A educação é um pilar fundamental para o desenvolvimento de um país, e o Brasil enfrenta diversos desafios quando se trata do sistema educacional. Um dos principais problemas que impactam diretamente a qualidade da educação são as dificuldades escolares enfrentadas por estudantes em diferentes níveis de ensino. Essas dificuldades podem afetar o desempenho acadêmico, gerar evasão escolar e perpetuar desigualdades sociais.
Uma das maiores preocupações na educação brasileira é o alto índice de analfabetismo funcional. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), (2023), cerca de 11,3 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais são considerados analfabetos funcionais, ou seja, possuem dificuldades de leitura, escrita e compreensão de textos simples. Essa realidade evidencia uma deficiência no processo de alfabetização, que é a base para o desenvolvimento de outras habilidades cognitivas.
A alfabetização de crianças no Brasil é uma questão crítica e alarmante. Dados da organização Todos pela Educação (2022), revelam que em 2016, apenas 45% dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental alcançaram níveis adequados de alfabetização. Em 2019, cerca de 45% dos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental também não atingiram um nível adequado de alfabetização. Com a pandemia, este cenário se agravou significativamente e, no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), (2021), o número de alunos que não alcançaram um nível adequado de alfabetização saltou para 61,3%.
Com relação a fatores secundários à má alfabetização, podemos destacar a desigualdade socioeconômica como um impacto direto no desempenho acadêmico dos estudantes. Alunos vindos de famílias de baixa renda geralmente enfrentam maiores desafios no acesso a uma educação de qualidade. Essas crianças frequentemente têm menos recursos educacionais disponíveis, como livros, computadores e acesso à internet, o que limita suas oportunidades de aprendizagem. Simões (2020), ressalta que questões sociais como violência, falta de segurança e condições precárias de moradia podem afetar o desempenho escolar desses alunos.
Além da desigualdade socioeconômica, é senso comum que as dificuldades enfrentadas nas escolas estão relacionadas com as desigualdades raciais no Brasil. Os estudantes negros e pardos enfrentam desafios adicionais devido às deficiências do sistema educacional, gerando altas taxas de evasão escolar e desempenho acadêmico inferior, quando comparados aos estudantes brancos. Essa disparidade reflete a existência de diferenças estruturais e racismo na sociedade brasileira, os quais resultaram diretamente na igualdade de oportunidades educacionais.
De acordo com a análise realizada pela organização Todos pela Educação, por meio da nota técnica intitulada "Impactos da Pandemia na Alfabetização de Crianças" (2021), os índices de alunos de 6 e 7 anos que não possuíam habilidades de leitura variaram de 24% a 30% entre os anos de 2012 a 2019, aumentando para 33% em 2020 e 40% em 2021. Quando analisados por raça/cor, observa-se que os percentuais variaram de 28% a 36% para alunos pretos e pardos, e de 20% a 24% para alunos brancos. No que diz respeito ao índice socioeconômico, a situação não foi diferente, com variação de 32% a 39% entre os mais pobres e de 9% a 17% entre os mais ricos.
Após a pandemia, essa realidade tornou-se pior. Houve um aumento significativo nos percentuais de crianças pretas e pardas, com idades entre 6 e 7 anos, que não possuíam habilidades de leitura e escrita. Esses números subiram de 28,8% e 28,2% em 2019 para 47,4% e 44,5% em 2021, respectivamente. No caso das crianças brancas, o aumento foi de 20,3% para 35,1%. Além disso, também foi observado um impacto considerável no percentual de crianças mais pobres que não alcançaram a alfabetização, aumentando de 33,6% para 51,0% entre 2019 e 2021. Em parte, entre as crianças mais ricas, o aumento foi de 11,4% para 16,6%.
Essa afirmação é respaldada pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), (2022), os quais indicam que a pandemia acentuou as desigualdades sociais no Brasil, especialmente no campo da educação. Apesar de considerarmos o impacto negativo da pandemia sobre a educação em seus diferentes níveis e modalidades, é importante ressaltarmos que o problema foi agravado durante a este período. Porém, trata-se de uma questão pré-existente, e tal fato não deve ser ignorado colocando todo déficit atual tendo como fator causal a pandemia. Os dados apresentados neste estudo, contemplam uma realidade anterior e cujo cenário atual foi agravado pela pandemia da Covid-19.
Não garantir a alfabetização na idade certa representa uma barreira significativa para o sistema educacional como um todo. Além do impacto na aprendizagem dos alunos, as evidências científicas indicam que há uma relação entre analfabetismo e altas taxas de reprovação, distorção idade-série e evasão escolar. Para uma criança seguir em seu percurso escolar dentro do tempo adequado, ela precisa aprender a ler para, posteriormente, ler para aprender.
Os estudos de Nogueira, Maciel e Arriada (2020) e Honorato e Duarte-Herrera (2022), demostram que o analfabetismo está relacionado a um menor acesso ao mercado de trabalho e a uma qualidade de vida inferior. É essencial que o governo e as instituições de ensino tomem medidas efetivas para melhorar a alfabetização das crianças e garantir que todas as crianças tenham a oportunidade de aprender a ler e escrever adequadamente, a fim de garantir um futuro melhor para elas e para o país.
Um dos desafios no enfrentamento das dificuldades escolares é a identificação precoce dos problemas de aprendizagem. Muitas vezes, os sinais de dificuldades podem passar despercebidos, seja por falta de recursos para avaliação ou por falta de capacitação dos profissionais da educação. É fundamental investir em mecanismos de acompanhamento e avaliação contínuos, que possibilitem identificar e intervir precocemente nos casos de dificuldades de aprendizagem. Isso pode incluir a realização de avaliações periódicas, como provas diagnósticas, que permitam um mapeamento mais preciso das habilidades e deficiências dos alunos.
Em resumo, a falta de políticas públicas adequadas e a escassez de pesquisas sobre intervenções para crianças com dificuldades de aprendizagem no Brasil, evidenciam a necessidade urgente de ações multidimensionais que permitam uma identificação precoce e uma intervenção adequada dessas crianças. A promoção de um melhor desempenho escolar pode ter um impacto significativo na qualidade de vida dessas crianças, além de contribuir para o desenvolvimento do país como um todo.
Com relação à questão metodológica, este estudo apresentou como objetivo geral descrever o perfil de alfabetização em escolares de escolas públicas das séries iniciais e como objetivo específico analisar o desempenho das habilidades de leitura e escrita
Esta pesquisa utilizou como base metodológica o estudo documental de um projeto de extensão realizado entre os anos de 2016 a 2019, intitulado "Fonoaudiologia educacional: uma ação multidisciplinar entre saúde e educação". Trata-se de um estudo retrospectivo, transversal e quantitativo, sendo aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa sob o número CAAE: 33538114.2.0000.5546.
O projeto teve como aporte teórico uma abordagem para a área de Fonoaudiologia Educacional, proposto por Aspilicueta, Oliveira e Zaboroski (2009), ancorado pela metodologia da problematização.
O enfoque metodológico da problematização foi estabelecido por meio do "Método do Arco", elaborado por Charles Maguerez e apresentado por Pereira (2002). Seguindo a concepção de Berbel (1998), o esquema do arco é composto por cinco fases sequenciais: observação da realidade, ponto-chave, teorização, formulação de hipótese de solução e aplicação à realidade.
Nessa abordagem, várias ações foram executadas como parte do projeto, entre elas a condução de uma avaliação preliminar para reconhecer competências ligadas ao processo de alfabetização. Essa avaliação foi aplicada ao término do segundo semestre de cada ano letivo, abrangendo os anos de 2016 a 2019.
A população do projeto foi representada por alunos de três escolas públicas do Ensino Fundamental I, localizadas em Aracaju, Sergipe. A faixa etária dos participantes variou de 6anos a 6 anos e 11 meses para o primeiro ano, e de 7anos a 7 anos e 11 meses para o segundo ano. Com base na plataforma do QEdu (2023), em relação a proporção étnico-racial entre os alunos durante o período investigado, a média entre as escolas foi de 17% a 24% para brancos, de 6% a 14% para pretos e de 54% a 71% para pardos, considerando a média de todas as três escolas.
Essa plataforma foi desenvolvida por meio de uma colaboração entre a Fundação Lemann (2023) e a Iede (2023), com o propósito de simplificar a análise e o cruzamento de diversos dados educacionais. Seu objetivo principal é agilizar o acesso às informações provenientes dos microdados do Saeb e do Censo Escolar, economizando o tempo dos usuários ao lidar com essas bases de dados.
Uma das principais funcionalidades do QEdu, é o “QEdu Analítico”, o qual foi utilizado para a extração dos dados. Esta função permite aos usuários analisar e cruzar diferentes dados educacionais, como resultados de estimativas, informações sobre escolas, professores, matrículas, entre outros. Isso proporciona uma compreensão mais aprofundada da realidade educacional do país, confiante para o desenvolvimento de políticas públicas mais efetivas e tomadas de decisões fundamentadas em evidências.
A seguir, antes de descrever os passos metodológicos para a realização do estudo documental, apresentaremos o instrumento utilizado para o rastreio. Trata-se do Protocolo de Triagem de Letramento Escolar proposto por Cárnio, Pereira e Andrade (2011) para as séries iniciais. O protocolo é composto pelas seguintes tarefas:
1. Emparelhamento de letras – com o objetivo de separar e identificar nove cartões contendo letras, palavras e números;
2. Seriação – identificar o que foi solicitado, dentro de um grupo de cartões que foram expostos;
3. Nomeação de letras e palavras – cartões com as letras “U” “H” e “S” foram mostradas solicitando o nome das letras. De acordo com os autores, estas letras foram escolhidas por tratar-se de uma vogal, uma consoante sem som e uma consoante que poderia ser confundida com número 5, testando assim o conhecimento real da criança sobre o alfabeto;
4. Escrita do nome – solicitar à criança que escreva o seu primeiro nome;
5. Escrita do sobrenome e/ ou palavras familiares – solicitar à criança que escreva o seu sobrenome ou palavras conhecidas;
6. Escrita de letras e palavras - solicitar que escreva três letras conhecidas e, em seguida, uma palavra que se inicia com cada letra escrita;
7. Ditado de palavras – foram selecionadas palavras familiares ao contexto escolar;
8 e 9. Leitura de palavras e frases – foram selecionadas para a leitura palavras com diferentes níveis de dificuldades ortográficas;
10. Cloze de frases: foram apresentadas cinco frases com uma lacuna em cada uma e um quadro de apoio, com cinco palavras de diferentes classes gramaticais, em que o objetivo da prova é o preenchimento das lacunas para completar as frases dando-lhes sentido.
Após a aplicação do rastreio, os dados foram analisados quantitativa e qualitativamente, seguindo os critérios propostos por Cárnio et al. (2011). Segundo as autoras, a pontuação máxima é de trinta pontos. Nos diversos subitens, uma pontuação de 0,33 resulta em uma soma final de 0,99, sendo arredondada para um ponto.
De acordo com a análise proposta pelas autoras, o desempenho dos alunos foi classificado da seguinte forma: 75% a 100% - muito bom, 50% a 74% - bom, 25% a 49% - razoável e abaixo de 25% - ruim. Os resultados finais das provas foram categorizados como "passou" ou "falhou". Os estudantes que optaram por não participar de alguma prova, mesmo com a anuência dos familiares, também foram excluídos da análise. A categoria "falhou" foi atribuída aos alunos que apresentaram um desempenho abaixo de 50%.
Assim sendo, descrevemos abaixo os passos para a análise do estudo documental, tendo como principal objetivo examinar os registros que foram gerados durante o processo de triagem: 1.Seleção dos rastreios realizados em cada ano por série;
2. Avaliação dos resultados dos rastreios: insights sobre os resultados do processo de triagem em relação aos objetivos do projeto;
3. Identificação de idade dos escolares,
4. Identificação do sexo;
5. Identificação de predominância racial nos resultados;
6. Critério de exclusão: escolares com deficiência auditiva, visual, intelectual e motora, assiduidade escolar inferior a 75% e escolares cuja idade não refletia o ano escolar (6 anos a 6.11 meses para o primeiro ano e 7 anos a 7.11 meses para o segundo).
Para análise dos resultados foi realizada análise quantitativa utilizando as tabelas de frequência simples, as quais apresentam de forma concisa o número de sujeitos (absoluta e relativa) dos valores da variável em questão. Para tanto, foi utilizado o programa Excel, do pacote Microsoft®, versão 2022.
A seguir, passamos para apresentação e discussão dos resultados. É inegável que as dificuldades de leitura e escrita são um problema que persistem há muito tempo no Brasil, as quais não foram solucionadas com políticas públicas efetivas. De acordo com Silva e Capelline (2011), há evidências científicas que comprovam a importância de intervenções nos primeiros anos escolares para crianças com dificuldades de aprendizagem. A ausência de um programa de intervenção adequado pode resultar em problemas iniciais durante o processo de alfabetização, o que pode levar a lacunas permanentes na formação de leitores proficientes.
Para a análise dos documentos de rastreios, foram selecionados de acordo com critérios pré-estabelecidos os seguintes números: para o ano de 2016, 83 rastreios do 1º ano e 106 rastreios do 2º ano; para o ano de 2017, 81 do 1º ano e 92 do 2º ano; para o ano de 2018, 67 do 1º ano e 94 do 2º ano; e, por fim, para o ano de 2019, 54 rastreios do 1º ano e 46 do 2º ano. Contabilizando assim uma amostra geral de 285 rastreios realizadas no 1º ano e o no 2º ano 338, totalizando 623 escolares.
A seguir, na Tabela 1, apresentamos a incidência com relação ao do sexo.
Sexo |
1º ano |
2º ano |
Feminino |
49% |
48% |
Masculino |
51% |
52% |
Tabela 1: Distribuição dos escolares quanto ao sexo.
Fonte: Elaborado pela autora.
Com relação aos resultados referentes aos 285 rastreios realizados no 1º ano, não houve diferenças significativas entre as amostragens, indicando uma tendência de equidade entre as matrículas de meninas e meninos no Ensino Fundamental. O país tem uma legislação que garante a igualdade de acesso a ambos os sexos. Os resultados referentes aos 338 rastreios realizados no 2º ano, foram similares aos do 1º ano, não identificando disparidades.
Na Tabela 2, apresentamos os resultados quanto à raça. Alunos negros e pardos foram os mais impactados pelas deficiências do sistema educacional, enfrentando maiores taxas de evasão escolar e obtendo resultados acadêmicos inferiores se comparados aos estudantes brancos. Essa disparidade reflete a presença de discriminação estrutural e racismo na sociedade brasileira, fatores que comprometem a igualdade de oportunidades educacionais (PNAI, 2022).
Raça |
Prevalência |
Pretos |
12% |
Brancos |
17% |
Pardos |
68% |
Tabela 2: Distribuição dos escolares quanto a raça.
Fonte: Elaborado pela autora.
Com relação a amostra global de 623 escolares, 68% se auto declararam pardos, 17% como brancos e 12 % como negros. Foi observado que a maioria dos alunos com um desempenho insatisfatório, ou seja, abaixo de 50%, eram alunos autodeclarados como pardos ou negros.
Quanto a este tópico convém ressaltar que as dificuldades educacionais estão intrinsecamente ligadas às desigualdades raciais existentes no Brasil. No entanto, é importante considerar que, neste estudo, a predominância racial na população é composta por indivíduos pardos e negros.
Devido a essa desigualdade na distribuição da população, a variável racial pode não fornecer dados conclusivos, uma vez que não houve um equilíbrio representativo entre os diferentes grupos raciais na amostra.
Com relação aos objetivos do estudo, espera-se que, ao final do 1º ano, os alunos demonstrem a capacidade de reconhecer as letras do alfabeto, tanto em sua forma maiúscula quanto minúscula, e associá-las aos seus sons correspondentes. Isso inclui a identificação de letras em diferentes palavras e a habilidade de estabelecer a correspondência entre os sons e as letras na escrita.
Na Tabela 3, apresentamos os resultados obtidos quanto ao desempenho por série com relação às habilidades de leitura e escrita.
Performance escolar |
1º ano |
2º ano |
Falhou |
64% |
57% |
Passou |
36% |
43% |
Tabela 3: Performance dos escolares por série.
Fonte: Elaborado pela autora.
Os resultados indicaram um desempenho aquém das competências esperadas para o nível de escolaridade em relação à alfabetização. Essa constatação aponta para a necessidade de adotar mediadas eficazes para melhorar o aprendizado dos alunos.
Uma análise abrangente dos documentos, sem entrar em detalhes sobre as provas específicas, demonstrou que no primeiro ano, 181 alunos não conseguiram atingir um índice de acerto superior a 50%, o que equivale a 64% da amostra total. No segundo ano, essa tendência persistiu, com 192 alunos, representando 57% da amostra, obtendo resultados abaixo do esperado nas provas.
Considerando os resultados obtidos identificamos dois fatores críticos que merecem atenção especial. Ambos estão ligados ao ambiente de aprendizado e ao suporte oferecido aos alunos. Acreditamos que, ao abordar essas questões, podemos fazer uma diferença significativa no progresso dos alunos.
Em primeiro lugar, acreditamos que a adoção de metodologias de ensino atualizadas e centradas no aluno é essencial para melhorar a alfabetização. Capovilla e Capovilla (2004) ressaltam a eficiência da abordagem fônica como metodologia de ensino durante a alfabetização. Recomendamos a implementação de abordagens de ensino interativas e adaptativas, que possibilitem uma aprendizagem personalizada e engajadora para cada aluno.
Em segundo lugar, é importante ressaltar que as barreiras socioeconômicas afetam o desempenho dos alunos, pois já é senso comum que alunos provenientes de famílias de baixa renda podem enfrentar desafios adicionais em sua jornada educacional.
Acreditamos que o desenvolvimento de iniciativas de suporte e estímulo, garantindo o acesso a recursos de leitura, tem o potencial de fomentar um ambiente educacional enriquecedor. No entanto, é importante reconhecer que a habilidade de leitura deve ser ensinada, não apenas encorajada e também, considerar o fato de que somente a exposição aos materiais de leitura não resultará em um leitor proficiente. A competência leitora deriva não apenas de um ambiente de leitura propício, mas sobretudo, de um educador qualificado.
Ao adotar tais medidas, acreditamos na possibilidade de um ambiente de aprendizado mais eficaz e inclusivo, que capacitará os alunos a atingir níveis satisfatórios de alfabetização.
Assim sendo, é importante reconhecer que o baixo desempenho em alfabetização pode ter implicações significativas tanto a nível educacional quanto social. O insuficiente domínio da alfabetização pode afetar diretamente o progresso acadêmico subsequente dos alunos, dificultando o entendimento de outros conceitos e disciplinas. Isso pode resultar em lacunas de conhecimento que se acumulam ao longo dos anos escolares, comprometendo a base educacional geral. Além disso, a alfabetização é uma habilidade fundamental para a participação plena na sociedade moderna e no mercado de trabalho. Indivíduos com baixo nível de alfabetização podem enfrentar dificuldades na busca de oportunidades de emprego e no desenvolvimento de carreiras bem-sucedidas. Esse impacto negativo no desenvolvimento educacional e profissional pode perpetuar ciclos de desigualdade socioeconômica e limitar as perspectivas de vida dos alunos.
A seguir, na Tabela 4, apresentaremos os resultados dos alunos que não atingiram o mínimo do desempenho esperado durante as tarefas de leitura e escrita que tem uma pontuação máxima de 30 pontos, ou seja, obtiveram um índice de acerto inferior a 50%, (menos de 15 pontos), considerando duas categorias de resultados: Ruim e Razoável.
É importante ressaltar que o rastreio foi realizado durante o final do segundo semestre de cada ano letivo.
Falha no rastreio |
1º ano |
2º ano |
Razoável |
39% |
75% |
Ruim |
61% |
25% |
Tabela 4: Desempenho dos escolares que falharam no rastreio
Fonte: Elaborado pela autora
Analisando a Tabela 4, é possível observar que os estudantes que obtiveram resultados inferiores a 25%, classificados como "Ruim", alcançaram uma pontuação mínima de 2/30 e uma pontuação máxima de 7/30. Isso indica que eles concluíram até a tarefa 4, a qual corresponde a escrita de seu nome. Por outro lado, o grupo de estudantes que obteve resultados entre 25% e 49%, considerados como "Razoável", registrou uma variação de 8/30 a 14/30 durante as atividades. Isso demonstra que eles puderam realizar tarefas até o número 7, que corresponde ao ditado de palavras simples e conhecidas.
No primeiro ano, dos 181 alunos que não alcançaram o objetivo, correspondeu a 64% da amostra total, 110 alunos (61%) tiveram um desempenho classificado como "Ruim", enquanto 71 alunos, (39%), obtiveram um nível considerado "Razoável". No segundo ano, entre os 192 alunos que não atingiram o padrão, 48 alunos (25%) receberam a classificação de "Ruim", enquanto 144 alunos (75%) foram classificados como "Razoável".
Apesar de não ser o ideal, observamos que se compararmos o 2º ano em relação com o 1º ano, houve uma redução significativa no número dos alunos classificados no nível "Ruim", representando apenas 25%, e consequentemente um aumento para 75% nos alunos classificados no nível "Razoável".
Apesar de que os escolares mostraram um melhor desempenho no 2º ano, mesmo assim consideramos que as competências mínimas não foram alcançadas, pois ao final deste ciclo o de acordo com a versão final da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino infantil e fundamental, divulgada em 06/04/2017 pelo Ministério da Educação (MEC), a qual estabelece que todas as crianças devem ser plenamente alfabetizadas até o final do segundo ano, o que efetivamente não aconteceu com a maioria dos alunos.
Com base em evidências consistentes sobre alfabetização oriundas de diversos estudos internacionais, torna-se claro que uma criança alfabetizada demonstra a habilidade de ler textos simples a uma taxa de sessenta a oitenta palavras por minuto, com menos de 5% de erros. Adicionalmente, espera-se que a criança seja capaz de redigir frases simples, compreensíveis e coerentes, sem a necessidade de copiá-las diretamente da lousa ou do livro. No contexto brasileiro, a alfabetização é caracterizada pelo domínio do código alfabético, permitindo a transformação de palavras faladas em palavras escritas e vice-versa, conforme destacado por Becskeházy (2020).
Cardoso-Martins (2022) enfatiza que existem evidências sugerindo que, quando inseridas em contextos educacionais adequados, a maioria das crianças leitoras do português brasileiro é capaz de ler palavras e pseudopalavras simples com alta precisão até o término do 1º ano do Ensino Fundamental.
É de suma importância enfatizar que muitos desses alunos são promovidos para a série subsequente sem terem adquirido as competências essenciais para a progressão. Isso, em um horizonte médio, resulta em leitores deficientes, prejudicando de modo abrangente suas habilidades acadêmicas, visto que a leitura desempenha um papel crucial em todas as disciplinas.
Frente a essa realidade, emerge a necessidade imperiosa de conduzir pesquisas e desenvolver políticas públicas voltadas para a detecção precoce de crianças com dificuldades de leitura, um conceito respaldado por Sebastiani, M.T e Suzuki, S.G (2020). Essa identificação precoce se configura como um passo crucial para a implementação de medidas rápidas, envolvendo abordagens multidimensionais que congreguem profissionais da educação e da saúde. Por meio de intervenções precoces, é possível fomentar um progresso educacional mais sólido, com reflexos diretos na qualidade de vida dessas crianças.
Os resultados apresentados apontam para uma situação preocupante em termos do desempenho em alfabetização. Ao considerarmos a amostra global de 285 alunos no primeiro ano, notamos que 181 alunos, representando 64%, não alcançaram um nível de proficiência adequado. No segundo ano, entre 338 alunos, representando 57% da amostra, foi observado um desempenho insatisfatório similar. É importante destacar que essa pesquisa retrata o cenário pré-pandemia da COVID-19, referindo-se ao período entre 2016 e 2019. No entanto, como mencionado anteriormente, as dificuldades na alfabetização já estavam presentes, o que nos leva a considerar a pandemia como um novo fator de impacto atual, mas com caráter temporário. No entanto, é crucial não perder de vista e considerar que o problema da alfabetização deficiente é uma situação que persiste por um período prolongado.
As tendências nos resultados sugerem a importância de repensar as estratégias de ensino e introduzir abordagens mais eficazes e envolventes. Além disso, o suporte adicional para alunos que enfrentam desafios socioeconômicos pode ajudar a reduzir as disparidades no desempenho.
Em resumo, os resultados apresentados refletem uma situação desafiadora em relação à alfabetização dos alunos, e ainda distantes das expectativas estabelecidas. Esses resultados devem servir como um chamado à ação para reavaliar as abordagens educacionais e implementar estratégias direcionadas para garantir que todas as crianças alcancem níveis satisfatórios de alfabetização e construam uma base sólida para seu desenvolvimento educacional e futuro sucesso.
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