INTRODUÇÃO
O trabalho docente, em centros infantis ou creches é, neste tempo de agora, alvo de discussões no cenário brasileiro como apontam os estudos de Kramer (2006) e de Cardoso (2013). A trajetória histórica da formação e da profissionalização docente para a educação infantil está relacionada às mudanças na sociedade em suas várias dimensões: social, política, econômica, cultural, psicológica, ideológica etc. Nessa perspectiva, insere-se o papel da mulher na sociedade e no mundo do trabalho, para além do âmbito familiar, no cuidado com a casa e a educação dos filhos. Nesse sentido, as instituições de atendimento para crianças pequenas que, na sua origem estavam voltadas para o cuidado com as crianças pobres e para soluções assistencialistas, como apontam os estudos de Oliveira (2011), vêm passando por transformações no contexto da sociedade brasileira em sentidos que beneficiam a mãe trabalhadora, mas prioritariamente, resguardam o direito de toda e qualquer criança, de 0 a 5 anos, frequentar a creche e a pré-escola.
Para Duarte (2012), a Constituição Federal de 1988, e o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA/1990), contribuíram para que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 1996, fosse promulgada e que no seu bojo reafirmasse a garantia da promoção da educação infantil como dever do Estado e atribuição do município, mas acima de tudo, afirma a educação como um direito social. Os estudos de Oliveira (2010) evidenciam que esses instrumentos legais foram vitais para a inclusão de creches e pré-escolas no ensino fundamental, o que promoveu alguns avanços na carreira docente, a exemplo, o aumento do nível de formação de seus profissionais.
Sob o ponto de vista da autora supracitada, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) se constituíram por meio de amplo debate com os movimentos sociais, professores e pesquisadores, num processo de escuta das preocupações e anseios em relação a essa etapa de educação. Nessa direção as DCNEI se apresentam como instrumentos que intencionam a articulação e orientação do trabalho pedagógico para/com as crianças pequenas, sem contudo engessar as variadas práticas expressivas nas escolas de educação infantil. No entendimento de que os professores que atuam nessa etapa possuem um conhecimento consistente acerca dos saberes necessários às crianças pequenas, as DCNEI se configuram enquanto suporte teórico/prático para a elaboração de propostas pedagógicas que potencializem as vozes das crianças e acolham os significados e suas expressões de si e de mundo.
Em tais sentidos, um fator importante a ser considerado é a formação de profissionais que atuam nesse âmbito da educação, uma vez que, em seus processos formativos, precisam percorrer caminhos sociais e institucionais e se apropriar de diversos conhecimentos que lhes possibilitem exercer uma prática pedagógica específica. Os estudos de Sanches (2003a, 2003b) apontam que a formação docente de educação infantil não ocorre somente pelo acúmulo de cursos, palestras e técnicas, mas por trabalho de apropriação conceitual e reflexão crítica sobre as práticas. Por isso, é tão importante investir na pessoa e nos denominados saberes da experiência que se acumulam, se prolongam e se desdobram como sinaliza Gadamer (1997), uma vez que estes têm sua própria consumação não num saber concludente, mas numa abertura a outros tentames.
Nessas dimensões sabe-se que a profissão docente envolve um processo que se constrói ao longo de percursos formativos dos sujeitos, a compreender trajetórias pessoais e profissionais, traços produzidos por fatos vividos e contatos com teorias, bem como o exercício continuado da docência em espaços institucionais. Segundo Nóvoa (1992a), os processos de desenvolvimento da docência devem ser interligados: o desenvolvimento pessoal (produzir a vida da professora), o desenvolvimento profissional (produzir a profissão docente) e o desenvolvimento organizacional (produzir a escola). Ou seja, pensar a formação docente passa por acionar processos de formação de si; sendo assim, em seus estudos e concepção, não há como dissociar a profissionalidade do professor da produção de sua subjetividade.
Nóvoa (2002), nesse sentido, defende bases formativas fundamentadas em paradigmas que promovam a investigação dos espaços e dos momentos formadores de si, ao longo da vida do sujeito. Em tais sentidos, refere-se a movimentos que envolvam a reatualização de percursos e marcas nascidos de experiências, em investigações articuladas à autoformação naturalmente relacionada à pesquisa (auto)biográfica, na possibilidade de produzirem acontecimentos novos - de criação de outros sentidos renovados da profissão de professor. Ademais, o interesse sobre a pesquisa envolvendo a formação existencial em sua processualidade e os modos como o sujeito elabora seus conhecimentos e suas ações, na especificidade da docência - de como os professores vão se constituindo na profissão.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O momento educacional, nesse tempo de agora, revela um descompasso na vinculação entre o processo educativo e a realidade socioeconômica e cultural do país. Muitas são as discussões que ecoam nesse cenário: algumas vozes culpam o professor, diante do baixo índice de aprendizagem nas séries iniciais do Ensino Fundamental, outras se concentram na formação insipiente oferecida pelas escolas de formação; o fato é que a necessidade de melhor qualificação para os professores tem sido alvo de inúmeros debates. Nesta perspectiva, surgem muitos estudos que apontam para a profissionalização da docência, no sentido de que existem saberes específicos a este ofício que não, apenas, aqueles de caráter cognitivo e pedagógico, mas saberes a serem construídos no exercício da práxis docente “[...] sobre os quais se centram o sujeito no processo de reflexão sobre a trajetória de sua formação.” (PASSEGI, 2010, p. 20).
Como se vê, ao longo dos anos, a temática formação de professores vem sendo analisada por muitos educadores e por entidades organizadas, na tentativa de se compreender, não apenas o percurso das políticas de formação de professores, buscando identificar elementos de superação das condições atuais em que se encontra a educação; também, em particular, como se processa a formação para a docência. O uso de narrativas (auto)biográficas, nessas direções, vem demonstrando possibilidades de aberturas para caminhos de compreensão alargada destes processos e amplia-se para estudos que contemplam o docente como sujeito adulto - em processo formativo, no decurso da vida, em variados ambientes – em suas trajetórias na família, na escola, na licenciatura e no exercício da profissão. Delory-Momberger (2008, p. 97) considera as “[...] narrativas como lugares nos quais o indivíduo toma forma, no qual elabora e experimenta a história de sua vida, que dão forma ao vivido e à experiência dos homens.”
Nas dimensões internas e externas do sujeito há movimentos situados entre os potenciais deste e as exigências postas pelas condições legítimas de enfrentamento da profissão docente. Assim, as influências mútuas sofridas na instituição escolar, entre colegas do passado, alunos e demais parceiros de trabalho, parecem se compor como elementos potencializadores da aprendizagem da profissão, em movimentos de diferenciação de si, de superação de certos modos de ser.
Os estudos (auto)biográficos, por possuírem uma natureza emancipatória, como destacam os trabalhos de Abrahão (2010); Delory-Momberger (2006, 2008); Dominicé (2010a, 2010b); Josso (2006, 2007); Nóvoa et al (1992, 2002); Souza (2004, 2006a, 2006b, 2007, 2013) e Passeggi (2008, 2010) adquirem uma proeminência nas pesquisas relacionadas às condições históricas e culturais do homem em movimentos de experiências de si. Em tais perspectivas, variadas leituras e observações empíricas realizadas, levaram-nos a pensar a aprendizagem da docência na condição de processo que se realiza, não apenas por meio de dimensões internas e externas ao sujeito, mas na relação com o mundo, num movimento que vai se constituindo entre as potencialidades da pessoa da professora e as exigências estabelecidas pelas condições reais de enfrentamento da profissão.
As referências acima destacadas, proporcionam a abertura a possibilidades investigativas sobre estudos acerca das experiências pessoais e profissionais de docentes, em abordagens metodológicas variadas que apontam para o acionamento de memórias, na composição de escritas de si e histórias de vida. Os envolvimentos docentes em práticas de pesquisa e formação, cria, em nós uma pretensão de dar um cunho formativo a esse processo de investigação, no intuito de buscar possíveis implicações das experiências de professores de educação infantil ao narrar o vivido em suas trajetórias de vida e profissão, antes mesmo dos exercícios docentes.
Assim, destacar a formação de professores, na especificidade da educação infantil, impulsiona estudos, pesquisas e análises, acerca dos processos de construção e apropriação dos saberes pessoais e profissionais desenvolvidos, a partir de experiências consolidadas, no cotidiano pedagógico, desde que se adentrou à instituição escolar. Nesse sentido, o acesso às experiências - no avivamento de singularidades e recuperação de potencialidades de marcas - poderá gerar aberturas a renovados movimentos docentes.
Nessas direções, faz-se necessário pensar a aprendizagem da docência na qualidade de processo que se realiza a partir das dimensões internas e externas ao sujeito a constituírem-se como movimentos estabelecidos entre potencialidades deste e as exigências estabelecidas pelas condições reais de enfrentamento da profissão. Assim, as interações com colegas, alunos e demais companheiros de profissão, em meio ao lócus escolar, assumem uma importância fundamental, na medida em que parecem se constituir como elementos fomentadores da aprendizagem docente, em movimentos de vir a ser professor, diferente do que se vinha sendo.
Assim, a se processar, este estudo de caráter formativo traz, em si, processos de construção e apropriação dos saberes pessoais e profissionais desenvolvidos no cotidiano pedagógico, com o professor reavivando suas memórias, desde que adentrou à instituição escolar. Este acesso às vivências e às experiências - às singularidades de si, na recuperação de potencialidades das marcas, através das interfaces metodológicas, dão mostras de gerar aberturas a renovados movimentos de professoralização.
METODOLOGIA
Nessa seção encontra-se a opção pela abordagem teórico-metodológica da pesquisa (auto)biográfica das Histórias de Vida, ao tempo em que são apresentadas as etapas rumo à análise do objeto investigado, as experiências de vida de professores, seus percursos formativos e seus modos de expressão no cotidiano das práticas pedagógicas para as infâncias.
Os estudos de Souza (2004), constatam que as terminologias, que designam a investigação no campo da abordagem biográfica de professores são muitas, o que reflete a diversidade de perspectivas epistemológicas que habitam esse enfoque de pesquisa, tornando-o um terreno de investigação ainda mais complexo. Outro aspecto a ser mencionado é que a abordagem (auto)biográfica das Histórias de Vida comporta uma variabilidade de fontes e formas de recolha e produção de informações; para este fato Souza (2003) nos alerta que, em cada texto biográfico a ser utilizado como fonte de análise, deve se atentar ao contexto de sua produção, seu conteúdo e forma textual.
Souza (2013, p.3) em sua afirmativa de que a escrita da narrativa “[...] parte de reflexões construídas pelos sujeitos sobre o sentido de sua vida, suas aprendizagens, suas experiências, [...] aproxima o ator de si através do ato de lembrar e narrar sua própria história, remetendo-o às recordações referências e às experiências formadoras”. A fala de Souza dá indícios de que a pesquisa (auto)biográfica, pode se constituir numa perspectiva formativa altamente potencializadora das experiências de si e da profissão e, no sentido posto, muito mais expressiva e revigorante, do que a formação por meio de cursos descontextualizados. Nóvoa (1992c), por sua vez, garante que as abordagens (auto)biográficas podem ajudar a compreender melhor as encruzilhadas em que se encontram atualmente as professoras e delinear novas práticas de ação, investigação e formação.
Nessa direção, a presente investigação/formação, do tipo qualitativa, tendo, em seu centro o Ateliê Biográfico de Projeto digital (ABPd), dispositivo inspirado nos estudos da pesquisadora franco-alemã, Delory Momberger (2006) e os Roteiros Biográficos (RB) da na potencializaram os relatos orais de Histórias de Vida (Nóvoa et al, 2010). Na escolha desses dispositivos de pesquisa, houve a pretensão de que os professores/partícipes desse processo trouxessem informações/implicações de suas trajetórias pessoais e profissionais, vivenciassem, no decorrer, um processo formativo/emancipatório e, com isso, alimentassem e fecundassem este objeto de estudo.
Esta ação contou com a participação, voluntária, de 6 professoras e 1 professor que haviam sido contatados, antes do período pandêmico. Estes, aqui serão tratados por nomes fictícios, combinados com os mesmos, como forma de salvaguardar suas imagens, de acordo com as orientações do Comitê de Ética de Pesquisa, vinculado ao processo interinstitucional do programa de doutoramento em pauta. Ágatha, Ana, Isa, Lina, Mila, Nito e Rita compõem a equipe de docentes do centro de educação infantil, atualmente e são partícipes, espontâneos, desta ação.
O primeiro momento dos ABPd aconteceu em 25/11/20 sob o tema: ‘Dialogando sobre os ABPd’, no qual, virtualmente foi apresentado o projeto investigativo/formativo, iniciando pelo seu título, na intenção de dizer da pertinência e da importância da pesquisa em si, além de potencializar o interesse dos sujeitos na ação investigativa com características formacionais.
Neste ABPd foram utilizados slides, compartilhados em tela digital, com as informações essenciais do processo - objetivos, características, a abordagem (auto)biográfica como método e formação, além do plano inicial, específico, dos ateliês. Este primeiro momento foi bem participativo: dúvidas foram dirimidas, combinações ocorreram, inclusive que os encontros seriam gravados podendo ser revisitados em quaisquer momentos.
O II Ateliê (Regras de funcionamento dos ABPd) aconteceu no dia 01/12/20 (terça feira às 19h), por meio da plataforma digital Google Meet e foi gravado com a permissão de todos os presentes. No primeiro momento, um cronograma, em processo de organização, foi compartilhado constando as datas disponibilizadas pelo grupo, as temáticas e as ações que seriam desenvolvidas ao longo do processo. A seguir, através de slides, a pauta, os objetivos e os critérios para o funcionamento dos referidos Ateliês foram discutidos. Novos dispositivos, relacionados à ação, foram compartilhados.
Ao final da sessão uma síntese da proposta metodológica foi apresentada. Esse ato teve por objetivo informar aos professores-partícipes sobre o que viria nas próximas etapas e de como as narrativas de si mesmos serviriam de material para compreender a mobilização de suas subjetividades, seus processos de formação, de conhecimento e de aprendizagem (JOSSO, 2010).
O ABPd III – Histórias de Vida Pessoal, aconteceu no dia 08/12/20 (terça feira às 19h), foi gravado com a permissão de todos os partícipes. Teve como objetivos: rememorar as vivências, desde a infância, na composição das experiências de si mesmos; registrar acontecimentos e suas marcas - na produção de si, desde a infância e os resgates das repercussões desse processo na construção da profissão docente; produzir a primeira narrativa autobiográfica e socializá-la.
O ABPd IV aconteceu com o tema: Histórias de Vida Escolar, em 15/12/2020 (terça feira, às 19h) e foi gravado com a permissão dos professores presentes. Essencialmente, o roteiro trabalhado propunha, aos sujeitos partícipes, uma experiência formadora, por meio do recurso ligado às narrativas de recordações-referência (JOSSO, 2010), a partir de vários níveis de ação e de registros orais (ateliês) e escritos (roteiros), os quais ajudaram no acionamento das lembranças de trajetos em espaços escolares, convivências e interações com professores e colegas. Neste processo houve a intencionalidade de recolher impressões pessoais sobre os percursos escolares, envoltos em acontecimentos que os trouxeram de volta a este ambiente, agora na condição de docentes, na compreensão de que “[...] a narrativa emerge do embate paradoxal entre o passado e o futuro em favor do questionamento presente.” (JOSSO, 2010, p. 38).
O ABPd V aconteceu no dia 22/12/20 (terça feira às 09h). A proposta desse ateliê se estruturou a partir da temática Histórias de Vida e Formação. Sua composição se deu por meio das narrativas dos professores partícipes, acerca dos seus processos formativos, desde a entrada na escola como discentes, até a definição e capacitação para o exercício profissional da docência. Ao longo do Ateliê V – Histórias de Vida e Formação Docente, muitas lembranças foram compartilhadas, ao tempo que os sujeitos foram reconhecendo semelhanças em suas próprias histórias, e, assim foi possível perceber que os trajetos percorridos pelos sujeitos da pesquisa, em alguns momentos, se entrelaçaram.
O ABPd VI - Histórias de Vida e Profissão Docente - teve a intenção de fazer emergir memórias referentes às primeiras vivências profissionais, a resvalarem para processos de individuação ao longo da carreira docente.
Pode-se afirmar que nos diferentes ABPd, a narrativa, no cerne da abordagem biográfica, funcionou como um processo de produção de conhecimento, ao congregar e entrelaçar experiências: cada professor, corajosamente, ao contar de si, de suas itinerâncias docentes, seus medos, vontades, frustrações, parecia estar desembaraçando nós existenciais que emergiram entre tempos históricos, dando mostras de agir em favor de questionamentos do presente. As recordações-referências e o trabalho cointerpretativo se apresentaram como experiências formadoras e mostraram-se como composições multilineares - em pontos e cores diversas - a trazerem elementos, ao mesmo tempo concretos e invisíveis, a indicarem integrações-suporte entre conhecimentos e transformações.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As análises parciais das narrativas docentes vêm apontando para a importância de investimentos nas experiências que envolvem a problemática do desenvolvimento pessoal, as diferentes práticas de si e os percursos formativos docentes. O foco das análises pautou-se na significação das palavras que congregassem diferentes dimensões humanas: experiências evocadas pela memória; emoções e sentimentos produzidos pelas narrativas. Por meio dos relatos orais e escritos, observamos ações e reações que nos impelem a reafirmar o caráter formativo do trabalho com as memórias.
A partir de tais procedimentos as reflexões iniciais revelaram que as escritas (auto)biográficas vêm enriquecendo e reforçando o (auto)conhecimento e promovendo transformações na constituição da docência para a infância, em meio ao compartilhamento de experiências/vivências das professoras no espaço escolar. Assim, acredita-se que a memória se apresenta reavivada, a cada vez que dela faz-se uso, ou seja, quanto mais o sujeito se lembra da experiência vivida, escreve ou fala sobre ela, mais pode ressignificá-la, estando, nesse caso, presentes as dimensões individual e coletiva da memória.
Outro aspecto importante dos relatos (auto)biográficos, já observados, é a intencionalidade de comunicar, de fazer-se ouvir pelo outro, como aponta Ferrarotti (2010). Nessa direção, percebeu-se que as narrativas se apresentaram, por vezes, descontínuas, sendo que a seleção dos fatos, a serem narrados, ocorreram mais pela significação atribuída pelo narrador, do que por uma sequência lógica/linear. Tais aspectos fornecem indícios de que o narrador rememora o passado com os olhos do presente, num processo de construção e reconstrução permanentes. Ademais, vislumbrou-se que as narrativas orais e escritas favoreceram o resgate do passado como fonte para a compreensão do presente e a projeção do futuro, ao tempo em que os sujeitos tiveram suas vozes amplificadas em meio aos temas debatidos e problematizados.
Em tais sentidos, ao recordarem da infância, os professores partícipes se mostraram saudosos e fizeram comparações com a condição vivenciada pela criança. As falas se conectaram em meio às lembranças de uma liberdade infantil necessária, momento em que se desfrutava maior contato com a natureza, experiência quase ausente para a maioria das crianças nos tempos de agora, notadamente nos meios urbanos. Os professores ressaltaram, ainda, a importância do lúdico e reconheceram que a infância vem passando por muitas transformações ao longo dos últimos tempos. Assim, esta etapa de vida foi lembrada, na ótica dos professores, pela presença dos adultos que as acompanhavam e cuidavam, afetivamente, de suas necessidades próprias de crianças, ao tempo em que os sujeitos da pesquisa foram questionados sobre as marcas que as vivências infantis deixaram em si e como essas experiências se expressam em suas práticas pedagógicas.
Nas expressões dos professores partícipes, por meio de relatos orais e escritos desenvolvidos, revelou-se a atribuição de uma importância ressignificada à escola, à imagem da criança que cada um foi, aos sentimentos que entremearam as lembranças. Tais reflexões contribuíram para uma maneira diferente de olhar a criança, a educação infantil e o ofício de educadora de crianças pequenas.
CONCLUSÕES
Ao partilhar das narrativas/memórias dos professores pesquisados foi possível a aproximação de suas histórias de vida e percebendo a riqueza de seus percursos pessoal e profissional, expressados através de sentimentos de alegria, descobertas, encantamento, dúvidas e incertezas, acerca das vivências/ experiências no trabalho com as crianças. A recuperação dessas memórias, possibilitou uma percepção mais acurada das histórias, dos caminhos pelos quais os professores do centro de educação infantil pesquisado vêm se constituindo na docência para a infância.
As trocas de experiências, as partilhas ocorridas nos encontros, configuraram espaços de formação e de desempenho de papéis de formador e de formando, simultaneamente. A nossa motivação se expressou na oportunidade de construção de um espaço de diálogos em contextos de creche e pré-escola, um tempo para ver a si e ao outro, de explicitação de subjetividades. Ao longo das análises foi possível identificar a potencialidade das narrativas orais e escritas como promotora de diálogo do sujeito consigo mesmo, capaz de criar condições de bem-estar, na forma de um balanço pessoal construído em um movimento contínuo de imersão nas memórias e de distanciamento temporal, favorecendo, ainda, reflexões e tomada de consciência do percurso formativo que vem sendo retomado e aprofundado cotidianamente.
Lembranças marcantes da experiência de vida pessoal, sobretudo na infância, também foram mencionadas nas narrativas docentes, dando indícios de que a professoralidade das educadoras de crianças pequenas, remonta à sua infância e vai se construindo e reconstruindo ao longo da vida. Observamos grande disponibilidade e interesse das professoras partícipes para expressar seus pontos de vista, ao sentirem-se apoiadas e reconhecidas profissionalmente. Entendemos ser esse é um fator relevante no processo de composição dos modos de ser professora de crianças pequenas, uma vez que possibilita a visualização do profissional que se vem sendo, também pelo olhar do outro, diferente, possibilitando a construção de uma imagem de si.
Nessa direção, os ateliês favoreceram a reapropriação da experiência de formação acadêmica, também a compreensão dos sentidos e singularidades da produção pessoal da profissão docente, assim como ativaram modos outros de expressão da docência em classes de educação infantil. Essa prática teve a intenção de valorizar as aprendizagens experienciais adquiridas ao longo da vida pessoal e acadêmica e oportunizar a reflexão e análise de cada professora sobre seu próprio percurso formativo. Nesta direção, acreditamos que a pesquisa vem contribuindo para o desenvolvimento pessoal das partícipes, estimulando o protagonismo das mesmas e promovendo os saberes da experiência.
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