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Contação De História Como Ferramenta Metodológica Na Formação De Leitores

Matheus Luamm Santos Formiga Bispo

Entender a contação de histórias é entender que a literatura é uma arte construída pela palavra escrita, sendo que a vez e a voz do/a aluno/a têm um lugar de suma importância no momento da avaliação, pois é ele que irá falar sobre sua atividade de leitura: as experiências e as expectativas adquiridas através dela. Ou seja, trata-se de um meio e um modo de fomentar a leitura, favorecer a cultura literária, desenvolver/aprimorar a escrita com sua multiplicidade, bem como fortalecer a linguagem, contribuindo assim com a socialização, entre outros fatores positivos para os ouvintes quase impossíveis de serem mensurados em face da variedade de intentos alcançados, seja em nível intelectual, social, psicológico ou outro. Num âmbito de maior relevância, sobretudo levar as crianças a apreciarem a arte milenar da contação de histórias como atividade cultural e recreativa.

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Como citar este trabalho

BISPO, Matheus Luamm Santos Formiga. CONTAÇÃO DE HISTÓRIA COMO FERRAMENTA METODOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE LEITORES. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2022 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/488-conta%C3%A7%C3%A3o-de-hist%C3%B3ria-como-ferramenta-metodol%C3%B3gica-na-forma%C3%A7%C3%A3o-de-leitores. Acesso em: 16 out. 2025.

CONTAÇÃO DE HISTÓRIA COMO FERRAMENTA METODOLÓGICA NA FORMAÇÃO DE LEITORES

A contação de histórias é uma das atividades mais antigas de que se tem notícia. Essa arte remonta à época do surgimento do homem há milhões de anos. Além disso, contar histórias e declamar versos se constitui como práticas da cultura humana que antecedem o desenvolvimento da escrita.

Essa arte está ganhando mais espaço na sociedade e tem ultrapassado a sala de casa – onde os avós contam as histórias – e agora está chegando aos ambientes escolares e pedagógicos, sendo uma atividade fundamental que transmite conhecimentos e valores. Sua atuação, inclusive, é decisiva na formação e no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.

Na escola, aparece a figura profissional do contador de histórias como um mediador de leitura para o público desde a mais tenra idade, atuando em sala de contação de histórias, numa biblioteca (não em substituição ao bibliotecário, ambos podem trabalhar juntos), num pátio ou mesmo na própria sala de aula.

Contar histórias não tem segredo ou roteiro. Cada contador utiliza-se de recursos únicos, com fantasias, adereços, instrumentos musicais, simulações de vozes, músicas, brincadeiras e jogos, recursos tecnológicos, enfim, é individual, é arte. O mais importante dessa atividade é que o contador e os ouvintes brinquem com as palavras

A contação de histórias atrelada ao lúdico, em qualquer nível da Educação Básica, especialmente na Educação Infantil, favorece o fomento e a busca do prazer no momento da leitura. Segundo Vitor e Korbes (2011), há um mundo mágico entre ouvir e contar histórias, proporcionando à criança a possibilidade de descobrir e construir o meio onde vive, desencadeando fatores relevantes, como emoção, autonomia e identidade, por meio das dramatizações lúdicas, elevando a criatividade e a construção de conhecimentos em seu aprendizado diário.

O professor tem como função estimular o ouvinte a apreciar a leitura, encontrando assim um mundo mágico. Quando se ouvem histórias, é possível sentir importantes emoções, e as narrativas tornam-se pontes e envolvem o interlocutor no processo de ensino-aprendizagem, que se dá entre o contador de histórias e o ouvinte, entre o imaginário e o real, entre o passado, o presente e o futuro. São elos que constroem e reconstroem sentimentos e vivências entre seres humanos, trabalhando emoções e saberes fundamentais para o processo de desenvolvimento humano. É necessário promover a formação de leitores tendo como instrumento a ludicidade para formação de um ser crítico e reflexivo, fazendo das crianças protagonistas de sua aprendizagem, explorando o desenvolvimento social, afetivo e cognitivo.

Sabe-se que, por meio das histórias com que as crianças interagem, a narrativa contada amplia os repertórios linguístico, social e cultural, aguça a sensibilidade, estimula o pensamento e a criticidade; enfim, humaniza. O ato de contar e ouvir histórias favorece a aquisição de vocabulário, estimula o imaginário, instiga o ouvinte a buscar, de modo autônomo, fazer outras leituras, portanto contribuindo para a formação de novos leitores e para o cultivo do hábito da leitura. Em especial, a criança que é incentivada a ouvir histórias e a lê-las será uma pessoa que tomará gosto pela leitura, expressando-se por meio da oralidade e da escrita, aprendendo de forma lúdica. A contação de histórias permite uma leitura de mundo integrada a outras linguagens, o que faz com que o receptor da história contada articule o seu discurso, tenha uma formação integral e seja um ser bem-sucedido em seus projetos durante a vida, em especial na vida adulta, pois a história purga emoções, organiza o espírito, fortalece a percepção de si, do outro e do mundo.

Participar de contações de histórias promove a assimilação do vocabulário. É a partir das histórias contadas que as crianças têm o imaginário despertado, vivenciando, por meio do universo fabulado, emoções, sentimentos e desejos que lhes propiciam experiências significativas nos mais diversos campos de experiência, de forma que cada vez mais organizem as próprias ideias e despertem o interesse em ouvir, ler e contar histórias, interagindo dessa forma com o meio onde vivem.

Participar de rodas de conversa, de relatos de experiências, do conto e do reconto de histórias, de declamações de poemas, da construção de narrativas, da elaboração e descrição de papéis no mundo do faz de conta, explorar sensorialmente materiais, trabalhar com materiais impressos, analisando as estratégias comunicativas, os códigos linguísticos e descobrindo as diversas formas de organizar o pensamento, explorar gestos, expressões corporais, sons da língua, rimas, imagens, textos escritos, além dos sentidos das falas cotidianas, com os jogos de palavras em poesias, parlendas, trava-línguas, canções, apropriando-se das linguagens para criar novas falas, enredos, histórias e escritas convencionais ou não, ou seja, se permitir fazer a leitura e a compreensão de textos integrada às artes e ampliar o trabalho de leitura e construção de sentidos para os textos trabalhados durante o ato da contação de histórias, dentro ou fora do contexto da sala de aula.

Através das contações de histórias, podemos levar as crianças a descobrirem o mundo, desenvolvendo o seu protagonismo, contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento integral. Na Educação Infantil, principalmente, a arte de contar histórias deve se fazer presente, pois, quanto mais cedo a criança tiver contato com os livros e perceber o prazer que a leitura traz, maior será a chance de torná-la um adulto leitor, pensante, crítico e socialmente ativo.

Caso haja a necessidade de avaliar a criança durante esse processo, deve-se fazer de modo processual, por meio da observação no tocante ao envolvimento, à participação e à interação das crianças com o momento lúdico da contação. Deve-se analisar o processo de aprendizagem de forma individual e coletiva, verificar se houve avanços e, ao mesmo tempo, identificar se a metodologia explorada foi satisfatória do ponto de vista cognitivo. Vale ressalvar que o ato da contação de histórias não deve se restringir a um mero recurso para fins avaliativos ou mesmo de feição pura e simplesmente didática, pois ele transcende essa finalidade.

O método deste estudo consiste, em relação à sua natureza, num trabalho científico original. De acordo com Gil (2002), a pesquisa é desenvolvida diante de informações que não são refutadas o suficiente para responder ao problema investigado. O artigo foi desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo.

Quanto aos objetivos, é mister salientar que esta pesquisa é explicativa, uma vez que procura entender as causas e os efeitos da contação de histórias frente à formação do leitor e a importância do contador de histórias como um mediador de leituras, transmissor de saberes.

A presente pesquisa tem como finalidade contribuir para a ampliação de entendimento acerca da discussão proposta, em que o ato de contação de histórias funciona como um recurso lúdico-simbólico por meio do qual acontece de modo espontâneo o processo de ensino e aprendizagem, mas que o transcende, na medida em que permite experiências e vivências individuais e coletivas, mas que também propiciam o desenvolvimento humano e social dos ouvintes, ampliando e aperfeiçoando a visão que o sujeito tem de si mesmo, do outro e do mundo o qual integra, tornando-se verdadeiro protagonista do processo de interação, assim como do de ensino e aprendizagem, ressignificando a escutatória e o ato de leitura e compreensão das narrativas como uma experiência estética que transforma profundamente o comportamento do homem diante do mundo.

  1. CONTAR HISTÓRIAS
    1. O CONTADOR DE HISTÓRIAS: TRANSMISSOR DE SABERES

 

O homem do século XXI vive imerso em um universo comunicacional profundamente transformado pelo advento das novas tecnologias, que propõem uma dinâmica de interação social completamente distinta da de épocas passadas, com o uso de ferramentas e métodos modernos cujo principal interesse é atender às demandas da sociedade contemporânea. Observa-se que a leitura literária tem perdido espaço, no atual contexto, para os jogos digitais ou para o acesso aleatório às redes sociais em franca ascensão no país. Em conformidade com o pensamento de Lajolo e Zilberman (2007, p. 17), a leitura literária como procedimento da escolarização da criança relega a literatura infantojuvenil a um patamar secundário, e, por esse motivo, essa literatura “adota posturas nitidamente pedagógicas, a fim de, se necessário, tornar patente a sua utilidade”. Contudo, o contato com o universo mágico e poderoso das histórias, com a Literatura, deve promover, dentro e fora do contexto escolar, um verdadeiro estado de graça, de admiração, pois é através das histórias lidas, contadas ou escutadas que há a aproximação do indivíduo com o universo mítico do conhecimento humano, por meio de uma linguagem simbólica que possibilita a observação e a interpretação sensível do imaginário e dos fenômenos socioculturais, de maneira a promover a construção de sentidos, a ressignificação da realidade e a transformação de toda a mensagem absorvida em aprendizado, tornando o leitor-ouvinte autônomo, livre e sensível. 

O primitivo ato de contar histórias, assim como a leitura, firma-se como verdadeiro passaporte para uma vida de descobertas e conquistas. Contar histórias e ler colocam o homem diante de si mesmo, do outro e do mundo, daquilo que o identifica como humano, estimulando-o a transcender a própria existência e a sanar seus conflitos interiores mais recônditos quando do contato com o universo mítico-simbólico das histórias, transmitidas de geração a geração por meio da tradição oral. É envolto nessa atmosfera onírica de símbolos humanos que o homem encantado tem deflagrado seu interesse pelo mundo maravilhoso das histórias universais, sejam elas mitos, lendas, contos de fadas, populares, maravilhosos, fábulas, entre outros, que o embalam em uma rede de sonhos que povoam o imaginário da coletividade e denotam transformações significativas nos mais diversos contextos (pessoal, social, político, cultural). Segundo Eliade (2013, p. 125), “o mundo ‘fala’ ao homem e, para compreender essa ‘linguagem’, basta-lhe conhecer os mitos e decifrar os símbolos”.

O ato de contar histórias é sempre um momento agradável, de aprendizado e divertimento. É na ludicidade proposta pelo jogo simbólico das palavras, propaladas aos quatro cantos, por meio do discurso do contador de histórias, que o momento da contação se realiza, suscitando o imaginário e fazendo brotar mil e um pensamentos fantásticos. Escutar histórias é ter a curiosidade respondida em relação a tantos questionamentos, assim como encontrar a chave para abrir novas portas, encontrar ideias para solucionar problemas que nos perturbam e o elixir ideal para invocar o sono gostoso de uma criança. Mais que um modo lúdico, prazeroso e educativo de encantar as pessoas, estimulando-as a entrar em contato com o universo mítico das palavras, as ações de contar e ouvir histórias possibilitam ativar o imaginário, bem como as memórias afetiva e cultural dos contadores, assim como dos ouvintes. É por meio do escutar, do observar e do sentir que o ouvinte processa e resolve inconscientemente seus conflitos interiores, mas também aprende a organizar seu pensamento e sua fala. “É ouvindo histórias, que se pode sentir emoções importantes, como: a tristeza, a raiva, a irritação, o medo, a alegria, o pavor, a impotência, a insegurança e tantas outras (ABRAMOVICH, 1997). Existe realmente um momento de katarsi, no qual os seres humanos purificam suas emoções quando passam a se identificar com os personagens e com a trama urdida no texto. Os contos maravilhosos configuram-se como uma das mais antigas formas de contar as experiências humanas ao longo do tempo. 

Os contadores de histórias – semeadores de sonhos e transformações, diretos ascendentes dos antigos aedos, rapsodos, trovadores, bardos, menestréis, griôts; todos: homens sábios – oportunizam ao ser humano aventurar-se pelo universo do conhecimento, conservando, por esse motivo, um caráter educativo introduzido no ato de contar e escutar histórias quando do surgimento institucional da escola e da noção de infância, advinda da ascensão da família burguesa, ocorrida no século XVII – mas também suscita o imaginário e impele o homem a descobrir outros lugares, outros tempos, outros modos de agir, outra ética, outros costumes.

 

    1. CONTADORES DE HISTÓRIAS: OS MENSAGEIROS DO MUNDO MARAVILHOSO

 

            São os contadores de histórias, assim como os professores, vistos pela sociedade como espécimes de bibliotecas vivas, detentores do saber, responsáveis por seduzir e gerar o encantamento dos indivíduos pelo universo mítico, mágico e poderoso do conhecimento. São os mensageiros, os mediadores das histórias, aqueles que possibilitam o contato daqueles que o escutam com o universo mágico dos contos maravilhosos, permitindo-lhes fazer uma viagem mágica ao reino profundo das palavras e imagens sonhadas, plenas de simbolismo, que afloram da psiqué humana e se comunicam facilmente com o humano.

 

Os símbolos vêm da psiqué humana, falam do espírito e para o espírito. Eles são os veículos de comunicação entre a profundeza mais recôndita de nossa vida espiritual e essa camada de consciência relativamente mais fina pela qual conduzimos nossa existência à luz do dia (CAMPBELL, 2007, p. 51).

 

Segundo Chevalier e Gheerbrant (apud SANTOS, 2012, p. 68), “na mitologia grega, Hermes é um dos deuses cujos atributos estão ligados à fertilidade, à magia, à divinização, a viagens, dentre outros, além de ser o patrono da Astronomia”. Com base nesse pressuposto, a análise terá como propósito mostrar a relação que a figura do contador de histórias tem com o deus Hermes, um dos deuses olímpicos, da mitologia grega, e a real importância da atividade da contação de histórias para a imersão dos ouvintes, em especial as crianças, no universo maravilhoso das narrativas míticas, lendárias, maravilhosas.

 

[...] a origem dos mitos remonta ao primitivo contador de histórias, aos seus sonhos e às emoções que a sua imaginação provocava nos ouvintes. Estes contadores não foram gente muito diferente daquelas a quem gerações posteriores chamaram poetas ou filósofos. Não os preocupava a origem das suas fantasias (JUNG, 2016, p. 90).

 

É possível perceber o quanto o ato da contação de histórias é vital para o homem desde os tempos mais remotos quando se buscava expressar os sentidos da vida, sanar as dúvidas no tocante às angústias humanas, mas também transmitir experiências e ensinamentos. O ato da contação de histórias torna-se essencial à formação e ao desenvolvimento intelectual do indivíduo, pois é a partir dela que o contador de histórias transfere saberes, estimula o imaginário, sensibiliza, humaniza, permitindo que o ouvinte ressignifique sua experiência de vida e acesse o conhecimento.

O universo fabuloso da arte de contar histórias e o próprio imaginário despertado, como se percebe, ultrapassam o campo das representações palpáveis, fazendo isso por meio dos símbolos, ou seja, dos recursos próprios das linguagens. É o rito de passagem entre os espaços do imaginário (inconsciente, nebuloso, indecifrável) e do real, sobre o qual a vida se constrói. Há nessas percepções a incorporação dos conceitos de Bachelard (1996), no que concerne ao imaginário, para a compreensão dos processos imaginativos das crianças acionados pela leitura dos contos maravilhosos. Em consonância com o pensamento do citado autor, o imaginário pode ser considerado sob duas perspectivas, que são a imanência do imaginário no real e o trajeto contínuo do real ao imaginário. Ele pressupõe: imaginação diurna, cujo pensamento está ligado ao cientificismo, à representação do real, em que o recriar uma história corresponde a representar somente o apreendido durante a leitura; e imaginação noturna, que parte da premissa de que é necessário mobilizar as imagens primevas, no caso as histórias de fadas, os contos maravilhosos, libertá-los para, então, ressignificá-los. Além disso, a noturna oportuniza que o leitor passeie, por meio do devaneio, pelas fronteiras do sonho e da fantasia – que, segundo o citado autor, são consideradas imprescindíveis à arte e à vida –, pois é no devaneio que as ideias se desenvolvem de maneira criativa e transformadora. Para Bachelard (1996), o devaneio põe o sujeito em estado de alma nascente.

Os contos maravilhosos permitem que as crianças encontrem a solução para seus conflitos interiores. Nesses contos, a criança encontra um terreno fecundo para a libertação do ato de imaginar, de pensar e de ser aquilo que resguarda em suas projeções mais íntimas. No universo fabulado, feérico e maravilhoso, o infante pode viver seus sonhos e ser quem quiser e o que quiser. Nele, a criança encontra a tão sonhada liberdade. É exatamente no universo lúdico da fantasia que a essência da criança se revela com plenitude.

 

[...] a criança encontra nos contos uma forma de realização de seus desejos reprimidos, através do fantástico, do jogo livre da fantasia: desta maneira ela se realiza, superando as limitações que tem como criança, libertando-se. Ela realiza seu mundo interior, seu mundo impossível e utópico, na fantasia dos contos maravilhosos, onde tudo pode ser concretizado, mas se extraem de tudo símbolos de verdades eternas. (CARVALHO, 1985, p. 54).

 

Tanto os contos maravilhosos quanto os mitos são capazes de presentificar o pensamento de uma sociedade e a percepção no tocante às relações que os homens estabelecem entre si e com o mundo, o qual integram, em seu tempo. Reside, nesses fatos, a razão de se asseverar que os contos têm uma profunda relação com os mitos e as fadas.

            Vale destacar que a literatura, de modo geral, pode se configurar como um território propício para a evocação mítica, já que na literatura o homem deixa de viver no tempo cronológico e passa a viver no tempo primordial, o tempo em que a história acontece. Para Campbell (2007), a experiência pessoal sem o mito é insatisfatória, uma vez que ele nos impulsiona a seguir adiante. É o mito que nos permite encontrar o sentido da vida e ressignificá-la por meio da linguagem – na qual ele se manifesta, profundamente simbólica –, ademais transmite conhecimento e permite ao homem evoluir.

 

A linguagem simbólica é uma língua em que as experiências íntimas, os sentimentos e pensamentos são expressos como se fossem experiências sensoriais, fatos do mundo exterior. É uma linguagem cuja lógica difere da linguagem convencional que falamos de dia, uma lógica em que as categorias dominantes não são o espaço e o tempo, mas sim a intensidade e a associação (FROMM apud GONÇALVES, 2009, p. 16-17).

           

É, pois, através dessa linguagem eminentemente mítico-simbólica que se funda a literatura – e é por esse motivo que as narrativas maravilhosas ou populares, universais, são desafiadas pelos contadores de histórias mais ávidos por semear sonhos e transformações e propiciar momentos de liberdade.

 

    1. A PRÁTICA DA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS

 

A contação de histórias é uma das atividades mais antigas de que se tem notícia. Essa arte remonta à época do surgimento do homem há milhões de anos. Além disso, contar histórias e declamar versos se constitui como práticas da cultura humana que antecedem o desenvolvimento da escrita.

Essa arte está ganhando mais espaço na sociedade e tem ultrapassado a sala de casa – onde os avós contam as histórias – e agora está chegando aos ambientes escolares e pedagógicos, sendo uma atividade fundamental que transmite conhecimentos e valores. Sua atuação, inclusive, é decisiva na formação e no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

Na escola, aparece a figura profissional do contador de histórias como um mediador de leitura para o público desde a mais tenra idade, atuando em sala de contação de histórias, numa biblioteca (não em substituição ao bibliotecário, ambos podem trabalhar juntos), num pátio ou mesmo na própria sala de aula (COELHO, 1991).

Entender a contação de histórias é entender que a literatura é uma arte construída pela palavra escrita, sendo que a vez e a voz do/a aluno/a têm um lugar de suma importância no momento da avaliação, pois é ele que irá falar sobre sua atividade de leitura: as experiências e as expectativas adquiridas através dela. Ou seja, trata-se de um meio e um modo de fomentar a leitura, favorecer a cultura literária, desenvolver/aprimorar a escrita com sua multiplicidade, bem como fortalecer a linguagem, contribuindo assim com a socialização, entre outros fatores positivos para os ouvintes quase impossíveis de serem mensurados em face da variedade de intentos alcançados, seja em nível intelectual, social, psicológico ou outro; num âmbito de maior relevância, sobretudo levar as crianças a apreciarem a arte milenar da contação de histórias como atividade cultural e recreativa (COELHO, 1999).

Contar histórias não tem segredo ou roteiro. Cada contador utiliza-se de recursos únicos, como fantasias, adereços, instrumentos musicais, simulações de vozes, músicas, brincadeiras e jogos, recursos tecnológicos, enfim, é individual, é arte. O mais importante dessa atividade é que o contador e os ouvintes brinquem com as palavras!

Este projeto feito acerca de contação de histórias com o lúdico auxiliou a compreender como a tal atividade contribui para a aquisição da linguagem oral pelas crianças, que se dá a partir da mais tenra idade. E a criança, que está inserida num contexto social, vai intensificando a linguagem com os seus pais, com os amigos de infância, com os professores.

A criança vai adquirir a linguagem quando desde pequena começa a balbuciar sons, que no começo são incompreensíveis, mas aos poucos vão ganhando significado em sua vida. E o papel do contador de histórias é o de incentivar essa criança a começar a participar do conto e do reconto para se soltar e ir adquirindo vocabulário, se expressando até surgirem as primeiras palavras. Para o desenvolvimento do projeto, foi realizada uma revisão teórica sobre a ludicidade, possibilitando o desenvolvimento cognitivo da criança e evidenciando a importância das histórias na Educação Infantil.

O objetivo do trabalho foi alcançado, uma vez que se entende que as histórias são instrumentos essenciais para a formação das crianças, sejam elas contadas oralmente, dramatizadas ou lidas. Contar histórias é tão importante que os professores devem fazer uso dessa técnica no contexto escolar, sabendo que contribuirão para o desenvolvimento psicológico; o estímulo à imaginação; a criatividade; além de servir como estratégia para a resolução de conflitos na sala de aula. As histórias são capazes de “tocar” a criança de alguma maneira, fazendo transparecer sentimentos como alegria, medo, tristeza, sendo ela capaz de refletir sobre suas atitudes, pensar no próximo, ser o próprio personagem da história usando sua imaginação.

Algumas crianças, quando adentram a escola, ainda não tiveram contato com livros infantis, o primeiro estará sendo ali. Assim, a literatura infantil deve ser inserida no contexto escolar, tendo como finalidade fazer com que a criança tenha contato com o mundo literário. Quando se possui contato com o livro infantil desde pequeno, o aluno se torna apto a uma melhor convivência com seu contexto social, refletindo e opinando sobre ele. Nota-se assim o quanto é importante contar histórias usando o lúdico e o quanto ela contribui para a aprendizagem infantil.

É de grande importância que o educador, além de aprimorar sempre seus conhecimentos de campo pedagógico, seja reflexivo; estude sobre a contação de histórias; seja um contador; saiba as técnicas a serem utilizadas em determinado momento; tenha conhecimento de que as histórias nunca podem ser deixadas de lado na Educação Infantil porque são fontes para a formação da criança.

O docente deve contar histórias diariamente, repeti-las quando for preciso e do interesse dos alunos; ir em busca de histórias que auxiliem para resolver algum conflito presente em sua sala de aula; estipular um horário para a contação; preparar o ambiente para a apresentação da história; deixar os alunos confortáveis para a narrativa; conhecer a história que vai ler; fazer uso de uma linguagem simples, de um tom de voz adequado; questionar as crianças durante a apresentação da história, motivando-as a participarem desse delicioso momento; utilizar materiais que deixem a contação mais interessante, isso tudo contribuirá para o melhor desenvolvimento de sua prática e, por conseguinte, de seus alunos.

O educador tem papel fundamental para que a criança coloque a leitura como foco de atenção. Em especial na Educação Infantil, é a companhia dele, a organização do ambiente o que atrai para folhear um livro, imaginar cenas de uma história, perguntar o que está escrito ou prestar atenção à narrativa lida. Nesse contexto, é de grande valor a interação entre o professor e seus alunos na contação de histórias por meio do lúdico.

O docente que não estuda essa arte ou deixa de praticá-la retira dos seus alunos a oportunidade e a capacidade de imaginar, criar, se desenvolver, formar adultos críticos, pensantes. O professor deve sempre estar preparado em sua função, deve sempre estar em busca de uma formação adequada que atenda às suas expectativas e às de seus alunos, contribuindo para uma aprendizagem satisfatória.

Por fim, é fundamental para o educador contar histórias, abusar delas, ser criativo, estudar, se aprimorar, ter entusiasmo e amor no momento de narrar, ser um professor contador e saber utilizar essa prática do lúdico corretamente para uma melhor aprendizagem de seus alunos.

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