Ensinar em tempos de incerteza e de imersão em uma profunda crise civilizatória (MORIN, 1999) nos põe em contato com as múltiplas dimensões imbrincadas nos processos subjacentes à aprendizagem. Se até um passado recente era possível desconsiderar o papel de centralidade que as emoções ocupavam no ensino e na aprendizagem, no cenário atual de pós-pandemia não é mais possível adiar essa reflexão, dada a latência e a urgência com a qual a dimensão socioemocional tem atravessado, de forma candente, o cotidiano das escolas.
Ao refletirmos sobre o que é constitutivo do ser humano, encontramos importante referência ao campo da linguagem, das múltiplas e diversas linguagens, incluindo “a linguagem das flores, dos ventos, dos ruídos, dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo, e até mesmo, a linguagem do silêncio” (SANTAELLA, 2003). Essa dimensão semiótica, que compreende a ciência de todas as linguagens, nos remete a uma questão premente da contemporaneidade, especificamente no espaço concreto do ambiente escolar, que são os silenciamentos e afloramentos de uma linguagem marcada por desesperança, angústia e ansiedade extrema. Santaella nos traz ainda que as coisas surgem “enoveladas numa multiplicação de sensações, além de que tendem a se enredar às malhas das interpretações que inevitavelmente fazemos das coisas”. Esses modos de expressão de manifestação de sentido e comunicação dentro das escolas, especialmente nesse contexto de pós pandemia, tem revelado a recorrência da linguagem do sofrimento psíquico agudo, o que torna urgente a reflexão sobre como as emoções se entrelaçam com a aprendizagem.
Maturana (2002) nos convida a refletir sobre a afirmação (questionável, segundo ele) de que a natureza racional do ser humano é a sua grande característica distintiva em relação aos outros animais, bem como oferece subsídios relevantes para percebermos as distinções entre emoções e sentimento:
As emoções não são o que correntemente chamamos de sentimento. Do ponto de vista biológico, o que conotamos quando falamos de emoções são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos. Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação. Na verdade, todos sabemos isso na práxis da vida cotidiana, mas o negamos porque insistimos que o que define nossas condutas cotidianas como humanas é elas serem racionais. Ao mesmo tempo todos sabemos que, quando estamos sob determinada emoção, há coisas que podemos fazer e coisas que não podemos fazer, e que aceitamos como válidos certos argumentos que não aceitaríamos sob outra emoção (MATURANA, 2002, p.15)
A polissemia do campo da educação, apesar de abrigar uma ampla e diversa confluência de objetivos, costuma privilegiar o domínio da racionalidade, em favor da construção de conhecimentos científicos que permitam o alcance de níveis cada vez mais elevados de desenvolvimento intelectual. Essa perspectiva coloca em menor evidência um objetivo igualmente central do processo de escolarização, que é a socialização, exercício de convivência e construção de relações humanas, domínio associado à dimensão socioemocional e que tem impactado de forma significativa a aprendizagem.
Empiricamente, é possível pressupor que não se pode desconsiderar aspectos sociais no desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes, e de que a incorporação das dinâmicas próprias do contexto vivencial, nos processos de ensino e aprendizagem, constitui um importante valor para o desenvolvimento do conhecimento.
Diante deste cenário, e buscando amparo em evidências, nos propomos a refletir sobre a relação entre a cognição e a emoção, na construção das aprendizagens, a partir da perspectiva da Base Nacional Comum Curricular. É com o intuito de refletir e dialogar sobre essa questão central, que este artigo situa o seu objetivo, e busca oferecer elementos de análise sobre as teorias contemporâneas da aprendizagem e o desenvolvimento curricular.
A natureza exploratória-descritiva é a referência adotada nessa pesquisa, que se apoia na análise documental (LUDKE; ANDRÉ, 1986) para buscar dados qualitativos sobre as formulações e as implicações das políticas curriculares recentes para a relação entre a cognição e a emoção, na construção das aprendizagens.
A base institucional e emocional que se tece na construção do cotidiano da escola é permeada por muita negociação e construção de sentidos e significados, na perspectiva de gerar uma unificação que normatiza os objetivos da escola, na direção da construção das aprendizagens, mas que nem sempre considera e acolhe as expectativas dos sujeitos centrais dela, os estudantes. Ao adentrarmos, a partir da escola, o espaço circunscrito da sala de aula, podemos observar que essa tentativa de unificação e de construção de sentidos e de significados não ocorre sempre de forma pacífica, sendo desejável a reflexão sobre alguns pontos centrais dessa dinâmica.
Carvalho e Mortimer (1996) oferecem importantes contributos para se pensar na negociação de significados entre professores e alunos, apontando para a relevância do professor na construção do conhecimento em sala de aula, fazendo referência ao modo como se dá a apropriação dos conhecimentos dos alunos em seu sistema de explicação. Os autores destacam a importância da dimensão social no desenvolvimento e construção do conhecimento, apoiados nas contribuições das ideias vygotskianas, sobretudo no olhar de que a apropriação de significados nunca é individual, sendo sempre fruto de um compartilhamento social, mediado pelo sistema simbólico-instrumental da cultura.
Observando por esse viés, percebemos a relevância do papel da escola e das relações interpessoais que se constroem em seu interior, como estruturantes para a construção do conhecimento, dada a perspectiva da cognição humana como um processo sociocultural, cujos sistemas de representação se entrelaçam com as estratégias de pensamento, e onde o ensino, a aprendizagem e o uso do conhecimento são percebidos como atos cognitivo-afetivos, situados em contextos sócio-culturais (ABREU, 1995).
Pensar a dimensão das emoções, da interrelação entre os domínios cognitivo e afetivo de forma imbrincada, é perceber a função da escola e do ensino de forma mais ampla, onde conhecimentos, procedimentos, atitudes e valores se apresentam aos estudantes, como contributos igualmente relevantes no percurso de aprendizagem que vai sendo construído, e onde:
inúmeros e constantes ciclos podem ser iniciados, aumentados, desencadeados em ensinos e aprendizagens que vão se construindo. A constituição destes ciclos constantes de aprendizagem nas situações de ensino deve trazer aos estudantes a percepção de que o conhecimento se constrói nas relações, podendo ser modificado e aprimorado ao longo dos tempos e por estas interações. E aqui começam a surgir aspectos que permitem relacionar a atividade de ensino com a atividade educacional, pois torna-se possível colocar em prática ações que podem auxiliar para o desenvolvimento da concepção de empoderamento do indivíduo, em um sentido freireano (SASSERON, 2016, p. 54)
A compreensão das bases biológicas dos processos de aprendizagem pode ser um elo importante para ampliar o entendimento sobre o ensinar e o aprender, e nesse aspecto a obra do neurobiólogo Humberto Maturana muito tem a contribuir, dando relevo à aspectos como experiência, observação, vivência e interação. Uma análise minuciosa, realizada a partir da Biologia do Conhecer (MATURANA, 1998), nos oferece a seguinte reflexão:
Aprender como um fenômeno biológico individual desconstrói a concepção de que o observador, ao interagir com outro ser humano tem a possibilidade de interferir nesse outro organismo transferindo-lhe conhecimento. O limite da influência de um professor em seu estudante se dá pelas possibilidades de interação que o organismo do estudante pode construir com este por meio de condutas comunicativas, no seu Domínio Linguístico. Assim, o ensino de Ciências da Natureza pode ser compreendido como a construção (ou simulação) de experiências que devem ser vividas pelos humanos para que suas possibilidades de interação sejam ampliadas, constituindo classes de interações, nas quais as condutas comunicativas sejam possíveis, por meio de convergência de domínio linguístico de diferentes observadores (SILVA, 2017, p. 153).
Por aprendizagem, nos apoiamos na amplitude do conceito trazido por Illeris (2007), onde “qualquer processo que, em organismos vivos, leva a uma mudança permanente em capacidades e que não se deva unicamente ao amadurecimento biológico ou ao envelhecimento”, pois nela encontramos a possibilidade de acolher todos os condicionantes que interferem no processo de aprendizagem, os sociais, os psicológicos e os biológicos, bem como reconhecemos a relevância e interação dos fatores externos (indivíduos e ambiente social, cultural ou material) e internos (processos psicológicos de elaboração e aquisição). A base conceitual de Illeris nos revela a íntima associação que existe na triangulação entre Conteúdo, Incentivo e Ambiente, para o desenvolvimento da aprendizagem, e sobre a dimensão do incentivo, que compreende elementos como sentimentos, emoções, motivação e volição, o autor referencia a função de equilíbrio mental contínuo do indivíduo, e o desenvolvimento de uma sensibilidade pessoal, onde a dimensão “incentivo” interage continuamente com a dimensão conteúdo, em íntima conexão, no processo de construção da aprendizagem.
Esse diálogo nos interessa pela provocação direcionada às formas sobre como se dão e como se podem dar, as relações e interações entre professores e alunos, na perspectiva de maior consolidação de aprendizagens. Em uma lógica pautada pela amorosidade como construção social legítima, reconhecer a importância da abertura ao diálogo, da escuta sensível e do incentivo, é significar a coexistência dos domínios cognitivo e emocional, potencializando a importância que cada um oferece ao processo de aprendizagem:
A função de incentivo também é crucial, isto é, como a situação é vivida, que tipos de sentimentos e motivações estão envolvidos e, assim, a natureza e intensidade da energia mental que é mobilizada. O valor e a durabilidade da aprendizagem resultante estão intimamente relacionados com a dimensão do incentivo ao processo de aprendizagem (ILLERIS, 2013, p. 21).
Compreender de maneira mais ampla e profunda como se processam os mecanismos da cognição e emoção na aprendizagem, é o objeto de interesse desse trabalho, e sua análise dialoga a partir das teorias contemporâneas, em interface com os marcos curriculares para a educação básica, no ensejo de compreender as aproximações e os distanciamentos, que podem apoiar o desenvolvimento curricular e as aprendizagens, consideradas as perspectivas filosóficas, psicológicas e sociais, inerentes a esse processo, e nesse ensejo passaremos a apresentar essas interseções dos marcos da política curricular com as teorias da aprendizagem.
Qualquer compreensão que se deseje tecer sobre a aprendizagem, deve considerar quem são os sujeitos e os motivos pelos quais eles aprendem. O olhar para as singularidades e as pluralidades dos sujeitos aprendentes, no caso específico da escola, os estudantes, se constitui como algo da maior relevância, bem como é também importante mapear e observar os modos como aprendem, e os campos de interesse de maior afinidade. Se educação é relação, e ensinar e aprender é processo, essa mediação circular entre o sujeito aprendente e o sujeito ensinante, pressupõe conhecer e identificar particularidades e potencialidades dos estudantes, inclusive para considerá-las no delineamento dos planejamentos de ensino, e no desenho de estratégias que possam alcançar melhores resultados.
Importa destacar que os processos de ensino e aprendizagem devem se articular aos currículos e, apesar da sua complexa polissemia, buscamos aqui a percepção de inseparabilidade entre currículo e cultura, trazida por Sacristán:
O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados aprendizagem dos alunos; entre a teoria (idéias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições (Sacristán, 1999, p. 61).
A compreensão de currículo, e a sua interface com a aprendizagem, nos direciona à reflexão sobre o desenvolvimento curricular em curso no Brasil, sobre o processo de concepção e construção do currículo nacional, um ciclo complexo e abrangente de desenvolvimento, implementação, avaliação e revisão (UNESCO, 2013), onde os sujeitos em seus contextos, e a garantia de direitos, devem estar presentes nos princípios e nos pressupostos, bem como devem se expressar em suas estratégias.
A política curricular nacional, aparece referenciada na Constituição de 1988, no art. 210, onde se encontra o apontamento à construção de currículos para sistemas, redes e escolas, com “conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica com respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988).
Do marco da Carta Magna da República, encontramos expressa na Carta Magna da Educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996), um importante apontamento para a construção de uma base nacional comum, endereçando à União, em colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios, as diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum:
Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser completada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 1996, Art. 26).
Após pouco mais de uma década, o Conselho Nacional de Educação, órgão responsável pela normatização, supervisão e elaboração das diretrizes curriculares nacionais para todos os níveis, etapas e modalidades da educação no Brasil, apresenta a Resolução nº4/2010, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCN), onde mais uma vez é trazida à tona a necessidade do estabelecimento de uma base comum:
estabelecer bases comuns nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, bem como para as modalidades com que podem se apresentar, a partir das quais os sistemas, federal, estaduais, distrital e municipal, por suas competências próprias e complementares, formularão as suas orientações assegurando a integração curricular das três etapas sequentes desse nível da escolarização, essencialmente para compor um todo orgânico (BRASIL, 2010).
A construção do Plano Nacional de Educação, sancionado através da Lei nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014), trouxe um conjunto de metas que se referiam aos currículos da Educação Básica e suas modalidades, conforme se observa nas estratégias:
Meta 2. Estratégia 2.2) pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito da instância permanente de que trata o §5º do art. 7º desta Lei, a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Fundamental
Meta 3. Estratégia 3.3) pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito da instância permanente de que trata o §5º do art. 7º desta Lei, a implantação dos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que configurarão a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio
Meta 7. Estratégia 7.1) estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a Educação Básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e Médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local.
O arcabouço prévio à construção de uma base curricular comum para o país, foi precedido de disputas, demarcações e construção de consensos e dissensos sobre o que deveria caber em um documento referencial curricular para um país de dimensões continentais, e profundas assimetrias regionais, como o Brasil. Após um longo processo de consultas públicas, escritas e reescritas, que envolveram especialistas, profissionais da educação básica, pesquisadores do campo da educação, associações científicas, entre outros, foi homologada a Resolução nº 2/2017 do Conselho Nacional de Educação, pelo Conselho Pleno, instituindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que a partir de então, tornava-se mandatória para orientar a construção dos currículos e propostas pedagógicas das redes e sistemas de ensino de toda a educação básica do país, em todas as etapas e modalidades de oferta da educação básica, o que se tornava inédito no país. A Resolução CNE/CP nº 2/2017 não contemplou a etapa do Ensino Médio, em virtude das alterações promovidas pela Lei nº 13.415/2017, conhecida com a Lei do Novo Ensino Médio, sendo apresentada, no ano seguinte, a Resolução CNE/CP nº 4/2018, com a homologação da BNCC para a última etapa da educação básica. O art.1º da BNCC torna claro o seu caráter normativo, que inaugura um novo ciclo de desenvolvimento curricular em todo o país:
Art. 1º A presente Resolução e seu Anexo instituem a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais como direito das crianças, jovens e adultos no âmbito da Educação Básica escolar, e orientam sua implementação pelos sistemas de ensino das diferentes instâncias federativas, bem como pelas instituições ou redes escolares.
Parágrafo Único. No exercício de sua autonomia, prevista nos artigos 12, 13 e 23 da LDB, no processo de construção de suas propostas pedagógicas, atendidos todos os direitos e objetivos de aprendizagem instituídos na BNCC, as instituições escolares, redes de escolas e seus respectivos sistemas de ensino poderão adotar formas de organização e propostas de progressão que julgarem necessários (BRASIL, 2017).
Importa destacar, no contexto desse trabalho, que a BNCC apresenta uma inovação bastante singular, nos caminhos do desenvolvimento curricular, ao apontar para o desenvolvimento de competências socioemocionais, no bojo das aprendizagens que devem ser desenvolvidas ao longo do ciclo de toda a educação básica. A BNCC, ao definir as aprendizagens essenciais, aponta para o desenvolvimento de competências, cuja acepção do termo, deve ser entendida por:
mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2017).
As competências trazidas pela BNCC se apresentam organizadas em gerais e específicas, e as gerais, declaram uma afirmação de compromisso com valores que contribuam para a transformação da sociedade, em uma dimensão de humanidade, de justiça social e de preservação da natureza, alinhada à Agenda 2023 da Organização das Nações Unidas (ONU). As 10 competências gerais da Educação Básica, presentes na BNCC, se integram e se inter-relacionam no tratamento didático proposto para as 3 etapas da educação básica: a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, e devem se articular na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na formação de atitudes e valores, consubstanciando os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. São elas:
- Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
- Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
- Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
- Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
- Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
- Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
- Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
- Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
- Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
- Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (BRASIL, 2017).
O arcabouço da política curricular contemporânea, demarcado na BNCC, nos põe em contato com distintas dimensões presentes no processo da aprendizagem, que tanto referenciam os construtos sócio-históricos, presentes nos diversos objetos de conhecimento que se organizam nas áreas dos currículos da educação básica, quanto nos convidam a refletir sobre objetivos de aprendizagem que se voltam à dimensão do viver, como nos trazia Anísio Teixeira, em suas teorizações sobre a transformação da escola:
A aprendizagem resultante do processo educativo não tem outro fim, senão o de habilitar a viver melhor, senão o de melhor ajustar o homem às condições do seu meio... Aprender não significa somente fixar na memória, nem dar expressão verbal e própria ao que se fixou na memória. Desde que a escola e a vida não mais se distinguem, aprender importará sempre em uma modificação da conduta humana, na aquisição de alguma coisa que reaja sobre a vida e, de algum modo, lhe enriqueça e aperfeiçoe o sentido. (TEIXEIRA, 1968, np)
O sentido das habilidades “para aprender a viver melhor”, podem ser amparados no contexto das competências gerais da Educação Básica que a BNCC nos apresenta, pois, o conjunto delas, sinaliza para a formação humana integral, objetivo de aprendizagem maior, pretendido para a educação básica, e que coaduna com a construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária.
A despeito das divergências e disputas que possam existir em torno das competências socioemocionais, nos interessa refletir sobre como o currículo pode se articular a favor da promoção das aprendizagens que colaborem com o manejo das emoções, da empatia, da tomada de decisão e responsabilidade. E ainda, sobre como importa considerar e refletir a respeito da importância da afetividade na mediação docente:
É necessário compreender que quando falamos de relação professor e estudante deve ser destacada a relação afetiva entre ambos, considerando a afetividade como um fenômeno que permeia todas as relações humanas. É nessa relação afetiva professor e estudante que se produz o desejo de saber do cognoscente que se aferra à figura do professor de uma forma particular e vice-versa. Em outras palavras, há um desejo de saber do estudante e um desejo de ensinar do professor que entram em movimentos próprios dados pela mediação da afetividade e do saber (CHARLOT et al., 2020)
Os referenciais curriculares, situados no tempo histórico em que são produzidos, são parte ativa e integrante de um processo de criação de sentidos, como nos traz Lopes:
Na tradição crítica, ao contrário, o currículo é visto como um terreno de produção e criação simbólica, no qual os conhecimentos são continuamente (re)construídos. O currículo, entendido como conhecimentos, crenças, hábitos, valores selecionados no interior da cultura de uma dada sociedade, constituindo o conteúdo próprio da Educação, deve ser considerado em sua não-universalidade e não-abstração: trata-se de um, dentre vários possíveis, particularmente arbitrário e condicionado por fatores ideológicos, epistemológicos e históricos. (LOPES, 1999, p.63)
Para que a produção de sentidos seja posta em movimento, é necessário um conjunto intencionalmente articulado de estratégias, que considerem as competências socioemocionais como alavancas de aprendizagem. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou um trabalho analítico sobre o papel das competências socioemocionais em currículos de diversos países do mundo, associando-as a indicadores de bem-estar individual e progresso social, e apresentando perspectivas para o seu fomento.
Os sistemas educacionais nos países da OCDE e nos parceiros econômicos reconhecem que as competências socioemocionais são indispensáveis para o futuro dos estudantes. Nos países pesquisados, os objetivos gerais da educação incluem o incentivo às competências socioemocionais. Em geral, enfatizam o desenvolvimento holístico e reforçam a importância de cultivar a personalidade, as atitudes e os valores dos indivíduos, além do conhecimento e das capacidades intelectuais. Mencionam que um desenvolvimento equilibrado dessas competências contribui para a democracia, a igualdade, a liberdade e a paz.
O relatório reconhece a diversidade de abordagens pedagógicas, contextos de aprendizagem e diferenças histórico-sociais e culturais, mas ressalta a importância de se considerar o desenvolvimento das competências socioemocionais nos diversos sistemas educacionais. O apontamento ao Relatório da OCDE é importante porque, em alguma medida, demarca a sua incidência na construção do referencial curricular brasileiro. A BNCC aponta para o desenvolvimento das competências socioemocionais como base para um bom desempenho acadêmico, ou seja, integra a dimensão da cognição e da emoção na nova estrutura curricular, que passará a orientar a construção de todos os currículos referenciais dos territórios brasileiros. Um outro Relatório da OCDE, de 2021, que apresenta resultados preliminares da pesquisa sobre competências socioemocionais, oferece um conceito que aqui nos interessa refletir:
Competências socioemocionais são um subconjunto das habilidades, atributos e características de um indivíduo que são importantes para o sucesso individual e o funcionamento social. Elas abrangem disposições comportamentais, estados internos, abordagens para tarefas e gerenciamento e controle de comportamento e sentimentos. As crenças sobre si mesmo e sobre o mundo que caracterizam os relacionamentos de um indivíduo com os outros também são componentes de competências socioemocionais. Elas desempenham um papel importante no desenvolvimento de crianças e adolescentes e, combinadas com o desempenho acadêmico e as competências cognitivas, representam um conjunto holístico de habilidades essenciais para o sucesso na escola e na vida adulta. Mas as competências socioemocionais são mais do que simplesmente facilitadoras do desenvolvimento cognitivo e acadêmico; elas são um importante resultado do desenvolvimento por si só (OCDE, 2021).
A acepção do conceito de competências dado pela BNCC, faz referência à mobilização (conhecimentos, habilidades, atitudes e valores), empregando a ideia de pôr em movimento o conhecimento, de produzir sentido e significado aplicado às vivências e situações do mundo real. É uma percepção que nos parece fazer sentido, quando olhamos para um cenário da escola inserida no contexto da sociedade contemporânea, onde o engajamento dos estudantes para com os seus processos de construção de conhecimento requer o esforço de melhor compreender as relações que se tecem entre eles, o saber e a escola. E investir na amálgama dessa relação, nas possibilidades de se ampliar a mobilização dos saberes que integram os domínios da cognição e da emoção, importa e faz bastante sentido, na medida em que colabora com a possibilidade de promover mais aprendizagens.
Eu falo de mobilização, não falo de motivação. Eu não gosto da palavra motivação. Porque, muitas vezes, quando se diz que se vai motivar os alunos, trata-se de encontrar uma forma de os alunos fazerem o que eles não estão com vontade de fazer. Isso funciona uma semana, duas semanas e depois nada. O problema não é fazer com que os alunos façam o que eles não estão com vontade de fazer; o problema é fazer nascer um desejo. Motivam-se os outros de fora, mobiliza-se a si mesmo de dentro. O meu problema é fazer algo para que o aluno se mobilize de dentro e, portanto, o problema é fazer nascer um desejo de aprender, um desejo que vai permanecer depois da minha presença, da minha ação direta e imediata, não é só uma questão de motivar, e, portanto, a questão da mobilização é fundamental no que pesquisei sobre a relação do aluno com o saber e com a escola (CHARLOT, 2018)
Atravessar essa linha do tempo, que produziu um esforço de apresentar os principais documentos que organizam e sistematizam a estrutura curricular para a educação básica brasileira, nos permite observar que os processos de ensino e aprendizagem que ocorrem cotidianamente nas escolas de todo o país, devem incorporar e considerar estratégias, repertórios e insumos do fazer docente, que mobilizem conhecimentos, habilidades, atitudes e valores também de base emocional, junto aos clássicos procedimentos didáticos e pedagógicos que empregam as epistemologias próprias das áreas do conhecimento “sacralizadas” nos currículos, dentro das Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Matemática.
Vale ainda ressaltar a importância que esse contexto passa a ter em um cenário de expansão das políticas de educação integral, que se entrelaçam em torno da ampliação das jornadas escolares, tendo o elemento tempo como um componente importante, mas que se voltam também à uma concepção de integralidade do estudante, cujas capacidades a serem desenvolvidas a partir da escola devem integrar as dimensões física, intelectual, emocional, social e cultural. O Programa Escola em Tempo Integral, recentemente criado, a partir da Lei nº 14.640, sancionada em 31 de julho de 2023, expressa sua indução ao aumento de matrículas em tempo integral, nas escolas que possuem propostas pedagógicas alinhadas à Base Nacional Comum Curricular e concebidas para oferta em jornada em tempo integral na perspectiva da educação integral. É nessa perspectiva portanto, que se assenta a integração entre as aprendizagens cognitivas e socioemocionais, nesse tempo contemporâneo, que convoca à escola a olhar para a articulação das concepções de ser humano, de currículo, de ensino e aprendizagem, que estimula a superação da fragmentação dos conhecimentos e os conecta à vida cotidiana, na direção de um desenvolvimento integral do ser.
Considerando a inteireza e indissociabilidade da dimensão biopsicossocial dos sujeitos, esse trabalho apresenta reflexões sobre a influência da cognição e da emoção nos processos de ensino e aprendizagem. O cenário do pós-pandemia tem revelado com muita intensidade essa imbricada relação, sobretudo com o agravamento de situações individuais e coletivas de sofrimento psíquico agudo, manifestados em sintomas como crise de ansiedade, automutilação, ideação suicida, entre outros. As escolas de educação básica, sobretudo as que ofertam os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio, à adolescentes e jovens brasileiros, tem se deparado com um aumento significativo de violências diversas, bem como situações inscritas no domínio emocional, que interferem e afetam de forma incisiva o domínio cognitivo.
Não é mais possível desconsiderar a trama que se tece entre esses dois domínios, e o quanto ambos estão intimamente relacionados aos processos de ensino e de aprendizagem. Uma escola viva, que é feita de gente em contínua e íntima relação cotidiana, deve considerar a influência das emoções na aprendizagem, favorecendo uma convivência humana de conversações entre razão e emoção.
A afirmação dada pelos marcos curriculares recentes, e que deve ser acompanhada por outras engrenagens da educação (infraestrutura, formação de professores e materiais didáticos, entre outros) é a de que a escola contemporânea, inserida no contexto do Século XXI, deve ver e enxergar o estudante em sua inteireza, portanto deve cooperar com a sua formação integral, o que pressupõe articular diferentes mecanismos, da cognição e da emoção, para propiciar o pleno desenvolvimento dos estudantes.
Ao longo da trajetória da educação básica, desde os ciclos da primeira infância, com as creches e pré-escolas da educação infantil, passando pelos longuíssimos e desafiadores nove anos do ensino fundamental, até a finalização do percurso no ensino médio, temos um longo trajeto de formas estruturadas e intencionalmente dirigidas, para assegurar direitos e promover o desenvolvimento do educando, assegurando-lhes, conforme preconiza a carta magna da educação brasileira, formação para o exercício da cidadania, para a progressão no mundo do trabalho e estudos posteriores.
Considerada essa longa jornada de escolarização formal, e todas as suas prerrogativas institucionais, registra-se que as aprendizagens a serem desenvolvidas ao longo da educação básica, considerando a tecitura entre cognição e emoção, podem oferecer novas possibilidades de reinventar a escola, os currículos, e as formas de se relacionar consigo e com os outros, aliando o conhecimento, a comunicação, a argumentação, o pensamento crítico e criativo, o repertório sociocultural, o autoconhecimento, a cooperação e a cidadania, em tramas mais consistentes, nas jornadas da aprendizagem.
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