1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento humano é marcado por demandas que se constituem em meio aos processos de inserção social, com características muito peculiares acerca dos espaços-tempos em que as vivências se dão, são construídas. Assim, pode-se perceber, em nossa realidade sociocultural, as exigências feitas aos adolescentes e jovens acerca da vida futura, especialmente relacionadas a vida profissional. Este trabalho se situa neste contexto, ao pretender discutir a formação integral do estudante por meio do relato e análises de uma ação complementar ao ensino com foco no autoconhecimento, planejamento pessoal e profissional.
No Brasil a oferta do ensino médio é feita, também, pelos Institutos Federais (IF), instituição ofertante da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), que contempla, dentre suas modalidades educacionais, o Ensino Médio Integrado (EMI). O Ensino Médio Integrado à EPT tem como característica central a formação do estudante de maneira mais holística, visando a formação acadêmica, pessoal e profissional. No intuito de potencializar uma jornada estudantil que contemple os diversos aspectos da formação discente são ofertadas atividades complementares de ensino, que na maior parte das vezes acontecem de maneira extracurricular.
Este trabalho tem como objetivo refletir a perspectiva da formação integral de estudantes do EMI tomando por referência a experiência de uma ação complementar ao ensino intitulada “Mundo do trabalho: autoconhecimento e habilidades profissionais”, que teve como finalidade proporcionar espaços formativos que pudessem contribuir para o planejamento pessoal e profissional dos estudantes.
Tal atividade teve o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) campus Nova Venécia como lócus de realização. No Ifes campus Nova Venécia na modalidade do EMI há oferta de cursos técnicos em edificações e em mineração, atendendo jovens numa faixa etária entre 15 a 20 anos. Tais cursos são organizados em quatro anos e, é neste espaço temporal que é comum surgirem as incertezas do que fazer após a conclusão desta etapa. Por este motivo, o público alvo da ação foram estudantes dos quartos anos, de ambos os cursos.
A partir das vivências obtidas no decorrer destes encontros este trabalho relata as experiências, reflexões e inquietações dos autores, por meio de uma abordagem qualitativa. Assim, o texto está estruturado com a parte introdutória, sendo sequenciado com o desenvolvimento, composto pelo referencial teórico e relato de experiência. Já a parte de encerramento conta com as considerações dos autores e o referencial bibliográfico do texto.
2 EDUCAÇÃO INTEGRAL DISCENTE: DO QUE ESTAMOS FALANDO?
A Educação Profissional Tecnológica (EPT) tem marcas de muitas lutas para garantir seu amadurecimento e permanência como uma “educação pública, gratuita e de qualidade”. De acordo com a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) essa modalidade educativa tem como foco primordial preparar o indivíduo para a prática profissional, com o propósito de capacitar o cidadão a se integrar e participar tanto no âmbito laboral quanto na convivência social.
Dentro desse enfoque, voltado à contínua consolidação da rede de educação federal, fundamentamo-nos no estímulo e fomento à educação integral do aluno, de maneira que ele possa protagonizar suas escolhas, com autonomia e liberdade.
Pacheco (2020) apresenta a formação integral como aquela que busca transcender a dicotomia entre indivíduos voltados ao pensamento e à atividade laboral, que surge da fragmentação social do trabalho. Seu propósito é formar cidadãos com a capacidade de apreender os procedimentos produtivos e discernir seu próprio papel nesses contextos, englobando as interações sociais que emanam desses cenários. Assumindo essa perspectiva, o Ifes compreende tal formação como:
desenvolvimento humano em todas as suas dimensões física, cognitiva, cultural, profissional, social, política, ética e estética, entre outras, tomando o trabalho como princípio educativo em sua integração com a ciência, a tecnologia e a cultura de modo a promover a emancipação (Ifes, 2022, p. 1).
É neste contexto que nos aproximamos do Ensino Médio Integrado (EMI), propondo uma configuração curricular que abrange todas as facetas do indivíduo, evitando a fragmentação da compreensão de sociedade e natureza, de tal modo que a formação ultrapasse a mera aquisição de habilidades para atender o setor produtivo, mas que potencialize o engajamento na produção de ciência, tecnologia e arte de maneira integrada com os conhecimentos acadêmicos e populares (Pacheco, 2020, p. 12).
Os Institutos Federais são ofertantes do EMI, o qual consiste a EPT Integrada ao Ensino Médio, com o dever de abarcar a formação básica e profissional do estudante (Ifes, 2022), compreendendo a dimensão crítica dessa formação como intrínseca ao processo educativo, possibilitando ao sujeito pensar o mundo e a sua ação e inserção nele. Neste sentido, é válido esclarecer a compreensão de formação básica e profissional apresentada. A Resolução Ifes/CS nº 114/2022 define em seu artigo 1º:
IV - Formação geral básica: compreende o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; e o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
VI - Formação profissional: conjunto de conhecimentos previstos no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, que permitem exercer as funções profissionais, identificar possíveis ações e intervenções para cada contexto social tomando o trabalho como princípio educativo (IFES, 2022).
É perceptível que a proposta de EMI no Ifes abarca uma educação embasada em múltiplos elementos educativos, indo além práticas pedagógicas conteudistas e abraçando, desse modo, a vivência na comunidade, o que, em associação à instrução profissional para atuação no mundo do trabalho, tem o potencial de propiciar uma formação integral do aluno.
Ciavatta (2019, p. 139) apresenta que “a educação faz parte do mundo do trabalho na medida que participa do conhecimento gerado pelos processos de transformação da natureza e da sociedade”. Neste aspecto é importante ressaltar que ao trazer o termo “mundo do trabalho” nos apoiamos em dimensões mais ampliadas que a concepção de mercado de trabalho, possibilitando a associação de trabalho e suas relações, vínculo empregatício, organizações, poder, controle, tecnologia, troca, lucro, dentre outros aspectos, inclusive o mercado e trabalho (Fígaro, 2008, p. 93).
Neste sentido, é importante destacar que o EMI tem como premissa o trabalho como princípio educativo, para fomentar a consciência pessoal e de mundo para uma atuação no mundo do trabalho.
O trabalho como princípio educativo é uma expressão tida como elucidativa da importância do trabalho na educação do jovem, não apenas no seu aspecto de preparação estrita para o exercício disciplinado do trabalho, mas também no acesso ao conhecimento técnico e científico dos processos produtivos e no entendimento das relações de classe subjacentes ao trabalho e à educação nas sociedades capitalistas (Ciavatta, 2019, p. 142, grifo nosso).
Sendo assim, para conseguir o alcance da formação estudantil numa perspectiva integral, é válido destacar que apenas os conteúdos abordados pelos professores em sala de aula não são suficientes, exigindo diversas outras ações. Como Freire (2021) afirma, o conhecimento não se dá a partir da imposição de conteúdos advindos de um sujeito já transformado para um sujeito recebedor, “dócil e passivo”, mas sim de um processo de imersão na realidade do sujeito de maneira transformadora. Desta forma, a construção de distintos espaços formativos é fundamental, sendo uma delas o desenvolvimento de ações complementares ao ensino, atividades não obrigatórias aos estudantes, que no contexto do Ifes
consiste em atividade de educação formal, extracurricular, destinada a estudantes regularmente matriculados no Ifes. A ação deve dialogar com os objetivos do curso do estudante e com as Diretrizes para a Educação Profissional e Tecnológica em prol da complementação e/ou suplementação do currículo escolar, podendo ser de natureza acadêmica, científica, desportiva, artística e/ou cultural, e assumir o formato de curso, minicurso, oficina, encontro, palestra, seminário, workshop, monitoria, rodas de conversa entre outros. (Ifes, 2021, p.1)
É importante ressaltar que defendemos uma educação integral que potencialize a autonomia e a liberdade do discente durante e após a sua jornada estudantil, para que o estudante consiga ser o protagonista em suas tomadas de decisões. Apoiados em Nosella (2016, p.193) consideramos a liberdade sendo “forjada no e pelo trabalho moderno, administrado pelo próprio trabalhador, o qual produz e define a política de produção e distribuição”.
Outrossim, quando Freire (2020, p.67) aponta que o ensinar exige apreensão da realidade, ao colocar que é “preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu próprio desempenho”, nos apropriamos disto como forma de reforçar ações como a relatada neste texto, de maneira a darmos continuidade em trabalhos que promovam uma educação pública, gratuita e de qualidade.
3 FORMAR-SE PELA EXPERIÊNCIA, ENCONTRO E REFLEXÃO: PARTILHAS POSSÍVEIS POR MEIO DE UMA AÇÃO COMPLEMENTAR AO ENSINO
A partilha e análise das experiências construídas a partir do projeto “Mundo do trabalho: autoconhecimento e habilidades profissionais” exige, inicialmente, a contextualização do lugar em que essa ação se dá, compreendendo-o não apenas como espaço físico, mas também de constituição de modos de vida, relacionamentos, aprendizagens e de se fazer escola.
Nesta perspectiva, esta ação complementar ao ensino nasce de demandas apresentadas por estudantes do campus e percepções docentes que compreendem que os espaços de sala de aula, atravessados pelas exigências e tempos institucionais, são insuficientes para o trabalho de temáticas e questões que os estudantes, por vezes, demonstram o interesse de aprofundar ou mesmo de dialogar e trocar experiências.
Tal olhar, que nasce de uma postura docente sensível e aberta aos anseios dos estudantes, é fundamental para se pensar a formação discente numa perspectiva integral, por compreender que os interesses dos estudantes, também apresentados por meio de suas angústias, dúvidas e incertezas, precisam estar contempladas nos fazeres pedagógicos.
Sobre a constituição desse projeto vale destacar os movimentos e ações existentes no cotidiano da escola (institucionalizados ou não) que já davam forma a uma ação nascente: aquelas que dizem respeito aos momentos de sala de aula, como mencionado acima; as partilhas e trocas de experiência realizadas entre os estudantes em meio às suas convivências diárias; entre os diálogos informais dos discentes com seus professores e mesmo por projetos realizados por outros setores do ensino que permeiam questões que circulam nesses espaços anteriormente descritos, como o caso dos grupos de orientação profissional, promovidos pelo setor de psicologia da escola no chamado Programa de Orientação Profissional (POP).
De um olhar docente que a partir de 2021 sentiu a necessidade de propor um curso de ensino intitulado “Você e o mundo do trabalho” para serem trabalhadas questões que não eram possíveis apenas por meio dos componentes curriculares de Ética e Legislação Profissional (ofertada no curso técnico em Edificações integrado ao ensino médio) e de Ética e Relações Humanas no Trabalho (ofertada no curso técnico em Mineração integrado ao ensino médio) e da parceria das proponentes desse curso com o profissional de psicologia que ofertava o “Programa de Orientação Profissional (POP)” culminou a criação da ação complementar ao ensino, conforme figura 1.
Figura 1: Gênese da ação complementar “Mundo do trabalho: autoconhecimento e habilidades profissionais” na modalidade curso
Fonte: Elaborado pelos autores (2023)
Vale destacar o desafio que é propor tal atividade em meio a uma escola atravessada por muitas rotinas e compromissos acadêmicos - excesso de componentes curriculares (por exemplo, 15 disciplinas concomitantes), atendimentos docentes, atividades de monitoria, necessidade de estudo no contraturno -, além das demandas da vida pessoal e estudos para o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), que podem se constituir como barreiras para participação de mais estudantes ou mesmo para uma participação mais assídua em atividades extracurriculares.
O curso “Mundo do trabalho: autoconhecimento e habilidades profissionais” consistiu em uma ação complementar ao ensino iniciada em 27 de março de 2023 ofertada aos estudantes finalistas dos cursos técnicos integrados ao ensino médio do Instituto Federal do Espírito Santo campus Nova Venécia, sendo proposta por educadores que atuaram nesse projeto enquanto mediadores dos encontros, comprometidos com a criação e fortalecimento de espaços formativos por meio de atividades práticas, vivências e trocas de experiências entre os participantes.
O único pré-requisito para participar do curso era ser aluno do campus Nova Venécia em um dos cursos técnicos integrado ao EM e estar cursando 4º ano. A inscrição aconteceu por meio de um formulário eletrônico em que os interessados preenchiam seus dados para seleção e montagem da turma. Para esta ação, 16 estudantes se inscreveram, sendo que destes 11 participaram ativamente das atividades, com previsão de término em 26 de junho de 2023.
As atividades tiveram como objetivo principal proporcionar reflexões que pudessem contribuir para o planejamento pessoal e profissional dos estudantes, bem como promover espaços de construção de estratégias que pudessem potencializar o processo de tomada de decisão pelos jovens acerca da escolha profissional. Para isso, recursos teórico-metodológicos das áreas da educação, administração e psicologia foram utilizados.
O percurso foi organizado em encontros presenciais que totalizaram 36 horas de atividades organizadas em três blocos:
- Bloco I – autoconhecimento: encontros voltados para o diálogo de questões relacionadas à percepção de características pessoais, interesses, valores e habilidades intrapessoais.
- Bloco II – conhecimento da realidade educativa e socioprofissional: centrado na ampliação dos conhecimentos dos estudantes acerca das diferentes áreas profissionais e caminhos de formação profissional.
- Bloco III – planejando a vida profissional: etapa em que os estudantes foram apresentados a rotinas e planejamentos do cotidiano de trabalho, bem como da apresentação profissional.
Importante ressaltar que apesar da organização por blocos, as temáticas trabalhadas ao longo dos encontros se atravessavam, sendo a dinâmica do grupo conduzida a partir dos interesses dos discentes participantes por meio de momentos de estudo/pesquisa, encontros expositivos dialogados, espaços de reflexão, trocas de experiências e vivências práticas. Vale enfatizar que esta característica, interesses dos estudantes, foi norteadora da proposta desenvolvida, sendo os encontros (re)pensados a partir dos movimentos e das questões que eram tratadas nos encontros anteriores. Neste contexto, percebe-se que foram momentos que potencializaram a autonomia e a liberdade do estudante, pois estes puderam manifestar suas percepções e sugestões. Ao encontro do que propõe Freire (2021) podemos perceber que tal autonomia possibilita que a liberdade tome o espaço, antes ocupado pela dependência.
3.1 AFINAL, COMO TUDO ACONTECEU?
Os autores deste texto, também educadores e mediadores dos encontros, organizavam-se com propostas dinâmicas e interativas com o objetivo de incentivar a participação efetiva de todos os envolvidos.
Logo no primeiro encontro aconteceu a apresentação pessoal, com uma condução voltada para descontração e acolhimento dos participantes, além de buscar maior aproximação e envolvimento entre eles.
Foi utilizada a estratégia do “Baú das expectativas e sentimentos”, na qual os participantes registraram respostas nas filipetas distribuídas, que poderiam ser anônimas, acerca das seguintes questões: “1) Quais as suas expectativas com os nossos encontros? 2) O que você pretende aprender? 3) Quais habilidades gostaria de desenvolver e/ou aprimorar? 4) Quais sentimentos passam por você nesse momento?”. Tal recurso, possibilitou a ampliação do olhar dos educadores para novas temáticas a serem abordadas no decorrer do curso.
Houve a apresentação do vídeo “Juventude e trabalho” do Projeto Tô no Rumo (Tô no Rumo, 2016) e roda de conversa sobre o assunto. Ainda, os estudantes foram convidados a analisar planejamentos prévios realizados pelos proponentes do projeto, contribuindo com percepções e também acordando o dia da semana e horário para realização das atividades.
Cabe destacar que as sugestões dos estudantes foram consideradas no planejamento dos próximos encontros, mas que não houve necessidade de alterar as temáticas dos blocos, pois estavam alinhadas ao apresentado. Não há como seguir adiante antes de ressaltar o quanto é desafiador esse (re)planejar e, também, muito prazeroso, uma vez que nos faz perceber o quanto podemos aprender, enquanto educadores, com os nossos estudantes.
No bloco “Autoconhecimento” houve o reforço do acolhimento dos participantes e aplicação de testes psicológicos com a finalidade de auxiliar no processo de orientação profissional. Os testes foram: Escala de Maturidade para a Escolha Profissional - EMEP (Neiva, 2014), Avaliação dos Interesses Profissionais - AIP (Levenfus; Bandeira, 2009) e Escala de Aconselhamento Profissional - EAP (Noronha; Santos; Sisto, 2007).
Estratégias para foco no momento presente foram utilizadas como recurso para favorecer a participação discente, como o caso de técnica de respiração. Foi utilizada a “Dinâmica do (auto)retrato”, vivência que consistia em um passeio pela escola para registro, por meio de uma foto, de algo que pudesse representar os estudantes. Os registros foram disponibilizados no mural digital do padlet conforme figura 2: (Auto)retrato.
Figura 2: Padlet (Auto) retrato
Fonte: Elaborado pelos autores (2023)
Seguindo na linha da representação, foi proposta a técnica da “Bandeira Pessoal”, recurso pensado para os estudantes apresentarem, por meio de desenhos, palavras e/ou recortes de figuras, características pessoais que os definiam.
Tiveram ainda atividades para a identificação de valores pessoais, seguindo com planejamento pessoal direcionado para uma das áreas da vida. Por fim, os participantes foram convidados a avaliar os planejamentos realizados por meio de técnicas da administração.
O segundo bloco, “Conhecimento da realidade educativa e socioprofissional” foi caracterizado por uso de estratégias que pudessem ampliar o repertório dos estudantes acerca da realidade educativa e socioprofissional, tendo como finalidade favorecer maior segurança nos processos de tomada de decisão quanto a escolha profissional por meio de novos conhecimentos adquiridos acerca das profissões e das possibilidades de formação.
Para isso, foram utilizados os seguintes recursos: devolutivas dos testes psicológicos aplicados, elaboração de listas de profissões, pesquisas gerais sobre profissões de interesse (descrição breve, tempo de formação, onde é possível cursar, áreas possíveis de atuação, mercado de trabalho) e pesquisas sobre percursos de formação/grade curricular dos cursos pretendidos por cada estudante. Os registros das informações pesquisadas pelos estudantes eram feitos em uma tabela nomeada “Balança das profissões” em que eram anotados os pontos que os aproximavam ou afastavam daquela área.
E, no último bloco “Planejando minha vida profissional” os participantes aprenderam e elaboraram o currículo com foco acadêmico (currículo lattes) e um currículo mais voltado para área empresarial (puderam optar em elaborar por meio de arquivo digital ou por plataforma de currículo digital).
Vale ressaltar que a elaboração do currículo foi baseada nas formações e participação em eventos que cada estudante tinha realizado, com capacidade de comprovação, servindo de base para iniciação do planejamento da vida profissional. Em complemento, para tal preparação foi abordado e orientado o uso de ferramentas de planejamento pessoal digital, tais como calendário digital, planner de organização diária, semanal e mensal.
Foram discutidas questões quanto à postura profissional em ambientes presenciais, híbridos e virtuais, além de orientação na elaboração de e-mail, mensagens mais rápidas, como WhatsApp empresarial, e a leitura e detalhamento de editais. Em complemento tiveram acesso a técnicas utilizadas para seleção de pessoas, com foco em dicas para participar de entrevistas.
Por fim, foi realizado o último encontro com o objetivo avaliar o curso, pela percepção dos estudantes, fazer um retrospecto da trajetória e partilhar impressões quanto à participação nesse projeto. Para favorecer o diálogo, as respostas dos estudantes do recurso utilizado no primeiro encontro do curso, “Baú das Expectativas e sentimentos”, foram retomadas, para que os participantes pudessem dialogar sobre os pontos que colocaram e identificar se houve um possível amadurecimento e crescimento em relação à fase inicial do curso. Além disso, os estudantes preencheram instrumentos padronizados aplicados no início do curso para comparação de aspectos relacionados à tomada de decisão quanto à escolha profissional considerando os momentos pré e pós-orientação.
O encerramento do curso também foi caracterizado por conversas e devolutivas individuais, realizadas por meio do setor de psicologia do campus.
Como apontado acima, a avaliação das atividades propostas e do percurso realizado no projeto deu-se por meio de feedbacks dos estudantes, ao longo dos encontros, por meio de relatos que eles traziam acerca das aprendizagens construídas, bem como de instrumentos padronizados aplicados no início e final do projeto, que possibilitaram comparar individual e coletivamente características desenvolvidas entre os participantes.
Dentre esses instrumentos, os resultados adquiridos por meio da Escala de Maturidade para a Escolha Profissional - EMEP (Neiva, 2014) trazem dados ricos para este relato. Este instrumento avalia o nível de maturidade para a escolha profissional tomando por referência cinco fatores: (I) determinação, (II) responsabilidade, (III) independência, (IV) autoconhecimento e (V) conhecimento da realidade educativa e socioprofissional, aspectos que de algum modo foram trabalhados no curso ao longo dos três blocos.
Esses aspectos são descritos por Neiva (2014) do seguinte modo:
1. Determinação que avalia quanto o indivíduo está definido e seguro com relação à sua escolha profissional; 2. Responsabilidade que avalia quanto o indivíduo preocupa-se com a escolha profissional e empreende ações para a efetivação dessa escolha [...]; 3. Independência que avalia quanto o indivíduo está definindo sua escolha profissional de forma independente, sem influenciar-se pela ideia de outras pessoas [...]. 4. Autoconhecimento, que avalia quanto o indivíduo considera que conhece os diferentes aspectos de sua pessoa que são importantes para a escolha profissional [...]; 5. Conhecimento da realidade educativa e socioprofissional, que avalia quanto o indivíduo considera que conhece os diferentes aspectos de sua realidade socioprofissional e escolar (Neiva, 2014, p. 25-26)
Comparando-se coletivamente os dados dos estudantes coletados no início e final do projeto, por meio das médias aritméticas dos percentis atingidos por eles em cada um dos fatores avaliados na escala, temos informações que possibilitam apontar o desenvolvimento de características que parecem favorecer a escolha profissional, mas não apenas relacionados a este campo, visto que tais ganhos podem ser aplicados também em outras áreas da vida - pessoal e profissional, conforme demonstrado na figura 3.
Figura 3: Indicadores relacionados à maturidade para escolha profissional: comparativo dos momentos pré e pós-orientação profissional.
Fonte: Elaborado pelos autores (2023)
Corroborando com esses dados, a fala de dois participantes, representativa do discurso partilhado entre os demais envolvidos nessa ação complementar ao ensino, reitera os efeitos na participação de atividades fundamentada na formação integral do estudante: “compartilhar conhecimento e receber conhecimento é algo que ninguém nos tira, portanto, foi algo que me ajudou muito, tanto em relação ao autoconhecimento, tanto a ter realmente certeza do âmbito profissional que pretendo seguir” (Participante A, 2023), que foi complementada pelo participante B (2023) ao dizer “Foi extremamente enriquecedor pra mim. Poder partilhar dos meus anseios e ser ouvida/correspondida é muito importante para a minha tomada de decisão. São aprendizados que serão levados, com certeza, para a vida!”.
Por fim, ainda é importante relatar os contornos que essa proposta pôde produzir, não apenas pelos objetivos inicialmente pensados pelos proponentes e os resultados alcançados, mas pelos efeitos que a constituição de outros espaços formativos em contextos escolares pode proporcionar. No caso desta ação, os estudantes relataram, por exemplo, como os encontros foram importantes para a minimização de angústias e tensões sentidas acerca da vida futura, proporcionada principalmente pela troca de experiências e pela possibilidade de reconhecer no outro questões que a princípio eram vistas apenas como pessoais; e também o quanto a realização de encontros semanais, com características e formatos que se distanciam de práticas de ensino tradicionais, pode proporcionar descanso e relaxamento em meio a sobrecarga de compromissos acadêmicos cotidianos, sendo intitulado, por alguns participantes, como um “momento terapêutico”.
Por acreditar que espaços formativos como este precisam ser incentivados e desenvolvidos a fim de potencializar a formação integral dos estudantes, nos apoiamos em hooks (2020, p.36) quando ela afirma que, “quando todas as pessoas na sala de aula, professores e estudantes, reconhecem que são responsáveis por criar juntos uma comunidade de aprendizagem, o aprendizado atinge o máximo sentido e utilidade” , afinal foi com uma participação ativa que os discentes tiveram suas “vozes ouvidas” durante todo o percurso formativo. Esta foi e tem sido a nossa aposta.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: EDUCADORES (TRANS)FORMADO(RE)S
A construção desse trabalho, que teve como objetivo refletir a perspectiva da formação integral discente por meio do relato de uma ação complementar ao ensino com foco no autoconhecimento, planejamento pessoal e profissional, deu-se por considerarmos importante a partilha de experiências e práticas educativas como estratégia para o fortalecimento da educação pública, gratuita e de qualidade.
Para além dessa questão, consideramos que a materialização desse relato nos ajuda a (re)pensar o nosso fazer, ação necessária para uma postura crítica frente aos compromissos que assumimos por meio do nosso trabalho.
Compreendemos a complexidade de fatores que precisam ser considerados quando se discute a formação integral do estudante, mas assumimos que não temos a intenção de esgotar essas discussões e por isso entendemos que esse trabalho nos ajuda a lançar pistas e possibilidades para a (re)construção do cotidiano escolar e das práticas educativas.
A aposta que fazemos, por meio da ação proposta e deste relato, é pela construção de práticas educacionais que contemplem o estudante e suas demandas no planejamento das atividades pedagógicas, integrando-o a esse planejamento/fazer, possibilitando novos olhares para o que tradicionalmente se compreende como “papel” do estudante e do professor.
Criar espaços para a escuta de propostas, anseios, angústias e inquietações. Romper com a perspectiva de que ensinar é transferir conhecimento. Abrir-se para críticas, replanejar caminhos, reconhecer os incômodos gerados pelos momentos de “não-adesão” e sair do lugar de quem conduz para uma condução conjunta são desafios constantes, em meio às capturas para o lugar de atuação comum/tradicional.
Se a formação discente sob uma perspectiva integral exige de nós uma compreensão crítica do mundo em que vivemos e do que construímos nele (e, nesse sentido, da escola que produzimos), reconhecemos a necessidade de pensar criticamente o nosso papel enquanto educadores.
“Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (Freire, 2020, p. 25). É também nessa perspectiva que pensamos a formação integral discente: no caminho nos (re)formamos juntos.
Aos estudantes envolvidos nesta ação, por uma atuação tão potente e envolvente na proposta, e por nos proporcionar a constituição de espaços fundamentais para a nossa formação enquanto educadores. Formação esta sempre por vir.
REFERÊNCIAS
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