docente de natureza prática, por outro lado, têm suas raízes nos trabalhos de Dewey. Nessa direção, Carr e Kemmis (1986) esclarecem que esses modelos veem a educação como um processo complexo que se adapta às circunstâncias e que só pode ser influenciado por meio das decisões práticas do professor. Conforme detalhado por Diniz-Pereira (2017, p. 19):

 

[...] os eventos da escola e da sala de aula terão sempre um caráter indeterminado e aberto. A ação dos profissionais em questão nunca controlará ou determinará completamente a manifestação da vida da sala de aula ou da escola. [...] Assim, o conhecimento dos profissionais não pode ser visto como um conjunto de técnicas ou como um kit de ferramentas para a produção da aprendizagem.

 

Em outras palavras, a abordagem prática reconhece que a complexidade dos processos educacionais não pode ser simplificada apenas por meio do controle técnico (Carr & Kemmis, 1986). Em resumo, no modelo prático, destaca-se a complexidade da profissão, que exige a combinação de conhecimentos teóricos e práticos, aplicados em situações caracterizadas pela rapidez das ações.

Por isso, como argumentado por Diniz-Pereira (2017), o modelo crítico busca superar essa limitação e se apresenta como uma abordagem educacional historicamente situada. Isso implica levar em consideração o contexto sócio-histórico para criar uma prática pedagógica com implicações sociais que vão além do desenvolvimento individual.

Portanto, essa abordagem é intrinsecamente política e problematizadora, uma vez que influencia as escolhas de vida dos indivíduos envolvidos no processo e propõe novas dinâmicas para a configuração das relações entre sujeitos e conhecimento:

 

No modelo crítico, o professor é visto como alguém que levanta um problema. Como se sabe, alguns modelos dentro da visão técnica e prática também concebem o professor como alguém que levanta problemas. Contudo, tais modelos não compartilham a mesma visão sobre essa concepção a respeito da natureza do trabalho docente. Os modelos técnicos têm uma concepção instrumental sobre o levantamento de problemas; os práticos têm uma perspectiva mais interpretativa e os modelos críticos têm uma visão política explícita sobre o assunto. (Diniz-Pereira, 2017, p. 24).

 

Nesse contexto, a Pedagogia Crítica, cujo maior representante no Brasil é Paulo Freire, é uma abordagem que procura desenvolver uma concepção de educação que não se restrinja à mera preparação de trabalhadores dóceis para servir aos interesses do capital. Pelo contrário, ela se propõe a questionar e confrontar as desigualdades e injustiças sociais (Giroux, 2011).

Essa perspectiva reconhece que a prática educacional é intrinsecamente política e está fundamentalmente ligada ao exercício do poder. Nesse sentido, a pesquisa desempenha um papel fundamental a sua análise crítica da realidade e na busca por transformações significativas (Freire, 2002).

Em outras palavras, na abordagem freiriana, a problematização é entendida como um processo mútuo, no qual estudantes e professores questionam conjuntamente o conhecimento estabelecido, o exercício do poder e as condições existentes (Shor, 1992). Isso possibilita a criação de um currículo que é construído “de baixo para cima”, em contraposição ao modelo tradicional “de cima para baixo”.

Nesse contexto, os processos de ensino e aprendizagem são desenvolvidos em colaboração entre uma comunidade de professores-pesquisadores e estudantes-coinvestigadores, todos engajados em um processo democrático centrado no conhecimento (Diniz-Pereira, 2017).

Assim, em consonância com a perspectiva freiriana, este estudo adota a posição de que a pesquisa e a prática docente são indissociáveis, e os professores devem ser formados para compreender e resolver os desafios da educação por meio da pesquisa (Franco, 2008) e que a formação inicial e contínua dos professores deve ser articulada entre as universidades e as escolas (Pimenta, 2006).

Portanto, a pesquisa é fundamental para capacitar os pedagogos a analisar e compreender os problemas da prática docente, permitindo que eles proponham soluções e promovam a reflexão contínua sobre sua prática e as circunstâncias em que ela ocorre (Freire, 2002).

 

Análise e Discussão dos Resultados

 

Com o problema e os objetivos desta pesquisa em mente, foi adotada uma abordagem qualitativa com caráter exploratório, resultando em uma pesquisa de natureza básica, conforme sugerido por Gil (2008).

Dessa forma, foram coletados cinco Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) de Licenciatura em Pedagogia de instituições de ensino superior privado com fins lucrativos na região, que estavam disponíveis publicamente na internet. Para a inclusão desses PPCs na pesquisa, estabeleceu-se que os documentos deveriam ter sido publicados antes do início da pandemia de Covid-19, garantindo uma delimitação temporal que evitasse grandes mudanças no objeto de pesquisa. Portanto, o ano de publicação dos documentos foi restrito a 2018, período em que 60% da amostra coletada se encontrava. Além disso, os PPCs dos cursos na modalidade de Ensino a Distância (EAD) foram excluídos, concentrando o escopo da pesquisa nos cursos presenciais. Com esses critérios, o córpus da pesquisa ficou limitado a três PPCs, os quais serão tratados doravante como “A”, “B” e “C”.

Para a análise, adotou-se uma abordagem alinhada aos princípios críticos da pesquisa documental, conduzindo a interpretação dos dados por meio da análise interpretativa de discurso, com fundamentação em Minayo (2012).

Nessa direção, as seguintes categorias analíticas foram utilizadas para a análise dos dados documentais extraídos dos córpus: (i) concepção de pesquisa, (ii) concepção de pedagogo e (iii) prática da pesquisa.

Esses documentos foram abordados em perspectiva consonante com Belletati, Pimenta e Lima (2021, p. 18), as quais compreendem que esses documentos explicitam as finalidades, objetivos e ações que organizam “os processos formativos de futuros professores com os quais toda a equipe de profissionais da IES se comprometem”.

Desta forma, segundo as autoras, os PPCs são o meio pelo qual as IES podem transgredir os ditames das legislações, já que as ações dos sujeitos críticos e historicamente situados que carregam o potencial transformador da realidade podem tensionar e ampliar as possibilidades pedagógicas até então instituídas em cada contexto local.

É importante registrar que se compreende a distância existente entre aquilo que se expressa nos documentos institucionais e as práticas que efetivamente ocorrem no cotidiano. Não se trata, portanto, de uma aproximação ingênua dos PPCs com o pressuposto de que lá estará aquilo que constitui as práticas universitárias, mas de uma observação dos fundamentos, valores e expectativas que são projetados institucionalmente sobre os egressos dos cursos.

Com a categoria “concepção de pesquisa”, obteve-se como resultado, de forma extremamente resumida, os seguintes dados: no caso da Instituição A, a palavra “pesquisa” aparece 37 vezes ao longo das 96 páginas do documento, estando distribuída da seguinte forma: (i) uma vez quando se menciona a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE; (ii) no parágrafo destacado a seguir dentro do quadro 13; (iii) e 35 vezes distribuídas entre títulos, ementas e referências bibliográfica das disciplinas.

Na instituição B, a palavra “pesquisa” aparece 17 vezes ao longo das 30 páginas do documento, estando distribuída da seguinte forma: (i) duas vezes ao explicar a importância do Trabalho de Conclusão de Curso, reproduzida no quadro 14; (ii) uma vez ao declarar quem é o docente responsável pela disciplina de Métodos e Técnica de Pesquisa; (ii) e 15 vezes entre títulos, ementas e referências bibliográficas das disciplinas.

No PPC do curso de Pedagogia da Instituição C, a palavra “pesquisa” aparece 184 vezes ao longo das 325 páginas do documento, estando distribuída da seguinte forma: (i) uma vez quando se menciona a formação do grupo de pesquisa na área de Ensino da Língua Portuguesa; (ii) seis vezes quando menciona os esforços da IES na direção de unir níveis de qualidade no ensino, na pesquisa e na extensão com vistas ao desenvolvimento sustentável da região; (iii) uma vez ao dizer que coloca seus espaços físicos e virtuais à disposição para a realização de debates, pesquisas, fóruns etc.; (iv) duas vezes quando considera a função de pesquisador como possibilidade para o pedagogo no contexto da educação básica e na produção e difusão de conhecimentos do campo educacional; (v) uma vez quando menciona pesquisa desenvolvida pelo Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (CAGED); (vi) uma vez ao mencionar novas possibilidades de trabalho, pesquisa e ensino passíveis de intervenção do profissional de Pedagogia na região; (vii) duas vezes ao mencionar a docência, a pesquisa e a gestão como pilares básicos da formação do Pedagogo; (viii) uma vez ao elencar a pesquisa como mecanismo articulador dos conhecimentos e das práticas pedagógicas; (ix) duas vezes ao mencionar a pesquisa como princípio educativo e de sua articulação com um ensino criativo e contextualizado, fazer frente aos novos desafios trazidos pelos avanços da ciência e da tecnologia na contemporaneidade; (x) seis vezes quando menciona a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão no contexto do ensino superior; (xi) uma vez ao mencionar a valorização da pesquisa individual e coletiva, levando o discente a correlacionar teoria e prática pela via de trabalhos interdisciplinares, atividades complementares e de extensão, imprimindo traços particulares à formação integral do acadêmico; (xii) três vezes ao explicar sua política institucional de pesquisa; (xiii) três vezes ao mencionar suas linhas de pesquisa de Iniciação Científica; (xiv) uma vez ao explicar a função do Núcleo de Extensão e Pesquisa no incentivo à participação dos discentes em projetos de pesquisa e publicação na revista acadêmica da instituição; (xv) três vezes ao elencar os esforços institucionais na implementação e realização de ações voltadas à pesquisa; (xvi) duas vezes ao explicar as contribuições da instituição para a sociedade com suas atividades de extensão; (xvii) uma vez ao mencionar o papel do coordenador e do colegiado na gestão do curso e das atividades de ensino, pesquisa e extensão; (xviii) uma vez ao afirmar que “somente uma visão de ensino forçosamente conjugada à pesquisa e à extensão pode evidenciar o caráter dinâmico que se quer sustentáculo da formação profissional”; (xix) cinco vezes ao explicar o enquadramento do Estágio Supervisionado como atividade obrigatória e seu papel na articulação da teoria com as atividades de pesquisa e extensão; (xx) uma vez ao explicar o que são as Atividades e Estudos Independentes; (xxi) duas vezes ao explicar o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e a formação do aluno-pesquisador; (xxii) 14 vezes ao explicar os pressupostos e a organização do EAD dentro do curso; (xxii)  e 127 vezes distribuídas entre títulos, ementas, referências bibliográfica das disciplinas, organização administrativa da IES e descrição de recursos disponíveis aos alunos.

A respeito da categoria “concepção de pedagogo”, ao se analisar o perfil do egresso delineado pela Instituição A, podemos observar que ele é estruturado com base na definição de 15 competências, as quais são fundamentadas pelos seguintes valores: “desempenhar suas funções com sólida fundamentação teórico-prática, autonomia, ética, capacidade para intervir sobre a realidade de modo competente, criatividade e empreendedorismo”.

Entre esses valores, merecem destaque a competência e o empreendedorismo, ambos vinculados a discursos de natureza mercadológica. Isso revela que, desde a sua concepção, os princípios que fundamentam as dinâmicas de competição e individualismo presentes nas sociedades de mercado estão sendo transferidos para o ambiente educacional, resultando na formação de indivíduos cuja prática profissional estará alinhada com valores compatíveis com uma perspectiva neoliberal da sociedade, em que “tudo passa pela lógica da privatização, da meritocracia individual: tanto o sujeito como a família, a escola, os amigos, as relações sociais, a democracia, o espaço público, a cidade, a nação, o Estado, os recursos naturais” (Franco, 2020, p. 436).

A Instituição B, por sua vez, assume como meta a proposta de um egresso “que saiba gerir e fazer uso do conhecimento abrangente e não o desenvolvimento de conhecimento específico”, defendendo que o pedagogo esteja apto a “aprender a aprender diferentes formas de conhecimento para o desenvolvimento de habilidades e competências que permitirão a proposição de novas abordagens e também a resolução de problemas com as abordagens existentes”.

No entanto, logo em seguida, o documento institucional estabelece que o objetivo geral do curso é “a formação de docentes para educação infantil e dois primeiros ciclos do ensino fundamental, visando à apropriação de competências e conhecimentos necessários ao exercício profissional”. Essa delimitação contraditória restringe as expectativas de atuação do egresso apenas aos níveis de ensino mencionados, o que, implicitamente, coloca outras possibilidades, como a participação em atividades de pesquisa, em um papel secundário ou pouco provável.

No decorrer do texto, o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da Instituição B apresenta, em sua seção dedicada a definir o perfil desejado para o graduado, um conjunto de 11 habilidades que são consideradas fundamentais para a atuação do pedagogo como um “agente de transformação das dimensões sociais, políticas e culturais”.

Entre essas habilidades, a Instituição optou por listar em primeiro lugar a capacidade de “estar apto para trabalhar na área de seleção e treinamento em empresas”. A decisão de destacar a possibilidade de emprego no contexto empresarial como a primeira habilidade imediatamente revela uma contradição com o objetivo geral do curso declarado no documento. Ademais, isso suscita uma questão importante: por qual razão, entre todas as outras atividades possíveis, a prioridade é dada ao trabalho no setor privado?

Isso pode indicar que o trabalho pedagógico, normalmente associado à esfera feminina, não é socialmente reconhecido como uma atividade profissional igualmente valorizada em comparação com as atividades empresariais relacionadas ao mercado, o que era de se esperar de uma sociedade capitalista, que encontra na existência das empresas a justificativa para sua razão de ser.

Nesse contexto, destacar a possibilidade do curso de Pedagogia possibilitar algo para além do trabalho no âmbito educacional demonstra uma tentativa de atribuir uma valoração maior à formação ao aproximá-la de outros contextos profissionais.

Além disso, é importante salientar que o tipo de atividade presumida para o trabalho desses pedagogos em empresas diz respeito a selecionar e treinar pessoas. A primeira atividade, a de seleção, corresponde a uma abordagem estritamente ligada à racionalidade técnica, pois pressupõe a capacidade de avaliar competências dos candidatos com vistas a estabelecer rankings para definição dos “melhores”, reproduzindo uma “visão de educação como subsistema do aparato produtivo”, destinado à “formação de trabalhadores para necessidades imediatas da economia” conforme aponta Libâneo (2018, p. 47).

Essa característica classificatória é típica de contextos organizados em torno do neoliberalismo, de onde se extrai a compreensão do mundo onde competição constante e incessante entre indivíduos produz os melhores resultados, sempre avaliados a partir de critérios quantitativos, mensuráveis e comparáveis, para garantir a possibilidade da classificação e da seleção, excluindo tudo que é subjetivo, imensurável e irredutível a números. Em outras palavras, é ignorar o que há de humano nas pessoas:

 

O investimento, portanto, deve ser na sua formação técnico-instrumental. [...] Suas preocupações restringem-se à busca de métodos eficazes para garantir resultados esperados, sem questionar a natureza e os interesses na sua determinação dos critérios desses resultados e sem se preocupar com a diversidade e a desigualdade das condições de aprendizagem. (Pimenta & Anastasiou, 2002, p. 184-185).

 

A abordagem adotada pela instituição é diametralmente oposta a uma formação que se baseia em uma perspectiva pedagógica voltada para a emancipação dos indivíduos. Nesse contexto, essa formação pressupõe a colaboração e a humanização como princípios fundamentais para superar as relações opressoras.

A segunda atividade, a de treinamento, reduz a existência do pedagogo à de mero adestrador de pessoas, pois, longe de tratar de uma prática humanizadora e complexa, lida com a preparação para execução de tarefas específicas, reificando o sujeito, tornando-o mera peça na linha de produção, tendo em vista que “[...] transformar a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador” (Freire, 2002, p. 18).

A Instituição C, por sua vez, elenca quatro princípios organizadores da formação dos egressos: (i) a compreensão sociohistórica do conhecimento; (ii) a busca por uma sociedade com maior justiça social; (iii) diálogo das diferenças; e (iv) compreensão da pesquisa e da extensão como elementos de articulação entre teoria e prática.

Esses princípios, em um primeiro olhar, demonstram que a formação dos pedagogos nesse contexto está sendo proposta dentro de uma perspectiva mais complexa e historicamente situada do que as apresentadas pelas instituições anteriores, considerando a dimensão social, a importância do diálogo e da articulação entre teoria e prática como pilares do curso.

Nesse sentido, o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) da Instituição C demonstra uma tendência em direção a uma formação mais alinhada com uma abordagem crítica da Pedagogia, como evidenciado no documento por meio da seguinte afirmação: “formação não deve apenas voltar-se para as exigências imediatas do mercado de trabalho, mas contribuir para a intervenção social na construção da cidadania”.

Por fim, no que se refere à concepção de pedagogo, o documento indica que: “do modo como foi concebida, a proposição curricular reflete a preocupação da [Instituição C] em oferecer educação tecnológica superior que alie, a um só tempo, o tratamento técnico-científico a uma dimensão pragmática da profissão, com predominância no saber fazer”.

Com essa declaração final do documento sobre o perfil do egresso, fica explicitada a concepção de pedagogo que orienta a formação na Instituição C, a qual se alinha a um modelo de formação praticista.

Portanto, no que diz respeito às concepções de pedagogo promovidas pelas instituições, foi possível observar que as Instituições A e B compartilham algumas características semelhantes que as aproximam de uma abordagem de formação técnica: orientada para objetivos, individualista e centrada na instrumentalização.

O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) da Instituição C se destaca por ser mais sólido, minucioso e demonstra um maior engajamento no planejamento do curso. Isso é evidenciado pela densa descrição de todos os elementos que o compõem, incluindo a explicitação dos pressupostos epistemológicos subjacentes à sua estruturação, tendo em vista que:

 

No modelo crítico, o professor é visto como alguém que levanta um problema. Como se sabe, alguns modelos dentro da visão técnica e prática também concebem o professor como alguém que levanta problemas. Contudo, tais modelos não compartilham a mesma visão sobre essa concepção a respeito da natureza do trabalho docente. Os modelos técnicos têm uma concepção instrumental sobre o levantamento de problemas; os práticos têm uma perspectiva mais interpretativa e os modelos críticos têm uma visão política explícita sobre o assunto. (Diniz-Pereira, 2017, p. 24).

 

Portanto, ainda que a proposta de formação da Instituição C compreenda o papel e a importância da pesquisa, ela dá ênfase à concepção prática ao não assumir o papel político que desempenha socialmente, não caminhando em direção à emancipação por meio do alinhamento com uma perspectiva crítica.

Quando se observa a categoria “prática de pesquisa”, percebe-se que a Instituição A reserva quatro componentes curriculares explicitamente vinculados à pesquisa na formação do pedagogo: (i) Metodologia do Trabalho Científico, desenvolvida no primeiro semestre do curso, com carga horário de 40h; (ii) Métodos e Técnicas de Pesquisa em Educação, trabalhada no quarto semestre do curso, também com 40h; e (iii) Projeto de Iniciação Científica I e (iv) Projeto de Iniciação Científica II, desenvolvidos respectivamente no sexto e sétimo semestres, cada um com 40h, totalizando 80h.

Observa-se que o curso alocou 180 horas das 3.440 horas totais, o que equivale a 5,23% da carga horária total do curso, para envolver seus graduados na compreensão teórica e prática da pesquisa durante sua formação inicial.

As duas primeiras disciplinas, de acordo com suas ementas, abordam os aspectos instrumentais, metodológicos e conceituais da pesquisa. Por outro lado, as duas últimas disciplinas se concentram no desenvolvimento integral de uma investigação que se estende por dois semestres, com o objetivo de culminar na elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado em formato de artigo científico e defendido de acordo com as convenções acadêmicas. Além disso, essa instituição não oferece um programa de Iniciação Científica ou outros espaços destinados a estimular o aprofundamento da pesquisa ao longo do curso de graduação.

A Instituição B estabelece quatro componentes curriculares destinados a envolver os estudantes do curso de Pedagogia com atividades de pesquisa ao longo de sua formação acadêmica: (i) Métodos e Técnica de Pesquisa, desenvolvida ao longo de 80h durante o primeiro semestre; (ii) Práticas Pedagógicas III, composta por 120h durante o quarto semestre; (iii) Projeto de Iniciação Científica, trabalhada no sétimo semestre, com 120h; e (iv) Trabalho de Conclusão de Curso, elaborado a partir do sétimo semestre, com carga horária de 200h.

Com isso, esses componentes curriculares somam um total de 520 horas dedicadas à compreensão e prática da pesquisa ao longo da formação, a qual é composta por 3.840 horas no total. Isso representa 13,54% do total de horas dedicadas a essas atividades.

A primeira disciplina tem como foco a construção de conhecimentos relacionados à compreensão instrumental e metodológica da pesquisa. Na segunda disciplina, os alunos têm a oportunidade de se envolver em pesquisas bibliográficas, documentais ou de campo, com o objetivo de promover a reflexão sobre temas do campo pedagógico. Na terceira disciplina, os alunos são desafiados a se engajarem em um projeto sob a orientação apropriada de um professor que lidera uma linha de pesquisa na instituição. Por fim, o estudante é guiado na elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, que assume a forma de uma monografia, permitindo que ele conduza uma pesquisa completa que será apresentada e defendida por ele mesmo.

A Instituição C apresenta seis componentes curriculares ligados à pesquisa em seu PPC: (i) Projeto Integrador 1: Práticas de linguagem na Educação Infantil e nos primeiros anos do Ensino Fundamental, desenvolvido no 5º semestre ao longo de 100h; (ii) Projeto integrador 2: Práticas de Matemática na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, elaborado ao longo do sexto semestre, com 100h; (iii) Projeto Integrador 3: Práticas de ensino das Ciências Humanas e da Natureza na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, trabalhado no sétimo semestre durante 100h; (iv) Projeto integrador 4: Práticas de gestão escolar e não escolar, no oitavo semestre, com 100h; (v) Trabalho de Conclusão de Curso I e (vi) Trabalho de Conclusão de Curso II, respectivamente no sétimo e oitavo semestres, com 100h cada, totalizando 200h.

Portanto, este Projeto Pedagógico do Curso (PPC) reserva um total de 600 horas para atividades diretamente relacionadas à pesquisa ao longo da formação do pedagogo. Isso representa 18,23% das 3.292 horas de componentes curriculares obrigatórios necessárias para a conclusão da graduação.

Conforme consta no texto do documento, as quatro primeiras disciplinas, os projetos integradores, apresentam, a partir do 5º semestre, a oportunidade de os alunos se engajarem diretamente na realidade educacional como lócus de investigação, supostamente vivenciando, desde a graduação, o contexto escolar às luzes da pesquisa.

A cada semestre, eles seriam convidados a analisar criticamente uma área de conhecimento a partir dos problemas encontrados no contato com o cotidiano escolar, possibilitando a esses alunos “o desenvolvimento da observação crítica e a realização da pesquisa engajada com a realidade educacional”, propiciando “aprendizagens de participação social e de reafirmação constante do compromisso político-pedagógico com a educação numa perspectiva emancipadora”, conforme aponta o PPC da Instituição C. No último ano da graduação, em concomitância com os projetos integradores 3 e 4, seriam desenvolvidos os Trabalhos de Conclusão de Curso, em formato de monografia, sob orientação de um docente da instituição.

Em síntese, considerando a primeira categoria, a de concepção de pesquisa, é possível notar que ela figura como um princípio educativo apenas no documento C, pois nota-se o anúncio de um esforço consistente para garantir que a abordagem da pesquisa ocorra dentro de uma proposta de ensino contextualizada e integrada.

Esse movimento aproxima a Instituição C da concepção prática de formação de professores, na qual o docente não depende de categorias teóricas e técnicas preestabelecidas, mas constrói uma nova teoria a partir de casos únicos (Schön, 1983).

Em contraste, as práticas isoladas observadas nos documentos das instituições A e B tendem a se alinhar com uma epistemologia positivista da prática, enfatizando soluções instrumentais baseadas na aplicação rigorosa de teorias científicas ou técnicas (Schön, 1983), o que resulta em práticas ensimesmadas, sem articulação com os demais eixos formativos do curso.

Além disso, a falta de explicitações ao longo dos documentos das duas últimas instituições mencionadas também sugere um comprometimento menor com a fundamentação epistemológica da formação, indicando um tratamento burocrático para o Projeto Pedagógico de Curso, o que, consequentemente, reverbera na organização curricular geral.

Ambas as instituições A e B apresentam em seu PPC uma abordagem superficial em todos os tópicos, especialmente no que diz respeito à pesquisa na formação de pedagogos. Isso reforça a hipótese de que esse componente curricular não ocupa uma posição privilegiada no escopo das preocupações da prática e da formação docente dessas instituições, reproduzindo equívocos de longa data, tendo em vista que:

 

Historicamente compreende-se que a prática de formação docente esteve quase sempre atrelada a pressupostos tecnicistas, com caráter mais de cumprimento de realização de tarefas do que de perguntas e reflexões à dinâmica da prática. A prática pedagógica assim concebida foi se estruturando de forma tecnicista e burocrática, por certo no pressuposto de que a aprendizagem da docência se faça por cópias de modelos de práticas e não pelo pensamento crítico do futuro docente interpelando e ressignificando a prática. (Franco & Santos, 2023, p. 2).

 

Com relação à segunda categoria, observa-se que as três instituições tendem a uma compreensão do pedagogo mais associada ao saber-fazer, à execução prática e à separação entre teoria e prática.

Essa abordagem pode resultar em uma formação teórica e científica sólida, mas que não promove de forma adequada as dimensões reflexivas, investigativas e problematizadoras necessárias para uma formação comprometida com a emancipação dos sujeitos por meio da pesquisa.

Com isso, ao final da análise da segunda categoria, ficou evidente que a diferença entre as propostas de perfil de egresso anunciadas pelas três instituições em seus PPCs está na importância atribuída à pesquisa, com a instituição C concedendo mais espaço para uma compreensão complexa da pesquisa em comparação com as instituições A e B.

No entanto, a concepção da instituição C ainda se aproxima mais de um modelo de formação prático do que crítico, pois não enfatiza a dimensão política do papel do pedagogo.

Quanto à última categoria de análise, as três instituições exigem um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), mas com formatos diferentes. A Instituição A solicita um artigo científico, enquanto as instituições B e C exigem uma monografia dos estudantes. Optar por um formato mais simples para o TCC pode resultar em uma tarefa de menor complexidade para os alunos, o que pode levar a uma reflexão menos elaborada sobre as práticas pedagógicas e um engajamento superficial. Esse tratamento pode levar os envolvidos à percepção de que o TCC é uma tarefa meramente burocrática para a conclusão do curso, sem um significado pedagógico profundo.

No entanto, é importante lembrar que a quantidade de carga horária dedicada à pesquisa não é o único fator que determina o envolvimento dos alunos com a pesquisa como parte essencial de sua formação. Também é fundamental considerar os pressupostos epistemológicos que orientam o planejamento dos cursos.

Com isso em mente, apenas a instituição C explicita os conceitos e pressupostos que organizam seu curso, indicando, em alguns momentos, um compromisso mais próximo de uma perspectiva crítico-emancipatória e, em outros, concepções mais praticistas. Além disso, todas as instituições parecem submetidas a tensões relacionadas à natureza mercadológica das instituições privadas de ensino.

Outro aspecto observado na instituição C foi a sobrecarga de tarefas, como a realização do TCC, o estágio supervisionado e outras disciplinas do semestre que também envolvem práticas e coleta de dados em campo, o que pode prejudicar a qualidade da formação dos alunos, levando a um tratamento burocrático das atividades de pesquisa e esvaziando seu significado pedagógico.

No entanto, projetos integradores desenvolvidos por essa mesma instituição oferecem oportunidades interessantes para o envolvimento dos alunos com a pesquisa, indo além do TCC, por meio de projetos realizados sob orientação de docentes, permitindo aos alunos engajarem-se com pesquisas em contexto escolar desde sua formação inicial.

A compreensão do papel do pedagogo, conforme observado na maioria dos Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) analisados, parece ser bastante restrita, circunscrevendo-o a um profissional que atuará predominantemente nos anos iniciais da educação básica como um mero executor técnico das diretrizes curriculares. Essa visão não enfatiza a formação do pedagogo como um intelectual crítico e reflexivo, tendo em vista que, em duas das três instituições analisadas, há até uma perspectiva controversa que prioriza a atuação do pedagogo no contexto empresarial.

Por essas razões, a pesquisa, de acordo com os documentos das instituições analisadas, é concebida como uma dimensão secundária, não orientadora das práticas pedagógicas, mas sim como algo que acompanha o tripé “pesquisa, ensino e extensão” de maneira intrínseca, sem ênfase clara ou base epistemológica definida, o que sugere acriticidade e reprodução das diretrizes ideológicas que sustentam práticas e concepções pedagógicas alienantes.

Nos PPCs, a pesquisa está presente em disciplinas específicas do currículo, mas a falta de pressupostos epistemológicos claros não revela a concepção subjacente a essas disciplinas. Isso indica uma compreensão de pesquisa meramente técnica, não considerada como um elemento essencial da formação do pedagogo, muitas vezes enquadrada em uma perspectiva positivista, fazendo com que ela seja frequentemente vista como mera organização e apresentação de conhecimento, sem compromisso com uma abordagem emancipatória e humanizadora.

Essa análise sugere que, apesar de haver uma legitimação do papel da pesquisa nos documentos institucionais, as ementas das disciplinas, as cargas horárias e os componentes curriculares relacionados à pesquisa refletem uma visão limitada e técnica desse aspecto da formação do pedagogo, que não abraça plenamente sua dimensão crítica e transformadora.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

BELLETATI, V. C. F.; PIMENTA, S. G.; LIMA, V. M. M. (2021). Formar professores intelectuais crítico-reflexivos nos cursos de licenciatura apesar das diretrizes nacionais: transgressões possíveis. Nuances: Estudos sobre Educação, 32(00), e021026.

BRASIL. (2020). Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Seção 1, 87-90.

CARR, W.; KEMMIS, S. (1986). Becoming critical: Education, knowledge and action research. Philadelphia: Falmer Press.

CHARLOT, B. (2020). Educação ou Barbárie? Uma escolha para a sociedade contemporânea. São Paulo: Cortez.

CONTRERAS, J. (2012). A autonomia de professores (2ª ed.). São Paulo: Cortez.

COSTA, E. A. S.; MARTINS, E. S.; LIMA, M. S. L. (2021). A formação do professor pesquisador e o exercício de autoria: a escrita de diários de formação em pauta.

DINIZ-PEREIRA, J. E. (2017). A pesquisa dos educadores como estratégia para construção de modelos críticos de formação docente. In: DINIZ-PEREIRA, J. E.; ZEICHNER, K. M. (Orgs.). A pesquisa na formação e no trabalho docente (2ª ed.). Belo Horizonte: Autêntica.

FRANCO, M. A. R. S. (2020). Pedagogia crítica: transformações nos sentidos e nas práticas emancipatórias. Práxis Educacional, 16(42), 423-439.

FRANCO, M. A. R. S. (2008). Pedagogia como ciência da educação (2ª ed.). São Paulo: Cortez.

FRANCO, M. A. R. S. (2005). Pedagogia da Pesquisa-Ação. Educação e Pesquisa, 31(3), 483-502.

FRANCO, M. A. R. S.; SANTOS, R. R. (2023). Tessituras formativas: o estágio como prática pedagógica de formação. Revista Internacional de Pesquisa em Didática das Ciências e Matemática, 1-17.

FREIRE, P. (1987). Pedagogia do oprimido (17ª ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. (2002). Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa (25ª ed.). São Paulo: Paz e Terra.

GIL, A. C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6ª ed.). São Paulo: Atlas.

GIROUX, H. A. (2011). On Critical Pedagogy. New York: Continuum.

LIBÂNEO, J. C. (2018). Políticas Educacionais neoliberais e escola: uma qualidade de educação restrita e restritiva. In: LIBÂNEO, J. C.; FREITAS, R. A. M. M. Políticas educacionais neoliberais e escola pública: uma qualidade restrita de educação escolar. Goiânia: Espaço Acadêmico.

MINAYO, M. C. S. (2012). Análise qualitativa: Teoria, passos e fidedignidade. Ciência e Saúde Coletiva, 17(3), 621-626.

PIMENTA, S. G. (2006). Professor Reflexivo: Construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito (4ª ed.). São Paulo: Cortez.

PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. G. C. (2002). O docente no ensino superior. In: Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 177–200.

SCHÖN, D. (1983). The reflective practitioner. New York: Basic Books.

SHOR, I. (1992). Empowering Education: Critical teaching for social change. Chicago: The University of Chicago Press

Encontrou algo a ajustar?

Ajude-nos a melhorar este registro. Você pode enviar uma correção de metadados, errata ou versão atualizada.