Metadados do trabalho

Contribuições Da Análise Do Trabalho Docente À Promoção Da Interculturalidade Curricular

Murilo Rangel Oliveira

Este ensaio, de natureza qualitativa norteado por revisão bibliográfica, foi construído com a intenção de relacionar pontos de algumas teorias de pensadores da linha francófona, que se debruçam sobre a Análise do Trabalho Docente, com o objeto de pesquisa de um estudo que está sendo desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste UFPE-CAA. Buscamos associar algumas das questões principais que compreendem os construtos da prática docente teorizados pelos autores estudados, como os movimentos insurgentes e gestos transgressores – adotados pelos professores - frente às prescrições verticais impostas, na criação e aplicação dos Currículos de forma real para o desenvolvimento educacional dos alunos, neste caso, considerando a interculturalidade.

Palavras‑chave:  |  DOI: 10.22478/ufpb.1983-1579.2020v13nEspecial.54949

Como citar este trabalho

OLIVEIRA, Murilo Rangel. Contribuições da Análise do Trabalho Docente à promoção da interculturalidade curricular. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2023 . ISSN: 1982-3657. DOI: https://doi.org/10.22478/ufpb.1983-1579.2020v13nEspecial.54949. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/513-contribui%C3%A7%C3%B5es-da-an%C3%A1lise-do-trabalho-docente-%C3%A0-promo%C3%A7%C3%A3o-da-interculturalidade-curricular. Acesso em: 16 out. 2025.

Contribuições da Análise do Trabalho Docente à promoção da interculturalidade curricular

O projeto de pesquisa O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL DAS ESCOLAS EM CONTEXTO DE COMUNIDADES QUILOMBOLAS EM ALAGOINHA – PE: Diálogos a partir da potência dos afetos[i] (de cunho qualitativo com inspiração cartográfica) apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea – PPGEduC, da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – UFPE-CAA, e iniciado neste ano de 2023, emerge das inquietações que me transpassam desde que, em 2018, fui nomeado gestor de uma escola rural, inserida em área quilombola. Compreender como (re)pensar a produção de Currículos da Educação Infantil em regime de afecções e conversações, e consequentemente fortalecer os saberes e fazeres tecidos nos movimentos de autoconstrução-autoconhecimento e resistência das Comunidades Quilombolas no Município de Alagoinha-PE, é o cerne da pesquisa proposta.

Corroboramos com a pesquisadora Sandra Petit (2016) que tem como princípios teóricos metodológicos, aplicáveis ao (re)pensar currículos, enquanto instrumentos de valorização intercultural da herança afro:

1) o autorreconhecimento afrodescendente; 2) a tradição oral; 3) a apropriação dos valores das culturas de matriz africana; 4) a circularidade; 5) a religiosidade de matriz africana entrelaçada nos saberes e conhecimentos; 6) o reconhecimento da sacralidade; 7) o corpo como produtor espiritual, produtor de saberes; 8) a noção de território como espaço-tempo socialmente construído; 9) o reconhecimento e o entendimento do lugar social atribuído ao negro. (PETIT, 2016, p.665)

As Redes de Conversação nos permitem, no processo de redesenhar o currículo escolar, considerar os modos de relações com os cotidianos que atravessam tanto profissionais da educação, quanto seus alunos, dando-lhes liberdade para criar, de fabricar suas próprias questões sem que “alguém” as coloque (CARVALHO 2013). Bem como, “a interculturalidade vem adquirindo cada vez maior presença no campo educacional. Na América Latina, possui um processo intenso de desenvolvimento, especialmente a partir dos anos 70” (CANDAU; RUSSO, 2010).

A concepção curricular, por estas perspectivas, as quais incluem no processo construtivo os conhecimentos e significados formados através da participação ativa da comunidade escolar (ALVES, 2010); mostra-se como uma alternativa possível para o enfrentamento aos currículos homogêneos que são atualmente seguidos nas escolas de Ensino Básico; assim, Carvalho (2009; 2013), pela a Potência dos Afetos teorizada por Espinoza,  afirma que, as relações entre os documentos, concepções e a vivência da lógica das redes de conhecimento, linguagem, afetos/afecções que se enredam no cotidiano escolar, tencionam reconhecendo e defendendo a natureza eminentemente micropolítica e conversacional sobre a produção do currículo escolar.

Nesse sentido nos aproximamos, e acreditamos que a perspectiva, da interculturalidade pensada por Walsh (2017) em diálogo com as vozes dos professores e comunidades quilombolas é um caminho possível para pensar e promover uma educação intercultural e crítica, uma vez que

[...] é uma construção de e a partir das pessoas que sofreram uma experiência histórica de submissão e subalternização. Uma proposta e um projeto político que também poderia expandir-se e abarcar uma aliança com pessoas que também buscam construir alternativas à globalização neoliberal e à racionalidade ocidental, e que lutam tanto pela transformação social como pela criação de condições de poder, saber e ser muito diferentes. (WALSH, 2007, p. 8)

Assim, afirmar as conversações e a interculturalidade na sua potência de criação de saberes e fazeres, pela via do afeto, significa buscar um corpo escolar como coletivo e/ou comunidade compartilhada que produz afecções nas composições dos seus próprios currículos.

Portanto, nosso objetivo é o (re)pensar a (re)construção curricular, pois, compreendemos que a Educação Étnico-Racial contemplada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) atende às demandas jurídicas que surgem das tensões promovidas pelos embates político-culturais, no entanto, esta Base Comum que alicerça os Currículos Escolares não possibilita práticas que verdadeiramente observam as singularidades das Comunidades Quilombolas, sendo este um documento que apenas atende às avaliações externas, em larga escala; porém, na realidade disseminam um currículo homogêneo focado apenas na instrução básica massiva dos estudantes brasileiros que frequentam escolas públicas em todas as instituições de ensino, sem observância às suas particularidades, de quaisquer razão.

Assim, concordamos com Lopes & Macedo (2011): currículo é produção de sentidos! Seja escrito, falado, velado; o currículo é um texto que tenta direcionar, mas que o faz apenas parcialmente. Nestas circunstâncias, dialogar sobre a construção de um currículo que atenda às necessidades da Educação Infantil de Comunidades Quilombolas envolve a percepção da criança pela instituição escolar, família e sociedade; bem como, compreender a noção de pertencimento (ou submissão a estes dispositivos) que emana dos envolvidos. Essa criação coletiva vai se construindo em meio a organização modelar, de afetos conscientes e inconscientes, que operam compondo campos de resistências.

Ao debruçarmo-nos sobre esta questão, refletindo sobre os movimentos de aprender “ensinando” outras transpassam-nos e inquietam-nos... Seremos nós...

[...] capazes de reinventar a escola? Desconstruir uma perspectiva homogeneizadora, padronizadora do formato escolar? De questionar uma concepção dos currículos escolares que promove uma única visão do conhecimento, de caráter moderno e ocidental? De questionar a colonialidade presente nas culturas escolares? De reconhecer inúmeros saberes e práticas insurgentes que realizam professores e professoras no cotidiano escolar, em geral ignorados? De colocar no centro de nossas buscas os grupos sociais subalternizados e inferiorizados? (CANDAU, 2020, p.685).

Percebemos que pelos encontros experienciados na disciplina Construtos Teóricos para Análise do Trabalho Docente – do PPGEduC/UFPE/CAA 2023.1 – potencializamos nossa pesquisa ao realizarmos estudos introdutórios sobre diferentes abordagens teóricas, oriundas da linha francófona, voltadas à análise do Trabalho Docente; nesta jornada semanal “autocontemplativa” fomos ciceroneados pelos docentes mediadores, e guiados por pensadores como René Amigues, Jean-Paul Bronckart, Lino Dias Neto, Yves Clot, Carla Messias, Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly, Anne-Marie Chartier, Michel de Certeau, Philippe Perenoud, Roland Goigoux, André Tricot, Flávia M. Sarti... quando ao final desta voyage fascinant fomos instigados a relacionar/integrar os conteúdos apreendidos ao nosso objeto de pesquisa.

Inicialmente não enxergávamos como estabelecer uma relação entre teóricos de linha francófona, que se debruçam sobre o trabalho do professor, com uma pesquisa que busca compreender caminhos possíveis para promoção da interculturalidade [quilombola] no agreste pernambucano, pela ótica da decolonialidade. No entanto, concebemos que o docente é o sujeito que se apropria das possibilidades de aplicação do Currículo, e o Currículo da Educação Infantil é o viés da pesquisa proposta; também entendemos que Currículo é um dos campos onde o docente manifesta sua insurgência como forma de impor-se, por vezes inconscientemente, perante às prescrições verticais que se estabelecem cotidianamente, sendo este movimento transgressor -  em nosso entendimento - um dos pontos conectores entre alguns dos textos dissecados em nossos encontros semanais.

Pelo exposto, buscamos compreender possibilidades de analisar o trabalho do profissional educador... analisar o trabalho docente... como passo inicial na tarefa de (re)pensar o Currículo da Educação Infantil em contexto intercultural quilombola.

Assim, neste movimento construtivo de integração, objetivamos adentrar aos possíveis observados na Análise do Trabalho Docente pela ótica de alguns dos teóricos aos quais fomos apresentados, e em seguida buscaremos relacioná-los - quando possível - à produção de Currículos da Educação Infantil que buscam uma real promoção, ou aproximação, da educação intercultural nas comunidades quilombolas do Município de Alagoinha-PE.

 

 

O que alguns de nossos teóricos nos dizem...

Ao discutirmos sobre o trabalho do professor e trabalho de ensino, pela leitura do texto de René Amigues: O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva; compreendemos que o permanente (re)fazer das ações desenvolvidas sobre as normas reguladoras que antecedem uma ação está intrinsicamente ligado a um movimento confrontante entre a norma estabelecida e sua (re)normalização por parte do docente, pois, compreendemos que “no domínio do trabalho, a tarefa não é definida [inicialmente] pelo próprio sujeito; as condições e o objetivo de sua ação são prescritos pelos planejadores, pela hierarquia” (AMIGUES, 2004, p.40).

Amigues discorre sobre os elementos constitutivos da atividade docente; a saber: as prescrições, os coletivos, as regras do ofício e as ferramentas, ressaltando a importância destes na interação entre um sujeito (professor) e uma tarefa (lecionar), “em outros termos, a atividade não é a de um indivíduo destituído de ferramentas, socialmente isolado e dissociado da história; pelo contrário, ela é socialmente situada e constantemente mediada por objetos que constituem um sistema” (2004, p.41-42).

A subjetividade, segundo os pressupostos levantados por Amigues, é outro fator relevante neste processo, onde os conflitos internos atravessam e são atravessados pelos dilemas, contradições e prescrições que orbitam o ser docente, o qual exerce esta práxis que “não é uma atividade individual, limitada à sala de aula e às interações com os alunos, atividade que se praticaria sem ferramentas, fora de qualquer tradição profissional. Ao contrário, ele é um ofício e um trabalho como qualquer outro” (2004, p.45), caracterizando, assim, o trabalho do professor como um trabalho que não se limita à sala de aula ou às interações com os alunos.

Um dos pontos de convergência que enxergamos, entre o texto de Amigues e nosso objeto de pesquisa, trata da redefinição que os professores fazem das prescrições quando escolhem como às relacionarão com seus alunos; reafirmando que as ferramentas do trabalho docente não são padronizadas, pelo contrário! O currículo é uma possibilidade potente neste contexto de redefinições e apropriações ativas intencionalmente vivenciadas que abrem novas possibilidade de ação, reinterpretando-o, ressignificando-o, para colocá-lo a serviço de sua ação.

Continuando à discussão sobre o trabalho do professor e trabalho de ensino, agora caminhando pelo texto de Jean-Paul Bronckart: Atividade de Linguagem, discurso e desenvolvimento humano; nos são apresentados três cenários com o intuito de compreendermos as características comportamentais e de linguagem do trabalho; analisando o trabalho prescrito e o trabalho real através de métodos como: a observação, as entrevistas de explicitação com os trabalhadores, as autoconfrontações simples e cruzadas (no sentido de Clot, 1999) etc.

Bronckart ressalta as dificuldades de se conduzir uma pesquisa que releva o cotidiano do professor pelas subjetivações que contemplam o processo interpretativo, cerne de qualquer atividade ou ação, em especial, do trabalho docente, haja visto que, “[...] o que os professores expressam sobre seu trabalho parece depender mais da ideologia presente nos textos prescritivos do que de uma tomada de consciência sobre o que realmente acontece em sua aula” (BRONCKART, 2006, p.227).

Nesse contexto evidenciou-se um distanciamento entre o trabalho prescrito (o que é posto), que é definido como “o trabalho como ele é predefinido em diversos documentos produzidos pelas empresas ou pelas instituições, que dão instruções, modelos, modos de emprego, programas, etc” (2006, p.208), o trabalho real (o que é feito) “que designa as características efetivas das diversas tarefas que são realizadas pelos trabalhadores em uma situação concreta” (2006, p.208) e o trabalho interpretado/representado (o que é declarado/apreendido).

Percebemos então que é possível relacionar esta teorização à construção de um Currículo Intercultural, como proposto em nosso projeto de pesquisa, quando Bronckart (2006, p.226/227) enfatiza que o que caracteriza a profissionalidade de um professor seria “a capacidade de pilotar um projeto de ensino predeterminado, negociando permanentemente com as reações, os interesses e as motivações dos alunos, mantendo ou modificando a direção, em função de critérios de avalição dos quais só ele é senhor [...]”.

Ao buscar relacionar o texto de Bronckart ao nosso estudo, percebemos que o conceito de Trabalho Real está diretamente atrelado às escolhas curriculares que postulamos pesquisar. Percebemos que em uma situação de tomada de consciência das ações desenvolvidas pelo docente, ao analisar sua atividade por meio de um dos métodos adotados por Bronckart, o profissional compreende que suas escolhas sobre o que lhe é prescrito, selecionando (conscientemente ou não) o que será desenvolvido, é o trabalho real desenvolvido. Contribuindo tanto para compreensão do docente [trabalho interpretado] quanto para a apreensão dos discentes, como consequência do trabalho real, nesta face da atividade docente que é desenvolvida diretamente com os alunos.

Por tanto, ao pensarmos sobre o trabalho do professor e trabalho de ensino, tendo como base Amigues e Bronckart, ratificamos a ideia de que a postura “insurgente e transgressora” do professor [negando integrar-se à mecanização docente passiva] diante das normas e prescrições, são possibilidades potentes para a construção e desenvolvimento de nossa proposta de pesquisa.

Discutimos conceitos-chave da clínica da atividade para a análise do trabalho docente: gênero profissional, estilo e real da atividade quando tivemos acesso à pesquisa de Lino Dias Correia Neto, em sua Tese de Doutorado ele busca compreender a Prática Docente, pela ótica da Ergonomia Francesa e da Clínica da Atividade, desenvolvendo um estudo de caso que “compara” o ensino tradicional (da gramática e análise linguística) com o ensino inovador que não marginaliza o já tradicionalmente posto, mas sim, ecoam simultaneamente.

Neste ponto já vislumbramos conexões possíveis com nosso objeto de pesquisa... ao relacionarmos o confronto entre o ensino tradicional versus o ensino inovador, com o currículo prescrito versus o currículo (re)pensado de forma intercultural.

Lino se lança na análise da atividade docente, acompanhado por Chartier (2000), ressaltando que além das exigências explícitas, o trabalho do profissional docente fundamenta-se em premissas outras, por vezes implícitas, como o meio no qual o docente atua em seus determinantes objetivos; sancionando assim o compromisso da atividade docente enquanto espaço de (re)elaboração de saberes e competências; “com isso, a autora defende que o campo de formação e investigação docentes deve considerar o espaço de ação do professor, incluindo os elementos que o definem e limitam, sem confundi-lo com o espaço das ações ‘autorizadas’ [...] institucionalizadas pelos artifícios de prescrição” (LINO, 2020, p.85).

Ao discorrer sobre a tríade pela qual a atividade docente é dirigida [desenvolvida], no sentido de Amigues (2004), Lino nos diz que as experiências subjetivadas pelo professor, os sujeitos outros que se relacionam com a atividade (seus pares, componentes da hierarquia pedagógica, pais e alunos...) e o real objeto (a atividade, a qual é classificado como pluridimensional e cercado por saberes, estratégias e práticas que visam possibilitar a aprendizagem dos alunos), nos revela como o professor recorre aos artefatos simbólicos e materiais da profissão, e que estes estão diretamente relacionados aos artefatos utilizados para o desenvolvimento do trabalho.

Conjeturando sobre esta contextualização, dos dirigentes da atividade docente e seus artefatos, sabendo que os artefatos são concebidos por outros, e que estão a serviço de diferentes técnicas de ensino. Neste sentido, Lino afirma que “para Amigues (2004) a atividade docente é triplamente dirigida: para o próprio professor, para os outros sujeitos da cena escolar e para o objeto de sua atividade, bem como instrumentada pelos artefatos que atravessam sua atividade[...]” (2020, p.96).

Vemos na apropriação destes artefatos, e sua transmutação em instrumentos aplicáveis que carregam significado às ações que desenvolvem, mais um elo entre nosso movimento associativo das teorias estudadas e o projeto de pesquisa em desenvolvimento, quando, propomos a apropriação do currículo (aqui visto como artefato concebido por outros) transformado em instrumento de promoção da educação intercultural neste contexto educacional específico da interculturalidade; assim visando a aprendizagem real, como afirma Amigues (2004, p.49):

O professor é, ao mesmo tempo, um profissional que prescreve tarefas dirigidas aos alunos e a ele mesmo; um organizador do trabalho dos alunos, que ele deve regular ao mesmo tempo em que os mobiliza coletivamente para a própria organização da tarefa; um planejamento que deve reconceber as situações futuras em função da ação conjunta conduzida por ela e seus alunos, em função dos avanços realizados e das prescrições.

 Continuamos nossa jornada, buscando identificar e seguir o denominador comum da postura didática insurgente, encontramos nas argumentações sobre o agir docente, gestos profissionais e didáticos, ferramentas e dispositivos didáticos, indícios outros desta relação que propomos construir. Neste sentido, replicamos Bucheton (2008, apud Messias e Dolz, 2015, p.51), “Os eventos e retroações que os gestos geram ou não são sempre diferentes. Além de ser únicos, a finalidade dos gestos profissionais dos professores é contribuir para criar os espaços da palavra e do trabalho para que os currículos sejam transmitidos e apropriados pelos alunos”.

Finalizamos constatando que Schneuwly (2009) ressalta que o ensino é um trabalho que tem a particularidade de transformar modos de pensar, de falar e de agir, por seus signos e sistemas semióticos. Caracterizando o professor, enquanto trabalhador, como um agente de transformação; sendo a percepção desta possibilidade do educador, como transformador social, diretamente relacionável com nossa objeto de pesquisa quando propomos redes de conversação pela ótica da Potência dos afetos – no sentido de Espinoza (2009) – para buscar significados e possibilidades no movimento de (re)pensar o Currículo da Educação Infantil enquanto instrumento de ensino intercultural significativo e relevante às comunidades quilombolas.

Partimos do nosso “lugar de inquietação”, acompanhados – entre outros - por Carvalho (2013), Petit (2016) e Walsh (2017) que nos mobilizam neste processo de (re)pensar o desenho curricular da Educação Infantil de forma coletiva e intercultural, pelo giro decolonial proposto por estes intercessores e, inusitadamente, ao sermos provocados a focar nos textos de Amigues (2004), Bronckart (2006), Correia Neto (2020), Messias e Dolz (2016) e Schneuwly (2009) – buscando compreender os princípios gerais de suas teorias - verificamos que nosso entendimento inicial, de que a postura insurgente e transgressora adotada pelos docentes em busca de significar sua prática, é um tema recorrente nas postulações dos autores, de linha francófona, aqui mencionados.

Nesta incursão apreendemos o quão complexo é caracterizar a atividade docente pelos seus diversos aspectos, independente da ótica pela qual se observa - seja decolonial ou francesa - os quais fazem do professor um agente mediador, regulador e produtor de significados fruto de suas escolhas, aproximações e distanciamentos que fundamentam o trabalho real do profissional educador.

Constatamos que, para progressão e realização da pesquisa proposta, é necessário entender verdadeiramente quem é o professor que atua nestas escolas, assim, simultaneamente teremos a possibilidade de, contribuir para que o próprio docente compreenda quem ele é enquanto profissional. Possibilitando novo aporte à sua prática consciente, para então propormos o movimento de (re)pensar o currículo escolar. Sendo este o viés que seguimos no intuito de responder à inquietação que deu origem a este movimento.

Portanto voltando à provocação inicial, de como relacionar/integrar os conteúdos apreendidos ao longo da disciplina Construtos Teóricos para Análise do Trabalho Docente ao nosso objeto de pesquisa (O Currículo da Educação Infantil das escolas em contexto de comunidades quilombolas em Alagoinha-PE), inferimos que esta relação é sim possível, e potencialmente pertinente. Sendo este um movimento enriquecedor para compreensão da prática docente e para busca da construção de currículos interculturais que atendam às demandas reais das comunidades nas quais estão inseridas as escolas.

[i] Título provisório do referido Projeto de Pesquisa iniciado no PPGEduC/UFPE/CAA - 2023.1

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