Metadados do trabalho

A Temática Saúde Na Base Nacional Comum Curricular (Bncc): Refletindo A Intersetorialidade Entre Educação E Saúde Na Educação Básica

Leonardo Ferreira de Almeida; Myrna Landim

A educação em saúde envolve propostas coletivas de trabalho entre a escola, a família, a sociedade e o governo, baseando-se em orientações curriculares que ofereçam disposições para que a escola atue como um ambiente de intersetorialidade entre educação e saúde. Considerando sua importância no contexto escolar, o tema ”saúde” é abordado por documentos normativos e curriculares, especialmente, pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O presente trabalho objetiva, por meio de pesquisa exploratória e análise documental, refletir e discutir como a BNCC aborda a temática saúde na Educação Básica, e favorece a intersetorialidade entre saúde e educação. Verificou-se que, na BNCC, há nove “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” para a Educação Infantil, 31 “habilidades” para o Ensino Fundamental e doze “habilidades” para o Ensino Médio, que fazem menção à temática saúde ou a temas correlatos. É possível apontar que, na BNCC, há uma tentativa de ampliar o olhar sobre a saúde e associá-la a questões que vão além do campo biológico, aproximando-se do campo social. Espera-se que as disposições sobre saúde presentes na BNCC sejam colocadas em práticas a fim de fortalecer a promoção de ações intersetoriais da educação em saúde nas escolas.

Palavras‑chave:  |  DOI: 10.1590/S0103-863X2003000300002

Como citar este trabalho

ALMEIDA, Leonardo Ferreira de; LANDIM, Myrna. A temática saúde na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): refletindo a intersetorialidade entre educação e saúde na Educação Básica. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-863X2003000300002. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/524-a-tem%C3%A1tica-sa%C3%BAde-na-base-nacional-comum-curricular-bncc-refletindo-a-intersetorialidade-entre-educa%C3%A7%C3%A3o-e-sa%C3%BAde-na-educa%C3%A7%C3%A3o-b%C3%A1sica. Acesso em: 16 out. 2025.

A temática saúde na Base Nacional Comum Curricular (BNCC): refletindo a intersetorialidade entre educação e saúde na Educação Básica

Educação e saúde são necessidades básicas e direitos universais do ser humano, explicitamente definidas como direitos sociais e dever do Estado na Constituição Federal do Brasil de 1988 (Brasil, 1988). Logo, surge a premissa de que ambas devem caminhar juntas. Para tanto, a instituição escolar se configura como espaço propício para esta articulação e integração, cabendo a ela, juntamente às famílias e ao poder público, a responsabilidade social frente ao direito das crianças e dos jovens à saúde (Silva et al., 2010; Paz; Tavares; Gerab, 2020).

Sabendo-se que a educação em saúde envolve, prioritariamente, propostas coletivas de trabalho entre a escola em conjunto à família, à sociedade e ao governo, são necessárias, dentre outras iniciativas, normativas e orientações curriculares que ofereçam disposições necessárias para que a escola atue como um ambiente potencializador de trabalhos direcionados no campo da promoção da saúde dos estudantes (Vieira et al., 2017). Considerando sua importância no contexto escolar, o tema ”saúde” é abordado por importantes documentos normativos e curriculares desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN 9394/1996), especialmente, pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual foi oficialmente publicada em 2018.

A BNCC, apesar de recém-homologada e publicada, estava prevista na LDBEN 9394/96 (Brasil, 1996). Trata-se de um documento de caráter normativo que apresenta as aprendizagens essenciais e os direitos de aprendizagens dos estudantes da Educação Básica. A versão final desse documento foi homologada em 2017 (BNCC para Educação Infantil e Ensino Fundamental) e em 2018 (BNCC para o Ensino Médio), tornando-se referência para a construção curricular e de propostas pedagógicas das redes de ensino de todos os entes federativos (Brasil, 2018; Sousa; Guimarães; Amantes, 2019).

Diante deste contexto, o presente trabalho objetiva refletir e discutir como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aborda a temática saúde e o cuidado à saúde na Educação Básica. Para tanto, antes da análise específica da BNCC, este artigo buscou compreender como a intersetorialidade entre os campos da saúde e da educação vem sendo apontada em outros importantes documentos normativos e curriculares.

 

Para elaboração do presente artigo, foi realizada uma pesquisa de caráter exploratório, compreendendo um levantamento bibliográfico no intuito de proporcionar mais informações sobre o assunto, proporcionando, assim, uma análise menos superficial acerca do tema (Gil, 2013). Para tanto, foram analisados artigos e documentos normativos e orientadores das áreas de educação e saúde desenvolvidos e publicados no Brasil, os quais versam sobre os temas “Educação Básica”; “Promoção da Saúde” e “Documentos Normativos e Curriculares”. Todas as referências foram pesquisadas em sítios eletrônicos de acesso livre e público, tais como Google Acadêmico e Scielo, bem como os portais do Ministério da Educação (Portal MEC[1]) e do Ministério da Saúde (Portal Saúde[2]).

Além da pesquisa exploratória de referenciais teóricos, foi realizada, também, uma análise documental, tratando, especificamente, da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A análise documental promove a busca e a interpretação de informações que constam em documentos oficiais das mais diversas mídias, tais como matérias jornalísticas impressas, televisivas ou digitais, revistas, conteúdos de sites eletrônicos de instituições governamentais, relatórios, cartas, documentários, gravações, fotografias e outros materiais análogos (Oliveira, 2016).

Portanto, ao longo das discussões promovidas neste artigo, será possível conhecer, por meio dos referenciais teóricos utilizados, como a saúde e o cuidado à saúde foram e são abordados por importantes documentos normativos e curriculares desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN 9394/1996) e, especialmente, como são tratados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual foi oficialmente publicada em 2018.

 

 

     A intersetorialidade entre educação e saúde: breves reflexões

 

Importantes pesquisas compactuam pela prática intersetorial entre saúde e educação no sentido de enxergar a promoção da saúde no ambiente escolar, por meio da educação em saúde, como possibilidade geradora de mudanças pessoais e sociais (Barba; Martinez; Carrasco, 2003; Gonçalves et al., 2008). Esta perspectiva intersetorial já é, há tempo, defendida pela Organização Pan-americana de Saúde - OPAS, a qual afirma que a promoção da saúde deve objetivar, nos espaços escolares, a visão integral e multidisciplinar do ser humano, considerando as pessoas em seu contexto familiar, comunitário, social e ambiental (OPAS, 1995).

De forma similar à OPAS, as agências oficiais das Organizações das Nações Unidas (ONU), como o UNICEF (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância) e a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), juntamente à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Ministério de Saúde (MS), publicizaram informações defendendo a importância da realização de um trabalho interligado entre os âmbitos da saúde e da educação desde a primeira infância, como estratégia essencial para a melhoria da qualidade de vida das crianças e adolescentes (Gonçalves et al., 2008).

Para o entendimento da articulação intersetorial entre saúde e educação, faz-se necessário incialmente ressaltar a mudança na concepção da relação saúde-doença ao longo de vários momentos históricos. De modo geral, cada sociedade, de acordo com sua cultura e seu contexto, entendeu o binômio “saúde-doença” por meio de dois focos diferentes: uma concepção tradicional de abordagem higienista (ou enfoque biomédico tradicional) e aquele que está ancorado em uma concepção coletiva, incorporando a compreensão dos determinantes sociais a ela relacionados (Beltrão; Aguiar, 2019). No entanto, não se trata de uma evolução conceitual hegemônica. Esses dois focos diferentes, embora mutuamente excludentes, podem encontrar respaldo entre diferentes grupos sociais em uma mesma sociedade.

No que se refere ao campo da saúde, particularmente em suas dimensões educativas, tem-se a educação em saúde, que, numa perspectiva tradicional, pauta-se por ideais e práticas autoritárias e conservadoras, subservientes à cientificidade biomédica e dirigida por um acervo de programas pedagógicos, muitas vezes importados e verticalizados, com propósito de atender ao conhecimento da prevenção, controle e tratamento de doenças específicas (Sevalho, 2018).

 Todavia, ao longo de seu percurso histórico, a medicalização e a “postura biomédica” tão presentes na Educação em Saúde tradicional, foram sendo debatidas, refletidas e ressignificadas, revelando caminhos distintos para compreensão e enfrentamento das condições desfavoráveis de saúde (Sevalho, 2018).

Com base nos entendimentos desenvolvidos pelo Ministério da Saúde (MS), pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), compreende-se educação em saúde como um processo político-pedagógico sistemático, contínuo e permanente que objetiva a formação e o desenvolvimento da consciência crítica dos cidadãos, partindo de sua realidade, estimulando a autonomia dos mesmos no seu autocuidado e na busca de soluções coletivas para os problemas vivenciados, no sentido de garantir a saúde como um direito socialmente conquistado (Brasil, 2007; Morosini; Fonseca; Pereira, 2008).

A análise da evolução histórica da concepção da educação em saúde revela que a consciência do ambiente físico e social como elemento determinante para o cuidado em saúde é vista como um dos caminhos para o enfrentamento ou a superação do enfoque biomédico tradicional das práticas educativas neste campo, as quais se restringem especificamente às questões da higiene individual e pública (Mohr, 2009).

É válido supor, portanto, que o entendimento dos determinantes físicos e sociais para a compreensão ampliada de saúde necessita fazer parte das discussões no âmbito escolar, por meio dos componentes curriculares e por meio de práticas pedagógicas, com o intuito de despertar nos educandos o compromisso com a sua própria saúde e com a saúde daqueles de sua convivência social. Dessa maneira, estes educandos podem tornar-se, assim, protagonistas do cuidado do si, bem como contribuindo para a saúde da sua coletividade (Beltrão; Aguiar, 2019).

Sabendo-se que o direito à educação em saúde envolve prioritariamente propostas coletivas de trabalho entre a escola em conjunto com a família, a sociedade e o governo, faz-se necessária, dentre outras iniciativas, analisar a pertinência de normativas e orientações curriculares já existentes, bem como propor novas normas que ofereçam subsídios para que a escola possa efetivamente atuar como um ambiente potencializador de trabalhos direcionados no campo da promoção da saúde, contribuindo para a concretização da intersetorialidade saúde-educação nos espaços escolares (Vieira et al., 2017).

 

A saúde e o cuidado à saúde nos documentos oficiais brasileiros: antes da BNCC

No início da década de 1990, o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069 de 1990, em seu artigo 4º, já destacava que o poder público, a família, a comunidade e a sociedade em geral são responsáveis por assegurar, de forma prioritária, “a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, […] e à convivência familiar e comunitária” (Brasil, 1990). Desta forma, este documento, em suas entrelinhas, anunciava que criança e adolescente precisam ser concebidos, em sua essência, enquanto pessoas plenas de direitos e que esta percepção é fundamental para que o sistema educacional viabilize as crianças e os jovens como foco no processo educativo, compreendendo-os enquanto seres atuantes e transformadores nesse percurso (Paz, Tavares e Gerab, 2020).

Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (Lei Federal de nº 9394/96), a qual promulga o direito básico da educação e estabelece relações com outros campos sociais, evidencia, em seu artigo 29, que a finalidade da educação é a de “promover o desenvolvimento integral da criança de modo a contemplar os aspectos físico, emocional, cognitivo, entre outros” (Brasil, 1996). Não há como se garantir o “desenvolvimento integral da criança” sem que esta tenha condições que assegurem sua saúde. Por este motivo, este documento, maior instrumento legal da educação brasileira, recomenda que todas as instituições de ensino busquem estratégias de cuidado para que os educandos recebam assistência à saúde nas escolas, desde a Educação Infantil, permitindo assim maior estreitamento entre os campos da educação e da saúde.

Vale frisar que, antes de 2013, a assistência à saúde, na LDB 9394/96, não era uma categoria voltada à toda educação básica. O artigo 4º, em seu inciso VIII, evidenciava que o Estado tinha o dever de efetivar educação escolar pública mediante a garantia de “atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”. Logo, estava expressa a especificidade da garantia da assistência à saúde somente para o ensino fundamental (Brasil, 1996).  

Em 2013, entrou em vigor a Lei nº 12.796, a qual alterou importantes pontos da LDB (Brasil, 1996), abordando a formação dos profissionais da educação dentre outras providências. Nesta lei, a nova redação do inciso VIII do artigo 4º da LDB passou a considerar: “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (Brasil, 2013). Desta forma, a assistência à saúde dos estudantes, anteriormente prevista apenas para o ensino fundamental, estendeu-se para todo o ciclo básico.

As disposições sobre a saúde e o cuidado à saúde dos educandos não ficaram só a cargo da LDB 9394/96 (Brasil, 1996), mas constam também de outros documentos normativos para a educação nacional, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados nos anos finais de 1990 e nos anos iniciais de 2000 (Sousa; Guimarães; Amantes, 2019), os quais sinalizavam orientações para organizar as propostas curriculares do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), publicadas em 2006 (Brasil, 2006).

Nos PCN, por exemplo, a temática saúde é abordada como um dos Temas Transversais (TT) em uma de suas publicações (Brasil, 1998), além de ser apresentada como importante conteúdo previsto para a área das Ciências da Natureza, seja para o ensino fundamental ou para o ensino médio. De modo similar, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) sinalizavam a saúde como um tema relevante para a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, especialmente para o componente Biologia (Brasil, 2006; Sousa; Guimarães; Amantes, 2019).

Além dos documentos acima citados, orientações normativas sobre a saúde e cuidado à saúde ganham notoriedade na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2017 (BNCC para Educação Infantil e Ensino Fundamental) e em 2018 (BNCC para o Ensino Médio), a ser analisada no item seguinte.

 

A saúde e o cuidado à saúde nos documentos oficiais brasileiros: a BNCC

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já estava prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, em seu artigo 26:

 

os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (Brasil, 1996).

 

A BNCC, em suas versões publicadas em 2017 (BNCC para Educação Infantil e Ensino Fundamental) e em 2018 (BNCC para o Ensino Médio), se configura como um documento de caráter normativo que visa nortear os caminhos pedagógicos por meio do desenvolvimento das aprendizagens essenciais, expressas em dez competências gerais. Estas são movimentos pedagógicos que se baseiam em princípios éticos, estéticos e políticos, que visam à formação humana em suas múltiplas dimensões (Brasil, 2018). Com elas, busca-se dar concretude, utilidade, continuidade e sustentabilidade ao processo de ensino-aprendizagem, por meio da mobilização de conhecimentos, atitudes, valores e habilidades (Brasil, 2019).

Numa perspectiva pedagógica, as competências, na BNCC, compreendem os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. Cada competência é particularizada em conhecimentos, que contemplam conceitos e procedimentos, em habilidades, que são as práticas cognitivas e socioemocionais, e em atitudes e valores a serem desenvolvidos para o exercício pleno da cidadania e do mundo do trabalho (Brasil, 2018).

Dentre todo arcabouço normativo da BNCC, destacam-se os Temas Contemporâneos Transversais (TCTs): saúde, meio ambiente, economia, cidadania e civismo, multiculturalismo e ciência e tecnologia. Os TCTs exigem a relação integrada e recíproca entre os diferentes componentes curriculares, bem como suscitam a conexão do conhecimento a ser trabalhado com situações vivenciadas pelos estudantes em suas realidades, contribuindo para promover contextualização e contemporaneidade aos objetos do conhecimento descritos na própria BNCC. Portanto, a abordagem dos TCTs objetiva propor estratégias para que o docente possa superar a fragmentação da prática pedagógica e tenha a oportunidade para conjugar os contextos escolar e social, a diversidade e o diálogo, proporcionando a criticidade e a cidadania, bem como combatendo toda alienação e a perda do sentido social do conhecimento científico (Brasil, 2019).

No tocante à análise específica da abordagem da saúde na BNCC, é importante destacar que, logo nas primeiras páginas deste documento, na seção de “Competências Gerais da Educação Básica”, a Competência Geral nº8 estabelece que todo estudante deve:

 

Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas (Brasil, 2018, p. 10).

 

Para alguns autores, esta competência reflete que “a BNCC defende uma educação em saúde de forma ampliada, integrando diversos fatores de uma vida saudável” (Iaochite, Lima Junior e Pedersen, 2021, p.23). Percebe-se assim, a priori, uma possível preocupação com a aproximação ao conceito integrador da saúde, que a encara, não como ausência de doença, mas, sim, como completo bem-estar físico, mental e social que deve ser promovido com cuidado e autocuidado, individual e coletivo.

No entanto, para se aprofundar nesta análise, é preciso considerar que a BNCC teve seu processo de elaboração iniciado em 2015, com três versões: a primeira em 2015, a segunda em 2016 e a terceira, homologada em 2017, contendo as partes destinadas à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental. O volume da BNCC destinado ao Ensino Médio foi homologada no ano seguinte, em 2018 (Brasil, 2018).

Analisando estes estágios de construção da BNCC com olhar específico sobre a temática saúde, percebe-se que, na primeira versão da BNCC, esta temática estava inserida na seção “Direitos de Aprendizagem”, sendo diluída, na versão final do documento para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, entre habilidades previstas para alguns componentes curriculares (Sousa, Guimarães e Amantes, 2019).

Embora essa diluição possa representar uma perda da importância do tema, estes autores consideram que, de maneira geral, todas as versões da BNCC associam conhecimentos, práticas e valores aos cuidados necessários para ter saúde, sendo que a categoria “cuidados com a saúde” é evidenciada várias vezes, de forma explícita ou implícita (Sousa, Guimarães e Amantes, 2019). Por exemplo, na área de Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental, a saúde é apresentada como um tema que deve ser trabalhado de forma transversal e contextualizada, com o propósito de promover o protagonismo dos educandos no que tange a busca do equilíbrio dinâmico do corpo e da promoção de cuidados considerados saudáveis. Esta perspectiva é positiva e se aproxima das orientações já presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Outro exemplo da categoria “cuidados com a saúde”, presente nas competências gerais da BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, está relacionado à possiblidade de os estudantes reconhecerem e cuidar de sua saúde física e emocional para que possam protagonizar o autocuidado do corpo bem como possam promover o cuidado integral da própria saúde física, mental, sexual e reprodutiva, no sentido de valorização de experiência individuais e coletivas (Brasil, 2017). Nesta versão é sugerido que, a partir dos conhecimentos científicos e habilidades trabalhadas, os estudantes da etapa final do Ensino Fundamental, sejam capazes de entender como o Estado mobiliza políticas públicas (campanhas de vacinação, programas de atendimento à saúde da família e da comunidade, investimento em pesquisa, campanhas de esclarecimento sobre doenças e vetores, entre outros) para desenvolver condições propícias à saúde e que tenham condições de tomar decisões sobre a saúde individual e coletiva, calcando-se nos princípios éticos, democráticos, sustentáveis e solidários (Sousa, Guimarães; Amantes, 2019).

No que tange a BNCC do Ensino Médio, verifica-se que o tema saúde é abordado em somente três componentes: Biologia, Química e Física (Brasil, 2018). No componente Biologia, ela é abordada de forma relacionada às questões como endemias, pandemias, sexualidade, diversidade e interdependência da vida, aproximando-se à perspectiva da promoção da saúde individual e coletiva. No componente Química, enfatiza-se a abordagem de conhecimentos que façam relação entre o meio ambiente e a saúde, bem como a abordagem sobre a química dos alimentos e os hábitos alimentares, com destaque para a obesidade e a desnutrição. No componente Física, objetiva-se correlacionar a poluição sonora com a saúde (Sousa; Guimarães; Amantes, 2019).

Com estas propostas, busca-se que os estudantes do Ensino Médio compreendam os riscos e os cuidados para com a saúde de si e das pessoas com quem convive. Como atividade prática, é proposta a constituição de “observatórios”, os quais consistem em grupos de educandos que elegem um problema de saúde para analisar e acompanhar, permitindo a discussão contínua da promoção da saúde, levando em conta a realidade econômica, social e cultural os quais estão imersos (Brasil, 2018; Beltrão; Aguiar, 2019; Sousa; Guimarães; Amantes, 2019).

Como o intuito de evidenciar como a saúde e temas correlatos (cuidado em saúde, promoção da saúde, prevenção de doença, alimentação, direitos humanos etc.) são contemplados na BNCC, nos Quadro 1, 2 e 3, abaixo, é possível verificar quais objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da Educação Infantil e/ou habilidades do Ensino Fundamental e Ensino Médio que trazem, em seu bojo, estes temas:

 

QUADRO 1: Campos de Experiências e seus Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para a etapa da Educação Infantil que mencionam o tema saúde ou temas correlatos na BNCC (Brasil, 2018).

Educação Infantil

Campo de Experiências

Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento

 

 

 

 

 

 

“O eu, o outro e o nós”

Reconhecer seu corpo e expressar suas sensações em momentos de alimentação, higiene, brincadeira e descanso (Brasil, 2018, p.45).

*para bebês (zero a 1 anos e seis meses)

Demonstrar atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças e adultos (Brasil, 2018, p.45).

*para crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

Perceber que as pessoas têm características físicas diferentes, respeitando essas diferenças (Brasil, 2018, p.45).

*para crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

Demonstrar valorização das características de seu corpo e respeitar as características dos outros (crianças e adultos) com os quais convive (Brasil, 2018, p.45).

*para crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)

Usar estratégias pautadas no respeito mútuo para lidar com conflitos nas interações com crianças e adultos (Brasil, 2018, p.46).

*para crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)

 

 

 

 

“Corpo, gestos e movimentos”

Participar do cuidado do seu corpo e da promoção do seu bem-estar (Brasil, 2018, p.47).

*para bebês (zero a 1 anos e seis meses)

Demonstrar progressiva independência no cuidado do seu corpo (Brasil, 2018, p.47).

*para crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

Adotar hábitos de autocuidado relacionados a higiene, alimentação, conforto e aparência (Brasil, 2018, p.47).

*para crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses)

Apresentar autonomia nas práticas de higiene, alimentação, vestir-se e no cuidado com seu bem-estar, valorizando o próprio corpo (Brasil, 2018, p.54).

*síntese de aprendizagens

Fonte: Elaborado pelos autores

É possível verificar que, conforme o Quadro I, na Educação Infantil, há dois (2) campos de experiência - “o eu, o outro e o nós” e “corpo, gestos e movimentos” – que trazem "objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” que mencionam o tema saúde ou temas correlatos. No primeiro campo citado, há cinco (5) “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” que evidenciam termos ligados à saúde como “higiene”, “alimentação”, “atitudes de cuidado e solidariedade”, “respeito às diferenças” e “respeito mútuo”. No segundo campo, estão presentes quatro (4) “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” que apresentam termos como “cuidado do seu corpo”, “promoção do seu bem-estar”, “autocuidado”, “higiene”, “alimentação”, “conforto”, “aparência” e “valorização do próprio corpo”.

Percebe-se, então, que, para todas as faixas etárias no âmbito da Educação Infantil, ou seja, de bebês (de zero a 1 ano e meio) até crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses), há nove (9) “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” que dão guarida para que a temática saúde ou práticas associadas a este tema sejam abordados com as crianças antes do Ensino Fundamental.

Desta forma, pode-se supor que a BNCC sinaliza a possibilidade de ações intersetoriais entre educação e saúde na Educação Infantil. Porém, esta sinalização não é sinônimo de garantia de que estas ações serão realizadas na prática do cotidiano das creches e escolas.

Abaixo, no Quadro II, é possível identificar as habilidades, por componentes do Ensino Fundamental I e II, que trazem relação com a temática saúde ou correlatas.

QUADRO 2: Componentes e suas Habilidades para a etapa do Ensino Fundamental que mencionam o tema saúde ou temas correlatos na BNCC (Brasil, 2018).

Ensino Fundamental

Componentes

Habilidades

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Linguagens - Educação Física

Construir, coletivamente, procedimentos e normas de convívio que viabilizem a participação de todos na prática de exercícios físicos, com o objetivo de promover a saúde (Brasil, 2018, p. 233).

*para 6º e 7º anos

Discutir as transformações históricas dos padrões de desempenho, saúde e beleza, considerando a forma como são apresentados nos diferentes meios (científico, midiático etc.) (Brasil, 2018, p. 237).

*para 8º e 9º anos

Problematizar a prática excessiva de exercícios físicos e o uso de medicamentos para a ampliação do rendimento ou potencialização das transformações corporais (Brasil, 2018, p. 237).

*para 8º e 9º anos

Identificar as diferenças e semelhanças entre a ginástica de conscientização corporal e as de condicionamento físico e discutir como a prática de cada uma dessas manifestações pode contribuir para a melhoria das condições de vida, saúde, bem-estar e cuidado consigo mesmo (Brasil, 2018, p. 237).

*para 8º e 9º anos

Experimentar e fruir diferentes práticas corporais de aventura na natureza, valorizando a própria segurança e integridade física, bem como as dos demais, respeitando o patrimônio natural e minimizando os impactos de degradação ambiental (Brasil, 2018, p. 239).

*para 8º e 9º anos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ciências

Discutir as razões pelas quais os hábitos de higiene do corpo (lavar as mãos antes de comer, escovar os dentes, limpar os olhos, o nariz e as orelhas etc.) são necessários para a manutenção da saúde (Brasil, 2018, p. 333).

*para 1º ano

Discutir os cuidados necessários à prevenção de acidentes domésticos (objetos cortantes e inflamáveis, eletricidade, produtos de limpeza, medicamentos etc.) (Brasil, 2018, p. 335).

*para 2º ano

Discutir hábitos necessários para a manutenção da saúde auditiva e visual considerando as condições do ambiente em termos de som e luz (Brasil, 2018, p. 337).

*para 3º ano

Verificar a participação de microrganismos na produção de alimentos, combustíveis, medicamentos, entre outros (Brasil, 2018, p.339).

*para 4º ano

Propor, a partir do conhecimento das formas de transmissão de alguns microrganismos (vírus, bactérias e protozoários), atitudes e medidas adequadas para prevenção de doenças a eles associadas (Brasil, 2018, p.339).

*para 4º ano

Organizar um cardápio equilibrado com base nas características dos grupos alimentares (nutrientes e calorias) e nas necessidades individuais (atividades realizadas, idade, sexo etc.) para a manutenção da saúde do organismo. (Brasil, 2018, p.341).

*para 5º ano

Discutir a ocorrência de distúrbios nutricionais (como obesidade, subnutrição etc.) entre crianças e jovens a partir da análise de seus hábitos (tipos e quantidade de alimento ingerido, prática de atividade física etc.) (Brasil, 2018, p.341).

*para 5º ano

Explicar a importância da visão (captação e interpretação das imagens) na interação do organismo com o meio e, com base no funcionamento do olho humano, selecionar lentes adequadas para a correção de diferentes defeitos da visão (Brasil, 2018, p.345).

*para 6º ano

Explicar como o funcionamento do sistema nervoso pode ser afetado por substâncias psicoativas (Brasil, 2018, p.345).

*para 6º ano

Interpretar as condições de saúde da comunidade, cidade ou estado, com base na análise e comparação de indicadores de saúde (como taxa de mortalidade infantil, cobertura de saneamento básico e incidência de doenças de veiculação hídrica, atmosférica entre outras) e dos resultados de políticas públicas destinadas à saúde (Brasil, 2018, p.347).

*para 7º ano

Argumentar sobre a importância da vacinação para a saúde pública, com base em informações sobre a maneira como a vacina atua no organismo e o papel histórico da vacinação para a manutenção da saúde individual e coletiva e para a erradicação de doenças (Brasil, 2018, p.347).

*para 7º ano

Analisar historicamente o uso da tecnologia, incluindo a digital, nas diferentes dimensões da vida humana, considerando indicadores ambientais e de qualidade de vida. (Brasil, 2018, p.347).

*para 7º ano

Analisar e explicar as transformações que ocorrem na puberdade considerando a atuação dos hormônios sexuais e do sistema nervoso (Brasil, 2018, p. 349).

*para 8º ano

Comparar o modo de ação e a eficácia dos diversos métodos contraceptivos e justificar a necessidade de compartilhar a responsabilidade na escolha e na utilização do método mais adequado à prevenção da gravidez precoce e indesejada e de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) (Brasil, 2018, p. 349).

*para 8º ano

Identificar os principais sintomas, modos de transmissão e tratamento de algumas DST (com ênfase na AIDS), e discutir estratégias e métodos de prevenção (Brasil, 2018, p. 349).

*para 8º ano

Selecionar argumentos que evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e ética) (Brasil, 2018, p. 349).

*para 8º ano

Discutir o papel do avanço tecnológico na aplicação das radiações na medicina diagnóstica (raio X, ultrassom, ressonância nuclear magnética) e no tratamento de doenças (radioterapia, cirurgia ótica a laser, infravermelho, ultravioleta etc.) (Brasil, 2018, p.351).

* para 9º ano

Propor iniciativas individuais e coletivas para a solução de problemas ambientais da cidade ou da comunidade, com base na análise de ações de consumo consciente e de sustentabilidade bem-sucedidas (Brasil, 2018, p.351).

* para 9º ano

 

 

 

 

 

Geografia

Relacionar a produção de lixo doméstico ou da escola aos problemas causados pelo consumo excessivo e construir propostas para o consumo consciente, considerando a ampliação de hábitos de redução, reúso e reciclagem/descarte de materiais consumidos em casa, na escola e/ou no entorno (Brasil, 2018, p.375).

*para 3º ano

Investigar os usos dos recursos naturais, com destaque para os usos da água em atividades cotidianas (alimentação, higiene, cultivo de plantas etc.), e discutir os problemas ambientais provocados por esses usos (Brasil, 2018, p.375).

*para 3º ano

Identificar e descrever problemas ambientais que ocorrem no entorno da escola e da residência (lixões, indústrias poluentes, destruição do patrimônio histórico etc.), propondo soluções (inclusive tecnológicas) para esses problemas (Brasil, 2018, p.379).

*para 5º ano

Identificar órgãos do poder público e canais de participação social responsáveis por buscar soluções para a melhoria da qualidade de vida (em áreas como meio ambiente, mobilidade, moradia e direito à cidade) e discutir as propostas implementadas por esses órgãos que afetam a comunidade em que vive (Brasil, 2018, p.379).

*para 5º ano

 

 

 

História

Associar a noção de cidadania com os princípios de respeito à diversidade, à pluralidade e aos direitos humanos (Brasil, 2018, p. 415).

*para 5º ano

Discutir e analisar as causas da violência contra populações marginalizadas (negros, indígenas, mulheres, homossexuais, camponeses, pobres etc.) com vistas à tomada de consciência e à construção de uma cultura de paz, empatia e respeito às pessoas (Brasil, 2018, p. 431).

*para 9º ano

 

 

Ensino Religioso

Identificar práticas de espiritualidade utilizadas pelas pessoas em determinadas situações (acidentes, doenças, fenômenos climáticos) (Brasil, 2018, p. 455).

*para 7º ano

Analisar princípios e orientações para o cuidado da vida e nas diversas tradições religiosas e filosofias de vida (Brasil, 2018, p. 459).

*para 9º ano

Fonte: Elaborado pelos autores

No que tange todo o Ensino Fundamental, vide Quadro II, há 31 habilidades relacionadas ao tema saúde ou temas correlatos, como, por exemplo, “conscientização corporal”, “uso de medicamentos”, “vacinação”, “prevenção da gravidez precoce e indesejada”, “prevenção ao HIV e às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)”, “sexualidade”, “saneamento básico”, “meio ambiente”, “poluição”, “sustentabilidade”, “consumo consciente”, “direitos humanos”, “cuidado da vida”, “cultura de paz”, “empatia”, “diversidade” e “qualidade de vida”.

Das 31 habilidades, cinco (5) estão presentes no componente “Linguagens e Educação Física”, dezoito (18) no componente “Ciências”, quatro (4) no componente “Geografia”, duas (2) no componente “História” e duas (2) no componente “Ensino Religioso”.

De forma mais evidente do que se observa com a etapa da Educação Infantil, a BNCC, ao sinalizar a relação da saúde com variados temas em diferentes componentes curriculares do Ensino Fundamental (Educação Física, Ciências, Geografia, História e Ensino Religioso), oferece possíveis caminhos para a realização de ações intersetoriais entre educação e saúde nesta etapa de ensino. Porém, ressalva-se que a presença das habilidades na BNCC em si não garante que a prática intersetorial entre saúde e educação seja, efetivamente, colocada em prática.

A fim de continuar a análise para a última etapa da Educação Básica, no Quadro III, é possível identificar as habilidades, por componentes do Ensino Médio, que contemplam a temática saúde ou temas correlatos.

QUADRO 3: Componentes e suas Habilidades para a etapa do Ensino Médio que mencionam o tema saúde ou temas correlatos na BNCC (Brasil, 2018).

Ensino Médio

Componentes

Habilidades

 

 

 

 

Linguagens e suas tecnologias

 

Formular propostas, intervir e tomar decisões que levem em conta o bem comum e os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global (Brasil, 2018, p. 493).

Analisar criticamente preconceitos, estereótipos e relações de poder presentes nas práticas corporais, adotando posicionamento contrário a qualquer manifestação de injustiça e desrespeito a direitos humanos e valores democráticos (Brasil, 2018, p.495).

Vivenciar práticas corporais e significá-las em seu projeto de vida, como forma de autoconhecimento, autocuidado com o corpo e com a saúde, socialização e entretenimento (Brasil, 2018, p. 495).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ciências da natureza e suas tecnologias

 

Utilizar o conhecimento sobre as radiações e suas origens para avaliar as potencialidades e os riscos de sua aplicação em equipamentos de uso cotidiano, na saúde, no ambiente, na indústria, na agricultura e na geração de energia elétrica (Brasil, 2018, p. 555).

Avaliar os benefícios e os riscos à saúde e ao ambiente, considerando a composição, a toxicidade e a reatividade de diferentes materiais e produtos, como também o nível de exposição a eles, posicionando-se criticamente e propondo soluções individuais e/ou coletivas para seus usos e descartes responsáveis (Brasil, 2018, p. 555).

Avaliar e prever efeitos de intervenções nos ecossistemas, e seus impactos nos seres vivos e no corpo humano, com base nos mecanismos de manutenção da vida, nos ciclos da matéria e nas transformações e transferências de energia, utilizando representações e simulações sobre tais fatores, com ou sem o uso de dispositivos e aplicativos digitais (como softwares de simulação e de realidade virtual, entre outros) (Brasil, 2018, p. 557).

Identificar, analisar e discutir vulnerabilidades vinculadas às vivências e aos desafios contemporâneos aos quais as juventudes estão expostas, considerando os aspectos físico, psicoemocional e social, a fim de desenvolver e divulgar ações de prevenção e de promoção da saúde e do bem-estar (Brasil, 2018, p. 557).

Avaliar os riscos envolvidos em atividades cotidianas, aplicando conhecimentos das Ciências da Natureza, para justificar o uso de equipamentos e recursos, bem como comportamentos de segurança, visando à integridade física, individual e coletiva, e socioambiental, podendo fazer uso de dispositivos e aplicativos digitais que viabilizem a estruturação de simulações de tais riscos (Brasil, 2018, p. 559).

Investigar e analisar os efeitos de programas de infraestrutura e demais serviços básicos (saneamento, energia elétrica, transporte, telecomunicações, cobertura vacinal, atendimento primário à saúde e produção de alimentos, entre outros) e identificar necessidades locais e/ou regionais em relação a esses serviços, a fim de avaliar e/ou promover ações que contribuam para a melhoria na qualidade de vida e nas condições de saúde da população (Brasil, 2018, p. 560).

 

 

 

 

Ciências humanas e sociais aplicadas

Analisar situações da vida cotidiana, estilos de vida, valores, condutas etc., desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais (Brasil, 2018, p.577).

Identificar diversas formas de violência (física, simbólica, psicológica etc.), suas principais vítimas, suas causas sociais, psicológicas e afetivas, seus significados e usos políticos, sociais e culturais, discutindo e avaliando mecanismos para combatê-las, com base em argumentos éticos (Brasil, 2018, p.577).

Analisar as características socioeconômicas da sociedade brasileira – com base na análise de documentos (dados, tabelas, mapas etc.) de diferentes fontes – e propor medidas para enfrentar os problemas identificados e construir uma sociedade mais próspera, justa e inclusiva, que valorize o protagonismo de seus cidadãos e promova o autoconhecimento, a autoestima, a autoconfiança e a empatia (Brasil, 2018, p.577).

Fonte: Elaborado pelos autores

Quanto ao Ensino Médio, vide Quadro III, verifica-se a existência de 12 habilidades que trazem o tema saúde ou temas correlatos, tais como “direitos humanos”, “consciência socioambiental”, “práticas corporais”, “autocuidado”, “autoconhecimento”, “autoestima”, “aspectos físicos, psicoemocional e social”, “ambiente”, “atendimento primário à saúde”, “respeito às diferenças e às liberdades individuais” e “valores democráticos”.

Das 12 habilidades elencadas, três (3) estão contidas no componente “Linguagens e suas tecnologias”, seis (6) no componente “Ciências da Natureza e suas tecnologias” e três (3) no componente “Ciências Humanas e Sociais Aplicadas”. Cabe frisar que, para o Ensino Médio, muitas habilidades sinalizam a possibilidade ou não do uso de dispositivos e aplicativos digitais, como softwares de simulação e de realidade virtual.

De forma semelhante às etapas anteriores, no Ensino Médio, percebe-se a intenção de relacionar a saúde a outras temáticas importantes ao longo de três de seus componentes (Linguagens e suas tecnologias, Ciências da natureza e suas tecnologias e Ciências humanas e sociais aplicadas). Esta inserção da saúde pode favorecer ao desenvolvimento de atividades intersetoriais entre os campos da educação e saúde na última etapa da Educação Básica.

Reforça-se que, diante deste cenário de nove (9) “objetivos de aprendizagem e desenvolvimento” distribuídos em dois (2) campos de experiência para a Educação Infantil, 31 “habilidades” presentes em cinco (5) componentes do Ensino Fundamental e doze (12) “habilidades” pertencentes a três (3) componentes do Ensino Médio, é possível apontar que, na BNCC, há uma tentativa de ampliar o olhar sobre a saúde e associá-la a questões que vão além do campo biológico, aproximando-se do campo social.

Além do mais, são trazidas preocupações interessantes na perspectiva da promoção da saúde como, por exemplo, “interpretar as condições de saúde da comunidade, cidade ou estado, com base na análise e comparação de indicadores de saúde” para a etapa do Ensino Fundamental (Brasil, 2018, p.347) e “investigar e analisar os efeitos de programas de infraestrutura e demais serviços básicos (saneamento, energia elétrica, transporte, telecomunicações, cobertura vacinal, atendimento primário à saúde e produção de alimentos, entre outros)” para o Ensino Médio (Brasil, 2018, p. 560).

Por outro lado, há que se destacar a ausência de alusão direta a termos bastante relevantes para o campo da saúde e sua intersetorialidade com a educação, tais como “determinantes em saúde”, “condicionantes em saúde”, “doenças negligenciadas”, “doenças crônicas”, “saúde mental” e “uso de álcool e outras drogas”.

Apesar de ausência à menção direta a alguns termos correlatos, é fato que o termo “saúde” aparece, exatamente, 60 vezes na BNCC (Brasil, 2018), indicando uma constância ao longo deste documento e uma possível guarida para o desenvolvimento de ações intersetoriais entre os campos da educação e saúde. Para Santos e Adinolfi (2022), a repetição do termo saúde na BNCC é vista como um reflexo da importância dada ao tema por este documento normativo, apesar de observarem a presença menos frequente de termos como “doença” e “promoção da saúde”.

Vale mencionar, também que, conforme se observa nos Quadros II e III, é notório que a maior quantidade de habilidades, no Ensino Fundamental, esteja relacionada aos componentes “Linguagens – Educação Física” e “Ciências” e, no Ensino Médio, esteja atrelada ao componente “Ciências da Natureza”. De forma semelhante, Iaochite, Lima Junior e Pedersen (2021) reconhecem que que a saúde é mais enfatizada nas áreas de Ciências da Natureza e da Educação Física, não se expandindo, de forma como se espera, para as demais áreas de conhecimento. Para estes autores, apesar de entenderem que a BNCC, em suas competências gerais, aborda a saúde numa perspectiva transversal e, assim, deveria trazer a educação em saúde numa dimensão integral, destacam, em contrapartida, que:

Não obstante ser indicado nas competências gerais que a promoção da saúde deve envolver aspectos físicos e emocionais, intra e interpessoais, o contexto do documento destaca uma educação em saúde com foco higienista e biologizante, na dimensão individual (Iaochite; Lima Junior; Pedersen, 2021, p.26).

 

De forma aproximada à citação acima, Sousa, Guimarães e Amantes (2019) identificaram a prevalência da vertente reducionista da saúde na BNCC, associada a uma dimensão comportamentalista que só se preocupa com os cuidados de si, cuja responsabilidade recai somente sobre os indivíduos, sem haver uma reflexão coletiva e globalizante dos determinantes e condicionantes de saúde.

Apesar da predominância da saúde nas habilidades no campo das “Ciências”, tanto no Ensino Fundamental” como no “Ensino Médio”, é preciso ressalvar que a temática “saúde” transpôs, pelo menos no texto normativo da BNCC, a caixinha das ciências, compondo habilidades das linguagens e das ciências humanas e sociais. Porém, é indiscutível que a transversalidade da saúde pode ser melhor trabalhada ao longo do documento, pois a falta de habilidades explicitas, que tragam outros temas correlatos importantes nestes tempos pós pandemia da Covid-19, como, por exemplo, a questão da saúde mental e do uso de drogas, pode enfraquecer o debate destas temáticas tão urgentes.

Diante de tudo que foi apresentado e discutido neste presente artigo, a inserção da temática “saúde” nas escolas caminha uma longa trajetória a fim de tornar concreta a intersetorialidade entre educação e saúde e tornar factível a educação em saúde como um instrumento formativo de consciência crítica dos educandos, pautado na promoção da saúde e isento de elementos higienistas e biologizantes.

Espera-se que todas as disposições sobre saúde ou cuidado à saúde presentes nos mais diversos documentos normativos e curriculares nos campos da educação, em específico na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sejam, realmente, colocadas em práticas, a fim de fortalecer a promoção de ações intersetoriais da educação em saúde nos estabelecimentos escolares.

É sabido que a presença de orientações em documentos oficiais não é garantia de sua concretização na realidade escolar. Logo, faz necessário que o primeiro passo para fortalecer a relação entre educação e saúde é, conforme Iaochite, Lima Junior, Pedersen (2021), a efetivação de inciativas de promoção da saúde escolar já existentes. Para tanto, é preciso que o campo da saúde, a começar pelo Ministério da Saúde (MS), deixe de enxergar estudantes, professores e demais profissionais das escolas, assim como família e comunidade em geral, como meros receptores de ações de atenção e educação em saúde. Da mesma forma, é urgente que o campo da educação, a começar pelo Ministério da Educação (MEC), amadureça sua articulação com a saúde para fins de implantação de políticas e programas de promoção de saúde integral dos estudantes.

[1] O Portal MEC está disponível em <https://www.gov.br/mec/pt-br>

[2] O Portal Saúde está disponível em <https://www.gov.br/saude/pt-br/>

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