A Covid-19 é a maior pandemia da história recente da humanidade causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2). Trata-se de uma infecção respiratória aguda potencialmente grave e de distribuição global, que possui elevada transmissibilidade entre as pessoas por meio de gotículas respiratórias ou contato com objetos e superfícies contaminadas, Brasil (2021). Cerca de 80% das pessoas com covid-19 se recuperam da doença sem precisar de tratamento hospitalar. Uma em cada seis pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 ficam gravemente doentes e desenvolvem dificuldade de respirar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Brasil (2021). Porém as sequelas da pandemia não se limitam apenas a infecção, a crise econômica e sanitária associadas as medidas de isolamento e distanciamento social ampliaram a margem para o sofrimento mental, haja vista que modificaram bruscamente a rotina diária da população em diferentes esferas da vida como trabalho, educação, interação comunitária, lazer, entre outros, perfazendo o delineamento de dificuldades adaptativas à nova realidade social. Se torna difícil apontar espaços e relações sociais que não sofreram alguma mudança com a pandemia. No que se refere a educação a pandemia também trouxe profundos impactos. Segundo a UNESCO (2020), os fechamentos das instituições educacionais já impactaram cerca de 70% da população estudantil do mundo. Paludo (2020)
Nesse contexto, as pessoas foram submetidas a uma série de elementos estressores como sensações de insegurança, o medo iminente de serem infectadas pelo vírus e infectar seus familiares, medo da morte, perdas, dificuldades para a obtenção de apoio socioemocional, falta de suprimento adequados para a proteção física contra a Covid-19, e a convivência diária com a incerteza e sem a previsão para o regresso à vida normal, conduzindo para o sofrimento existencial e social. Lira (2021)
Os problemas enfrentados pelos docentes nas instituições de ensino não foram poucos no que se refere ao enfrentamento da pandemia, desafios que mescla entre os espaços da vida privada e os espaços da vida profissional, não é uma exclusividade dos tempos de pandemia, mas é evidente que o mal-estar presentificou com demasiada força. Para Paludo (2020) é necessário elencar os males que assolam todos aqueles que passam por um mal estar proveniente do isolamento e ou distanciamento social, no que se refere ao aumento do estresse, ansiedade e outras questões psicológicas agravadas pós-pandemia.
Sampaio (2014) afirma que historicamente, o cuidado está centrado na doença e não do ser doente, a fragmentação do saber levou a focar a assistência para a parte doente, desaprendemos a dar atenção ao sujeito existencial que congrega sua multidimensionalidade, sua história de vida e seu contexto territorial. O SUS de acordo com Brasil (2019) tem buscado ampliar o cuidado e aproximar do sujeito tendo como princípios norteadores do novo modelo assistencial: a universalidade, a integralidade e a equidade da atenção à saúde.
Desse modo, Sampaio (2014) refere que a sociedade contemporânea enfrenta uma crise ética e humana que afeta diretamente não só a essência das pessoas, mas também as instituições, o que nos leva a pensar nas teses freirianas no tocante à relação do aprender com o ser aprendente, o emergir de uma pedagogia do oprimido para uma pedagogia da esperança. Sampaio (2014) destarte, como promover uma formação transdisciplinar nessa realidade contemporânea tão dividida, em um contexto que emergem a necessidade de propostas que enlaçam a saúde e educação. Nesse contexto, as práticas integrativas e complementares em saúde, podem ser uma possibilidade de cuidar das pessoas, principalmente no que se refere implementar na formação docente o cuidar de si e do outro e dos espaços. Esse tema será abordado no capitulo como uma possibilidade para a educação do auto cuidado e que acolhe esse sujeito pós-pandemia Covid-19 e, portanto, traz a necessidade de novas lógicas de ensinar e cuidar. Deste modo, o objetivo geral é evidenciar o processo, lugar e papel do docente na promoção da saúde com vistas a promover reflexões sobre os saberes das Práticas integrativas e complementares em saúde na formação docente necessários ao enfrentamento do mal-estar pós pandemia.
Trata-se de um artigo o qual se fundamentou em uma revisão de literatura com a base em estudos qualitativos e manuais do ministério da saúde. Buscou-se discutir literaturas no campo da educação e da saúde que contemplassem a temática voltada para a promoção da saúde e o ensino em tempos pandêmicos. O texto foi organizado em duas partes, com abordagem nas temáticas: “Praticas integrativas complementares em saúde” e “Reflexões acerca da docência em tempos de pós-pandemia abordagens na saúde e educação”.
A obtenção dos dados realizou-se por meio da pesquisa de capítulos de livros e artigos de tendo como critério de inclusão aqueles que contemplassem o tema “práticas integrativas complementares em saúde” e a prática docente pós pandemia, sendo o buscador principal a base de dados SCIELO, manuais do Ministério da Saúde que abordam as PICS e leitura de artigos e referencial literário sobre saúde e educação.
Práticas integrativas complementares em saúde (PICS): religação de saberes no campo da saúde e educação.
As práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) é um termo contemporâneo utilizado para designar tecnologias leves do cuidado, que reconhece experiências culturais diversas, algumas milenares, em saúde, como recursos importantes na promoção de bem-estar e qualidade de vida. Brasil (2015) são abordagens que fortalecem uma nova visão de mundo, em que saúde e doença, deixam de ser representados como pares em oposição e voltam a ser vistos como um processo. As práticas integrativas são utilizadas para a atenção e o cuidado humano, e fortalecem o conceito de Atenção Básica em Saúde.
Existem em todo o planeta inúmeras práticas de saúde tradicionais que são centradas na busca do equilíbrio, cuidado de si, do outro e dos espaços. Segundo Brasil (2015) essas práticas são complementares, pois não substituem nenhum outro tratamento alopático médico, e sim uma oportunidade para a escuta de outros saberes que produzem o cuidado, autocuidado e acolhimento.
Segundo Brasil (2018) visão holística é uma abordagem que considera a relação entre os sintomas no organismo, o ambiente e os hábitos de vida, os aspectos físicos, energéticos e emocionais, em busca do conhecimento de si, sendo um dos principais fundamentos aplicados no âmbito das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde, em que o sujeito esteja integrado nas relações e com o ambiente
Essas podem ser importantes ferramentas para uma educação que visa a saúde e não apenas conteúdo. No Brasil já estão ocorrendo a implementação de algumas dessas práticas desde as escolas à universidades como fontes de promoção de saúde, nos processos de formação, incluindo: meditação, yoga, arteterapia, musicoterapia e algumas outras. Nem todas as práticas integrativas são possíveis na prática pedagógica, porém estão regulamentadas no Sistema Único de Saúde (SUS) e o acesso pode acontecer também, através das unidades básicas de saúde.
Segundo Brasil (2019), desde 2006 existe uma Política Nacional de Prática Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC), com duas importantes ampliações em 2017 e 2018 no (SUS). Atualmente são oferecidas 29 práticas, de forma integral e gratuita, que incluem modalidades da medicina tradicional chinesa, da antroposofia, Reiki, uso de plantas medicinais e a terapia comunitária, desenvolvida essencialmente no Brasil. Apiterapia; Aromaterapia; Arteterapia; Ayurveda; Biodança; Bioenergética; Constelação familiar; Cromoterapia; Dança circular; Geoterapia; hipnoterapia; Homeopatia; Imposição de mãos; Medicina antroposófica; MTC/Acupuntura; Meditação; Musicoterapia; Naturopatia; Osteopatia; Ozonioterapia; Plantas medicinais/fitoterapia; Quiropraxia; Reflexoterapia; Reiki; Shantala; Terapia Comunitária Integrativa; Terapia de florais; Termalismo/Crenoterapia e Yoga. Antes mesmo da implementação do SUS, serviços públicos de saúde já conviviam com algumas dessas práticas integrativas.
Franco (2014) a compreensão da saúde como equilíbrio retrata o processo saúde-doença-cuidado com outra dinâmica. Uma dinâmica integradora entre cor¬po-mente-espírito-ambiente e leva grupos da sociedade civil a se organizarem em torno de atividades que não são disponíveis nas unidades de saúde em geral. Essa compreensão chega a uma dimensão estética do bem-estar, do modo de vida. Assim outras racionalidades de conhecimentos em saúde esperam-se que contri¬buam para uma mudança ou uma ampliação dessa visão do cuidado e equilíbrio do homem e o planeta.
A formação do docente deve ser pautada no cuidado, integrado ao conhecimento pedagógico esses outros saberes em saúde. (FORNARI, 2013) O professor produz sua própria subjetividade à medida que vive a sua condição e sua atuação como ser que ensina. “Daí pode-se perceber uma condição essencial para aquele que deseja ser professor: o professor é aquele que projeta sua vida de forma essencialmente relacional”. Em primeiro lugar é importante chegarmos ao consenso de que é necessário problematizar o presente, elucidar, deixar aparecer a forma como o presente se mostra para nós. O vir-a-ser do estudante como projeto de si, projeto social, projeto pedagógico, projeto docente. O vir-a-ser de si próprio, em constante transformação. Portanto, o professor, parafraseando Heidegger, não tem cuidado, ele é cuidado.
“Se a modernidade é definida como fé incondicional no progresso, na tecnologia, na ciência, no desenvolvimento econômico, então esta modernidade está morta” (MORIN, 2000, p. 72)
Não se pode negar as que mudanças foram muitas, porém a modernidade não é apenas ciência, tecnologia e economia. Para Santos (2003) a modernidade e globalização constituem, juntas, um momento bem demarcado do processo histórico, podendo considerar um período. Foi nesse espaço tempo que aconteceu a unificação do globo através das novas condições técnicas, e de bases sólidas para uma ação humana mundializada. O advento do Iluminismo segundo Augusto (2014, p. 65) “suscitou uma explosão de criatividade na espécie humana e da Revolução Industrial à Era dos computadores não paramos de produzir novidades úteis (e inúteis)”.
Nesse contexto de acordo com Santos (2003) caem por terra a promessa de que as técnicas contemporâneas pudessem melhorar a existência de todos, o que se observa é a expansão acelerada do reino da escassez, atingindo as classes médias e criando mais pobres. É nesse contexto que surgem novas formas de resistência ao controle hegemônico imposto. Segundo Morin (2000) estamos na era planetária e a educação deve estar em primeiro plano sendo universal e centrada na condição humana e na sua relação com planeta. Assim somos convidados a pensar na nossa permanência na terra essa esfera rica em diversidade.
É preciso pensar no cuidado de si, do outro e do planeta e para isto é necessária uma educação que promova essa relação entre o saber e o cuidar. A “hipótese de Gaia” traz a saúde orgânica da Terra sendo mantida por ciclos ecológicos descentralizados que interagem para formar um sistema bioquímico autossuficiente, Giddens (1991) faz uma reflexão que se esta concepção puder ser autenticada em detalhe analítico, ela terá implicações precisas para com o cuidado planetário, podendo ser mais que proteção da saúde humana. Assim Giddens traz as questões planetárias geradas pela modernidade que trouxeram preocupação em relação aos danos com o meio ambiente agora difundida, e é um foco de atenção para os ternos em todo o mundo.
Santos (2003) ao se referir um mundo mais humano, afirma que deve acontecer duas grandes mutações que ainda estão em gestação: a mutação tecnológica e a mutação filosófica da espécie humana. Santos afirma ainda que a tecnológica é constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que tenha um uso perverso, subordinado aos interesses dos grandes capitais, esse fato não é irreversível.
Quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão a serviço do homem. De acordo com Santos (2003) a outra mutação é a filosófica, que deve acontecer e ser capaz de atribuir um novo sentido à existência de cada pessoa e, também, do planeta. É com muita sensibilidade que é possível perceber que pode haver mudança, e não há outra via que não seja a educação. Juntar os saberes para fazer o melhor pela educação e fazer o melhor pelo outro pelo mundo.
Assim para Coelho (2014) a educação formal, organizada e realizada na escola e nas academias, bem como a prática de pesquisa- acadêmico-científica, por meio de suas opções epistemológicas exerce um papel fundamental e apresenta um grande poder na forma da organização social, influenciando no campo da saúde, tanto os modelos político-estruturais responsáveis pela saúde pública, como pelo modo como cada indivíduo cuida de sua própria saúde e da saúde do meio onde vive. Tal compreensão exige que se percorra o caminho do entrelaçamento entre o estilo de viver com o modelo sociocultural, que é, por sua vez, interfaceado pela dimensão político-econômica.
Dialogando com Santos (2003) Agora estamos descobrindo o sentido de nossa presença no planeta, pode-se dizer que uma história universal verdadeiramente humana está, finalmente, começando. A mesma materialidade, atualmente utilizada para construir um mundo confuso e perverso, pode vir a ser uma condição da construção de um mundo mais humano. A globalização atual perversa não é irreversível e o caminho é através de uma educação, mais humana e acolhedora.
Apesar de fazer uma critica a globalização no seu alto grau implementação Santos (2003) diz que jamais houve na história sistemas tão propícios a facilitar a vida e a proporcionar a felicidade dos homens” com isso globalização e suas tecnologias podem ao mesmo tempo serem perversas e ao mesmo tempo também podem nos beneficiar e proporcionar um conhecimento e entendimento do nosso planeta jamais visto e imaginado. Podemos dizer que a civilização do bem-estar pode gerar ao mesmo tempo mal-estar, essa felicidade plena e inalcançável que a modernidade nos oferece é a grande geradora do adoecimento, angustia e da culpa.
“o sentimento de culpa como o mais importante problema no desenvolvimento da civilização, e de demonstrar que o preço que pagamos por nosso avanço em termos de civilização é uma perda de felicidade pela intensificação do sentimento de culpa”
(FREUD.1930, p 42).
O sentimento de culpa, vem com o avanço da civilização e dessa cobrança da inalcançável pelo estado de felicidade plena, o mal estar da cultura traduz esse sentimento. Freud (1930) partindo suas de especulações sobre o começo da vida e de paralelos biológicos, concluí que, ao lado da energia para preservar a substância viva e a unidade, deveria haver outra energia, contrário àquela, buscando dissolver as unidades e conduzi-las de volta a seu estado originário e inorgânico. “Isso equivalia a dizer que, assim como Eros, existia também um instinto de morte”. Aqui Freud fala da energia da vida (a libido), que nos impulsiona e nos move no sentido de preservação, mas ao mesmo tempo existe uma força destruidora (pulsão de morte) que nos tensiona para a voltar ao estado original com a morte. O que nos interessa é refletir sobre a o quanto somos frágeis e que por isso devemos direcionar a nossa energia para produzir vida e se relacionar bem consigo, com o outro e com o planeta.
Civilizar e solidarizar a Terra, de acordo com Morin (2000) é transformar a espécie humana em verdadeira humanidade torna-se o objetivo fundamental e global de toda educação que aspira não apenas ao progresso, mas à sobrevida da humanidade. Para isso devemos respeitar a alteridade do outro e fazer um movimento de aprender com as culturas, sendo a ocidental, que se colocou como cultura-mestra, deve se posicionar como aprendiz em uma escuta de saberes, pois compreender é também aprender e reaprender incessantemente.
Nesse sentido Coelho (2014) faz uma interrelação entre paradigma sociocultural e modelos educativos, uma vez que há uma circularidade relacional entre o viver e o educar, no qual o modo de viver origina e decorre de processos educativos. O que cada sociedade em seu modo de viver (sua cultura), vai atribuindo como valores estabelece seus conceitos sobre o que é educação, os grupos sociais convivem e fazem educação de acordo com os valores de seu tempo e cultura. Nossa educação herda a visão ocidental antropocêntrica. O paradigma da modernidade ocidental, que deu origem ao antropocentrismo, é caracterizado pela racionalidade fragmentada, pela quantificação e pela técnica.
2 - Reflexões acerca da docência e tempos de pós-pandemia.
Aas reflexões a partir das inquietações sobre a modernidade, tecendo um diálogo com outros saberes das Práticas Integrativas Complementares em Saúde (PICS) entre a ciência, possibilita emergir uma proposta para pensar educação com cuidado. Para isso faz-se importante ressaltar a experiência dos últimos anos do século XX, que segundo Santos (2003) é um momento que a humanidade testemunhou grandes mudanças, entretanto, todo esse processo culminou em uma globalização perversa, onde a informação tal como é oferecida e dinheiro se transformaram em violências.
O mal-estar gerado pela civilização, e o silenciamento do sujeito são inquietações que ainda se fazem presentes. “Sentem como um mal-estar atormentador, uma espécie de ansiedade, se impedidos de praticar certas ações” (FREUD, 1930, p. 42). Essa busca de satisfação de algo que sempre falta, uma espécie de mal-estar, uma insatisfação, para a qual as pessoas buscam outras motivações, que Freud aborda é angustia e o sentimento que a civilização produziu, as pulsões de morte e os entusiasmos pela vida são energias que movem o homem no processo civilizatório.
A modernidade se apresenta no mundo social e nunca pode formar um meio ambiente estável, Giddens (1991) faz uma alerta sobre a ciência e a tecnologia que podem produzir outras formas de destruição nunca vista além de causar esse mal-estar e desencaixe, uma possibilidade de catástrofe ecológica, igualmente perturbadoras possíveis de danos ambientais irreversíveis a longo prazo. A modernidade é inseparável dos sistemas abstratos e atravessa as relações sociais através dos tempos e do espaço, reverbera sobre a natureza socializada. Por isso devemos pensar em construir relações com o outro e com o planeta que promova um pertencimento um equilíbrio.
Morin (2000) diz que os seres humanos devem reconhecer-se em sua humanidade comum ao mesmo tempo também na diversidade cultural que está inerente ao homem, e percorrendo assim uma aventura, onde quer que se encontrem. É preciso pensar a ciência refazendo o caminho e buscando um dialogo pluriverso
“Não deve se desenvolver em um estilo cultural que leve a uma unidade globalizada, indiferenciada ou vazia, mas a um pluriverso trans moderno (com muitas universalidades: europeia, islâmica, vedante, taoísta, budista, latino-americana, bantu etc.), multicultural, em um diálogo crítico intercultural”. (DUSSEL, 2016, p.70).
Nesse sentido os saberes de práticas integrativas e complementares em saúde possibilita a manifestação de culturas que atravessam o tempo. Santos (2021) é para além campo cientifico, é vitalmente necessário reconhecer a diversidade, a pluralidade externa da ciência e isso mostra que tem limites no modo como aborda a realidade.
O modelo de ciência hoje hegemônico tem origem na Europa e permite muitas vezes desqualificar outros saberes que não fazem parte de uma construção cientifica, saberes esses que na grande maioria são tradições, alcançadas através de experiencias e sentidos ao longo da história. São conhecimento médicos não os científicos um fenômeno epistemológico que as comunidades preservam ao longo de séculos para enfrentar as adversidades chamado por Santos (2021) de ecologia de saberes médicos.
Nesse sentido fazer reflexões acerca da modernidade com vistas aos processos educativos contemporâneos que possam dialogar com a ciência e esses outros saberes é o objetivo desse estudo.
Fica cada vez mais evidente que estamos imersos em um modo de produção que aumenta os abismos e não se sustenta sem sua desigualdade estrutural. Apesar de “escancarar” as fronteiras da desigualdade no mundo, a pandemia Covid-19 ainda não foi capaz de abalar o sistema de dominação vigente e tampouco parece que o fará Duarte (2020). Para conceber a saúde na educação em um momento que produz exclusão, devemos ter como foco em ações que se desloca efetivamente da doença e se volta para qualidade de vida do sujeito.
Essa concepção se consolida pela implementação de políticas públicas saudáveis, em que significa investir no processo de formação dos docentes. O uso das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICS) tem contribuído como ganho em qualidade de vida das pessoas e evidencia a necessidade de um profissional mais imbricado com o cuidado Brasil (2015). Mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos, a formação de professores é o momento-chave da socialização e da configuração profissional. Amatuzzi (2006) a relação da pessoa com sua própria experiência, não é conhecimento ou saber. Não “sei” minha própria experiência, mas “aproximo-me” dela, “aproprio-me” dela, e até mesmo, no limite, “torno-me” minha própria experiência viva.
Com isso ser professor ao vivenciar a pandemia e pós-pandemia perpassa por experiências subjetivas e a conquista em sua própria história. Ornellas (2020) “Diante da atualidade e complexidade do fenômeno, observaremos no decurso do processo, o desenrolar dos fatos, na tentativa de costurar um tecido social a partir dos fios soltos das experiências subjetivas vividas que vão se ressignificar a realidade que nos atravessa”. Amatuzzi (2006) dizer que conheço minha experiência significa que faço dela um objeto separado, significa que ainda estou distante dela e não posso integrá-la em meu modo de ser, fazer-me um com ela. Aproximar-se da própria experiência somente em termos cognitivos equivale a perdê-la. Assim, na concepção de promover saúde é necessário modificar as condições limitantes, ofertando outras maneiras de ensinar e cuidar de si, que vão além dos conteúdos e que atravessam a experiencia com o outro. Nóvoa (2020) refere a pandemia um momento dramático da nossa história coletiva, seria inaceitável que a escola pública fechasse as portas e não quisesse saber dos seus alunos. Isso obrigou a um recurso extensivo às tecnologias. De um modo geral, ninguém estava preparado para esta situação e a avaliação que revela aspectos negativos, como as desigualdades e o empobrecimento pedagógico, mas também positivos, como a ligação com as famílias e a inventividade de muitos professores. É preciso reconhecer os esforços para manter uma ligação com os alunos e com as famílias.
Segundo Duarte (2020) às demais questões sociais, relacionadas com a educação também evidenciou as fragilidades do docente e os impasses frente aos problemas gerados pós-pandemia não são poucas, as condições de trabalho docente que há décadas apresentam limites e precariedades que comprometem o trabalho pedagógico, mesmo no modelo presencial, agora refletem-se na realização do processo de ensinar e aprender.
Por conta de todas as fragilidades e necessidades Brasil (2009) diz que em tempos pandêmicos e pós é evidente que as exigências contemporâneas de atenção promoção de saúde excedem em muito a capacidade de atendimento de um modelo de atenção centrado no profissional médico. Nesse sentido é necessário que uma equipe multiprofissional esteja envolvida no cuidado. As instituições de ensino. Segundo Brasil (2009) distingue-se das demais instituições por ser aquela que oferece a possibilidade de educar por meio da construção de conhecimentos resultantes do confronto dos diferentes saberes: aqueles contidos nos conhecimentos científicos veiculados pelas diferentes disciplinas; aqueles trazidos pelos alunos e seus familiares e que expressam crenças e valores culturais próprios.
Rosendo (2009), afirma que a educação é um instrumento fundamental para haver continuidade histórica, seria interessante se essa continuidade da história fosse pautada em elementos culturas ancestrais que cultiva o cuidado tão necessário para a humanidade e contrária a perpetuação do domínio hegemônico de poderes mantenedores de um sistema excludente.
Segundo Flecha (2000) um passo indispensável em direção a uma cultura educativa que transforme, meio as adversidades, são formas de resiliência. Tomamos emprestadas as palavras de Freire, transformar as “dificuldades em possibilidades”. A transformação a partir do aprendizado e experiencias vividas com a pandemia, deve ser movido pela vontade de mudança do qual a pedagogia passe a dialogar com uma ecologia de saberes, sendo as práticas integrativas em saúde um passo importante para essa diversidade de conhecimento. Flecha (2000) Os agentes envolvidos na transformação não são exclusivamente as professoras e os professores, mas toda a comunidade, e o que cada um tem na sua singularidade e saber a oferecer pois cada vez mais, a educação e as aprendizagens dependem de uma realidade contextual mais ampla. Para Charlot (2005) O ser humano existe nas relações dos valores construídos coletivamente ao longo de sua história, que é o lugar dos universais onde encontramos fenômenos relacionados com a condição humana, pois “nascer é entrar inacabado, em um mundo que já existe com toda sua complexidade” é um processo de construção social da vida real no meio das relações sociais na forma de patrimônio, apropriando-se apenas de uma parte dele. Por isso não há só um conhecimento, e nem apenas um único saber.
Santos (2021) a pandemia é um fenômeno social total que, como tal, não pode ser adequadamente entendida com base em um único tipo de saber, compondo por diferentes ciências e outras de outras racionalidades de saúde fundamentais para promover a harmonia do planeta com o homem, um saber construído na comunidade, para defender a vida e o bem estar.
A pandemia Covid-19 foi uma passagem de tempo que produziu um modo único de estar no mundo, marcado pela sobrevivência e atravessado por múltiplas singularidades. Mansano (2009) as subjetividades são singulares de cada sujeito e fontes de matéria-prima viva e mutante a partir da qual é possível experimentar e inventar maneiras diferentes de perceber o mundo e de nele agir.
O docente desde a sua formação deve pensar em uma educação do cuidado enlaçando outros saberes de saúde, que são, segundo Brasil ( 2018) práticas que envolvem processos educativos voltados à promoção da autonomia das pessoas no seu cuidado, numa concepção de horizontalidade entre os saberes populares e técnico-científicos para à formação da consciência crítica e de uma cidadania participativa, com respeito às diversas formas de vida, superação das desigualdades sociais e de todas as formas de discriminação, violência e opressão. Conceitos de cuidados que estão imbricadas com práticas integrativas complementares em saúde, e traz uma possiblidade de aprendizado e escuta de um cuidado na profissão docente.
O docente vive um momento de grandes inquietações, adaptações evidenciadas pela pós-pandemia covid-19. Há uma necessidade de desvelar os conhecimentos sobre saúde na escola envolvidas no processo da educação e na formação dos professores, no intuito de ampliar os saberes sobre saúde e trazer o cuidado para os processos educativos. Saber sobre saúde de diversas culturas onde o tema central é o cuidar. Não podemos pensar em uma educação que não se preocupa com uma formação docente que não esteja imbricada com a relação do “eu” com o “outro” e preservação do planeta. Uma educação e formação conteudista não consegue responder todas as lacunas do ensino presentes no cotidiano do professor e da sala, pincipalmente pós pandemia Covid-19. Considera-se que as Práticas Integrativas e Complementares (PICS), como política do SUS, não podem ficar à margem dos currículos de formação dos profissionais da educação, pois oferecem uma riqueza de saberes ainda desconhecidos, e uma diversidade de riqueza de cuidados com foco na saúde e na qualidade de vida das pessoas, da família e comunidade. Apesar do trabalho constante de profissionais de saúde especializados nesses conhecimentos a luta pelo reconhecimento e dos benéficos comprovados à saúde, as Práticas Integrativas e Complementares ainda são pouco conhecidas e divulgadas no Brasil principalmente nas universidades nos processos de formação dos futuros profissionais. Evidencia-se, claramente, perpetuação da visão biomédica, racional e fragmentária, diante da dificuldade de perceber o ser humano integrado se relacionando com o meio e com os outros. Contudo, ainda que a passos lentos, os conhecimentos de saúde de povos indígenas, africanos e orientais vem se enraizando no ocidente, emergindo de forma complementar, desafiadora com meios de cuidado, valorizando o estado emocional, familiar e social em busca da saúde integral do corpo, da mente e do espírito. Por fim, acredita-se na importância das PICS na formação do docente, permitindo uma abertura para outros de saúde, objetivando a mudança de paradigma se libertando de uma cultura da doença para uma cultura da saúde, em direção a um modelo de educação atrelado ao conceito ampliado o conceito de educação e ao amenizar o mal-estar na escola, e propiciar uma formação que contemple a educação e saúde juntas.
Agradeço a minha professora orientadora do mestrado e a UNEB pela oportunidade de aprender sobre o universo de saberes da educação contemporanea
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