O direito à creche está instituído na Constituição Federal (1988), em seu artigo 208, sendo uma conquista considerada recente. No entanto, há um abismo entre o que está preconizado na nossa Carta Magna e o que o estado brasileiro tem desenvolvido de políticas educacionais para atendimento às crianças de 0 a 3 anos de idade. Sendo ainda, um espaço de disputas e de poder para a sua oferta ampliada, de forma qualificada e que promova uma formação integral para a Primeira Infância, rompendo com o caráter assistencialista, benevolente e caritativo.
A ausência ou a descontinuidade de políticas educacionais para atendimento à creche, tem sido uma problemática no cenário brasileiro, o que impede crianças pequenas de acessarem este espaço educativo, limitando-as muitas vezes a espaços insalubres, sem as mínimas condições estruturais e pedagógicas, principalmente em bairros periféricos. Ou ainda, quando nos deparamos com programas de vouchers para custear o acesso a creches, de um modelo caracterizado por seu baixo custo.
Diante do cenário apresentado, Alagoas cria uma política de governo intersetorial no ano de 2018, nomeada de Programa Criança Alagoana (CRIA), que dentre as suas ações estão a construção ou reformas de creches municipais, ampliando desta forma, as ofertas de matrículas para as crianças pequenas, de 0 a 3 anos de idade.
Esta pesquisa em andamento possui como objetivo apresentar aspectos históricos, sociais e políticos de atendimento ao direito à creche, a nível nacional e local, com destaque para o Programa CRIA. A metodologia é de abordagem qualitativa, a partir da pesquisa bibliográfica e documental.
O artigo está organizado da seguinte forma: na primeira seção intitulada Notas Históricas sobre a Educação das Crianças Pequenas, apresentamos um breve retrospecto sobre a Educação Infantil e especificamente as creches. A segunda seção, Breves Apontamentos sobre o Atendimento às Crianças em Creches no Brasil, discorremos sobre a história e as políticas educacionais em âmbito nacional até o século XXI, que foram criadas para as crianças pequenas. Já na terceira seção, Contextualizando a Oferta de Creches em Alagoas, apresentamos as influências que marcam uma trajetória de avanços e retrocessos, sobretudo práticas autoritárias e de disciplinamento dos infantis em Alagoas. E por fim, O Programa Cria em Alagoas: dados preliminares, realizamos uma caracterização do Programa e alguns pontos que colocam Alagoas na vanguarda na garantia do direito à creche.
Notas Históricas sobre a Educação das Crianças Pequenas
Para discutir o direito à educação infantil no contexto atual é necessário compreender a trajetória histórica do atendimento às crianças em instituições de educação infantil, ou seja; em creches e pré-escolas, compreendendo as mudanças em diferentes períodos históricos.
Historicamente, os primeiros espaços pensados como instituição infantil eram vistos apenas com caráter assistencialista, escassos de cuidados domésticos, onde a responsabilidade no que diz respeito à educação era somente da família, mais especificamente da mãe e de outras mulheres do mesmo contexto social, de forma que a creche tornava-se meramente substituta do convívio familiar.
O recorte em favor da família como matriz educativa preferencial aparece também nas denominações das instituições de guarda e educação da primeira infância. O termo francês crèche equivale a manjedoura, presépio. O termo italiano asilo nido indica um ninho que abriga. “Escola materna” foi outra designação usada para referir-se ao atendimento de guarda e educação fora da família a crianças pequenas. (OLIVEIRA, 2008, p. 58).
À vista disso, tais espaços resultaram em um refúgio para cuidar de crianças, sem nenhum objetivo com o educar propriamente dito, trazendo concepções muito limitadas ao olhar da criança, consequentemente, a educação infantil foi compreendida durante muito tempo como um espaço higienista e de disciplinamento, constituído para favorecer cuidados de saúde, isto é, atendimento às necessidades físicas das crianças, como higiene, sede, fome e sono. Assim sendo, Santos (2018a, p. 50) aponta que: “Ao longo da história, a infância sempre foi pensada com traços negativos, desconsiderando suas adversidades e identidades, com reducionismos que apresentam visões genéricas.”
Nessa perspectiva, é importante apontar que as instituições de atendimento infantil eram de ordem privada, em outros termos, não era um direito que todos tinham acesso, sendo permeado por organizações filantrópicas, assistencialistas, de caridade, custódia e de âmbito compensatório, para prestação de apoio e cuidado às crianças que se encontravam em situações desfavoráveis socialmente e de vulnerabilidade. De acordo com as afirmações de Ariès (1973), essa divisão de direitos se deu a partir das diferenças de classes, ocasionadas pela proteção e cuidado na esfera escolar entre a criança burguesa e a criança do povo.
Há vários aspectos que ao decorrer da narrativa influenciam as fundações das creches e pré-escolas, entre eles, a criação da roda dos expostos, com origem na Europa Medieval, no qual, violência sexual, gestações frutos de relações extraconjugais, rejeição paternal e pobreza extrema, resultaram em um grande abandono de crianças e recém-nascidos por parte de seus genitores.
A referida roda dos expostos é um mecanismo construído sob forma de cilindro giratório, localizado nas faixadas de igrejas e hospitais de caridade, servindo como um depósito, de maneira que facilitasse a “entrega” daquelas crianças e que a identidade de quem as deixou e de quem acolheu não fosse revelada, sendo então um meio encontrado para prestar assistência às crianças, a fim de evitar que as mesmas fossem mortas. (OLIVEIRA, 2008). Contribuindo com a discussão, Santos (2018a) acrescenta que a roda dos expostos foi um instrumento utilizado, principalmente entre os séculos XVIII e XIX, como uma estratégia de cuidar de crianças pobres, que eram abandonados por suas genitoras e genitores, devido às questões morais e religiosas.
Além disto, as instituições eram também designadas a cuidar das crianças em que os pais faziam parte da classe operária, e assim, enquanto as mães trabalhavam, os filhos passavam a maior parte do tempo nestes espaços de atendimento infantil, sendo a principal classe que necessitaria desta assistência, especificamente para crianças acima de 3 anos de idade. Com isso, eram criados os asilos e as infants schools, tendo a sua origem em Londres, na Inglaterra, no qual visavam o cuidado com as condições de saúde em que se encontravam as crianças de classes menos favorecidas, tal como questões relacionadas ao ensino da moralidade, honestidade e obediência.
Sucessivamente foram sendo criados a partir de grandes necessidades sociais outros espaços de acolhimento às crianças fora do âmbito familiar, mantendo ainda o status filantrópico, objetivando as conjunturas do desenvolvimento infantil, de modo que as crianças na faixa etária de 2 a 3 anos de idade eram inseridas nas Charity school, oriundas de países europeus, como França e Inglaterra, no qual utilizavam atividades direcionadas a memorização de rezas e estudos de passagem bíblicas, visto que tais práticas eram propostas focadas em valores religiosos.
Aqueles pioneiros acreditavam que, como as crianças nasciam sob o pecado, cabia à família e, na falta dela, à sociedade corrigi-las desde pequenas. Eles defendiam um rigoroso planejamento do tempo nas escolas, mesmo nas que atendiam crianças pequenas, gerando uma rotina de atividades a ser observada diariamente e fundada na idéia [sic] de autodisciplina. (OLIVEIRA (2008, p. 60).
Com o crescimento da urbanização e as modificações relacionadas à família patriarcal, entre os séculos XVIII e XIX, foi desenvolvendo debates no que diz respeito a escolaridade obrigatória e a relevância da educação no processo do desenvolvimento social e coletivo, em que a criança começa a ser considerada como ponto central no âmbito educativo, sendo esta concepção apresentada como uma espécie de preparação da criança para a fase adulta. Tais aspectos estavam presentes somente na educação das crianças de classes favorecidas, de forma que para a elite europeia a oferta da educação para as camadas populares não era vista como algo cabível socialmente. (OLIVEIRA, 2008).
De acordo com a referida autora, a partir das ideias de Friedrich Froebel, foi fundado então o primeiro jardim de infância inglês em 1848, sendo posteriormente fundado em território americano, no ano de 1858. Ainda com tais concepções ganhando força, em 1860 é instituído o primeiro jardim de infância de língua inglesa em Boston - Massachusetts, de tal modo que o ano de 1894 foi marcado pela estruturação de novas metodologias de ensino com o intuito de serem adotadas em escolas na Itália, onde as classes populares eram atendidas. Por conseguinte, a apropriação das determinadas teorias pedagógicas externadas para atender a população majoritariamente desfavorecida, foram sendo também aplicadas nas escolas frequentadas por alunos de classe média e alta de diversos países. (OLIVEIRA, 2008).
Assim sendo, através de concepções baseadas na psicologia, no período posterior à primeira guerra mundial, assegurava-se a uma ideia voltada ao respeito da infância como uma época da vida que se deve predominar aspectos sócio-afetivos, apontando por meio disso, concepções pertinentes ao Movimento das Escolas Novas. Com base nisso, Oliveira (2008, p. 76) contribui afirmando que: “Esse movimento se posicionava contra a concepção de que a escola deveria preparar para a vida com uma visão centrada no adulto, desconhecendo as características do pensamento infantil [...]”.
No que diz respeito à educação infantil na Europa, destaca-se ainda, uma discussão pautada entre o amparo aos desfavorecidos como um direito social de todos, dando ênfase também na identificação de seus objetivos para promover igualdade em seus amplos atendimentos, além da necessidade de promover permanentes formações aos educadores da área.
Nesse sentido, Bulaty e Martinez (2022) apresentam o seguinte apontamento:
Esse momento foi o ponta pé inicial para o surgimento das instituições de educação infantil - creche e pré-escolas - relacionadas não só com as questões educacionais e pedagógicas, mas de certo modo tem ligação com as mudanças econômicas, políticas e sociais, que ocorreram na sociedade pela incorporação da mulher no mercado de trabalho assalariado - trabalho materno fora do lar, a nova organização das famílias, o novo papel da mulher na nova relação entre os sexos, mas também por outro lado, se deu por razões que identificam um conjunto de novas ideias sobre a infância, sobre o papel da criança na sociedade e como torná-la através da educação um indivíduo produtivo e ajustado a esse conjunto social. (BULATY e MARTINEZ, 2022, p. 34).
Destarte, a organização política e pedagógica do atendimento às crianças nas diversas instituições de ensino podem se diferenciar em cada país, considerando que em determinados países a pré-escola está diretamente associada a escola primária, utilizando organizações metodológicas variadas, com foco no desenvolvimento integral da criança ou com metodologias de aspecto convencional, de maneira que os serviços ofertados em creches e pré-escolas podem ser integrados a diferentes órgãos, a partir de cada legislação governamental.
Breves Apontamentos sobre o Atendimento às Crianças em Creches no Brasil
As primeiras iniciativas de atendimento à educação infantil no Brasil não se diferem do contexto social ocorrido no mundo, considerando que até meados do século XIX, o acolhimento às crianças em instituições infantis (creches ou parques infantis) não existia no país. Nesse sentido, a construção histórica da infância no Brasil é apontada como uma infância ingênua e dependente. (SANTOS, 2018a).
Conforme a realidade local, no território rural, espaço em que residiam maior parte da população do país, as famílias de fazendeiros eram responsáveis pelo cuidado de crianças órfãs e abandonadas, de modo que no espaço da zona urbana, assim como citado anteriormente, as crianças eram abandonadas na roda de expostos, existentes em determinadas cidades do país por volta do século XVIII.
As origens das instituições relacionadas à Educação Infantil não foram brasileiras e tinham como conceito instituições que protegiam, cuidavam, mantinham a criança sem perigo, como um ninho e uma manjedoura, que acolhem para que futuramente os pequenos possam florescer no belo e prazeroso jardim. (CONCEIÇÃO e FILHO, 2022, p.29).
A partir de 1888, com o advento da Lei Áurea, surge também novos impasses no que diz respeito ao destino dos filhos de negros escravizados, onde por meio disso, os primeiros discursos sobre creches e instituições de amparo infantil para as classes desfavorecidas começam a ser pensados no Brasil. (OLIVEIRA, 2008). Mas não implementada.
Além disso, Kramer (2003, p.24) afirma que:
As crianças das classes sociais dominadas (economicamente, desfavorecidas, exploradas, marginalizadas, de baixa-renda) são consideradas como “carentes”, “deficientes”, “inferiores” na medida em que não correspondem ao padrão estabelecido. Faltaram a estas crianças, “privadas culturalmente”, determinados atributos, atitudes ou conteúdos que deveriam ser nelas incutidos, a fim de suprir as deficiências de saúde e nutrição, as escolares, ou as do meio-cultural em que vivem as crianças, são propostos diversos programas de educação pré-escolar de cunho compensatório.
Durante o período histórico em que antecede à Proclamação da República, é evidenciado perspectivas voltadas ao atendimento das crianças em vulnerabilidade social, visando reduzir as altas taxas de mortalidade infantil.
No período que antecedeu a Constituição de 1988, destaca-se o debate voltado ao acolhimento aos filhos dos operários nestas instituições, o que ocasionou um grande número de centros de ensino infantil em funcionamento, mantidos por empresas industriais, por órgãos públicos, além da ajuda de custo para as funcionárias e mães de crianças pequenas, tratado como uma espécie de bônus salarial. (OLIVEIRA, 2008b).
De acordo com Kramer (2006), as políticas públicas estaduais e municipais implementadas na década de 1980, colocou em questão a abordagem da privação ou carência cultural, defendidos nos documentos oficiais, que defendiam as crianças como carentes, deficientes, imaturas e defasadas, surgindo propostas diferenciadas, algumas voltadas à melhoria da qualidade de vida da população. A expansão das creches deu-se na década de 1980, com os movimentos sociais (associações de moradores, grupos de luta contra a carestia, etc.).
No final do século XX, novos paradigmas surgiram acerca da creche, colocando seu acesso como direito educacional. A concepção da creche como direito da criança, direito de trabalhadores mulheres e homens, emerge pela força de movimentos sociais inéditos como o movimento feminista, os movimentos de luta pela ampliação dos direitos à educação, pelos movimentos de luta pelos direitos das crianças. “A criança deixa de ser vista como objeto de cuidados e vítima de um sistema que produz mães ‘forçadas a trabalhar’, para se inscrever em novos tempos de mudanças sociais, culturais e demográficas, ganhando o status de sujeito de direitos”. (VIEIRA, 2016, p.201).
Na década de 1990, a educação contou com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), além da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN Nº 9394/96), instituindo a educação infantil como etapa inicial da educação básica, podendo ser destacado também o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), evidenciando aspectos didáticos e pedagógicos para as instituições de ensino que atuam com crianças na faixa etária de 0 a 6 anos.
Nos primeiros anos de 2000, observamos um movimento de luta pelo direito à creches e pré-escolas para as crianças brasileiras, com a formação de fóruns, mudanças nas legislações e nas normas dos sistemas estaduais e municipais de ensino, a criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), com a inclusão do financiamento para a Educação Infantil. Oliveira (2008) aponta um aumento significativo no número de crianças matriculadas em creches e pré-escolas no país, de acordo com o censo demográfico realizado no ano 2000.
Com base nesse cenário são alicerçados novos órgãos e documentos próprios da educação infantil, sendo eles: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2010), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006), bem como, parcerias entre o Ministério da Educação (MEC) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), que garantam o atendimento à Educação Infantil.
De Faria e Finco (2021) acrescentam:
No Brasil, a entrada da criança pequena na creche significa o encontro com as diferenças, a chegada à cidade, à esfera pública. A passagem da esfera privada da casa para a esfera pública da Educação Infantil: creche ou pré-escola, vai proporcionar espaços de encontros e desencontros com a diversidade. (DE FARIA e FINCO, 2021, p. 66).
Nessa conjuntura, observamos as mudanças sociais, políticas e educacionais ocasionadas pela implantação das instituições de educação infantil enquanto direito das crianças pequenas, rompendo com a perspectiva assistencialista que marca a nossa história, sendo a criança compreendida como um sujeito de direitos afirmativo, ativo e potente. Contudo, a sua universalização ainda tem se dado de forma lenta em território nacional.
Contextualizando a Oferta de Creches em Alagoas
As discussões acerca do surgimento da educação infantil em Alagoas aparecem primordialmente através de teorias nacionais e internacionais, vinculadas ao movimento de renovação educacional, propondo-se a ampliar o conceito pedagógico europeu, de modo a reafirmar uma educação ativa e progressiva no país. Apresenta-se com base nisso, o predomínio das concepções de John Dewey a respeito do escolanovismo, bem como a participação da família e da igreja, visando a presença de aspectos morais e religiosos, a partir da obediência e da disciplina no âmbito educativo da educação infantil, que referente ao Estado ficou por muitos anos sob responsabilidade dessas instituições.
De acordo com Santos (2018b, p. 132) “As premissas do escolanovismo de John Dewey de que a criança deveria ser formada para exercer as atividades “fundamentais” da civilização terminou por influenciar nos discursos sobre a educação da criança alagoana [..].”
A partir de estudos, nota-se que há uma grande escassez no que concerne às referências sobre o percurso da educação infantil em Alagoas, de forma que maior parte dos elementos disponíveis não detêm de análises sistemáticas específicas, no qual suas contextualizações apresentam-se através de parcelas, levando assim por vezes, à falta de suporte teórico e resgates acerca de toda a sua disposição histórica, política e pedagógica para a área de atendimento em creches e pré-escola.
As fundamentações teóricas a respeito da educação infantil em Alagoas estão postas na Revista de Ensino Alagoana, órgão oficial da Diretoria da Instrução Pública de Alagoas, estabelecida em 1925, sendo apontada como sendo um dos grandes periódicos encarregados pela atribuição em prol dos princípios escolanovistas do Estado. Santos (2018b) corrobora afirmando:
[...] O periódico passou a ser um meio de fornecer informação aos professores e divulgar os novos processos de ensino, já que eram publicados planos de aula, ensaios de professores da Escola Normal de Maceió, do Liceu Alagoano, dos Grupos Escolares da capital e trabalhos de autores do cenário nacional e internacional com temas relacionados à Escola Nova. (SANTOS, 2018b, p. 116).
O Estado de Alagoas por muitas décadas negligenciou a educação infantil, e em particular, as creches; onde grande parte das crianças de classes menos favorecidas socialmente não tiveram acesso.
Desse modo, considerando ainda que embora existisse a oferta, o Estado não desfrutava de recursos financeiros que pudessem arcar com toda a esfera pública. Silva (2009, p. 64-65) acrescenta: “[...] As crianças pobres [...] não tinham acesso a esse direito de aprender a ler antes dos sete anos de idade, o que só viria a acontecer quando, ou se pudessem entrar numa escola pública elementar, sempre condicionadas à existência de vagas.”
Segundo Aderne (2020), outras instituições de cunho religioso ofertavam o atendimento às crianças em Alagoas, através de colégios católicos, orfanatos e escolas paroquias, situados entre a cidade de Maceió e Penedo.
A política escolar estadual passou por diversos impasses na garantia do direito à educação para as crianças pequenas, más condições de trabalho, jornadas excessivas, salários irrisórios, falta de formação e preparo profissional para as educadoras da área, espaços precários, em lugares com condições inadequadas, construídos em galpões e utilizados como sala de aula, com poucas profissionais e um grande número de crianças com tão pouca idade, matriculadas em uma mesma turma e frequentando o mesmo ambiente.
Silva (2009) aponta que o atendimento das crianças nestes espaços até a década de 1970 do século XIX acontecia acerca de conteúdos pensados para a aprendizagem das primeiras letras à todas as crianças, tendo como exemplo as turmas localizadas na residência de professores, até então designados para a função pelo poder público. Destaca-se com grande importância a presença de instituições no âmbito particular, trazendo como referência a Escola da Dona Ernestina Maciel Ferreira, localizada na Capital do Estado, em Maceió.
Ainda segundo a mesma autora, até as duas primeiras décadas do século XX não havia atendimento para as crianças pequenas menores de sete anos de idade, sendo as únicas evidências expostas, as casas de amparo às famílias das classes populares e as crianças órfãs, majoritariamente as meninas, atendidas a partir dos quatro anos de idade, com permanência até os doze, visando neste espaço aprendizados focados também no ensino das primeiras letras, bem como, atividades domésticas, de maneira que após o seu período de escolarização iniciaram seus trabalhos em casas de famílias, sendo destaque o Asilo Nossa Senhora do Bom Conselho, situado na Capital. (SILVA, 2009).
Conforme Silva (2009), no tocante ao surgimento das creches públicas em território alagoano, observa-se que tais atendimentos só vieram a acontecer a datar da década de 1970, considerando os mesmos enfoques assistencialistas que deram origem a estes atendimentos. Para mais, o acolhimento às crianças de zero a três anos iniciou sua oficialização por meio de determinações norteadas especialmente para a esfera da classe média, enquanto a educação pré-escolar passou a ser apresentada como constituinte de políticas públicas educacionais por intermédio do Setor de Educação Pré-Escolar, proposto na Secretaria de Educação do Estado, no ano de 1976.
Sendo assim, a oferta à creches no estado de Alagoas também se deu em espaços trabalhistas, principalmente relacionado ao setor sucroalcooleiro e fábricas, situadas nas cidades de: Maceió, Rio Largo, Jequiá da Praia, Campo Alegre, São Miguel dos Campos, Atalaia, São José da Laje, Teotônio Vilela, Matriz do Camaragibe e Delmiro Gouveia. (ADERNE, 2020). Ainda de acordo com a referida autora, as crianças possuíam faixa etária variada, por volta dos três aos seis anos de idade, sem divisão alguma nas turmas de sala de aula, e em sua grande maioria, o único critério para o ingresso na instituição é que as crianças fossem filhas dos operários e permanecessem durante todo o dia naquele ambiente, fator que correspondia a jornada de trabalho dos pais nas empresas. As crianças ficavam sob acompanhamento das cuidadoras, que eram contratadas pelas próprias usinas de cana-de açúcar e fábricas, pelo poder público do Estado ou até mesmo por indicação, no qual não havia obrigatoriedade para formação específica na área. (ADERNE, 2020).
A escassez de fontes históricas sobre a oferta à creches no estado de Alagoas, nos impõe limites de aprofundamento teórico e histórico, no entanto, é importante destacar o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (PROINFÂNCIA), criado no ano de 2007, como um grande propulsor no número de matrículas nas creches, além dos investimentos na construção e na formação de professores para atuarem nesta etapa. Segundo Siqueira (2019), até março de 2018, o Estado contemplava 169 termos de adesão assinados com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), por 85 municípios do estado. No entanto, destacamos que não foi dado continuidade ao Programa na gestão federal que antecedeu o presidente Lula.
O Programa Cria em Alagoas: dados preliminares
O Programa CRIA – Criança Alagoana, foi instituído através da Lei Nº 7.967/2018, no governo de Renan Filho (MDB), sendo uma política de governo de caráter intersetorial que se articula com outras áreas, como a Saúde e a Assistência Social.
Na contramão do desgoverno anterior, o estado de Alagoas, implementa o Programa CRIA, investindo na construção de creches e possibilitando a ampliação de vagas para a educação infantil, em regime de colaboração com os municípios, garantindo recursos financeiros e o acesso à primeira etapa da educação básica. Contudo, os dados do Censo Escolar (2022), o estado de Alagoas possui 51.339 crianças matriculadas em creches.
De acordo com a Lei Nº 7.967/2018, em seu artigo 1º, o Programa visa promover o desenvolvimento infantil integral na primeira infância, desde a gestação até os seis anos de idade, englobando aspectos físicos, cognitivos e psicossociais, levando em consideração a família e seu contexto de vida. (ALAGOAS, 2018).
O público-alvo é composto de famílias com gestantes e crianças de 0 (zero) aos 6 (seis) anos, em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social; e as gestantes, nutrizes e crianças dos 6 (seis) aos 24 (vinte e quatro) meses em desnutrição e insegurança alimentar, nutricional e vulnerabilidade social. É importante destacar que segundo dados do Programa, temos 106.233 crianças sendo beneficiadas com as ações do CRIA.
De acordo com informações coletadas no sítio eletrônico do CRIA, o Programa possui quatro diretrizes a saber: desenvolvimento profissional para o desenvolvimento integral da Primeira Infância, promoção da recuperação nutricional de gestantes e crianças, estimulação do desenvolvimento cognitivo por meio dos vínculos afetivos, da ludicidade e da educação infantil e por último, fortalecimento da rede de apoio, de serviços públicos e benefícios voltados para a proteção e o desenvolvimento integral da Primeira Infância.
No tocante à educação, objeto da nossa pesquisa, o Programa CRIA possui como uma de suas estratégias o aumento do percentual de crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches, para isso tem sido investido na construção ou reformas de creches municipais, conforme estabelece o Artigo 3º, parágrafo IV, da Lei Nº 7.967/2018. Atualmente, já foram entregues 42 creches em todo território alagoano.
O CRIA tem se destacado nacionalmente e em 2019 foi vencedor do Prêmio Excelência de Competitividade na categoria Boas Práticas promovido pelo Centro de Lideranças Públicas (CLP). Mesmo com a mudança na gestão do governo de Alagoas no último pleito eleitoral, o atual governador - Paulo Dantas (MDB), segue dando continuidade ao Programa.
Ressaltamos que o Programa CRIA tem contribuído para a ampliação do número de matrícula nas creches, diante de um cenário de retrocessos e negação de direitos educacionais. No entanto, ainda temos sérias lacunas na garantia desse direito, já que há uma dependência dos municípios ao Programa para a ampliação de sua oferta nas redes/sistemas de ensino para as crianças de 0 a 3 anos de idade.
Finalizamos esse trabalho, afirmando que o direito à creche para as crianças brasileiras e em especial, as alagoanas, é uma luta constante e árdua de todos os educadores, pois historicamente esse direito foi reduzido ao assistencialismo, aos interesses do capital e à benevolência dos governantes, sem uma real preocupação com o desenvolvimento integral da Primeira Infância.
Entre avanços e retrocessos no provimento desse direito, foi criado em 2018, o Programa CRIA, no bojo de um pacote de programas pautados no consenso da inovação e da modernização da educação alagoana. É importante considerar, o papel que este Programa tem assumido no estado, com a construção e reformas de creches municipais, ampliando a oferta para as crianças de 0 a 3 anos de idade, mas ainda insuficientes.
Pontuamos que as investigações sobre este Programa do estado de Alagoas ainda são incipientes, principalmente na área da educação, culminando em possíveis fragilidades nas análises aqui tecidas. As poucas produções encontradas, no total de 2 publicações em anais de eventos, focam em aspectos relacionados à Assistência e Desenvolvimento Social, áreas de atuação também do Programa CRIA, demonstrando a importância do debate para o campo das políticas educacionais para as infâncias.
ADERNE, Aline da Silva Ferreira. A educação da infância em Alagoas em fábricas e usinas antes da Constituição Federal de 1988. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Alagoas. Centro de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação. Maceió, 2020.
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