A localização e a orientação estão no dia a dia de todos nós. Muitas vezes esquecemos a presença da Geografia em tais atos cotidianos como ir ao trabalho, à escola, à igreja e aos demais lugares que costumamos frequentar.
A cartografia é um dos conteúdos que são tratados no estudo de Geografia do sexto ano do Ensino Fundamental e chama a nossa atenção para tais questões utilizando conceitos e teorias.
Os mapas nos permitem ter domínio espacial e fazer a síntese dos fenômenos que ocorrem num determinado espaço. Nosso dia-a-dia ou no dia-a-dia do cidadão, pode-se ter a leitura do espaço por meio de diferentes informações e, na cartografia, por diferentes formas de representar estas informações. (SIMIELLI, 1999, p. 94 e 95)
Existem inúmeros benefícios de aprendizagem através da cartografia, pois são desenvolvidas várias habilidades, sendo uma das principais funções desenvolver o senso crítico dos alunos, que observando seu espaço de vivência e comparando diferentes espaços pode concluir como é a sociedade e o mundo em que vive.
Para o ensino da leitura e interpretação de mapas, cada vez mais os professores buscam adotar estratégias e metodologias de ensino que façam com que os alunos aprendam de maneira lúdica e participativa.
As aulas tradicionais de assuntos, como orientação espacial, utilizam apenas a apresentação de textos e imagens do livro didático e geralmente não incluem nenhuma atividade prática, fazendo com que as aulas fiquem pouco atrativas e não se veja a aplicabilidade do que é ensinado na escola.
Nesse sentido, Freire (2002) critica o que denomina de ‘Educação bancária’ onde o professor teria a responsabilidade de ‘depositar’ os conteúdos no estudante como se este fosse um ser desprovido de qualquer conhecimento:
O necessário é que, subordinado, embora, à prática “bancária”, o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa forma o “imuniza” contra o poder apassivador do “bancarismo”.Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornados capazes de ir mais além de seus condicionantes. Isto não significa, porém, que nos seja indiferente ser um educador “bancário” ou um educador “problematizador”. (FREIRE, 2002, p. 13)
É importante destacar também as profundas transformações sociais que tem ocorrido nas últimas décadas com a expansão do processo de globalização. De acordo com Vesentini (2004), essas mudanças atingemo sistema escolar, trazendo novos desafios para o exercício da cidadania, para a inserção no mercado de trabalho, sinalizando que novas atitudes e potencialidades precisam ser desenvolvidas por professores e estudantes no processo de ensino e aprendizagem.
De acordo com Cavalcanti (2006) o professor de Geografia está diante de duas abordagens dos conteúdos: aquelas que são tradicionais ou alternativas. A primeira se caracteriza pela adoção de estratégias de ensino já bastante conhecidas como a reprodução conteudista impassível de questionamentos e críticas e extremamente formal.
A segunda diz respeito a experiências que busquem se contrapor a essa ordem estabelecida e encaminhamentos para novas alternativas mais participativas como aquela proposta nesse trabalho.
A partir dessa problemática surgiu a ideia da construção de uma bússola artesanal de baixo custo aliada a uma atividade prática para que os estudantes pudessem compreender melhor os pontos cardeais e colaterais bem como a orientação espacial nas aulas de Geografia do sexto ano matutino da Escola Municipal Senador Rachid Saldanha Derzi em Campo Grande/MS.
De forma ampla, é possível classificar a aula prática como sendo aquela em que os alunos constroem materiais ou equipamentos, fazendo com que haja a execução de uma experiência para a compressão de um conceito ou lei científica e suas consequências.
Para Hofstein e Lunetta (1982) as aulas práticas possui a finalidade principal de despertar e manter o desejo dos alunos em aprender, proporcionar investigações científicas, exercitar habilidades e a capacidade de solucionar questões problematizadas.
Isso possibilita que os alunos visualizem conceitos teóricos estudados em sala de aula agregando novos conhecimentos, por isso, pensar e realizar aulas práticas pode ser enquadrado como uma metodologia ativa de ensino.
Precisamos considerar que a atividade prática não representa uma meta em si, mas, uma maneira de se alcançar os objetivos da aprendizagem como compreender os conteúdos apresentados em sala de aula, fazendo com que haja a aplicabilidade do conhecimento adquirido, possibilitando novas relações com a sociedade e o nosso planeta.
Dessa forma, o desenvolvimento do projeto se justifica pela necessidade da adoção de atividades práticas e lúdicas para o aprendizado nas aulas de Geografia indo além de aulas somente expositivas.
Os objetivos da implementação dessa atividade são amplos: criar uma bússola de baixo custo em sala de aula para uso na disciplina de Geografia e realizar atividade prática para visualização de conceitos estudados, realizar atividade prática sobre localização e orientação espacial, trabalhando os conceitos previamente em sala de aula e observando sua aplicabilidade, estimular e envolver os alunos em seu processo de aprendizagem, deixando o aprendizado mais interessante e participativo além de exercitar as habilidades de trabalho em equipe, diálogo com os colegas, empatia para ouvir e habilidades para argumentar seus pensamentos e suposições sobre os fenômenos que envolvem a experiência.
Para a elaboração da bússola será preciso utilizar uma vasilha com água, uma agulha de costura, imã e papel higiênico. Primeiro é preciso realizar atrito entre uma das pontas da agulha e o imã por pelo menos trinta vezes, após isso, colocar o papel higiênico na superfície da vasilha com água acomodando a agulha.
Após aguardar por alguns segundos, o papel higiênico afundará e a agulha permanecerá sobre a água, devido a ocorrência de um fenômeno chamado de tensão superficial, como a ponta da agulha está magnetizada pelo atrito que foi feito, ela se direcionará para o polo norte magnético do planeta Terra.
Depois, a escola será percorrida para que os alunos possam coletar a orientação geográfica de diversos pontos como a entrada da sala de aula, da escola, da cantina, da biblioteca e da quadra de esportes, por meio do caderno com a rosa dos ventos, desenhada previamente por cada aluno durante a aula.
Para entender os fenômenos que ocorrerão na experiência será necessário realizar levantamento bibliográfico em sites, artigos de revistas e livros, e para aprender a construir a bússola foram assistidos alguns vídeos disponibilizados na plataforma de vídeos YouTube.
JOGOS E CRIATIVIDADE NO ENSINO DE GEOGRAFIA
Nas últimas décadas, tem aumentado o número de estudos sobre a importância da motivação dos alunos no ambiente escolar e o uso de jogos como instrumento no processo de ensino-aprendizagem, nesse sentido, o papel do professor enquanto encorajador e implementador de metodologias que busquem o envolvimento de participação dos discentes também é destacado.
Conforme Verri e Endlich (2009), a utilização de jogos em sala de aula é uma importante ferramenta no processo de ensino-aprendizagem, por propiciar o desenvolvimento intelectual e social dos alunos.
Para Moraes e Varela (2007), é fundamental que o aluno se mantenha motivado e que o ato de estudar se torne prazeroso e parte do cotidiano do mesmo, sendo o planejamento e o desenvolvimento das aulas determinantes para sua motivação ou desinteresse pelo que se ensina.
Em sua trajetória como pesquisador Moran (2015), conclui que são necessárias mudanças profundas na educação por meio da adoção de metodologias ativas onde o aluno participa e auxilia na elaboração das aulas e das avaliações que serão aplicadas.
De acordo com Vesentini (2004), as mudanças que tem ocorrido no século XXI no sistema escolar, traz novos desafios para o exercício da cidadania, para a inserção no mercado de trabalho, sinalizando que novas atitudes e potencialidades precisam ser desenvolvidas pelo professor no processo de ensino-aprendizagem.
Tais mudanças na sociedade brasileira nas últimas décadas coloca a escola e a educação formal tradicional diante de impasses, dentre eles: “como evoluir para tornar-se relevante e conseguir que todos aprendam de forma competente a conhecer, a construir seus projetos de vida e a conviver com os demais. ” (MORAN, 2015, p. 15)
Ainda de acordo com esse autor, a configuração padronizada da escola, que utiliza unicamente metodologias tradicionais, exige dos alunos resultados previsíveis e ignoram o fato de que o desenvolvimento cognitivo dos seres humanos ocorre de maneira pessoal e social e exige proatividade, personificação e solidariedade.
A permanência do modelo único e tradicional de ensino onde o professor é colocado como transmissor do conhecimento e os alunos meros receptáculos tem provocado dentre outros problemas a desmotivação do aluno:
Parte-se do pressuposto de que a desmotivação interfere negativamente no processo de ensino-aprendizagem, e entre as causas da falta de motivação, o planejamento e o desenvolvimento das aulas realizadas pelo professor são fatores determinantes. O professor deve fundamentar seu trabalho conforme as necessidades de seus alunos, considerando sempre o momento emocional e as ansiedades que permeiam a vida do aluno naquele momento. (MORAES; VARELA, 2007, p. 2)
De acordo com Bzuneck (2000, p. 9): “a motivação, ou o motivo, é aquilo que move uma pessoa ou que a põe em ação ou a faz mudar de curso”. Por isso, a motivação deve ser compreendida como um processo, por incitar uma conduta que dá base a uma atividade progressiva, e que direciona tal atividade para determinado sentido.
Conforme evidenciaram Moraes e Varela (2007, p. 7): “motivar os alunos significa encorajar seus recursos interiores, seu senso de competência, de auto-estima, de autonomia e de auto-realização. ”
Para a motivação do aluno e o sucesso da aprendizagem alguns componentes são fundamentais, dentre eles:
[...] a criação de desafios, atividades, jogos que realmente trazem as competências necessárias para cada etapa, que solicitam informações pertinentes, que oferecem recompensas estimulantes, que combinam percursos pessoais com participação significativa em grupos, que se inserem em plataformas adaptativas, que reconhecem cada aluno e ao mesmo tempo aprendem com a interação, tudo isso utilizando as tecnologias adequadas. (MORAN, 2015, p. 18)
Fica evidente que é fundamental a modificação da metodologia adotada nas aulas na medida em que os objetivos pretendidos também precisam ser modificados, pois
[...] se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa. (MORAN, 2015, p. 17)
A importância da superação da chamada educação tradicional, centrada na transmissão de conhecimentos pelo professor, para focar na aprendizagem do aluno por meio de envolvimento e motivação já fora apontada por diversos teóricos como Dewey (1959), Freire (2002), Rogers (1973) e Novack (1999), demonstrando a relevância da temática.
Dar enfoque à aprendizagem do aluno pressupõe a adoção de múltiplas metodologias adequadas a diferentes momentos:
Não devemos defender um único modelo, proposta, caminho. Trabalhar com modelos flexíveis com desafios, com projetos reais, com jogos e com informação contextualizada, equilibrando colaboração com a personalização é o caminho mais significativo hoje, mas pode ser planejado e desenvolvido de várias formas e em contextos diferentes. (MORAN, 2015, p. 25)
Nesse sentido, o ensino de Geografia assume um papel fundamental na escola por contribuir com a análise e compreensão da organização espacial da sociedade, tendo o objetivo de levar o aluno a
[...] compreender o espaço produzido pela sociedade em que vivemos hoje, suas desigualdades e contradições, as relações de produção que nela se desenvolvem e a apropriação que essa sociedade faz da natureza.(OLIVEIRA, 1994, p.142).
Para tanto, estimular os alunos na tarefa de compreender a realidade que vivem é também um desafio para o professor de Geografia na busca por despertar a curiosidade dos educandos em detrimento da simples memorização dos conteúdos, pois:
Educador que, ensinando geografia, “castra” a curiosidade do educando em nome da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos tolhe a liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. (FREIRE, 2002, p. 63).
A utilização de jogos e organização de gincanas são apontadas por especialistas como um instrumento eficiente para o envolvimento e participação do aluno bem como no aguçamento de sua curiosidade e motivação:
Por meio do jogo, liberam-se tensões, desenvolvem-se habilidades, criatividade, espontaneidade, o indivíduo acaba jogando não como uma obrigação, mas como algo livre. Surge, pois, o prazer. É esse aspecto que o professor de Geografia não deve ignorar ou desaproveitar. Empregando o jogo ao conteúdo adequado, os alunos poderão trabalhar em situações altamente motivadoras. (VERRI; ENDLICH, 2009, p. 67)
O ambiente criado pelo jogo também reduz a pressão que uma atividade avaliativa tradicional exerce sobre os discentes, fazendo com que os mesmos mudem seu comportamento e atitudes:
Ao introduzir propriedades lúdicas as aulas tornam-se mais atrativas, o ensino-aprendizagem pode tornar-se divertido, prazeroso, e possibilita o acesso aos alunos a desenvolverem novas habilidades, novas percepções, elevando seus conhecimentos e seus interesses, entretendo e oportunizando uma maior aquisição de conhecimento. (VERRI; ENDLICH, 2009, p. 70)
Ainda conforme Verri e Endlich (2009), a utilização de jogos também melhora a compreensão do conteúdo e possibilita o crescimento e desenvolvimento intelectual do discente exercitando seu senso de responsabilidade e maturidade, sendo um incentivo a mais para se estudar de maneira atrativa:
[...] pois no jogar o aluno articula tanto a teoria quanto a prática, fazendo com que ele estude sem perceber tornando o processo de ensinoaprendizagem mais interessante e atrativo. (VERRI; ENDLICH, 2009, p. 67)
Nesse contexto, o professor deixa de ser um mero transmissor de conteúdos para ser também o incentivador dos alunos e mediador no processo de aprendizagem e na estruturação do saber.
A participação do professor na mediação durante a realização dos jogos também é fundamental, pois conforme apontou Brougère (1998, p. 201):
Não é o jogo em si mesmo que contribui para a educação, é o uso do jogo como meio em um conjunto controlado que lhe permite trazer sua contribuição indireta à educação. O educador deve saber tirar proveito desta força bruta da natureza, e somente esse controle garante o resultado.
De acordo com Bettio e Martins (2003), o emprego de jogos na sala de aula pode ser feito de diversas maneiras no contexto de aprendizado dos alunos, esses autores apontam a possibilidade de se construir autoconfiança e apontam que esse é um método eficaz por praticar habilidades e conferir destreza e competência aos discentes.
Os jogos também despertam a sensação de desafio a ser vencido e superado pelos alunos, estimulando-os a estudar e desenvolvendo uma série de competências:
Os desafios bem planejados contribuem para mobilizar as competências desejadas, intelectuais, emocionais, pessoais e comunicacionais. Exigem pesquisar, avaliar situações, pontos de vista diferentes, fazer escolhas, assumir alguns riscos, aprender pela descoberta, caminhar do simples para o complexo. (MORAN, 2015, p. 18)
A IMPORTÂNCIA DE ATIVIDADES PRÁTICAS NAS AULAS DE GEOGRAFIA
As aulas práticas e de campo no ensino de Geografia tem se mostrado uma ferramenta didática importante para estimular o envolvimento dos alunos em seu processo de aprendizagem e contribui para a relação entre teoria e prática.
Além disso, permite a problematização direcionada pelo professor, possibilitando aos alunos o desenvolvimento de novas habilidades de forma diferenciadas das meras aulas tradicionais.
A realização de atividades práticas ou aula de campo possibilita a leitura e observação do espaço geográfico que contextualizadas possibilitam a construção de conhecimentos pelos alunos.
De acordo com Garutti (2012) a realização de atividades práticas proporciona ao aluno o aprimoramento do que chama de inteligência espacial, pela possibilidade de transformações de suas próprias percepções.
Para Antunes (2001), o professor assume um papel fundamental nesse contexto a quem atribui um papel essencial no estímulo da inteligência espacial nos alunos, ainda que sem intencionalidade.
Em pesquisa realizada por Zoratto e Hornes (2014) são elencadas cinco vantagens da realização de atividades em campo no ensino de Geografia, a primeira repousa no fato de instigar os alunos a observarem e compararem:
Entre os princípios do estudo geográfico estão a observação e a comparação/analogia dos elementos que compõem o objeto de estudo. A Aula de Campo, se bem planejada e orientada, tem, dentre as suas características, uma que consiste em instigar o aluno à observação e à comparação, associando as análises à sua realidade. (ZORATTO; HORNES, 2014, p. 6)
A segunda vantagem está na possibilidade de associação entre a teoria e a prática, que é de suma importância para a leitura e compreensão do espaço geográfico, pois, esses elementos devem estar integrados continuamente uma vez que essa é uma condição básica para o aprendizado, pois, atividades práticas e de campo “não devem se reduzir ao mundo do empírico, mas ser um momento de articulação teoria-prática.” (ALENTEJANO; ROCHA LEÃO, 2006, p. 56)
O terceiro benefício é favorecer a contextualização dos conteúdos estudados em sala de aula, pois, “o aluno está em contato direto com o seu objeto de estudo, que então se torna mais significativo. Diante disso, as possibilidades de contextualização ficam ampliadas e facilitadas.” (ZORATTO; HORNES, 2014, p. 7)
A análise interdisciplinar também é facilitada por promover o rompimento da percepção fragmentada favorecida pela divisão tradicional das disciplinas escolares. A adoção de atividades práticas geralmente quebra essa rigidez, como por exemplo, a construção e compreensão da bússola artesanal que demanda conhecimentos de Geografia e Física.
Também há a contribuição para a aproximação e estreitamento do vínculo entre professor e estudantes:
É perceptível que a Aula de Campo favorece maior proximidade entre alunos e educador, isso se viabilizando através de conversas durante a caminhada, relatos sobre observações, curiosidades por parte dos alunos e intervenções realizadas pelo docente. (ZORATTO; HORNES, 2014, p. 8)
É importante compreender que atividades diferenciadas também podem contribuir na formação de senso crítico, a educação para a cidadania perpassa por todas as disciplinas, mas, a Geografia assume protagonismo nessa tarefa:
Se a formação do educando para ser um cidadão passa pela idéia de prepará-lo para “aprender a aprender”, para “saber fazer”, o papel das disciplinas escolares, e o da Geografia particularmente, tem a ver com o método, quer dizer, de que forma se irá abordar a realidade. E daí, insisto, a clareza do objeto da Geografia é fundamental, pois nos dá os instrumentos (o conteúdo, as informações geográficas) para chegar onde pretendem. (CALLAI, 2001, p. 137)
Por isso, a adoção de atividades práticas nas aulas de Geografia aliadas à teoria abordada em sala de aula permite aos estudantes a possibilidade de um aprendizado crítico e criativo, além de mais atrativo. O protagonismo do estudante em seu processo de aprendizagem através de metodologias ativas também é destacado por Moran (2015).
CONSTRUÇÃO E UTILIZAÇÃO DE UMA BÚSSOLA ARTESANAL NAS AULAS DE GEOGRAFIA
A ideia de construção e utilização de uma bússola artesanal nas aulas de Geografia surgiu dos próprios alunos do sexto ano do Ensino Fundamental II da Escola Municipal Senador Rachid Saldanha Derzi, em Campo Grande/MS, durante as aulas de Cartografia no primeiro bimestre de 2020.
Nesse sentido, Callai (2001, p. 134) elucida que é importante que a escola rompa com a mesmice para que possa formar os alunos para a cidadania, além disso, aponta para a importância de o professor estar atento às demandas e sugestões que são trazidas pelos estudantes:
Uma educação para a cidadania tentando romper com a mesmice da escola. Desenvolvendo uma prática que seja aberta à possibilidade de
questionar o que se faz, de incorporar de fato os interesses dos alunos, e de ser capaz de produzir a capacidade de pensar, agindo com criatividade e com autoria de seu pensamento. Ao discutir esta postura, questionam-se as propostas prontas, implantadas nas escolas, até porque elas não têm conseguido entrar em definitivo na vida das escolas.
No dia 25 de fevereiro alguns estudantes relataram que haviam visto em vídeos na plataforma YouTube formas de criar uma bússola artesanal e que seria interessante replicar a experiência em sala de aula para que pudessem visualizar melhor na prática os conceitos que estavam estudando.
Em 03 de março o professor levou para a sala de aula o material necessário para a construção da bússola com os alunos: uma vasilha com água, agulha de costura, imã, papel higiênico e uma bússola para calibragem, foi solicitado que os estudantes que deram a ideia explicassem e demonstrassem para os demais como é feito o processo.
Primeiramente é necessário criar atrito entre a agulha de costura e o imã, por pelo menos trinta vezes, em seguida posicionar a agulha em cima de um pedaço de papel higiênico. Após alguns segundos, o papel higiênico afundará e a agulha permanecerá sobre a água, como a ponta da agulha está magnetizada pelo atrito que foi feito, ela se direcionará para o norte magnético do planeta Terra.
Após a construção da bússola os alunos foram questionados sobre os fenômenos que presenciaram: Por que a agulha que é metálica não afundou na água? Por que após o papel higiênico afundar a agulha se movimenta na água apontando o norte do planeta Terra?
Essas questões foram lançadas aos alunos que foram orientados a realizar uma pesquisa no livro didático e internet para que pudessem construir sua resposta e registrar em seus cadernos.
Nesse sentido, é importante não somente realizar a atividade prática, mas, problematizar e contextualizar os fenômenos que acontecem:
[...] instigando-se os alunos a problematizar o que vão ver, a preparar o que vão perguntar e refletir acerca do que vão observar, podem representar uma importante contribuição para o processo de formação destes como pesquisadores. (ALENTEJANO; ROCHA LEÃO, 2006, p. 63)
Em seguida, os alunos foram separados em grupos com cinco integrantes cada um, totalizando seis, de acordo com suas afinidades para que pudéssemos percorrer a escolar e registrar a orientação espacial de diversos pontos da escola: a entrada da sala de aula, da escola, da cantina, da biblioteca e da quadra de esportes, por meio do caderno com a rosa dos ventos, desenhada previamente por cada aluno durante a aula.
Esses pontos foram escolhidos por serem aqueles mais frequentados pelos alunos e pela possibilidade de realizar uma atividade prática sem a necessidade de retirá-los da escola, o que demandaria autorização da Secretaria de Educação e dos responsáveis.
Na aula seguinte a sala foi organizada em círculo para que os alunos pudessem socializar a experiência vivenciada, apontar aspectos que consideraram positivos e os principais desafios que encontraram, bem como um momento de diálogo para a solução de dúvidas e apresentação das respostas para as questões levantadas na aula prática.
A maior parte dos alunos conseguiu chegar a respostas satisfatórias para explicar que a agulha de costura permanece na superfície da água mesmo após o papel higiênico afundar devido à tensão superficial.
Grosso modo, esse é um fenômeno físico que faz com que a camada superficial de um líquido se comporte como uma membrana elástica, isso ocorre devido a forças de coesão entre moléculas parecidas.
Apesar da complexidade do conceito, se considerarmos que os estudantes estão no sexto ano do Ensino Fundamental, eles conseguiram verbalizar e escrever como esse fenômeno ocorre.
Outra questão que os alunos precisaram explicar foi o movimento realizado pela agulha de costura após ser atritada com o imã. Foi possível constatar que os alunos também conseguiram explicar verbalmente e de forma escrita o que ocorre esse fenômeno: a agulha magnetizada é atraída pelo polo norte magnético da Terra.
Nesse sentido, foi possível caminhar em direção à construção e ampliação de conhecimentos junto com os estudantes tal qual Freire (2002, p. 63) sugeriu:
O importante é ir teorizando até onde o grupo pode digerir. E pode digerir até onde chegou com sua prática. Não adianta ir construindo todo um andaime teórico para depois colocar-lhe a prática, mas sim ir construindo a teoria junto com a prática. Talvez seja esse o caminho que o educador deve percorrer com seu grupo de educandos.
Foi perceptível o envolvimento e engajamento dos alunos nos estudos de Cartografia e orientação espacial, compreendendo o espaço vivido e as teorias e conceitos que envolvem essa temática.
Através da proposição da atividade de ensino com apoio de materiais didáticos que possibilitaram o desenvolvimento de relações entre quem ensina e quem aprende, nos quais as dúvidas, erros e acertos foram trabalhados integralmente.
Isso possibilitou a superação de dificuldades e limitações de compreensão do conteúdo transformando a construção da bússola e a atividade prática em uma ferramenta educacional.
Foi bem legal essa experiência, é uma forma diferente de se aprender, é uma forma também nós nos localizarmos. Eu conversei bastante com
meus colegas, tivemos várias dúvidas e podemos resolvê-las com o nosso professor e fazendo pesquisas para entender como a bússola funciona. (Aluna Aryane Rocha Turaça, entrevista, 2020)
A aula prática possibilitou também a fixação dos conceitos cartográficos aprendidos em sala, fazendo com que os estudantes colocassem em prática o conhecimento que adquiriram, estabelecendo novas relações com o espaço que habitam.
Os alunos se mostram muito interessados e participativos em atividades práticas e buscam solucionar dúvidas através de questionamento dos conceitos, como construir a bússola e entender seu funcionamento, foi clara a vontade dos estudantes em participar de
cada etapa do projeto.
A atividade prática também estimulou os alunos a construírem um projeto de iniciação científica cujos resultados foram submetidos para participação na Feira de Tecnologias, Engenharias e Ciências de Mato Grosso do Sul (FETEC-MS) para apresentação dos resultados à comunidade científica.
Através do desenvolvimento da atividade prática criamos uma bússola de baixo custo em sala de aula para a utilização nas aulas de Geografia, possibilitando a realização de atividade prática que facilitou a visualização dos conceitos estudados.
A participação e envolvimento dos alunos foi bastante perceptível com o questionamento de conceitos e fenômenos e houve o aumento do interesse em seu processo de aprendizagem por meio dessa metodologia ativa.
Houve o exercício de habilidades relacionadas ao trabalho em equipe, diálogo com os colegas, empatia para ouvir e argumentação dos pensamentos e suposições sobre os fenômenos que envolveram a experiência.
Foi possível concluir que atividades práticas estimulam a curiosidade e a participação dos estudantes, dinamizando o processo de aprendizagem. Além disso, por se tratar de uma atividade simples e de baixo custo é possível replicá-la em qualquer escola de Educação Básica.
Além disso, o trabalho realizado se tornou uma pesquisa de iniciação científica realizada pelos alunos e inscrita na Feira de Tecnologias, Engenharias e Ciências de Mato Grosso do Sul (FETEC-MS) para apresentação dos resultados para a comunidade científica.
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