Metadados do trabalho

A Cidade Justa Em Platão: Contornos Educacionais

Maria Lenilda Caetano França

Esse texto se insere no eixo da História da Educação antiga, em que Platão surge como objeto de investigação científica, respondendo aos questionamentos acerca da educação dentro da cidade justa. O sistema educativo apresentado por ele em busca da verdade, da justiça e da virtude, mobilizava toda uma sociedade, afim de construir uma cidade justa. Para sua constituição, Platão constrói um projeto-político-filosófico-educativo, que consistia no modo de educar os jovens gregos para, a partir de uma educação, na qual as aptidões eram respeitadas, chegariam a concretização da cidade justa. É nessa trilha de proposições que a presente pesquisa, alicerçada num estudo teórico, se direciona, em conhecer o projeto de educação pensado por Platão, e, quais os contornos educacionais presentes no projeto que levaria a constituição da cidade justa. Assim, a pesquisa se inicia com as ideias de Platão sobre a cidade justa, apresentando suas concepções sobre Política, Estado e Educação, descrevendo a partir literatura consultada, seu pensamento educacional sobre a educação do homem virtuoso, o qual consiste em figura imprescindível na concretização da cidade justa. Consideramos que a ideologia apresentada por Platão, mostra-se atemporal e de um valor inestimável.

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Como citar este trabalho

FRANÇA, Maria Lenilda Caetano. A CIDADE JUSTA EM PLATÃO: CONTORNOS EDUCACIONAIS. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/547-a-cidade-justa-em-plat%C3%A3o-contornos-educacionais. Acesso em: 16 out. 2025.

A CIDADE JUSTA EM PLATÃO: CONTORNOS EDUCACIONAIS

Introdução

O bem, para Platão, é, em primeiro lugar, e com mais evidência, a finalidade ou alvo da vida, o objeto supremo de todo o desígnio e toda a aspiração. Em segundo lugar, e mais surpreendentemente, é a condição do conhecimento, o que torna o mundo inteligível e o espírito inteligente. E em terceiro, último e mais importante lugar, é a causa criadora que sustenta todo o mundo e tudo o que ele contém, aquilo que dá a tudo o mais a sua própria existência (John Earle Raven, 1965).

 

 

Arístocles (428-347 a.C.) conhecido por nós como Platão, nascido de família aristocrática foi o mais importante discípulo de Sócrates (470-399 a.C.) “o conversador insaciável, o perguntador implacável, espécie de vagabundo loquaz” (Pessanha, 1986, p. 44), “o mais espantoso fenômeno pedagógico da história do Ocidente” (Jaeger, 1970, p. 475). Platão acompanhava Sócrates na sua missão de parteiro de ideias, observando o seu mestre realizar esse trabalho de “ajudar as pessoas a se libertarem de opiniões sem fundamento e a reconhecerem que pensavam que pensavam quando na verdade não sabiam dizer claramente o que estariam pensando” (Pesanha, 1986, p. 44-45), verdadeiro labor científico – retirar esse pensamento de achar que pensamos corretamente – partindo de uma maiêutica em que o mestre vai interrogando seu discípulo, levando-o a conseguir encontrar em si mesmo as razões, as explicações e as verdades. Assim inauguramos a filosofia ocidental na nossa cultura, partindo de Sócrates, Platão e Aristóteles. Esses três filósofos gregos acreditavam que é preciso encontrar a explicação da realidade do mundo, nele mesmo e não na religião ou na mitologia. Questionavam assim a validade do pensamento mítico e propunham um novo modo de pensar, apresentando o primeiro compromisso imposto pelo exercício do conhecimento, que é o compromisso com a verdade, tal qual ela se revela ao homem que aplica a razão na sua descoberta.

Platão lecionou, estudou e escreveu sobre uma infinidade de assuntos, como política, epistemologia, cosmologia e estética. Cresceu num momento economicamente e culturalmente favorável da Grécia, no qual Atenas assumia um lugar de destaque no mundo grego. Estudou poesia, filosofia e ginástica, num período em que a educação na Grécia assume um perfil mais democrático e menos militar, presente na tirania Espartana antecessora (Teixeira, 2006). Interessado em filosofia, Platão se inspirou em Sócrates, na busca pelo conhecimento da verdade e da virtude. Sócrates influenciava jovens Atenienses em praças públicas, questionando-os sobre o autoconhecimento, na conquista da alma, para uma convivência na cidade, harmônica e democrática. O método socrático pressupunha questionamentos à quebra do modelo ideal aristocrático do ensino da virtude de excelência intelectual acessível a poucos.

A partir de Sócrates a filosofia se transforma numa pedagogia de formação dos espíritos para o conhecimento, da intelectualidade, o intelectualismo moral, baseado no conhecimento racional e sistemático, as diretrizes para o comportamento humano, ético e político. Sem deixar escritos sobre suas “aulas públicas” é acusado de corromper a juventude ateniense, é condenado a morte pois,

 

[...] acreditava na existência de uma ordem universal e de verdades e valores morais absolutos. Sua função na educação do espírito do seu povo, de modo especial dos jovens, tinha para ele um caráter sagrado. Educar, para Sócrates, era uma missão e um imperativo legado a si pelos próprios deuses (Teixeira, 2006, p. 21).

 

            Discípulo de Sócrates, Platão sentiu sua morte e saiu de Atenas em viagem a África e ao Sul da Itália, onde liga-se a políticos e matemáticos pitagóricos. A política sempre foi um marco em sua vida, por ser filho de aristocratas, e após a condenação de seu mestre Sócrates, e de suas frustrações nessa área, se mobiliza a retornar a Atenas e fundar a Academia, primeira instituição de nível superior, que utilizava o método socrático como forma de discussão racional, com aulas em lugares a céu aberto, em busca da verdade para atuação na cidade. Valorizando os métodos de debate e conversação, tinha por objetivo a formação humana intelectual, reflexiva, viva, distante da mera reprodução de conteúdos científicos prontos e definidos.

            A obra de Platão, inicialmente, foi caracterizada por seus registros e estudos na forma de Diálogos, uma verdadeira apologia ao seu mestre Sócrates, defendendo suas ideias e sua memória. Evidencia-se uma presença tão marcante de Sócrates em seus escritos, que por vezes torna-se difícil a percepção entre o que foi produzido por Platão das ideias de Sócrates. Em seguida, num outro momento filosófico, enquanto professor e pensador, Platão discorre sobre a teoria das ideias, de como se constrói o conhecimento humano.

            Platão teceu várias críticas à política e à educação dos gregos, acreditava que a falta de ciência, virtude e justiça, eram os grandes causadores dos problemas na cidade. A política era a arte de despertar os verdadeiros valores nas pessoas. Em sua busca pela verdade, se dedicou a formação do homem grego virtuoso, que estaria apto a intervir na política, e seria responsável pela constituição da cidade virtuosa, com justiça, temperança, piedade, coragem e prudência. A república foi um de seus diálogos mais conhecidos e importantes da história da filosofia, nele consta sua busca pela verdadeira filosofia pautada em questionamentos sobre uma sociedade ideal, justa, seus governantes e a maneira como estaria organizada, tendo a educação como ponto de partida.

             Platão se tornou a base de uma grande parte da filosofia ocidental, bem como da filosofia da educação, seus escritos e pensamentos se mostram alicerçados numa pedagogia e pensamento próprios, voltadas ao ensino da virtude e da justiça. Nesse contexto, Platão surge como objeto de investigação científica, respondendo aos questionamentos acerca da educação dentro da cidade justa. A ideologia apresentada por ele, mostra-se atemporal e de um valor inestimável. O sistema educativo apresentado em busca da verdade, da justiça e da virtude, mobilizava toda uma sociedade, afim de construir uma cidade justa. Para sua constituição, Platão constrói um projeto-político-filosófico-educativo, que consistia no modo de educar os jovens gregos para, a partir de uma educação, na qual as aptidões eram respeitadas, chegariam a concretização da cidade justa.

É nessa trilha de proposições que a presente pesquisa se direciona, em conhecer o projeto de educação pensado por Platão, e, quais os contornos educacionais presentes no projeto que levaria a constituição da cidade justa. Assim, a pesquisa se inicia com as ideias de Platão sobre a cidade justa, apresentando suas concepções sobre Política, Estado e Educação, descrevendo a partir literatura consultada, seu pensamento educacional sobre a educação do homem virtuoso, o qual consiste em figura imprescindível na concretização da cidade justa.

Para alcançar tais propósitos, a metodologia utilizada foi o estudo bibliográfico, o qual busca conhecer as contribuições científicas sobre determinado assunto, tendo como objetivo recolher, selecionar, analisar e interpretar as contribuições teóricas já existentes sobre determinado tema (Lakatos; Marconi; 2010). Nesse percurso foram consultados livros, artigos e materiais escritos sobre Platão, os quais contribuiram para efetivação dos objetivos propostos. Dentre as obras estudadas, destaca-se A República, escrita por volta de 380 a.C, uma das obras mais importantes do filósofo, que trata de temas como justiça, verdade, política e educação, constituindo-se numa verdadeira exortação à prática de virtudes. Outra obra que contribuiu foi A Educação do Homem segundo Platão, do professor Evilásio Teixeira, a qual assenta as perspectivas educacionais pensadas por Platão para educar o homem grego.

 As proposições ora apresentadas esboçam indícios de um pensamento positivo que Platão vai delineando nos diálogos socráticos, que remetem a estruturas reais de um pensamento plausível ainda hoje. Em nenhum momento o pensamento socrático-platônico se distanciou das verdades ainda cultivadas, que consoante o saber trazido sobre a justiça, a verdade e o bem, num estilo educativo filosófico, tornariam os cidadãos participantes da polis, cujo caminho galgaria à cidade justa, conferindo o mister filosófico (Abbagnano; Visalberghi, 1957).

Os caminhos da Pesquisa

 

O trabalho em tela é considerado uma pesquisa teórica, a qual se dedica a (re)construir teorias, conceitos, ideias, tendo em vista o aprimoramento dos fundamentos teóricos, não se comprometendo intervir na realidade, porém criando condições para tal intervenção. Tal pesquisa é feita a partir do levantamento de referenciais teóricos já analisados e publicados por meios físicos e digitais, como livros, teses e artigos científicos, cujo procedimento integram as “[...] pesquisas científicas que se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta” (Fonseca, 2002, p. 32).

De acordo com Folscheid e Wunenburger (2006, p. XI), ao utilizar a pesquisa bibliográfica “[...] podemos esperar reconstituir escrupulosamente o trabalho do pensamento de outrem, evitando os estereótipos escolares que simplificam as obras, contornando o obstáculo das palavras e a aparência enganosa das fórmulas prontas”. Mais adiante, os autores complementam “[...] ao mesmo tempo que situamos as filosofias em itinerários, contextos, sistemas coerentes, que as liberam de todo peso histórico e as elevam a categoria de pensamento vivo e atual” (Folscheid; Wunenburger, 2006, p. XI). A obra teórica é conferida por Cossutta (2001, p. 06) como “[...] um todo que se engendra e se desfaz, aberta ao mundo e ao sentido, mas igualmente redobrada sobre o universo que ela gera. É um conjunto móvel, animado por um movimento interno, que desenrola um feixe de virtualidades discursivas segundo regras e modalidades”. Tais preocupações são referendadas por Folscheid e Wunenburger (2006) ao sublinhar que os textos de filosofia antiga trazem dificuldades que devem ser observadas pelo pesquisador, nas seguintes especificidades: o problema da filosofia antiga; o problema das traduções; e, o problema do vocabulário. O presente objeto de investigação trata de teorias formuladas na antiguidade grega e cristã, tornando-se necessário que o tratamento dado aos textos compulsados siga esse padrão metodológico, desde a seleção ao cuidado com as edições, traduções disponíveis e léxicos.

 

Política, Estado e Educação

 

            De acordo com Platão (1949), a democracia não era um regime de governo adequado, no qual todos poderiam governar livremente diante da complexidade dos seres humanos que compõem a sociedade. Para Platão (1949) o governo deveria buscar a justiça e a felicidade do homem, um governo ideal pautado na razão, convencendo o indivíduo que a justiça seria entendida como natureza do homem, enquanto alma, sabedoria e virtude. Tal ideologia se configura numa tentativa de criar uma nova ética ao ser humano, de modo a agir racionalmente.

            Nesse caminho, Platão acreditava que todos os cidadãos poderiam alcançar a essência do conhecimento, e que o governante da cidade justa deveria atingir a essência desse conhecimento, como pré-requisito à justiça. Desse modo, a justiça se torna elemento essencial e necessário a equilibrar uma dualidade a qual Platão considerava conflituosa: homem versus sociedade, na qual o homem representa o microcosmo, e a sociedade o macrocosmo (o indivíduo cidadão é um microcosmo que só pode conhecer-se e realizar-se na relação ao macrocosmo da cidade que lhe devolve a sua imagem ampliada (Teixeira, 1999, p. 113), pois para Platão, o homem é a sua alma, e o estado seria a extensão da alma, então a verdadeira cidade estaria dentro da alma.

Para Platão (1949), assim como o homem tem uma alma dividida em três partes, a cidade também deveria ser dividida em tres partes, conforme funções bem definidas: parte racional, responsável pelo uso da razão dos homens, partes irracionais (irascível: responsável pelos impulsos e afetos, e  concupiscente: responsável pelas necessidades básicas). Comparando a alma à cidade, Platão organizou seu pensamento entendendo a política e a sociedade como se fossem organismos vivos. A sociedade era dividida em grupos sociais, constituídos de classes que previamente, deveriam ser ensinadas a desempenhar aptidões e funções próprias ao funcionamento da mesma. Essa formação e educação seriam obrigatórias, comum a todos e de competência do Estado, fornecendo a cidade melhores funcionários e todos trabalhariam com honestidade e qualidade.

Nessa trilha de proposições Teixeira (1999, p.105) sublinha a importância da educação proclamada por Platão ao afirmar que ela deve “[...] ajudar o homem na escolha de uma vida mais elevada [...] que é sinônimo de uma alma nobre e justa. É fundamental viver uma vida honesta que possibilite ao homem escolher sempre aquilo que é melhor” (Teixeira, 1999, p. 105). É nesse percurso que o próximo tópico se delineia, apresentando a educação do homem virtuoso dentro da cidade justa pensada por Platão.

Platão inicia o Livro V de A República partindo da idéia de duas cidades, propondo a busca racional por uma cidade justa, enraizando-se por uma questão aberta pelo projeto democrático, qual seja: a definição do que é justo. Tal projeto de democracia (governo do povo/gentalha) é criticado por Platão que o considera inadequado por apresentar governantes que não conhecem a ciência política, afirmando que para o Estado ser bem governado é preciso que “os filósofos se tornem reis”, ou seja, que os filósofos sejam os governantes. Assim Platão (2005, 449a, p.209) retrata “uma cidade e constituição dessas chamo eu, portanto, boa e reta, bem como um homem dessa qualidade; às demais, más e erradas – uma vez que aquela é a direita – quer se trate da administração das cidades, quer da organização do caráter da alma individual”. Assim, vê-se projetada a bonança e a retidão de uma cidade a partir dessas qualidades em seus governantes. O oposto maléfico ocorre com as cidades em que os governantes não possuem esses dotes.

 

A cidade justa e a educação do homem virtuoso

 

            Inicialmente, a educação do homem virtuoso de Platão, a Paideia justa, deveria estar pautada num contexto mais amplo, contemplando a arte, a beleza, a justiça, política, e a cultura. Acreditava que a Paideia grega deveria ser reformulada em seus pilares atendendo a uma formação do homem para uma sociedade ideal, numa cidade (polis) autônoma e soberana, e o questionamento do conceito de justiça torna-se a tônica da formação do homem grego virtuoso, para uma cidade ideal.  No entanto, para tal percepção seria necessário uma reeducação do olhar, no conceito de justiça, inerente a alma, a educação provida pelo Estado aos homens perpassava por algumas teorias do conhecimento que Platão considerava essencial para entender a existência humana e sua função social na Pólis. Implementando a teoria filosófica de seu mestre, Platão constrói uma bem elaborada teoria do conhecimento, na qual existe um plano superior, um mundo das ideias, que conviviam com as almas humanas (Jaeger, 1970). O mundo das idéias detém o conhecimento verdadeiro, a ideia imutável da essência das coisas, o mundo inteligível, direcionando o comportamento e o modo de agir dos humanos. No centro destas idéias estaria a idéia do Bem, a referência maior do mundo dos seres, e o conhecimento se configura na busca do Bem absoluto, pautada na razão, auxiliada pelo intelecto, e que leva a realização do Homem no mundo sensível.  

            Paulatinamente, mediante discussões do que seja o Bem, o Bom, o Belo e o Justo, o homem deveria entender o Bem como o grau supremo da educação, que só seria alcançado baseado num comportamento da bondade e do Belo, culminando numa atitude justa. A justiça para Platão consiste numa identidade do homem na cidade, em que cada indivíduo deve ocupar-se de sua função, na qual sua natureza for mais adequada. Em A República, o Sócrates de Platão dialogando com Gláucon, faz a seguinte pronúncia (1949, p. 319):

 

  – Meu caro Gláucon, este quadro – prossegui eu – deve agora aplicar-se a tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível através dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo conhecê-la. O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de tudo quanto há de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para ser sensato na vida particular e pública (Platão, 1949, p. 319).

 

            Alcançar a verdade e a justiça na cidade só é possível através de uma educação que desenvolva as capacidades do homem. Para Platão, “a educação não é o que alguns apregoam que ela é. Dizem eles que introduzem a ciência numa alma em que ela não existe, como se introduzisse a vista em olhos cegos” (Platão, 1949, p. 320). A cidade que Platão idealizava era a forma de criar um Estado ideal e justo, visando às qualidades e oferecendo oportunidades a todos e seria formada por classes de trabalhadores, responsáveis pela produção de bens materiais necessários para a sobrevivência dessa ordem pública, de soldados, protegendo-a das ameaças externas e internas e de guardiões e  governantes, cuidando de seu destino e das leis necessárias ao seu perfeito funcionamento. A cidade deveria ser governada pela terceira classe, os indivíduos mais virtuosos.

 

As pessoas aperfeiçoadas pela educação e pela idade, somente a essas seria entregue a cidade. Tal pessoa deve ser dotada de memória e facilidade de aprender, de superioridade e de amabilidade, amigo e aderente da verdade, da justiça, da coragem e da temperança (Teixeira, 1999, p. 29).

           

            Essas pessoas seriam os filósofos, os únicos capazes de governar de maneira democrática, os quais receberiam o grau máximo de formação,

 

O filósofo, segundo Platão, é o mais bem preparado para governar a cidade, pois, graças ao seu conhecimento e sabedoria, adquiridos com a educação, poderá fazer boas leis que garantam a harmonia e a superação das consequentes contradições da vida em sociedade (Teixeira, 1999, p. 29).

 

            Para ser um filósofo, o indivíduo passaria por um aprendizado longo e delicado, cabendo a este uma educação desde a sua infância, com duração de cinquenta anos. Nos primeiros anos de vida até os seis anos, a educação deveria estar alicerçada em exercícios físicos, dança e música. Dos sete aos treze, introdução a uma cultura intelectual com aprendizagem de leitura, escrita e cálculos por processos práticos. Dos treze aos dezesseis, educação musical, dos dezessete aos vinte, educação militar, e dos vinte e um em diante, os futuros governantes, deveriam continuar a educação baseada na Matemática e Filosofia, prosseguindo até os cinquenta anos (Teixeira, 1999, p.44).

            De acordo com Platão (1949) a educação básica tinha a função de desenvolver a harmonia do corpo e do espírito. Inicialmente as crianças deveriam ser tiradas dos pais e enviadas para o campo para que não houvesse influência dos mesmos, a metodologia da pedagogia platônica para as crianças estava pautada na ludicidade dos jogos e brincadeiras, que de forma livre aprenderiam naturalmente. Dos três aos seis anos as crianças deveriam participar de jogos educativos, em jardins especialmente concebidos para ela. As atividades físicas, no seu entender a ginástica, seriam constituídas de exercícios de caráter militar e num extenso programa de jogos, tais como a luta, as corridas a pé, os combates de esgrima, os combates de infantaria, o arremesso de flecha com arco. A ginástica seria iniciada na infância e continuaria até a idade adulta, apesar do caráter militar a finalidade não era alcançar a forma física de um atleta, e sim contribuir para a formação do caráter e da personalidade, dessa maneira até aos dez anos a educação seria predominantemente física.

            Para Platão (1949, p. 351-353) entre os sete e treze anos, a criança deveria aprender a ler e a escrever para iniciar os estudos dos autores clássicos, incluindo a poesia e a prosa. No período seguinte, dos treze aos dezesseis anos, começaria a etapa da educação musical, o que desenvolveria seu espírito e o desejo de satisfação pelo belo e repugnância pelo feio, a música, desta feita, contribuiria para a formação harmoniosa da alma e, ao tempo contribuiria para aprender harmonia e ritmo, saberes que criariam uma propensão a justiça. Segundo Platão, a música abriria caminho para os conteúdos de matemática, história e ciência.

            Por imposição do serviço militar, aos 17 e aos 18 anos, os jovens seriam obrigados a interromper os estudos intelectuais por dois ou três anos. Aos vinte anos, após o serviço militar, os jovens eram submetidos a um teste, uma espécie de seleção, para seguirem uma carreira, em que os aprovados seguiriam por mais dez anos estudando, incluindo ainda, atividades físicas. Somente após os trinta anos era iniciado o método filosófico, marcado pela dialética, com discussões sobre o bem, o bom e justiça, conforme

 

- Depois desse período, os que forem escolhidos, de entre os que completarem vinte anos, terão honras mais elevadas do que os outros, e apresentar-se-lhes-ão em conjuntos os estudos feitos à mistura na infância, para verem o parentesco dos estudos uns com os outros e com a natureza do ser. 
- Só esse aprendizado permanecerá solidamente naqueles em que se fizer. 
- É também a melhor prova para saber se uma natureza é dialética ou não, porque quem for capaz de ter uma vista de conjunto é dialético; quem não for não é (Platão, 1997, p. 353).

 

            Platão (1949) julgava a idade dos trinta anos a fase em que o homem seria capaz de perceber seus sentidos e penetrar o próprio ser, conduzindo-o a verdade. Após esse período ele retornaria a sociedade, para conviver com as pessoas durante quinze anos, testando seu conhecimento e aprendizado, provando dessa maneira estar preparado e hábil a trabalhar e se sustentar.  Assim, aos cinquenta anos estaria completa sua educação, caso tenha sobrevivido e superado todas as provas, os mais bem sucedidos se tornariam governantes ou guardiões do Estado, não como honra, mas como dever, “evidenciado, em tudo e de toda a maneira, no trabalho e na ciência, deverão ser já levados até o limite, e forçados a inclinar a luz radiosa da alma para a contemplação do Ser que dá luz a todas as coisas” (Platão, 1949, p.357).  Quanto aos jovens reprovados, os mais dotados, eram destinados ao exército.

            Vale destacar nesse projeto de formação do homem grego, a importante utilização da matemática e da dialética, como elementos fundamentais ao desenvolvimento da racionalidade.   

A juventude deve ser posta em contato, primeiramente, com o mundo sensível, através da música e da ginástica. Paulatinamente, com o estudo da matemática, ela aprenderá a se desprender do mundo sensível para contemplar a verdadeira realidade (Teixeira, 1999, p. 44).

 

            O estudo da matemática deveria encontrar em todos os níveis, sendo aprofundado a partir dos dezesseis anos e prolongados nos estudos superiores. Para Platão (1949) a missão da filosofia é descobrir a verdade para além da opinião e da aparência, das mudanças e ilusões do mundo temporal, a matemática é o conhecimento de verdades eternas e necessárias independente da experiência dos sentidos, o filósofo deve saber matemática porque tem um efeito muito grande na elevação da mente. Platão (1949) considerou que a ciência dos números ou aritmética se encontra acima de muitas outras as quais eram tidas como essenciais para as artes profissionais, representando muito mais que uma simples ciência, ela purificaria e estimularia a alma, transcendendo o pensamento, pois sem ela o Homem não seria Homem.

            Para Platão, “O estudo da dialética assumirá a cúpula dessa formação intelectual, visto que somente pela dialética chega-se à Filosofia” (Teixeira, 1999, p. 44). O diálogo é a forma por excelência do pensamento Platônico, é a arte de pensar, questionar e hierarquizar ideias. Inicialmente o método foi adotado por Sócrates, denominado, como a Maiêutica socrática, oriundo da palavra “mãe”, geradora de Sócrates, que o criou no Séc. IV a.C., significava o momento do “parto” intelectual, da procura da verdade no interior do homem. A dialética platônica conserva os elementos da maiêutica socrática, a partir da ideia de que o método filosófico é uma contraposição não de opiniões distintas, mas de uma única opinião e uma crítica da mesma.

            A dialética consiste em um debate, um diálogo de duas ideias opostas e se decompõe em dois momentos: um primeiro, baseado na intuição da ideia, e um segundo, no esforço crítico para esclarecer esta intuição sobre a ideia. Para Platão, a dialética é o movimento do espírito, é sinônimo de filosofia, é um método eficaz para aproximar as ideias individuais das ideias universais, a superação do mundo das aparências sensíveis ao mundo empírico, atingindo as realidades inteligíveis, ou alcance à verdade. A dialética platônica se expressa nos diálogos da maturidade, em Menon, Fédon e a República.

            O projeto pedagógico de Platão marcado não somente pela utilização e valorização da matemática e da dialética, apresenta um viés extremamente importante de argumentação da política na Pólis e na educação do cidadão: o mito da caverna ou alegoria da caverna, disposta no livro VII de A República.

            Na alegoria da caverna, Platão (1949) estabelece duas realidades pautadas no mundo: a sensível e a inteligível. A primeira caracterizada pela percepção dos sentidos, e a outra onde repousa toda a verdade. Dessa maneira, defende que o homem deve procurar o mundo inteligível, ou a realidade que traz a verdade, buscando o bem, saindo da prisão de suas crenças e supertições.

No mito da caverna, está presente a tentativa de Platão de resgatar a pólis grega a partir da educação. Buscar a visão do bem torna-se o fim da existência humana. Atingi-la, porém, é tarefa de uma educação adequada; só assim, os homens poderão atingir esta visão fundamental e decisiva (Teixeira, 1999, p. 62).

 

                Partindo dos conceitos de alienação, comodidade e medo, como condições da natureza humana, o mito da caverna traz à tona uma discussão entre senso comum e alienação, e a necessidade da educação no papel do filósofo, em busca da verdade e do bem. Os prisioneiros representam alienação dos homens, a caverna seu mundo ao redor, o sensível, ofuscado pelas sombras que dificultam a assimilação de novas descobertas. O retorno a caverna representa um homem esclarecido e que aspira um mundo melhor; o sábio, pela própria condição da natureza humana de acomodação e resistência ao novo, não é ouvido pelos ignorantes.

            Platão acredita que a boa educação se faz pela narrativa dos mitos, em analogia ao processo educativo do rei filósofo, o mito da caverna representa a importância do homem na busca de sua verdadeira condição, de si mesmo, numa incansável dedicação, num processo lento e difícil, mas essencial.     

Platão (2005) sinaliza que a instrução seria reaver um conhecimento que já teríamos antes mesmo de nascer “poder-se-ia supor que perdemos, ao nascer, essa aquisição anterior ao nascimento, mas que mais tarde, fazendo uso dos sentidos a propósito das coisas em questão, reveríamos o conhecimento que num tempo passado tínhamos adquirido sobre elas”. Em sequência vinculativa acrescenta “logo, o que chamamos de ‘instruir-se’ não consistiria em reaver um conhecimento que nos pertencia? E não teríamos razão de dar a isso o nome de ‘recordar-se’?” Essa se configura na teoria de Platão chamada de Reminiscência ou anamnese segundo a qual ao nascer “a alma guarda a lembrança das ideias contempladas, que passam para a percepção e voltam para a consciência” (Teixeira, 1999, p. 52), muito embora, nem todos se lembram do que foi contemplado no mundo inteligível, pois para retornarem ao mundo sensível é necessário que as almas atravessem uma grande planície por onde corre o rio Lethé (o rio do esquecimento) e acabam por beber de suas águas. Aquelas que bebem demasiadamente esquecem toda a verdade que contemplaram e dificilmente se lembrarão da verdade que conheceram; e as que bebem pouco quase não se esquecem do que conheceram. As que escolhem vidas de rei, de guerreiro ou de comerciante rico são as que mais bebem das águas do esquecimento; as que escolhem a sabedoria são as que menos bebem e que serão capazes de lembrar, tendo sabedoria e usando a razão. Desse modo, Platão explica a imortalidade da alma.

Nesse diapasão, a filosofia de Platão desperta a lembrança do conhecimento das ideias residentes no interior da alma, objetivando fazer a alma voltar o olhar para o mundo divino das ideias e libertar-se do domínio do corpo. Nesse contexto, a “alegoria da caverna” narrada no Livro VII, de A República, representa essa libertação no momento em que o prisioneiro, livre de suas correntes, é levado a subir rumo à saída da escuridão para contemplar a luz do Sol (Bem). O voltar-se das trevas para a luz exige um desapego dos sentidos e uma ascese incansável da razão na direção do bem. Nessa direção, o processo de ascensão da alma, representado pela alegoria, se configura num elevar-se para além das experiências sensíveis, o que descreve a educação, tema fundamental da teoria de Platão.

Na alegoria da caverna, o filósofo é representado pelo prisioneiro que, sem os grilhões, resolve sair da caverna para contemplar o que há fora dela, este ao ver a luz do sol não consegue se fixar ao seu brilho, o que só ocorre de forma gradual, é assim que o filósofo vai descobrindo as coisas além da caverna até conseguir contemplar diretamente o Sol (representação da luz, do bem).

O modelo de educação proposto por Platão objetivava formar homens com firme disposição para a prática do bem, dentro da polis, onde todas as pessoas, independente de sua aptidão, necessitam umas das outras, realizando cada uma a tarefa que lhe compete, nesse sentido se teria a cidade justa. Teixeira (1999, p.55) em relação a educação questiona “por que e para que educar os homens? A educação é essa possibilidade de o homem transcender a sua própria natureza, carregada de medos, fugas e receios, complexos malditos e amaldiçoados”, assim a construção do modelo da cidade justa para o homem justo implica ter presente a idéia de perfeição, a busca pelo crescimento moral dos homens, que quando atingem o bem se tornam justos.

Considerações Finais

 

            A ideologia apresentada por Platão, se mostra atemporal e de um valor inestimável. O sistema educativo apresentado por ele em busca da verdade, da justiça e da virtude, mobilizava toda uma sociedade, afim de construir uma cidade justa.

            Acreditava no bem como uma forma ideal e perfeita, apesar de não ser democrático e de ser acusado por alguns críticos de ser um dos idealizadores do totalitarismo, a Paideia platônica se configurou numa reforma educacional antidemocrática por estar baseada num regime único, em que as manifestações culturais dos homens não eram levadas em consideração. No entanto, paradoxalmente, sua concepção de sociedade fortalecida, defendia a educação para todos os cidadãos enquanto responsabilidade do Estado, pois o homem educado e com o espírito cultivado para o bem, através da razão, estaria apto a exercer sua cidadania e usar o conhecimento adquirido em benefício da Pólis.

            Para a formação dos estadistas, sua postura era elitista, mediante o pressuposto no qual somente os reis - filósofos estariam aptos a governar a cidade, definidos pela sabedoria, estes caracterizavam-se tal como aristocratas, os quais não estavam compromissados com o acúmulo de riquezas, e sim com o bem de todos.

            A cidade justa proposta por Platão em A República e sua pedagogia imprimiram as primeiras concepções de educação pública na história das organizações políticas nas cidades. Apesar de parecer utópica e distante do contexto social contemporâneo, no entanto, a ideias de Platão trazem questões supra importantes e imprescindíveis a vida em sociedade, como a educação para a busca do autoconhecimento, da criticidade, e a formação de virtudes e valores humanos ao bem comum.

Em razões conclusivas, é de si revelar de forma ululante que os ensinamentos de Platão chegam à posterioridade, nos permite embaraçar a mente, fazer indagações, dizer não ao senso comum, assumir verdadeira postura de filósofo, participar do Bem e da Beleza, buscar a essência e não se contentar com a aparência, compreender a significação do mundo, da história, bem como, buscar os meios para ser consciente de si e das próprias ações, numa prática de desejar a liberdade e a felicidade a todos. Nisso consiste a educação em Platão, a busca pela justiça, que torna verdadeiramente o bem comum.  É mister trazer os ditames de Platão, observados no Livro X de A República (1949, 621c-d, p.496-497) para dizer que “a história se salvou e não pereceu. E poderá salvar-nos, se lhe dermos crédito, e fazer-nos passar a salvo o rio Letes e não poluir a alma [...] praticaremos por todas as formas a justiça com sabedoria [...] depois de termos ganho os prêmios da justiça [...]” seremos felizes.

Referências

 

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