A avaliação sistêmica tem evidenciado o insucesso no ciclo da alfabetização, sobretudo, no quesito “letramento”, onde as lacunas não só da escola pública como a privada, nos mais diversos níveis de ensino, apontam os baixos resultados em Língua Portuguesa e Matemática, o que tem suscitado investigações e ações sistemáticas, com o objetivo de ressignificar o ensino da língua escrita, como por exemplo, o Pacto pela Alfabetização do Estado da Bahia (que aqui será denominado de Pacto Bahia, como é conhecido pelos profissionais da educação no município) e o PNAIC só para citar alguns, para minimizar os dados apontados.
Então se questiona: quais práticas de leitura e escrita os alunos estão expostos na escola e fora dela, em seu ambiente familiar? A vivência da diversidade de linguagem, a experiência de fala, de leitura e de escrita com sentido, tem sido uma realidade nas salas de aula? Os alunos não têm interesse pela leitura; ou os professores não promovem atividades interessantes de uso diverso e de uso dos seus significados? O Pacto Bahia e o PNAIC no município promoveram ou não a ampliação das práticas das professoras nessa direção? A formação em que esses professores estão inseridos, tem promovido o repensar suas práticas a partir da análise da problemática da sala de aula, do planejamento e avaliação do trabalho realizado na rede?
Deste modo, por se constituir como o recorte de uma pesquisa mais ampla, vinculada ao Núcleo Carolina Maria de Jesus[i] intitulada “Alfabetização, Formação e Organização do Trabalho Pedagógico: entrelaçando desafios e possibilidades no ciclo”, que busca examinar se o trabalho pedagógico praticado na rede pública de um município do interior da Bahia tem possibilitado à criança o direito de estar alfabetizada e letrada ao final do ciclo da alfabetização, bem como organizar ações formativas de alfabetização e letramento no município, possibilitando a cultura do professor pesquisador de suas práticas, pautadas na ação, reflexão, ação transformadora, este artigo, parte da seguinte questão mobilizadora: quais os desafios e as possibilidades enfrentados pelos professores para garantir a alfabetização e do letramento no final do ciclo? A partir desse questionamento, o trabalho em pauta objetiva compreender, sob o olhar das professoras, os desafios e as possibilidades da alfabetização e do letramento no final do ciclo.
Pelo exposto, a pretensão para realizar este estudo decorre de inquietações e trabalhos anteriores. Nesta mesma direção, a realização deste trabalho refere-se ao fato de sabermos que existe uma infinidade de estudos na área de formação de professores, de alfabetização, de letramento e do alfabetizar letrando. Neste cenário tão desafiante, destacamos a fecundidade do estudo das práticas pedagógicas dos professores no contexto do PNAIC, que trabalham no final do ciclo da alfabetização (3º ano do ensino fundamental). Para isso, valemo-nos da pesquisa-ação na qual a realidade concreta das escolas e professores, suas dificuldades e angústias constituem tanto ponto de partida quanto de chegada. Para tal, busca-se conhecer a realidade das práticas pedagógicas e o trabalho realizado pelas professoras participantes do PNAIC no município, sob as lentes do professor pesquisador, possibilitando-lhes planejar, implementar e avaliar a prática pedagógica.
Portanto, a relevância deste estudo reside, sobretudo, no campo pessoal das pesquisadoras, pelo desejo de contribuir com a melhoria da educação do município, no campo profissional, por permitir a (re)avaliação das práticas pedagógicas e o planejamento de atividades práticas, ou seja, estratégias/ações para o alfabetizar letrando, assumindo-se como produtores de conhecimentos e formas de intervenções e avaliação (ação-reflexão-ação) e no campo acadêmico, por fecundar o debate em torno da formação inicial e continuada do professor.
[i] O Núcleo Carolina Maria de Jesus: pesquisa e extensão em Educação Popular, Agroecologia e Alfabetização da Classe Trabalhadora, é vinculado ao Centro de formação de Professores (CFP), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), tendo participação de diversos professores e pesquisadores de várias instituições do país.
Dos Caminhos Trilhados na Pesquisa
A pesquisa se constitui como uma pesquisa-ação (Thiollent, 2011), de abordagem qualitativa (Bogdan e Biklen, 1994) tendo como dispositivos de produção de dados a observação, a análise de documentos e a entrevista semiestruturada. Esta produção de dados foi feita em função do contato aprofundado com as co-pesquisadoras, nos seus contextos naturais; privilegiou-se, coerente com a orientação anteriormente assumida de investigação qualitativa, a observação participante, anotações em diário de itinerância (Barbier, 2007), entrevista semiestruturada e análise documental (diário de classe, atividade propostas, plano de aulas).
As colaboradoras diretas da pesquisa são constituídas por 14 professoras alfabetizadoras que atuam com crianças que estão cursando o 3º ano do ensino fundamental), totalizando 305 alunos matriculados distribuídos pelas 9 (nove) escolas, sendo que destas, cinco estão localizadas na zona rural do município, portanto, tivemos cinco professoras trabalhando na zona rural e nove na sede do município.
Definida a população, observa-se que, seguindo uma tendência, todas são mulheres. Assim posto, buscamos traçar o perfil das co-pesquisadoras, a partir de dados coletados na entrevista. Para efeito de análise dos dados, atribuímos a cada docente uma letra de identificação, a fim de preservar as identidades, ao tempo em que se garante a veracidade das questões ao se reportar a cada docente. Com os dados produzidos, organizou-se o quadro 01, para oportunizar uma visualização mais fiel das docentes que compunham o grupo de co-pesquisadores.
Quadro 1 - Perfil das docentes co-pesquisadoras
Prof. |
Idade |
Formação |
Tempo de atuação |
Tempo de atuação/ alfabetização |
A |
33 anos |
Letras com espanhol |
8 anos |
4 anos |
B |
43 anos |
Magistério |
23 anos |
20 anos |
C |
40 anos |
Magistério Cursando Pedagogia |
13 anos |
13 anos |
D |
35 anos |
Pedagogia |
11 anos |
11 anos |
E |
43 anos |
Letras com espanhol |
12 anos |
11 anos |
F |
46 anos |
Magistério |
6 anos |
2 anos |
G |
36 anos |
Pedagogia |
10 anos |
8 anos |
H |
33 anos |
Geografia |
9 anos |
1 anos |
I |
47 anos |
Pedagoga. |
13 anos |
2 anos |
J |
30 anos |
Pedagoga |
10 anos |
2 anos |
L |
46 anos |
Magistério |
24 anos |
24 anos |
M |
48 anos |
Pedagogia |
18 anos |
18 anos |
N |
26 anos |
Magistério |
4 anos |
2 anos |
O |
50 anos |
Magistério |
27 anos |
27 anos |
Fonte: elaborado pelas pesquisadoras a partir dos dados das professoras colaboradoras
Viagem Pelos Dados Produzidos: Desafios e Possibilidades da Alfabetização e do Letramento no Final do Ciclo
Um dos grandes desafios, senão o maior deles tem sido, na atualidade, preparar professores para dar conta das demandas da prática pedagógica, sobretudo, instrumentalizá-los para formar alunos leitores e escritores críticos a partir de um trabalho que alie a apropriação do sistema de escrita alfabética e a utilização, também crítica e autônoma, das várias modalidades textuais (orais e escritas) de modo que os alunos possam responder as situações problemas da vida cotidiana.
Nesse particular, está implicado o processo de formação inicial e continuada para que os professores possam vencer concepções e práticas cristalizadas do que seja ensinar e aprender a língua escrita, do “simples exercício de codificação/ decodificação de letras e símbolos”; para a “plena habilitação do indivíduo, para que desenvolva um repertório amplo de conhecimentos textuais que lhe possibilite comunicar-se e atuar criticamente nos diferentes contextos sociais” (PERON, 2008, p. 352).
Tal desafio, no município investigado, assume-se como uma ação prioritária em vista de que, como vimos, muitas professoras que estão assumindo o 3º ano do ensino fundamental não possuem a formação em Pedagogia para o exercício da profissão docente e ainda assim, estas, como as demais professoras, continuam com suas práticas pedagógicas traduzindo uma visão muito limitada do processo, e que justificam, entre outros fatores, os baixos níveis de leitura e escrita das crianças, apontadas nas avaliações de desempenho, apesar das professoras terem acumulado nos últimos anos, experiências em cursos de formação advindo do Pacto com Municípios pela Alfabetização (Pacto Bahia) e Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
A grande maioria das professoras (64,2%) passou por todos os ‘pactos’ e suas ações desde o início dos programas, apenas a professora H possui um ano de experiência no ciclo da alfabetização, portanto, um ano participando das formações oferecidas e as professoras F, I, J e N acumulam dois anos nessas formações, o que constitui, um tempo relativamente expressivo de experiências.
A propósito, analisando os dados colhidos nas entrevistas, percebe-se que um dos maiores desafios apontados reside na formação proposta pelo PNAIC. 57,2% das professoras indicam que tal formação não atingiu aos fins visados, não contribuindo para a qualificação da prática pedagógica, uma vez que, a partir das falas dos sujeitos, pode se inferir que o curso de formação continuada não priorizou as necessidades e demandas da prática pedagógica, indo de encontro às finalidades constantes no próprio PNAIC. Com relação aos desafios de alfabetizar e letrar com apoio do referido programa, os fragmentos abaixo colhidos das entrevistas realizadas, são reveladores do sentimento das professoras, das dificuldades desta efetivação no contexto das formações propostas:
Quadro 2 - Dificuldades do contexto das formações propostas
O tipo de formação não ajuda ... é só informação repassada.... PNAIC.... só informação. (Professora A). |
Falta formação. É preciso mais tempo... com a formação periodicamente. Não tem planejamento e não tem retorno do que foi feito, o que aconteceu. (Professora B). |
PNAIC não trouxe nada diferente do Pacto Bahia. Eles dizem que é trabalhar com revista e alfabetização. Para mim não teve diferença. (Professora D). |
A formação, só é uma breve palestra. Não tem devolutiva de atividade... só fichas individuais do aluno para preencher no final... (Professora G). |
Sinto falta do planejar no curso (Professora M). |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras
Diante dos sentimentos expressos pelas professoras constatamos que, em que pese o esforço do programa em garantir que a formação continuada na escola, garantisse a reflexão coletiva, o planejamento, à avaliação e o acompanhando da prática pedagógica, bem como a construção de propostas de intervenção. O município em questão, não tem seguido tais orientações, a partir das vozes dos sujeitos envolvidos, esse potencial de formação continuada garantido no interior da escola, não tem acolhido os dilemas e as necessidades deles e, portanto, não favoreceu o espírito investigador e do aprendizado do pensar, conforme orientou (Libaneo, 2012), portanto, não tem possibilitado aos professores um espaço de desenvolvimento pessoal, profissional, forjando uma prática transformadora. (IMBERNÓN, 2010).
Outro dado que impõe menção especial, é o fato de as professoras atribuírem pouco valor a esses momentos de ação formativa. Elas não lhe conferem credibilidade, como podemos observar, porque se apresentam de cima para baixo, sem ouvir os maiores interessados: as professoras. Estas convivem angustiadas: “Tenho que dar o conteúdo todo... estou estressada!” (Professora E). Esta cobrança é reveladora da pressão por dar conta de conteúdos e objetivos construídos de fora, sem a participação dos envolvidos que, se apresentam como executores, uma vez que o currículo vem de cima para abaixo.
Por outro lado, uma ação que poderia minimizar essa angústia seria garantir, além das formações, o acompanhamento das alfabetizadoras, apoiando, dialogando, fazendo as intervenções necessárias em cada turma, o que tem sido inviabilizado, porque quem faz a formação não é quem está acompanhando o trabalho pedagógico, isto é, as escolas têm coordenador pedagógico, mas estes não se envolvem no PNAIC, conforme pode ser verificado a partir da fala da professora: “A coordenadora não participa do PNAIC” (Professora F), convivendo com duas orientações, conforme dados retirados dos diários de classe: “leitura de história e ditado de palavras e frases do PNAIC.” (Professora A); Fábula-projeto de leitura do PNAIC (Professora E), e que muitas vezes são contraditórias.
A julgar pelo relato acima, existe uma quebra do trabalho: um realiza a formação, deixando o acompanhamento para outra pessoa que não se envolve com a formação e nem dela faz parte, o que justifica a fala de algumas professoras, a exemplo da professora F, que durante uma de suas aulas, orientou os estudantes, dizendo: “Agora é a hora da atividade do pacto”. Diante deste relato, observamos que as escolas convivem com duas orientações, que muitas vezes são contraditórias, isto é, uma do PNAIC e outra da coordenação pedagógica.
Esse tipo de formação que separa quem orienta de quem acompanha o trabalho, que não parte dos desejos e dificuldades dos sujeitos envolvidos perde-se naquilo que lhe é essencial: o valor do trabalho de equipe e uma ação formativa pautada na práxis (FREIRE, 2005), e por não ter sido assim, não se articulam os processos de ensino aos de aprendizagem, implementando projetos de intervenção desafiadores e pedagogicamente interessantes, fruto da reflexão contínua sobre o trabalho desenvolvido, (Colello, 2010), sem perder de foco, o propósito maior: garantir às crianças o direito de estar alfabetizado e letrado ao final do 3º ano do ensino fundamental.
Diante dos dados, constata-se a necessidade de ressignificar essa formação continuada naquilo que Leite e Colello (2010) nos orientam: uma formação pautada em ações coletivas de estudo, de pesquisa e reflexão crítica sobre a própria prática, favorecedora de intercambio não só de experiências, mas de material e saberes. Uma formação que ajude o professor a compreender a proposta do ciclo de alfabetização, os conceitos de alfabetizar e letrar e que os ajude a traçar as garantias de aprendizagem, com metas claras e trabalho sistemático de apropriação do sistema de escrita alfabética, por meio de processos construtivos (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985).
Ainda segundo as vozes dos sujeitos, outro desafio a ser vencido diz respeito aos materiais. 28,5% das professoras fizeram menção a estes, quer seja apontando a inadequação, quer seja mencionando a sua ausência num contexto de início do segundo semestre letivo:
Quadro 3 - Contexto do segundo semestre letivo
Tem algumas histórias muito fantasiosas. Fora da realidade deles. Quando o material não é da sua realidade ele não se interessa. Eles me pedem o livro da princesa, apenas porque “as princesas soltam pum”! (Professora E). |
Faltam livros, coordenadora não participa do PNAIC. (Professora F). |
O governo prega uma coisa e a realidade é outra. Sou do PNAIC. Não veio material. Até a xerox é a maior dificuldade. Sem tinta. Trabalho angustiada. Não sei como vai ficar meu lado profissional. O olhar do outro .... Essa professora fez o quê? (Professora G). |
Os textos estão sendo um desafio. São poucas histórias que eles conseguem se familiarizar. Os alunos rejeitam essas histórias. (Professora I). |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras
Há de se entender que os materiais de leitura precisam estar presentes nas escolas, até porque se aprende a ler e escrever, lendo e escrevendo. Nas escolas, conforme visto, apenas em uma delas, situada na zona urbana, tem uma minibiblioteca, mas com um número muito reduzido de livros de literatura infantil. O cantinho de leitura foi visualizado em apenas duas salas de aula de outra escola da sede, constituindo-se um grande desafio organizar os espaços de leitura nas escolas[i]. Por outro lado, no município temos uma biblioteca que poderia ser melhor explorada pelas escolas.
Foi verificado o uso quase que exclusivo do livro didático nas turmas observadas, com alguma introdução de textos de fábulas e contos de fada, advindo dos chamados projetos de leitura, em que apenas o professor lê, pergunta sobre personagens ou mesmo faz perguntas acerca da moral da história, em que pese toda orientação do uso do texto na sala de aula e também dos livros didáticos incorporarem inovações teórico-metodológico relacionados ao ensino da leitura e da escrita, trazendo textos diversificados, com proposições de atividades que potencializam diversas formas de organização da sala de aula (trabalhos em grupos e em dupla), tais atividades, nas escolas, são realizadas individualmente ou encaminhada como tarefa para casa, perdendo as possibilidades nelas contidas de construção de conhecimento em interação com colegas, não se observando, pelo menos nas visitas realizadas e mesmo analisando o roteiro de aula das professoras e diários de classe a organização de propostas de trabalho em grupo ou em duplas; ficando no limite das exposição feita pelas professoras e que realmente demarcam a compreensão que elas têm sobre o que é ensinar e aprender, na contramão das orientações propostas nas formações dos pactos e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). A despeito ainda dos desafios apontados, 14,2% das professoras apontaram “fazer a criança ler”.
Esses problemas apontados têm dificultado uma prática pedagógica diferenciada. As professoras têm dificuldade de articular a alfabetização e o letramento. Aqui vemos a escrita distante das práticas sociais, predominando as atividades que exigem a competência individual dos alunos, inconciliável com o uso que se faz da leitura e da escrita fora do ambiente escolar e que não correspondem às orientações emanadas dos referidos programas e também com as propostas curriculares que a ele dão sentido (BRASIL, 1997). Não houve mudança na ação do professor na sala de aula, pelo menos, as mudanças significativas que possam incidir em melhores resultados do quadro de baixo nível de competência leitora e escritora, apesar da maioria das crianças conviverem cotidianamente na cidade e com toda a riqueza dos textos presentes nos seus diversos espaços, conforme demonstramos anteriormente, o que nos faculta afirmar que as professoras não têm aproveitado a escrita viva e contextualizada em seus usos e funções, caso que se torna mais grave levando-se em conta que dessas crianças atendidas pelas professoras 36,9% residem na zona rural. O que exige muito esforço por parte das professoras, considerando o contexto sociocultural em que tais crianças convivem e que reforça a importância da escola como a principal agência de letramento. Kleiman (1995) que tem a função de formar esse leitor e escritor autônomo diante das dificuldades apontadas pelas professoras.
Na realidade, as práticas pedagógicas presentes nas escolas da rede estão pautadas numa concepção de escrita entendida como transcrição gráfica da linguagem oral e a leitura, em decorrência, fica reduzida à decodificação de símbolos escritos, desconsiderando todo o conhecimento advindo da epistemologia construtivista, que tem demonstrado que o aprendizado da leitura e da escrita deriva de um processo de construção cognitiva que se dá na interação da criança com a escrita, objeto de conhecimento (MOLL, 2011).
Interpretamos que os professores ainda não se apropriaram, do ponto de vista teórico/práticos das novas concepções de ensino/aprendizagem da leitura e da escrita que deveriam ser atualizadas nas formações, sendo necessário o estudo dos referenciais teórico-metodológico sobre a alfabetização e o letramento, de modo a compreender o limite de suas práticas, já demonstradas nas avaliações externas (ANA, 2013, 2014). Mas, também, sobre ensinar/aprender/avaliar a leitura e a escrita. É preciso compreender as pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1985), para que elas se deem conta de que é ímpar romper de uma vez por todas com o ensino bancário, que transmite o código escrito distante de seus usos e funções sociais.
Com efeito, se na escola os alunos não convivem com atos reais de leitura e escrita e em seu lugar vimos uma leitura descontextualizada, de localizar informações explícitas no texto, de repetir informação e que afasta a possibilidade de compreensão ativa e crítica por parte dos alunos, fica difícil cumprir a meta de alfabetizar e letrar.
É preciso que os alunos, dado o caráter multifacetado do letramento escolar, convivam com as práticas de leitura e escrita e literatura, mas também com as práticas de ouvir e falar, pois que estas são também práticas de letramento.
A despeito dos avanços percebidos, foi perguntado quais são as principais possibilidades encontradas no processo de alfabetização e letramento a partir das contribuições do PNAIC. 21,4% das professoras não perceberam nenhuma possibilidade apontando que fazem o que sempre fizeram; 28,5% apontaram os jogos e materiais. Materiais entendidos como os livros de literatura e 50,1% apontaram apenas os jogos conforme ilustram as vozes das professoras:
Quadro 4 – Narrativas das professoras sobre os avanços no processo de alfabetização e letramento
.... Ah...Só os livros de literaturas. (Professora A). |
Sim, os livros de leitura e jogos. Os conteúdos são muito bons. Falta quem repasse. Pouca orientação... (Professora B). |
Alguns materiais. A escola não tem nada. Tinha jogos que rendia. Eles enjoavam logo. (Professora H). |
Só foram os jogos que eles gostaram. São muitas as atividades para a gente trabalhar. (Professora I). |
A questão dos materiais, muito bom: livros. (Professora N). |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras
Analisando os fragmentos acima, observamos que a professora B ao destacar os livros e jogos como possibilidades para alfabetizar e letrar, faz questão de pontuar a dificuldade de se concretizar no contexto do programa, em decorrência da formação proposta, que não garante a devida orientação para o uso pedagógico. A professora H, aponta os materiais como ponto positivo (possibilidades), mas afirma que alguns jogos rendem, mas os alunos enjoam logo. O que cabe alguns questionamentos: Qual o papel dos jogos na alfabetização? Em função de que esse é selecionado? É o jogo para fins didáticos; ou é jogo para brincar, divertir-se apenas?
A professora I, ao destacar os jogos como possibilidade, chamou a atenção para a quantidade de atividades a serem trabalhadas por ela, no contexto em que a mesma apontou que trabalhar com texto é um desafio, que os alunos têm rejeitado as histórias que não lhes são familiares, podemos entender que o trabalho a que ela se reporta é a seleção de histórias que envolvam os alunos, ou mesmo alfabetizar com textos, mas também indica que são utilizados na sala de aula apenas os materiais que são oferecidos pelo programa, não tendo a iniciativa de pesquisar outros recursos para enriquecer seu trabalho. O posicionamento da Professora M é bastante esclarecedor: “No 1º e 2º anos já vem as atividades. No 3º ano é conteudista”. Esta forma passiva de se esperar por aquilo que está pronto, como que seguindo a receita tem possibilitado, entre outros, a ausência do trabalho com a diversidade de gênero textual.
Também foi perguntado às professoras se a participação no programa contribuiu para a melhoria da sua prática, e a quem ou a que elas atribuem o sucesso ou fracasso do resultado da alfabetização e do letramento no final do ciclo, sendo bastante interessantes as respostas dadas, como consta no quadro abaixo:
Quadro 5 - Desafios e possibilidades no ato de alfabetizar e letrar no contexto do PNAIC - Melhoria da prática
PROF. |
MELHORIA DA PRÁTICA |
A |
A formação do PNAIC não mudou ... Minha prática continua igual ao que já fazia. Eles não passam nada diferente. Não veio algo inovador. |
B |
É o que sempre fiz. E o Pacto Bahia me ajudou. O PNAIC não, não vou menti ... Material atrasado. Formador sem tempo ... No Pacto, alunos tinham materiais e nós também. E estou com alguns alunos do Pacto. |
C |
Sim, principalmente pelos livros, porque não tinha acesso a livros – para isso contribuiu bastante. |
D |
Aí ficou difícil. Minha formação. Foi a prática. |
E |
Não. Não acrescenta ... alguns materiais sim ajudam, mas acrescentar ... só no próximo encontro. |
F |
Não é ... cantinho de leitura jogos. Fiz o que já sabia. Não acrescentou nada. |
G |
Não. Faço o que sempre fiz. |
H |
Em algumas coisas. Algumas dicas para trabalhar em sala. O que não se devia trabalha em sala. |
I |
Não contribuiu porque eu esperava o retorno. Se alguém orientasse como trabalhar aquele material a gente teria uma organização melhor de como trabalhar projeto. |
J |
Contribuiu. O curso sempre estimulou a fazer um trabalho diferente. Contribuiu sim. |
L |
Não. O que faço é o que sempre fiz. |
M |
Sim. A segurança no trabalho com texto. Eu não sabia se o aluno aprendia com texto. |
N |
Melhorou. Tem outras possibilidades para sair da rotina. Tem livros que ajudam na abordagem dos conteúdos. Ex. folclore, órgãos do sentido. |
O |
Não. Faço o que sempre fiz. |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras a partir das entrevistas realizadas.
Quadro 6 - Desafios e possibilidades no ato de alfabetizar e letrar no contexto do PNAIC - Alfabetizar letrando no final do ciclo
PROF. |
ALFABETIZAR LETRANDO NO FINAL DO CICLO |
A |
A minha prática. Ela continua igual ao que já fazia. Eles não passam nada diferente. |
B |
Sucesso será meu. Eu explico a eles por que estão aqui, qual a importância de estar aqui. Esse ano foi fraco. Um aluno do 3º ano que só copia não existe. Ele passou pelo infantil 1, 2, alfabetização, 1ª série, chegar na 2ª só copiando [...]. |
C |
Fracasso – os pais que não acompanham. Não abre o caderno do filho. |
D |
Minha prática. Com certeza. Não é fácil. |
E |
Será a falta de ajuda da família. Eu condeno a família em si. Ela deixa a desejar. |
F |
O fracasso é da falta material. Também do professor do 2º ano porque os alunos chegam sem saber ler. |
G |
Fica difícil atribuir um ou outro ... seria uma resposta dos dois. Eu e PNAIC. |
H |
Aos pais. |
I |
Acredito que seja a minha prática. Não sei se a minha prática está ajudando ... No PNAIC a gente trabalha solto ... Falta de ajuda dos pais. |
J |
Falta mais gente. A minha prática. Se pudesse criar um curso onde se planejasse, aplicasse e desse retorno. Troca de experiências. Eles dão Informação que a gente já sabe. Falta a prática. |
L |
O sucesso é meu. Fracasso meu e do pacto e PNAIC que não deu material. |
M |
Sucesso seria do professor. Fracasso da família e do professor do ano anterior |
N |
O fracasso é da professora anterior porque é a segunda turma que eu pego dela e o problema é o mesmo e ela está no Pacto Bahia desde 2011. E da falta de material |
O
|
O sucesso é meu. Fracasso meu é que não é. É da família e do professor do 2º ano porque os alunos chegaram no 3º ano sem ler, ainda mais que todos foram da educação infantil...são muitos anos na escola ... |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras a partir das entrevistas realizadas.
Analisando o quadro 05 acima, constatamos que 35,7% das professoras entrevistadas apontam que sua participação no PNAIC contribuiu sim para melhorar a prática (Professoras C, H J, M, N) e 64,3% (Professoras A, B, D, E, F, G, H, I, J, L, O) não perceberam melhoria em sua prática que pudesse ser atribuída às formações e ao material recebido, como pode ser constatado no quadro acima, onde destaco a fala da professora: “Não contribuiu porque eu esperava o retorno. Se alguém orientasse como trabalhar aquele material a gente teria uma organização melhor de como trabalhar projeto” (Professora I). Estas vozes indicam a fragilidade do programa, do ponto de vista da formação oferecida no município, e do impacto esperado no fazer pedagógico. Tal estado de coisas desconsidera a própria proposta de formação continuada dos professores alfabetizadores, que prevê:
Na Unidade1, planejamento de estratégias de avaliação permanente do desenvolvimento das crianças, com a construção, pelos professores, de instrumentos de avaliação e de registro de aprendizagem. Com base nos dados analisados, por meio dos instrumentos de avaliação, os professores serão auxiliados na tarefa de planejar situações didáticas que favoreçam as aprendizagens. (BRASIL, 2013, p. 31).
Com relação ao sucesso ou fracasso do resultado da alfabetização e do letramento no final do ciclo, temos que 35,7% (Professoras A, B, D, I, J) atribuem o sucesso ou fracasso da alfabetização no final do ciclo à sua prática.
A professora B é categórica ao afirmar que o sucesso no processo é dela, mas critica a atuação da família e os professores que a antecederam por deixar que os alunos cheguem no 3º ano sem estar alfabetizados. A professora J, ao apontar a sua prática como responsável pelo sucesso ou fracasso na alfabetização, faz questão de apontar como alternativa uma formação diferente da que está envolvida. “Também a Professora I, ao apontar a sua prática como responsável, ressente-se das formações: ‘No PNAIC a gente trabalha solto ...’”. 14,2% das professoras (G, L) relatam sua prática e o programa como responsáveis.
A professora L se posiciona demarcando bem os responsáveis por um e por outro processo ao afirmar que o sucesso é dela, mas o fracasso é do PNAIC e do Pacto Bahia que não disponibilizaram material. 21,4% das professoras entrevistadas atribuem o fracasso no final do ciclo exclusivamente das famílias que não acompanham a vida escolar dos filhos (Professoras C, E, H). São as famílias responsabilizadas pelos baixos níveis de aprendizagem da leitura e da escrita, porém, o que se percebe é que nenhuma ação foi feita no sentido de conhecer estas famílias, de compreender as práticas letradas a que estes alunos estão expostos, de entender os reais motivos que dificultam a parceria família/escola. Tais dificuldades merecem ser investigadas, de modo a viabilizar um trabalho compartilhado.
Por outro lado, 14,2% das professoras (M e O) afirmam que o sucesso é delas e o fracasso das famílias e do professor do 2º ano. A professora O, ao atribuir o fracasso à família, chama a atenção para o fato de tais alunos serem oriundos da educação infantil, portanto, acumularem cinco anos de escolarização e chegarem com tantas lacunas no final do ciclo. Também as professoras F e N atribuem os resultados à professora anterior, que para estas, não garantiu as aprendizagens necessárias do 2º ano, deixando para o 3º ano toda a responsabilidade e da falta de material.
As vozes das professoras são reveladoras dos muitos desafios a serem vencidos. O aumento do tempo reservado para a alfabetização, hoje de três anos, implicou na “diluição ou preterição de metas e objetivos a serem atingidos gradativamente ao longo do processo de escolarização [...]” (Soares, 2003, p. 6), e tem resultado, conforme os fragmentos constantes do quadro acima (Professoras F, N e O), no descompromisso com o desenvolvimento gradual e sistemático do processo de apropriação do sistema alfabético e, em decorrência, das habilidades de uso desse sistema (letramento). Verificamos, a partir das falas, que as garantias de cada ano se perderam no processo pela ausência da compreensão dos objetivos parciais a serem perseguidos pela equipe de professores envolvidos no ciclo.
Esta diluição da responsabilidade com a alfabetização e o letramento, ficando na defensiva e acusando o professor da série anterior pelo não cumprimento das metas, num processo de culpabilização do colega, sem com isso tomar como ponto de partida os conhecimentos da criança para planejar as intervenções, prejudica o processo. Uma vez que a alfabetização é de responsabilidade do grupo de professores que atuam no ciclo, não de um sujeito isoladamente, conforme Perrenoud (2004).
A vista dos dados antes referidos se vê uma sucessão de transferência de responsabilidade e com isso não faz avançar o processo. Amparo-me para defender tais argumentos em Lück (2013), quando analisando a problemática da omissão em assumir responsabilidades e a atitude de transferir responsabilidades, corrobora das ideias de Ênio Resende (1992, p. 27), ao afirmar que este fato é um traço dos brasileiros que só pode ser superado pela cidadania: “Pela síndrome da culpabilização ou busca de culpados pelo que não funciona, o que se apresenta é um comportamento “reativo de bode expiatório”, que possibilita a omissão de responsabilidade e impede a aprendizagem a partir de experiências” (RESENDE, 1992, p. 27 apud LÜCK, 2013, p. 72).
O que enfatiza e que nós concordamos é que ao invés de se apontar culpados, deve-se compreender que a superação dessas dificuldades e limitações devem ser vistas como ponto de partida e objeto inicial para o seu trabalho. Importa compreender as fragilidades e buscar intervir pedagogicamente e em equipe. Para isso, faz-se necessário, antes de tudo, preparar os professores para que possam compreender as “várias facetas” (SOARES, 2003) implicadas no ato de alfabetizar e letrar, a compreensão da necessidade de se traçar metas para cada ano, assim como envolver os atores envolvidos na educação.
Perrenoud (2004) faz uma pertinente reflexão, ao afirmar que “um ciclo de aprendizagem só pode funcionar se os objetivos de formação visados no final do percurso forem claramente definidos”. Eles constituem o contrato de base para os professores, aluno e pais (PERRENOUD, 2004, p. 43). É dentro deste contexto que o autor é categórico ao defender a tese de que “um ciclo de aprendizagem seja confiado a uma equipe pedagógica estável, coletivamente responsável por ele durante vários anos” (PERRENOUD, 2004, p. 40-52). A riqueza desta tese reside no fato de garantir comprometimento e trabalho em equipe evitando a “síndrome da culpabilidade” (RESENDE, 1992, p. 27 apud LÜCK, 2013, p. 72).
Nesse sentido, Lück (2013) apresenta como necessária a gestão educacional com visão de conjunto e orientação estratégica de futuro, mobilizando pessoas articuladas em equipe, de modo a possibilitar a juntura de ações para maximizar resultados:
[...] quando se entende que os problemas de ensino são apenas de natureza didática, e não de gestão pedagógica, a serem resolvidos envolvendo, de forma isolada e dissociada, novas técnicas e exercícios de ensino, mais materiais escolares, capacitação de professores, sem esforço em articular e coordenar a proposta pedagógica e processos correspondentes. (LÜCK, 2013, p. 30).
A autora assevera que quando não se tem esta percepção, desperdiçam-se talentos e recursos e, com isto o resultado está posto: baixo desempenho em leitura e escrita como mostram as avaliações a julgar pela colocação de Lück (2013).
É para copiar textos ou produzir conhecimentos? Essas inquirições tornam-se relevantes, por dois motivos: primeiro porque as professoras A e D lecionam nas escolas da zona urbana, porém seus alunos vêm de um contexto sociocultural em que não tem, pelo menos em sua maioria, acesso a internet e nem as escolas disponibilizam, porque também não têm computadores com acesso a esse recurso; segundo, porque não se observou nos roteiros das professoras orientações dessa natureza, muito menos nos diários de classe, o mesmo se aplicando às professoras M e O, que lecionam na zona rural e que dificulta ainda mais a utilização dessa ferramenta.
Outro ponto importante com relação à avaliação é o fato de esta ser usada como testagem, isto é, utilizadas apenas como instrumentos que medem, diagnosticam as aprendizagens construídas e/ou por construir. Os dados coletados não têm sido usados para refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem, ou como indicador de replanejamento de ações para fazer avançar o conhecimento. Isto é, o professor diagnostica o problema, através de provas e testes, mas não age sobre ele, não dá o apoio necessário para os alunos avançarem em suas aprendizagens. O aluno chega ao 3º ano do Ensino Fundamental com grandes lacunas, e estas continuam no referido ano, porque aqui se repete o mesmo trabalho do 1º ano, conforme antes observado (ESTRELA, 2011).
Torna-se necessário que se desenvolva uma consciência coletiva que perceba a importância do trabalho colaborativo, que o professor saiba o que ensinar e como aprender em cada ano, sabendo os domínios esperados para estes, para melhor acompanhar o processo, a partir da avaliação formativa. Elementos necessários para evitar que o aluno vá passando de professor a professor e um colocando a culpa no outro pela não garantia da meta em cada um dos anos, entrando num processo de culpabilização.
Acatamos com Depresbíteris (1995) que a avaliação para cumprir sua finalidade ampla no processo de ensino precisa ser considerada à luz da concepção de aprendizagem. A autora, amparando-se em Reboul (1982), vai definir aprendizagem como um ato que o sujeito exerce sobre si próprio, portanto, não é simplesmente registrar para reproduzir, conforme observamos nas práticas das professoras, onde o aluno reproduz conhecimentos, não é autor, é apenas um espectador passivo, que não interage com seus colegas, negando todo o conhecimento acumulado a respeito da importância das interações.
As professoras precisam compreender que as situações de aprendizagem “apontam na interação entre alunos diferentes, para aumentar a probabilidade de aferição dos conflitos no âmbito da experiência vivida, favorecendo sua conscientização” (Depresbíteris, 1995, p. 63). Interpretamos com a autora, que o aluno aprende à medida que consegue ultrapassar conflitos, integrar as contradições aparentes, num conjunto de esquemas mais gerais que ele possuía e que a grande contribuição do professor, “agente de letramento” (KLEIMAN, 2006), é trazer para a sala de aula os elementos, acontecimentos, frases, textos reais, situações-problema que possam gerar conflito a partir de um trabalho planejado, intencional e sistematizado, em que se priorizam as atividades do sujeito, permitindo o confronto de saberes e a construção do conhecimento.
Para isto, é preciso superar as concepções e práticas avaliativas das escolas da rede, para além das provas e testes, tentando verificar/regular as aprendizagens através de “produção livre, com expressões próprias, relacionamentos, reproduções de diferentes ângulos, explicações práticas, explicações causais, simulações etc.” (Mizukami, 1986 apud Depresbíteris, 1995, p. 63), de forma que se vá acompanhando os avanços e as dificuldades em relação aos domínios esperados para o ano.
Rabelo (1998), adverte que é a proposta de ensino quem determina a avaliação, e como as professoras não estão seguras dos conteúdos de que precisam dar conta no 3º ano do Ensino Fundamental. E como as práticas estão ancoradas na epistemologia empirista, estas se dedicam “à enunciação de regras de observação precisas e fixas para que se realize, com rigor” (RABELO, 1998, p. 40). Essa abordagem não reconhece a ação do sujeito sobre o objeto, porque aquele é uma tábua rasa, fruto de uma abordagem bancária, tanto criticada por Freire (2005), numa perspectiva de que aprender é reproduzir informações, pois aprender nesta concepção, ainda segundo Rabelo, é mudar comportamento, como resultado de treino e da experiência, na mesma objetividade buscada pelo Behaviorismo (E-R)[i].
Assim, se aprender é mudar comportamento, é óbvio que avaliar, como fazem as professoras da rede, “é medir a quantidade da mudança de comportamento” (RABELO, 1998, p. 40), então, “avaliam-se”, isto é, medem-se no final de cada unidade, conforme as professoras o fazem, utilizando-se de provas e testes de múltiplas escolhas. “As famosas questões objetivas, coerentes com a concepção de ensino observada na prática em que ensinar é transmitir conhecimento, através da transmissão de informações” (RABELO, 1998, p. 47).
Essa forma de proceder, valorizando o produto e desconsiderando o processo, separa a avaliação do ensino e da aprendizagem, ao ser ela realizada em momento específicos, com rituais e valores especiais, reduzindo o sujeito a objeto, com supremacia para as aulas expositivas, conforme constatado no campo empírico: um trabalho individual, rotineiro, previsível, traduzido nas práticas pedagógicas, “onde o aluno é visto de forma passiva e com estruturas pré-formadas, com ou sem prontidão para certas aprendizagens, em um determinado momento” (RABELO, 1998, p. 45).
O que justifica a posição das professoras de ensinar primeiro as letras, depois sílabas, palavras, frases, para só depois o aluno poder ler e escrever, conforme ilustra o fragmento da entrevista realizada com a professora F, que discorre sobre seu trabalho com os textos oferecidos pelo PNAIC: “Chovendo - ch”, “trabalho ainda silabando, de eu perder a voz, [...] estou desde o início do ano trabalhando ch, lh. Ah... Os meninos nunca tiveram contato com textos. Um texto estou passando uma semana”.
A descrição feita pela professora acima, mostra que o que se privilegia no ensino é a memória, em detrimento do raciocínio, de uma escola transmissora de conhecimento, que cerceia a capacidade de autoria, de autonomia dos alunos. Como formar alunos leitores e produtores de texto onde o trabalho sistemático e intencional com o texto está fora da rotina da escola?
Com uma prática de ensino desta natureza, a avaliação não podia ser diferente do que tem sido na escola. O problema é que tais concepções de ensino/aprendizagem e de avaliação vão de encontro aos compromissos assumidos de garantir a alfabetização e o letramento ao final do 3º ano do Ensino fundamental, objetivo maior do PNAIC. Por isso, faz sentido acatar o questionamento de Rabelo (1998): “A questão é: o quanto isto está explícito ou não para os educadores; o quanto as decisões, tanto as teóricas quanto as práticas, são tomadas num processo de participação ativa de todos ou de simples aceitação passiva e ignoradas por muitos” (RABELO, 1998, p. 38).
O autor complementa afirmando que “a simples mudança de métodos e/ou de técnicas é mudança de aparência, mas não de essência [...]. Para que alguém decida para onde caminhar, é preciso primeiro saber onde se encontra” (RABELO, 1998, p.80-1), portanto, segundo o autor só é possível melhorar a qualidade do ensino a partir de uma mudança efetiva de postura e de filosofia pedagógica. Ensinar a ler e escrever é ensinar a participar das práticas sociais. Ensina-se a ler e escrever lendo e escrevendo, não repetindo os modelos cartilhados:
Além disso, quando a escola organiza o ensino num nível meramente representacional, comete o erro de não considerar as categorias conceituais, que as crianças já possuem, sobre os objetos de conhecimento; deixa-as sem oportunidade de interação com eles, de explicarem fenômenos que entendem, de exporem e reelaborarem conceitos que já possuem. (RABELO, 1998, p. 49).
Verificamos um descompasso entre as orientações curriculares e as práticas. Avaliação formativa não acontece sendo urgente ressignificar o processo de ensino-aprendizagem e de avaliação, entendendo-a como redimensionadora da ação pedagógica, mas assumindo-a numa perspectiva processual, formativa e participativa. Por isso, não pode ser feita em momentos estanques, mas realizando diagnósticos periódicos para que se possam identificar potencialidades e dificuldades de aprendizagem, assim como problemas de ensino, de forma a subsidiar as estratégias de ensino, a partir das necessidades dos alunos, intervindo no processo e redirecionando o trabalho docente (BRASIL, 2010). Neste contexto, assevera-se a avaliação como dispositivo pedagógico de formação, orientador do processo e que se configura como ação investigativa, processual, contínua, cumulativa e emancipatória (BAHIA, 2013).
Outros posicionamentos complementam esse dispositivo legal como a postura inerente às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Nove Anos, chamando a atenção para a necessidade de o professor lançar mão de vários instrumentos e procedimentos (a observação, o registro descritivo e reflexivo, os trabalhos individuais e coletivos, os portfólios, os exercícios, as provas, os questionários), ou seja, que oportunizem aos alunos uma variedade de possibilidades de manifestar o seu aprendizado de forma que se possa fazer as intervenções que se julgarem necessárias para que o aluno aprenda, planejando e replanejando a prática pedagógica, isto é, “[...] retroalimentando o processo planejado mediante o compromisso e estabelecimento de responsabilidade pela implementação das ações propostas e promoção cada vez mais competente dos resultados definidos” (LÜCK, 2013, p. 57), porque acreditamos, como a autora, que as escolas podem encontrar soluções para as suas necessidades “construir autonomia competente”, tomando decisões a respeito dos processos de ensino e das condições específicas para realizá-lo. (LÜCK, 2013, p. 45). Um trabalho que exige, antes de tudo, co-laboração[ii] e comprometimento.
Um trabalho pautado no compartilhamento de responsabilidades impede a fragmentação de práticas e o isolamento dos sujeitos envolvidos no processo que tem resultado na busca de soluções individuais, que pouco têm contribuído para os desafios postos. O trabalho de equipe e a gestão descentralizada e comprometida com o pedagógico, que valoriza as trocas entre a coordenação, o professor, o gestor, a família pode fazer frente aos muitos desafios já referidos e recolocar a avaliação no seu lugar de direito: parte integrante do processo ensino-aprendizagem, desenvolvendo espaços coletivos na escola, em que se discutam os objetivos de ensino e as práticas pedagógicas, conforme evidenciaram Leite. (LEITE; COLELLO, 2010).
Para Leite (2010), sem um trabalho coletivo que planeje e construa o projeto pedagógico e o projeto de letramento “[...] resta o trabalho individual, restrito e isolado, que acaba inviabilizando os próprios objetivos educacionais da escola” (LEITE; COLELLO, 2010, p. 171), conforme constatamos tanto analisando os fragmentos das entrevistas com as professoras, como vimos por ocasião das observações no campo empírico.
Selecionamos um evento que demonstra como acontecem os projetos de leitura. Assim, na primeira coluna trazemos os nomes dos eventos ocorridos em sala de aula, na segunda, as ações dos sujeitos envolvidos, e na terceira coluna registramos nossas observações sobre aspectos que consideramos importantes para esclarecer as ações descritas:
Quadro 7 - Evento demonstrativo de como acontecem os projetos de leitura - Professora A
Evento |
Ações/Atividades dos Sujeitos |
Observações |
Lendo e discutindo a fábula: A cigarra e a formiga, de La Fontaine. |
Professora lê a história. Professor faz perguntas sobre os personagens. Professora pede que abra o livro na p. 78 do livro de Matemática. |
Alunos sentados ouvindo. Professora na frente da turma. |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras a partir da observação da prática pedagógica
Estas atividades de leitura são sempre feitas no início das aulas, em um momento denominado Leituras para gostar de ler, orientado pelos programas, conforme apontam 78,5% das professoras. Apenas as professoras C, J e M esclarecem que não existe um horário específico. Com relação às atividades utilizadas para alfabetizar letrando, as professoras não apresentaram um trabalho compatível com este desafio, separando a alfabetização do letramento. Apenas as professoras N e O fizeram menção à leitura e atividades de alfabetização, mas ainda assim não explicaram detalhadamente como realizam as atividades.
Como se percebe, a organização da escolaridade em ciclos traz em seu bojo inúmeros desafios. Thuller, ao problematizar as competências dos professores para operar em ciclos de aprendizagem plurianuais, aponta dois grandes desafios para os professores: “reinventar sua escola como local de trabalho e reinventar a si mesmos como pessoas e membros de uma profissão, questionando suas práticas pedagógicas e a organização do trabalho dentro da instituição” (THULLER, 2001, p. 1). A autora chama a atenção para a importância do desenvolvimento de uma nova identidade. Uma identidade que é fundada num conjunto de novas posturas e competências profissionais.
O grande desafio é o professor compreender, como esclarece a autora, que ele não é mais o único responsável por um grupo de alunos, como no modelo seriado. No ciclo, ele assume coletivamente a responsabilidade pelo acompanhamento dos alunos durante os três anos, compartilhando com seus colegas de equipe a responsabilidade de empreender todos os esforços para garantir que todos adquiram as competências necessárias ao final do 3º ano do ensino fundamental. Além de a equipe se responsabilizar pelos resultados de final de percurso, num trabalho que conjuga flexibilidade dos processos e continuidade. Esta responsabilidade antes referida é exercida no cotidiano do processo de ensino e aprendizagem, no ato de planejar e avaliar.
Sendo necessário, conforme advoga a autora supracitada, a construção por parte dos professores de competências indispensáveis para comandar a progressão dos alunos, tais como: 1. Cooperar dentro de uma equipe, reinventar as práticas pedagógicas e a organização do trabalho dentro de sua escola, questionando constantemente métodos e procedimentos impostos por autoridades e formadores; 2. Traduzir os objetivos de final de ciclo em dispositivos de aprendizagem. Tanto a escola como a equipe de ciclo devem ter uma visão comum dos objetivos, e a partir deles, decidir as condutas didáticas e as ferramentas pedagógicas empregadas, de forma a permitir que alunos atinjam os objetivos visados; 3. Observar e gerir a progressão dos alunos, isto é, manter o equilíbrio necessário entre abordagens coletivas e condutas individualizadas; 4. Desenvolver uma organização de trabalho ágil e flexível. Às equipes cabem conceber, fazer evoluir e combinar entre si uma gama de funcionamentos e de modalidades organizacionais mais ágeis e flexíveis, em função das necessidades e dos ritmos mais diversos de seus alunos; 5. Dosar os desafios em função das competências. Manter o equilíbrio entre as aspirações e o sentimento de domínio; 6. Envolver-se em uma exploração cooperativa.
Não se percebeu impactos nas mudanças das práticas e desempenho dos alunos, o que pode estar relacionado à falta de suporte para o professor trabalhar na perspectiva de alfabetizar letrando. O PNAIC tem revelado fragilidades na implementação em âmbito municipal, como fica claro na fala da professora L: “Me colocaram no Pacto. Tá uma agonia lá... Fiquei perdida ... Liguei pra SEDUC e perguntei: vem cá eu estou em quê?”. Fica evidente na narrativa da professora L, a sobreposição de programas de formação: Pacto Bahia X PNAIC. Na realidade, as professoras participam das duas formações, como esclarece a professora E, quando perguntamos se a forma com que está organizada a sua prática pedagógica decorrente do PNAIC garante, ao final do 3° ano do Ensino Fundamental, que seus alunos estejam alfabetizados e letrados, e a isto ela responde: “Não. Nem o PNAIC e nem o Pacto Bahia fluem”. Também a resposta dada pela Professora M aponta a falta de acompanhamento do trabalho do professor na escola, de forma a apoiá-los em suas necessidades, intervindo pedagogicamente:
Quadro 8 - Acompanhando o trabalho do professor na escola
[...] perguntei a professora do PNAIC: - professora a gente não faz uma sequência de atividade para trabalhar com o projeto de leitura? Ela me disse o seguinte: - o PNAIC é pautado na leitura e discussão e você introduz no seu conteúdo trabalhado. Então eu tenho que trabalhar o livro de historinha para trabalhar o conteúdo. Ex. corpo humano, procurar a história do acervo, ajustando ao planejamento. (Professora M) |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras a partir da entrevista.
Diante destes fragmentos, faz-se necessária a definição de metas de alfabetização por escola, não apenas para o 3º ano do Ensino fundamental, final do ciclo da alfabetização, mas para todos os três anos, uma vez que os alunos têm chegado ao 3º ano com grandes lacunas e de mobilização da família e da comunidade em torno da problemática da alfabetização. As professoras não atribuem ao seu trabalho uma parcela de responsabilidade pelo fracasso escolar. Não valorizam o trabalho cooperativo em sala de aula e não se percebe o valor dessa cooperação entre docentes. A professora E afirma que o trabalho em equipe é ponto negativo da prática alfabetizadora:
Quadro 9 - Trabalho em equipe
O trabalho em equipe prejudica porque eles pegam a “ponga[i]” do outro. Aproveitam muito do que o colega já sabe. Quando coloco Joãozinho e José, José faz tudo e Joãozinho; nada. Talvez no interior dele ele aprenda, não é ajuda correta. (Professora E) |
Fonte: Dados sistematizados pelas pesquisadoras a partir da entrevista.
A julgar por esta descrição, constatamos que todo o trabalho está centralizado no professor, único com condições de oferecer ajuda correta, mantendo a todo o custo o controle da sala, sua preocupação é manter a disciplina, silenciando os discentes e rechaçando o desenvolvimento de alunos leitores e produtores de textos, visto que o foco é a alfabetização distante do letramento. As professoras valorizam o trabalho individual, limitam as trocas de aprendizagens entre alunos. Não possuem uma expectativa positiva desse aluno.
Assim, no município em questão, a formação continuada proposta pelo PNAIC e também pelo Pacto, assim como, a organização do ensino em ciclo, não atingiram aos fins propostos. As práticas permanecem pautadas apenas em uma das “facetas” do processo, o que mostra que as professoras ainda não estão preparadas para implementar as mudanças que se fazem necessárias neste atual contexto, que são reveladores da precária formação inicial e continuada oferecida pelos sistemas, assim como da ausência de materiais necessários para a sua implementação e condições físicas das escolas. Soma-se a isso, a pouca clareza e mesmo indefinição de diretrizes pedagógicas consistentes para dar segurança ao professor e oferecer um norte para seu trabalho.
O que os dados revelam, como também constatou Estrela (2011), é a insegurança do professor, sua dificuldade em selecionar conteúdos, estratégias e avaliação, e que agora no 3º ano do Ensino fundamental, presenciamos um trabalho marcado pela repetição dos conteúdos do 1º ano do Ensino fundamental, uma dificuldade de enxergar as crianças enquanto sujeitos socioculturais. Vimos que existe uma dificuldade em se estabelecerem parcerias, tanto no interior da escola quanto com a família e a comunidade, acabando por fragilizar cada vez mais o processo. Não se percebeu um trabalho coletivo, cada professor responde sozinho pelo fracasso ou sucesso do trabalho realizado.
O trabalho centrado na aula magistral (expositiva) tem dificultado a “reinvenção a alfabetização”, isto é, a busca de um trabalho sistemático de ensino da leitura e da escrita, recolocar o professor em seu devido lugar, enquanto sujeito-chave desse processo, dada a natureza do trabalho pedagógico, reconhecendo o papel ativo do aluno. Faz-se necessário que o sistema dê condições materiais para se efetivar a proposta.
O que constatamos é que existe uma lacuna muito grande entre o conhecimento sobre a alfabetização e o letramento e as práticas pedagógicas. Sendo urgente, diante do quadro apresentado, preparar os professores para os desafios que se lhe impõem: ações formativas para que compreendam os processos envolvidos no ato de aprender, alfabetizar letrando e a constituição do professor pesquisador e do aluno pesquisador, leitor e escritor autônomo e os projetos de letramento. O que temos de fato é que as professoras, nesse dualismo de práticas consideradas tradicionais, e na tentativa de práticas inovadoras, continuam perdidas e, o que é pior, fragilizam cada vez mais os processos, porque não conseguem desenvolver uma prática pautada no conhecimento atual da área.
É preciso dar condições para que elas reorganizem suas práticas, a partir da tomada de decisão consciente e crítica, o que pode acontecer no coletivo, a partir do ensino do pensar, de formações que vão além de oferecer receitas, técnicas e métodos, mas que os as vejam como profissionais em constante processo de construção, que refletem e podem transformar suas práticas.
Entre as possibilidades, citamos a vontade e o desejo por mudanças. É preciso também uma formação pautada nas necessidades das professoras, a partir de temas de seu interesse, a importância de implementar a avaliação formativa, criando estratégias para o monitoramento e o acompanhamento das aprendizagens. De forma a garantir a continuidade e o respeito aos ritmos e tempos de aprendizagem, deve-se estabelecer processos de reflexão sobre as concepções de alfabetização que perpassem a sua prática, assim como o que é ensinar e aprender no ciclo; é preciso estabelecer o diálogo família-escola para entender o funcionamento do ciclo, conforme evidenciou Perrenoud (2004), na 8ª tese.
Os professores devem receber apoio institucional e um acompanhamento adequados para construir novas competências: que a formação continua esteja à escuta dos professores e desenvolva novas ofertas assim que as necessidades apareçam, que a estrutura de enquadramento apoie as professoras em inovações de todas as maneiras imagináveis; que um dispositivo específico de acompanhamento, para que possam ressignificar a prática na sala de aula, aproveitando as boas experiências, a exemplo da construção coletiva da construção da proposta curricular do município, feita com e pelos professores da rede. Porque concordamos com Lück (2013), ao reafirmar a que as boas práticas muitas vezes “[...] são abandonadas e até mesmo esquecidas, estabelecendo a descontinuidade do processo. Por força dessa condição, deixa-se de aprender com elas e de utilizá-las para promover o avanço da educação [...]” (LÜCK, 2013, p. 31).
Mainarde (2007), por outro lado, aponta a necessidade da formação de professores para lidarem com grupos heterogêneos, onde todos tivessem o direito de aprender. Destacou também a necessidade de uma mudança na cultura do ensino, ou seja, a cultura do ensino explícito e do trabalho diversificado na sala de aula. Condições favorecedoras para o alfabetizar letrando.
[i] O termo é utilizado pela professora no sentido de o aluno apropriar-se do outro. Ela pouco compreende a importância dessas interações para o aprendizado.
[i] Para um melhor esclarecimento, consultar Rabelo (1998).
[ii] Expressão cunhada por Freire (2005). Nas suas palavras, a “co-laboração, como característica da ação dialógica [...] somente pode realizar-se na comunicação”. (FREIRE, 2005, p. 166).
[i] Política Nacional do Livro Didático, implementado pelo governo federal através do Programa Nacional do Livro didático – PNLD.
Diante de todos os dados apresentados, faz-se necessário que a gestão escolar garanta espaços de formação continuada na escola, a partir das demandas e necessidades apresentadas pelos professores, mas também, é preciso, de igual modo, oferecer as condições adequadas (provisão de materiais didáticos) e do planejamento intencionalmente orientado, contemplando as condições do ambiente onde ele irá ocorrer, tanto em termos da organização espacial, como dos móveis e materiais pedagógicos à disposição.
Diante de toda esse estudo apresentado, destacamos a sua relevância na perspectiva de seus resultados contribuírem para o aprofundamento de questões relacionadas à alfabetização e os projetos de letramento de crianças, a partir da formação continuada de professores assentada nas necessidades, interesse e motivações dos professores. De uma formação pensada, construída e protagonizada com eles e não para eles. Por possibilitar ao município, como promotor de políticas públicas, um repensar dos projetos de formação continuada dos professores alfabetizadores, a partir da análise dos dados e aprofundamento da problemática que essa pesquisa deixará; às escolas para que construam ou revisitem seus projetos pedagógicos tornando-os instrumentos orientadores da prática e que contemplem o espaço da formação continuada de professores, a partir das necessidades percebidas e manifestadas, compreendendo a atividade complementar[i] como espaço legítimo para essa formação; aos professores para que tomem a prática como objeto de ação-reflexão-ação, assumindo uma postura de professor pesquisador e que possam envolver as famílias em seus planos e projetos, reconhecendo os diversos espaços de aprendizagem; e por último, às famílias para que estas se assumam como verdadeiras educadoras e parceiras das escolas e, com estas, responsáveis pela qualidade dos serviços prestados.
Além disso, a pesquisa também se revela de extrema relevância por consistir-se na descrição dos eventos que marcam os projetos de letramento, na direção de tomar as práticas pedagógicas como objeto de investigação-ação, tornando-as mais significativas de uma compreensão da alfabetização como ato político. A proposta é da ação-reflexão-ação, num constante planejar, avaliar, replanejar, ressignificando o fazer docente de forma a possibilitar ao aprendiz à apropriação da tecnologia da escrita, ao mesmo tempo em que vai se tornando um usuário competente desse sistema. Uma prática que atenda igualmente à alfabetização e ao letramento, sem que o desenvolvimento de um ocorra em detrimento do outro, já que o que se visa é a formação de usuários da linguagem escrita (compreendida como um bem cultural com o qual as crianças devem interagir e do qual devem apropriar-se) como sujeito de direito. Um direito que perpassa pelo respeito às crianças, ser competente cognitivamente, capaz de formular hipóteses, de interagir com os signos e símbolos veiculados socialmente, cidadãos responsáveis pelo seu próprio desenvolvimento, para o qual a escola, enquanto principal agência de letramento tem um papel a assumir, sem, no entanto, descuidar-se do direito de ser criança e viver plenamente sua infância.
Nossa intenção se direciona para que a alfabetização, no contexto município estudado, aconteça a partir dos projetos de letramento que permitam o ouvir, falar, ler e escrever. Anseia-se que esse estudo, do ponto de vista social, possa servir de subsídio para fazer fecundar o diálogo entre os profissionais da educação, sobretudo, as professoras alfabetizadoras, integrantes desta pesquisa, e outras espalhadas por esse imenso Brasil, como promotor do debate, do planejamento e da mudança na prática pedagógica, não só dos professores que atuam no 3º ano do Ensino fundamental, mas de todos os professores que atuam nos anos iniciais do Ensino fundamental. Que a Secretaria de Educação do Município e as escolas, a partir dos dados constantes neste estudo, possam articular-se dando continuidade a essas ações formativas ou projeto de formação continuada, assentado nos problemas e necessidades apontadas pelos professores, mas que ultrapasse os limites da escola, contagiando as famílias e a comunidade, como ambiente natural de aprendizagem como tem sido nessa investigação ação.
[i] A Atividade Complementar (AC) é um direito conquistado pelos professores, respaldada na LDB n° 9.394/1996, garantido no Estatuto do Magistério do Estado da Bahia – Lei n° 80261/2002, nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Básica, constante no Regimento Escolar e no Manual de Programação Escolar, e é legitimado a partir de sua efetiva realização no cotidiano na escola. É um tempo remunerado para o professor desenvolva planejamento, avaliação, formação continuada e o acompanhamento pedagógico da escola, com foco na elaboração e implementação do Projeto Político Pedagógico, dos Planos de Curso e Planos de Aula, portanto, uma forma de viabilizar o trabalho coletivo no interior da escola a partir do diálogo, das vivências, da reflexão e da socialização das práticas pedagógicas e curriculares.
[1] O Núcleo Carolina Maria de Jesus: pesquisa e extensão em Educação Popular, Agroecologia e Alfabetização da Classe Trabalhadora, é vinculado ao Centro de formação de Professores (CFP), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), tendo participação de diversos professores e pesquisadores de várias instituições do país.
[1] Política Nacional do Livro Didático, implementado pelo governo federal através do Programa Nacional do Livro didático – PNLD.
[1] Para um melhor esclarecimento, consultar Rabelo (1998).
[1] Expressão cunhada por Freire (2005). Nas suas palavras, a “co-laboração, como característica da ação dialógica [...] somente pode realizar-se na comunicação”. (FREIRE, 2005, p. 166).
[1] O termo é utilizado pela professora no sentido de o aluno apropriar-se do outro. Ela pouco compreende a importância dessas interações para o aprendizado.
[1] A Atividade Complementar (AC) é um direito conquistado pelos professores, respaldada na LDB n° 9.394/1996, garantido no Estatuto do Magistério do Estado da Bahia – Lei n° 80261/2002, nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para Educação Básica, constante no Regimento Escolar e no Manual de Programação Escolar, e é legitimado a partir de sua efetiva realização no cotidiano na escola. É um tempo remunerado para o professor desenvolva planejamento, avaliação, formação continuada e o acompanhamento pedagógico da escola, com foco na elaboração e implementação do Projeto Político Pedagógico, dos Planos de Curso e Planos de Aula, portanto, uma forma de viabilizar o trabalho coletivo no interior da escola a partir do diálogo, das vivências, da reflexão e da socialização das práticas pedagógicas e curriculares.
BAHIA. Secretaria de Educação. Portaria 1882. Dispõe sobre a sistemática de avaliação do ensino e da aprendizagem nas unidades escolares do Estado da educação Básica da rede pública estadual. Salvador. Ano XCVII, Nº 104, 3 de abril de 2013. Disponível em: . Acesso em: 22 de nov. 2014.
BARBIER, René. A Pesquisa-Ação. Brasília: Liber Livro, 2007. v. 3. (Série Pesquisa).
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em Educação: fundamentos, métodos e técnicas. In: Investigação qualitativa em educação. Portugal: Porto Editora, 1994.
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