Introdução
O artigo aqui apresentado tem como um de seus objetivos centrais discutir resultados preliminares de pesquisa realizada junto a jovens estudantes universitários tendo como foco a questão do trabalho, ou seja, do ingresso no mercado de trabalho. Um dos aspectos da investigação esteve em identificar as preocupações que estes sujeitos enfrentam, à medida que avançam na formação universitária e a condição de graduando vai chegando ao fim, ao tempo em que a obtenção do diploma se aproxima. Trata-se de uma transição que coloca aos jovens questionamentos relacionados à escolha profissional, a natureza, qualidade e alinhamento da formação oferecida pela universidade quando os olhares estão voltados para o mercado de trabalho,
A inserção no mundo do trabalho, tradicionalmente, é um dos marcadores importantes na transição da condição juvenil para a vida adulta. Entretanto, se a transitoriedade é uma das características da juventude é um equívoco pensar que haveriam modelos lineares para esta transição. Sobre esse aspecto, Sposito (2002) destaca a heterogeneidade que marca a fase da juventude inclusive no que se refere a relação com o mundo do trabalho. Logo, não é surpreendente que um dos assuntos que mais preocupa uma parcela considerável dos jovens seja a conquista de um emprego, seja como plano de futuro, seja como uma necessidade premente.
Entretanto, nas últimas décadas, os padrões de transição em direção a vida adulta, foram impactados por transformações na base produtiva e nos princípios de organização da produção redesenhando as relações entre juventude, educação e trabalho.
A análise dominante indica a profunda dificuldade dos jovens em conseguir uma ocupação, principalmente em obter o primeiro emprego, dado o aumento da competitividade, da demanda por experiência e por qualificação no mercado de trabalho. Flexibilização das relações laborais e precarização do emprego tiveram um impacto particular no modo como os jovens acedem ao mercado de trabalho. Desse modo, a transição para a vida adulta tem sido adiada e tornada mais complexa. Camarano (2006), assinala que as mudanças no mundo do trabalho são apenas um dos elementos levados em conta quando a discussão trata da transição para a vida adulta na sociedade contemporânea. A constituição de novos padrões comportamentais, bem como na configuração dos arranjos familiares tem sido observada na produção de análises voltadas a compreender as mudanças nos marcos tradicionais da passagem do jovem para a condição adulta.
Quanto a entrada dos jovens no mundo da produção há um entendimento favorável a retardar esse ingresso a fim de favorecer a permanência dos mesmo no sistema de ensino possibilitando a obtenção de certificações mais elevadas a exemplo de uma formação universitária. Entretanto, observando dados de 2007, ou seja, dados que podemos considerar como ‘antigos’, vê-se que, 82,1% da população brasileira de 15 a 17 anos frequentavam a escola. No entanto, apenas 48,0% cursavam o ensino médio. Mesmo que, ao longo dos últimos anos, a taxa de frequência líquida nesta faixa etária venha apresentando crescimento contínuo, ainda é bastante elevado o índice de distorção idade-série, situação que favorece a evasão escolar. Muitos jovens terminam efetivamente por abandonar os estudos, com escolaridade ainda muito baixa, o que lhes subtrai um importante requisito para pleitear melhores empregos.
Simultaneamente, no cenário contemporâneo, se observa a ampliação das exigências por uma maior e melhor escolarização sem que esses padrões impliquem, necessariamente, em garantias de inserção, ascensão e estabilidade socioprofissional mesmo que níveis mais elevados de escolarização sejam considerados como requisitos básicos para enfrentar a competividade no mercado de trabalho e se aproximar dos padrões de empregabilidade.
As investigações na área da inserção social e profissional de jovens tratam desse contexto contemporâneo, sem perder de vista o caráter múltiplo e dinâmico da noção de juventude em sua interface com outras categorias de análise (classe social, gênero, etnia, etc.) (Dubar, 1999).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a juventude brasileira é trabalhadora. Os dados da OIT para 2015 indicam que a presença dos jovens no mercado de trabalho brasileiro é caracterizada pela “informalidade, baixa remuneração, alto índice de rotatividade, precarização da relação de trabalho e dificuldade de conciliação entre estudos, responsabilidades familiares e trabalho. Ainda segundo a Agencia a juventude é diretamente afetada pelos contextos de desemprego, exigências por novas competências associadas, em geral, por alterações tecnológicas e falta de experiência que, associados, comprometem a inclusão de jovens.
Portanto, é compreensível que os jovens busquem caminhos para aceder a níveis mais elevados de escolaridade na perspectiva de maiores e melhores chances de futuro. Do mesmo modo pode-se entender que a transição entre o curso superior e o mercado de trabalho se configure como processo em que se misturam angustia, insegurança, frustrações e dúvidas. Além disso, se evidenciam as expectativas em relação à carreira ‘escolhida’ no momento de ingresso em uma instituição de ensino superior quando os jovens consideram, também, as oportunidades no mercado de trabalho, um fator importante para a definição de projetos de futuro.
Tendo em vista que o ingresso no ensino superior é um processo que afeta diferentes aspectos dentre as quais os dilemas para a escolha do curso, a definição de uma área de atuação profissional e a elaboração de projetos para o futuro, o jovem é confrontado a um momento decisório em sua vida. Mesmo quando convive com incertezas, conhecimento limitado sobre os cursos de graduação e pouca (ou nenhuma) informação sobre as áreas de atuação profissional espera-se que o jovem faça as boas escolhas num contexto multideterminado por fatores sociais, econômicos, educacionais, familiares, psicológicos que não devem ser desprezados (SOARES, 2002).
Ao mesmo tempo, a transição da universidade para o mercado de trabalho mostra-se permeada por inúmeras incertezas que podem significar a reformulação de projetos de vida tal como assinalam Araújo e Sarriera (2004). Os jovens podem ser confrontados a situações em que se vejam constrangidos a retardar planos para uma pós-graduação, a contingencia de buscar experiência profissional assumindo um posto de trabalho com remuneração abaixo de sua titulação, aceitar um emprego fora de sua área de formação ou buscar inserção profissional em outra cidade ou pais. Esse conjunto de situações permeia as apreensões dos estudantes universitários quando se projetam como profissionais.
Para melhor compreender este processo, carregado de incertezas e possibilidades que marcam também a condição de estudante, optamos por realizar uma pesquisa de cunho qualitativo tomando como sujeitos centrais os estudantes de um dos Bacharelados Interdisciplinares na área de Ciência e Tecnologia oferecido por uma das universidades públicas federais instalada no estado da Bahia.
Vale situar que os Bacharelados Interdisciplinares (BI), com duração de três anos, se constituem no primeiro ciclo de uma formação universitária que busca responder à complexidade e diversidade cultural da sociedade contemporânea mediante um desenho curricular assentado no diálogo entre diferentes campos de saber e na formação geral do estudante que ingressa na vida universitária. Ao final do BI o jovem tem seu diploma de nível superior tendo cursado ao menos um itinerário formativo (área de concentração) que já o direciona para uma área de profissionalização. Assim, depois desse primeiro ciclo de formação geral que aproxima o estudante de uma grande área de conhecimento, a exemplo da Ciência e Tecnologia, ele tem a possibilidade de dar continuidade aos estudos no 2º ciclo onde terá uma formação profissional especifica. No caso do BI em questão a formação em 2º ciclo engloba as seguintes opções: Engenharia de Energia; Engenharia de Tecnologia Assistiva e Acessiblidade; Engenharia de Produção; Engenharia de Materiais.
Considerando a estrutura de formação em ciclos propostas pelos Bacharelados Interdisciplinares, o interesse da investigação estava, então, em identificar os principais focos de preocupação dos estudantes que ingressam no ensino superior através de um BI, quando a questão da inserção no mundo do trabalho se coloca para estes jovens. Lembre-se que ao longo dessa formação inicial, de caráter mais geral, o jovem tem a possibilidade de definir uma área de concentração para sua profissionalização e dar continuidade a sua formação, avançando para o 2º ciclo, ou optar por obter o diploma universitário tendo cursado unicamente o 1º ciclo. Nos interrogávamos sobre a experiência formativa no BI sem esquecer que a busca por um diploma universitário está, também, vinculado a projetos de inserção no mercado de trabalho. Assim, buscou-se mapear as percepções dos estudantes sobre a própria formação universitária (1º ciclo) quando se integra um curso de graduação que aponta para a possibilidade de tornar-se um profissional da engenharia, área de prestigio social, e quando se consideram as demandas formativas do mercado de trabalho, sob a ótica destes mesmos jovens. As lacunas identificadas na preparação para assumir uma atuação profissional, as experiências já vividas no mundo do trabalho e a adoção (ou não) de iniciativas individuais para melhor se preparar para a vida profissional foram alguns dos aspectos observados ao longo da pesquisa.
Os dados foram produzidos junto a estudantes do 4º semestre, último período antes da efetivação de componentes curriculares optativos que já permitem aproximação com áreas especificas, e envolveu 18 estudantes. Como estratégia para produção dos dados foi adotada a elaboração de registros escritos individuais orientados a partir de três aspectos: preocupações dos jovens em relação a um futuro ingresso no mercado de trabalho, aspectos formativos que mereceriam maior atenção ao longo do curso e o papel da universidade na transição para o mercado de trabalho.
A fim de melhor tratar dos resultados obtidos a partir dos dados produzidos retomamos alguns dos aspectos centrais nas análises relativas à transição entre o ensino superior e mercado de trabalho.
Entre a universidade e o mercado de trabalho
Para aqueles que ingressam no ensino superior o fim da formação universitária indica um dos momentos importantes na transição para a vida adulta, especialmente entre aqueles que ingressam imediatamente após a conclusão do ensino médio. Nesse processo o jovem se afasta da condição de estudante, que ocupou durante o período da graduação, mas ainda não se estabeleceu como um profissional no mercado de trabalho.
Esta transição, em geral, se configura permeada por um panorama de incertezas e inseguranças diante de uma nova condição social ainda em constituição que pode resultar nas mais diversas trajetórias entre os jovens. Trata-se de processo repleto de desafios e se o jovem tem expectativas quanto ao mercado de trabalho, a sociedade também tem expectativas de que este jovem conquiste sua autonomia. Espera-se que um jovem que vê a conclusão de seu curso se aproximar esteja preparado para realizar escolhas consistentes e que esteja pronto para a responsabilidade da atuação profissional. Contudo, a saída da universidade, a conclusão do curso de graduação, pode se configurar como momento de temor, de crise na escolha profissional, especialmente, quando os jovens identificam muitas barreiras a serem superadas para se estabelecer profissionalmente.
É certo que muitos estudantes universitários iniciaram suas experiências no mundo do trabalho em momento anterior a obtenção de um diploma, não raro mesmo antes de ingressar em uma universidade. Entretanto, a obtenção do diploma confere e exige do seu portador uma postura e atuação correspondente ao nível da certificação obtida.
A obtenção do diploma e a construção da identidade enquanto trabalhador exige (ou ao menos espera) uma outra (e nova) postura na rede de relações sociais de que participa o indivíduo. Espera-se que um profissional diplomado seja responsável, autônomo, ou seja que assuma seu lugar no mundo adulto. Mesmo para jovens que chegam na universidade com experiência no mercado de trabalho e/ou que começam a trabalhar durante a realização da graduação a formatura é um marcador social. Esse marco pode ser tanto mais valorizado quando se consideram os jovens dos setores médios e superiores para os quais a inserção no mercado de trabalho está relacionada ao termino da formação universitária.
Esse tipo de compreensão da transição entre a universidade e o mercado de trabalho integra a teoria da identidade de papel (STRYKER & BURKE, 2000) segundo a qual os indivíduos possuem diferentes identidades relacionadas aos papeis sociais que desempenha (mãe, esposa, pai, trabalhador, estudante). A expectativa que se tem quando um jovem conclui sua graduação em certa área é que ele tenha se apropriado de característica que o associam ao respectivo campo profissional: habilidades, linguagem, interesses próprios ao grupo de profissionais, por exemplo. A essa aderência e identificação com o papel profissional que conquistou pela via do reconhecimento social do diploma universitário Ng e Feldman (2007) chamam de identidade de papel profissional.
Uma outra perspectiva a ser mencionada é a teoria da construção da carreira que trata, dentre outros aspectos, da adaptabilidade de carreira que se refere a comportamentos, atitudes, enfim estratégias que o indivíduo adota para se inserir na comunidade profissional e se adaptar aos contextos específicos.
Na verdade, nessa transição o jovem se vê diante de variáveis conjunturais do mercado de trabalho tais como crescimento ou retração da atividade econômica, dinâmicas especificas de setores produtivos, atributos de qualidade atribuídas a instituição formadora, bem como variáveis sociais e pessoais relacionadas a gênero, classe social, rendimento acadêmico, formação complementar, etc. (MELO; BORGES, 2007).
Junte-se a isso o fato do mundo do trabalho mostrar-se progressivamente competitivo, variável e complexo, marcado por conjunturas laborais incertas que imprimem um sentimento de insegurança aos jovens que visam ingressar nesse mercado (VIEIRA & COIMBRA, 2006). A perspectiva de um emprego para toda vida seguida da progressão na carreira em uma única empresa ou instituição mostra-se, para os jovens, uma possibilidade mais remota.
Simultaneamente é preciso não esquecer que o trabalho tem diferentes funções. Tem uma função econômica e também uma função social a medida em que é fonte de prestigio, reconhecimento social, status e interação. Além disso, o trabalho tem um significado pessoal e singular construído em contextos sociais específicos e a partir de experiências concretas dos indivíduos.
Quando eu penso no mercado de trabalho
Para analisar os aspectos que emergem no rol de preocupações e inquietações dos jovens quando se trata de assegurar o ingresso no mercado de trabalho, à medida que a conclusão do curso universitário de graduação se aproxima, optamos por adotar como estratégia de produção de dados a elaboração de relatos escritos individualmente. Assim, como indicativo para suscitar a reflexão dos estudantes e favorecer a elaboração destes relatos[i] foram apresentados os seguintes eixos orientadores: 1) as preocupações vivenciadas frente ao mercado de trabalho, 2) o papel da universidade na transição para a vida profissional e, 3) os aspectos formativos que, ao longo da graduação, mereceriam maior atenção no intuito de melhor se preparar para a atuação profissional demandada pelo mercado.
Com base nos eixos mencionados acima obtivemos 18 relatos individuais envolvendo 08 estudantes do sexo feminino e 10 do sexo masculino matriculados, majoritariamente no 4º semestre.
Estes relatos individuais são aqui, portanto, o ponto de partida para melhor compreender os aspectos que afetam os jovens, especialmente, aqueles que se encontram inseridos no ensino superior e vislumbram o termino do estatuto de ‘estudante universitário’ e a aproximação de uma outra transição voltada a inserção no mercado de trabalho, já na condição socialmente reconhecida de ‘profissional’, condição que se vincula, também, a obtenção de um diploma universitário.
O que dizem os estudantes
Aprender os conteúdos curriculares, realizar as avaliações, acompanhar as aulas, evitar reprovações, lidar com os prazos, participar de atividades extra classe são, algumas das tarefas da vida de estudante. Mas a elas deve-se acrescentar adaptar-se, construir uma carreira, tornar-se membro de um grupo profissional, estar atento ao perfil demandado pelo mercado de trabalho, acompanhar as mudanças na base tecnológica, estabelecer aproximações entre a formação que a universidade oferece e o mercado de trabalho. Portanto, são vários os aspectos que envolvem o processo de formação de um jovem, ao longo de seu curso universitário que, inclusive, ultrapassam o cotidiano mais imediato de um estudante: aulas, leituras, avaliações. As preocupações relacionadas ao mercado de trabalho, portanto, não estão depositadas ao final da graduação, especialmente se nos referimos a estudantes de origem popular como é o caso daqueles envolvidos na pesquisa.
A medida que a formação universitária avança, que o estudante compreende melhor a estrutura curricular do curso (formação geral, áreas de concentração, etc.) e começa a delinear o que é de fato ‘tornar-se engenheiro e atuar na engenharia’, a realidade do mercado de trabalho ganha maior concretude e as expectativas e preocupações se intensificam.
Assim, mirando esses aspectos, e conforme indicado anteriormente, a pesquisa objetivou identificar os aspectos que compõem as preocupações dos estudantes quando refletem sobre sua própria inserção no mercado de trabalho.
Um primeiro ponto de preocupação mencionado se refere a preparação para participar de um processo seletivo em torno de uma vaga de emprego ou/e estágio, a exemplo de: organizar seu curriculum de forma adequada à vaga almejada, como se portar numa entrevista, como lidar com as situações de dinâmicas de grupo, as etapas que demandam elaboração de textos, como localizar e sistematizar, previamente, informações referentes à empresa que disponibiliza a vaga e bem utiliza-las ao longo da seleção. Estes são alguns dos aspectos que podem ser mencionados quando se trata de vislumbrar a preparação para um processo seletivo, que, inclusive pode contemplar etapas especificas a depender das políticas de recrutamento adotadas pelos empregadores, bem como a natureza do cargo. “Assustador” foi a palavra utilizada por um dos estudantes[ii] ao se referir ao processo de seleção.
a busca por um emprego no mercado tradicional ainda é uma certa novidade, aquele antigo aspecto de entregar curriculum e ser entrevistado ainda soa um pouco assustador para mim. (Luiz)
No registro acima é interessante observar que o estudante identifica como ‘antigo’ o processo tradicional de seleção a uma vaga de emprego, realizada presencialmente, quando o currículo vitae é entregue e ele é (ou não) chamado para as etapas seguintes. Esse comentário está relacionado ao fato das formas remotas de recrutamento e desligamento (demissão) terem se intensificado e se difundido ao longo da pandemia de Covid-19 que exigiu a implementação de uma série de medidas de controle da contaminação dentre os quais o distanciamento social com restrições à circulação, proibição de aglomerações, suspensão de atividades presencias nas empresas, escritórios, escolas, universidades, etc. Este contexto pandêmico exigiu que os mais diversos setores produtivos buscassem alterativas para manterem suas atividades e se adaptarem ao contexto inesperado. Essa cena tornou inadiável a intensificação da adoção do trabalho remoto em todos os setores econômicos: o home office ou o teletrabalho, antes uma experiência restrita, se difundiu e passou a fazer parte da vida dos estudantes. Neste cenário e diante da suspensão das atividades acadêmicas presenciais muitos estudantes encontraram a possibilidade de trabalho ou estágio remoto.
Fato é que, seja no ‘antigo’ modo presencial ou na modalidade remota a própria participação em um processo seletivo demanda preparação e a conquista de uma vaga, após a maratona, pode vir acompanhada de frustração. Isso porque, nem sempre o ambiente que se observa ao longo da seleção é aquele que se encontra na empresa contratante.
Ao aspecto indicado acima se associam os questionamentos relacionados a como conseguir um emprego, um primeiro emprego, por exemplo, quando o mercado de trabalho insiste em requerer experiência como parâmetro seletivo sabendo que experiência é um atributo que exige tempo para se adquirir. Como acumular experiência se uma primeira oportunidade não é oferecida, perguntam os jovens. Sobre este aspecto um elemento que merece atenção é a indicação de uma das estudantes sobre a multiplicação das exigências formativas mesmo para uma vaga de estágio na área de engenharia, o que suscita uma preocupação a mais quando se trata de conquistar um emprego como recém formado.
As vagas de emprego ofertadas, principalmente no mercado para engenheiros, têm exigido requisitos extensos e muitas vezes complexos de serem alcançados. Cada vez mais tem surgido exigências e experiências, até mesmo para vagas de estágio, sendo que estas têm como objetivo gerar experiências para os futuros profissionais que ainda não ingressaram no mercado. Isso quando surgem vagas, pois o cenário atual está delicado. (Sara)
O estágio é uma busca frequente entre os estudantes como estratégia para acumular a experiência profissional que o mercado demanda e que, em geral, se relaciona com a capacidade técnica do jovem aprendiz, quais sejam: compreender os fluxos de produção e ser capaz de fazer uso prático do que aprendeu na graduação garantindo que a realização do processo produtivo se efetive. Além de questões técnicas o mercado também observa a dimensão comportamental: contato com colegas, reação às críticas, etc., e está atento a aspectos mais subjetivos tais como insegurança, medo, concentração, etc.
Fato é que se mesmo para atuar como estagiário o perfil exigido tende a se mostrar mais rigoroso com demandas múltiplas, conquistar um emprego na área não se revela tarefa considerada mais simples entre os estudantes e as preocupações se evidenciam:
Apesar do mercado de trabalho ser abrangente de todas as áreas de conhecimento, para quem vai atrás do primeiro emprego se torna um ambiente ainda mais complicado, hoje em dia, apesar dos incentivos governamentais, as empresas priorizam a busca por pessoas já qualificadas e que tenham experiência naquilo que serão lhe proposto, porém, como uma pessoa que busca sua primeira oportunidade vai ter experiência como trabalhador?. (Luiz)
A minha principal preocupação com o curso é o mercado de trabalho e a empregabilidade quando formado. Há anos o cenário de faculdade com o mercado de trabalho vem me deixando um pouco preocupado. Muitos casos, o mercado exige muita experiência para ocupar a maioria dos cargos, ou em casos que pela falta de opções de escolha que o indivíduo opta em entrar em qualquer vaga por qualquer valor salarial devido a problemas financeiros e oportunidades que abrange seu currículo de anos gastos com estudos que o mercado acredita ser muito pouco para muitas vagas. (João)
Mas ainda assim, não me sinto capacitado para exercer essa profissão após concluir o curso. Essa talvez seja minha maior preocupação em relação ao mercado de trabalho: conseguir uma vaga e não ser capaz de exercer minhas funções de maneira adequada. Esse deve ser um dos motivos porque os estágios são de extrema importância durante o período de formação acadêmica. (Antônio)
Não ter a experiência, não conseguir uma vaga compatível à formação universitária, não estar devidamente preparado para atuar profissionalmente, são aspectos destacados nos relatos dos estudantes e compõem o rol de inquietações que marcam a transição entre a condição de estudante e o desafio de se constituir como um profissional, nesse caso, profissional da engenharia. Um dos estudantes resume bem esse labirinto:
Passamos o ensino superior conciliando estágio (quando se encontra) e estudos, buscando tirar boas notas e entregar TCC pensando que os desafios estão perto do fim. Entretanto, após formatura que o maior obstáculo aparece: o ingresso no mercado de trabalho. (João)
Para lidar com os obstáculos mencionados acima os estudantes procuram ampliar suas chances de inserção profissional utilizando diferentes ferramentas digitais dentre as quais destacam-se as redes sociais que reúnem profissionais e disponibilizam vagas e estágios. A utilização do Linkedin, site gratuito que funciona como um ‘ponto de encontro virtual’ em que se multiplicam as possibilidades de contatos entre profissionais, amplia o grau de abrangência do networking e insere o jovem num ambiente em que circulam informações sobre o mercado de trabalho tanto quanto a vagas disponíveis, como a traços de perfil profissional eventualmente valorizado em certas conjunturas. Assim esta ferramenta encontra eco entre os estudantes que parecem ter percebido a importância das redes de relações, inclusive aquelas que podem ser tecidas no cotidiano da própria instituição universitária, seja com os colegas, seja com os professores.
Uma grande ‘’networking’’ de pessoas podem facilitar essa busca, conhecer alguém que possa reconhecer o seu trabalho e indicar para alguma empresa é de imensa ajuda, ou muitas vezes ingressar em um local de algum parente para obter experiências. (Iuri)
Mas além de aprender a ‘se visibilizar’ no mercado de trabalho é preciso estar atento às transformações aceleradas que ocorrem nas tecnologias utilizadas nos diferentes processos produtivos, ou seja se atualizar antes mesmo de concluir a graduação. Essa preocupação é recorrente entre os registros e gera insegurança entre os estudantes antes mesmo de conquistar uma vaga:
Umas das minhas maiores preocupações é que, quando eu sair da graduação, algumas coisas que eu aprendi já são e serão consideradas ultrapassadas pelo mundo, além disso tenho certeza de que quando eu quiser usar tais aprendizados no mercado de trabalho, eles não serão aplicados da mesma maneira que é feita hoje em dia, será uma maneira totalmente nova. (Zito)
então hoje em dia quem busca mais conhecimento sempre se destaca no mercado de trabalho, com uma certa facilidade em aprender o manuseio de tecnologia e programas, eu busco sempre inovar no meu conhecimento nessa área que é exigida independente de cargo ou aonde quer que você vá trabalhar, os cursos onlines são um exemplo disso, sua alta demanda nesses últimos anos de pandemia foi por conta das pessoas que buscavam se qualificar em diversas áreas para que não deixassem de aprender algo nesse período (Luiz)
Com o passar dos semestres da universidade, a hora de fazer estágio ou até mesmo se formar, vai se aproximando, mas como ela, vem também a preocupação com as inovações e as tecnologias que avançam cada vez mais, obrigando o mercado de trabalho a está sempre mudando para se adequar as novas demandas que surgem. As mudanças muitas vezes são cruéis, o que me deixa bastante apreensiva com o que me aguarda. O medo de não saber o que fazer e não de adaptar juntamente com o mercado é muito grande e para que isso não aconteça procuro está sempre bem informada e atualizando meu currículo a todo momento, por meio de cursos, eventos e projetos disponibilizados pela universidade e pelo governo, para obter experiência. (Maria)
O mundo do trabalho e suas mutações continuadas se evidenciam, assim, nas palavras dos jovens estudantes de Engenharia. As mudanças constantes da base produtiva que transcorrem em ritmo mais acelerado do que aquele que se observa no âmbito da formação oferecida nas universidades gera a sensação de déficit formativo. Esta percepção do déficit se encontra com a busca continuada por formação complementar com cursos, seminários, palestras, aprender uma língua, etc. e some-se a isso, o stress, o medo. Aqui podemos falar do medo de ‘depois de tudo, morrer na praia’, ou seja, se ver na situação de desemprego ou enfrentando as formas precárias de inserção sociolaboral: informalidade, terceirização, subemprego (RIBEIRO, 2011; WICKERT, 2006).
O papel desejável da Universidade na transição para o mercado
Em meio a este contexto complexo e atravessado por projetos de vida, desejos, conquistas e frustrações os estudantes também indicam o que, na ótica deles, a universidade poderia e/ou deveria assegurar ao longo do processo formativo da graduação para que estivessem melhor preparados para enfrentar a transição para o mercado de trabalho.
Sob este aspecto os estudantes indicaram algumas sugestões que espelham, ao mesmo tempo, as limitações das instituições, bem como uma certa resistência das instituições em assumir uma atuação mais efetiva nessa passarela para a vida profissional. Vejamos:
Acredito que as universidades também poderiam mostrar mais a vivência dentro de um emprego, da função de fato, e não apenas matérias com provas teóricas ou retratos falados do que seria a rotina da área que escolheu. Para sabermos de verdade é preciso vivenciar e assim também eliminar o medo e preocupação de quando começarmos a tentar se incluir no mercado, só o estágio quase que no fim do curso não é suficiente para diminuir as frustrações pelo processo. (Lara)
A Universidade ajuda muito nesse quesito, pois está sempre disponibilizando cursos e eventos, mas juntamente com o governo poderia se associar com empresas que poderiam dar treinamentos aos recém-formados durante um período de seis meses para eles adquirirem experiências práticas para adicionar ao currículo, facilitando a inserção no mercado de trabalho definitivo depois do treinamento. (Maria)
Quando entramos na Faculdade, estamos depositando ali as nossas esperanças e expectativas para conseguir levar uma vida melhor no futuro. Então, ser ajudados a conquistar isso é o mínimo que esperamos. Essa ajuda pode vir da liberação de projetos de pesquisas para todas as áreas, proporcionando mais visitas técnicas. (Célia)
As instituições de ensino superior, ao meu ver, deveriam oferecer aos seus alunos experiências mais práticas, que trazem desde cedo a união do conteúdo teórico com a realidade de vivência no mercado de trabalho que aquele aluno deseja atuar. Mas ao contrário disso, citando a minha vivência universitária, eu tenho mais experiências altamente teóricas e avaliações questionáveis do que qualquer outra coisa. Percebo uma dificuldade extrema que esses tipos de instituições públicas têm em atualizar e aplicar o que é novo. (Zito)
Observando os registros dos estudantes vê-se que reconhecem o papel social da universidade. A universidade não é uma instituição de simples estruturação e funcionamento. Ao contrário: sua complexidade se ampliou nos últimos séculos. Além disso, suas funções se multiplicaram ao longo dos séculos e talvez esteja nesse aspecto uma das explicações para a sua longevidade, ainda que para Santos (2010) se verifiquem certas tensões entre elas. Ainda assim a universidade e o ensino superior conservam sua valorização social enquanto lugar privilegiado de acesso ao que há de mais sofisticado como conhecimento e inovações teóricas e tecnológicas. A medida que o mundo moderno valoriza a ciência e sua transposição para a vida ordinária das sociedades, como vetor de desenvolvimento de uma nação, aceder ao ensino superior tornou-se sinônimo de ascensão econômica, sucesso profissional e reconhecimento social. Os jovens identificam essa equação e buscam seus resultados.
Assim, as sugestões e críticas direcionadas a universidade, que se observa nos escritos dos estudantes de Engenharia, cobram, em alguma medida, que os resultados econômicos, profissionais e sociais associados ao fato de integrarem uma minoria privilegiada seja garantida. É interessante observar que para isso, segundo os estudantes é indispensável a formação prática, aprender na prática, a experiência prática. Que a universidade assegure esta formação prática, na prática, in loco, aparece como demanda central nos registros escritos. Convênios, parcerias com as empresas, multiplicar as visitas técnicas, assegurar estágios, inserção nas redes networking são as sugestões mais frequentes e não podem ser consideradas uma novidade.
Ainda com base na valorização e demanda por uma formação prática um dos estudantes comenta sobre a estrutura curricular do curso que coloca o estágio nos últimos semestres, o que para ele é um equívoco. De fato, os cursos de graduação, em geral, e na Engenharia não é diferente, apresentam dificuldade em estabelecer a articulação continuada entre a formação teórica e a formação prática, que segue sendo um dos desafios centrais da formação universitária.
Notas finais provisórias
De dentro da universidade os jovens olham para o futuro quando já não serão estudantes universitários. O fim do curso de graduação já não está tão longe. Alguns já experimentaram o mundo do trabalho e buscam um diploma de nível universitário, em função de motivações múltiplas, e também como estratégia para uma inserção profissional que, ao menos, se aproxime daquela que deseja.
A perspectiva da transição entre a escola e o trabalho é uma situação de não-lugar (MELO, BORGES, 2007). De um lado o indivíduo vai deixando para atrás sua condição de estudante e vai perdendo o suporte que a instituição universitária pode oferecer, e, ao mesmo tempo, ainda não se identifica, e nem é reconhecido, como um profissional estabelecido em seu meio de atuação.
É nesse panorama de passagem, de passarela de um estatuto social a outro que a questão do trabalho, o emprego, o desemprego preocupa os estudantes. Disso decorre todo o engajamento dos jovens em desenvolver diferentes ações que enriqueçam, solidifiquem e atestem a formação profissional adquirida ao longo da graduação. O currículo conquistado ao longo dos anos de estudos universitários torna-se, então, documento desse engajamento do jovem em direção a mostrar-se apto diante dos olhares do mercado de trabalho (CAMARANO, 2006). Aqui a realização de um curso superior funciona como uma ação realizada no presente que se torne recurso no futuro.
Os estudantes lidam com as incertezas do futuro e tentam se cercar de certezas relativas calcadas em suas próprias habilidades no intuito de escapar ou reduzir ao máximo as contingencias socioeconômicas que os leve a aceitar a vaga que aparecer.
Observando a situação delineada a partir dos registros escritos pelos estudantes do Bacharelado Interdisciplinar, que almejam tornar-se Engenheiros e atuar na área, notamos que experimentam certa solidão nessa transição entre a universidade e o mercado de trabalho. Eles convivem com a ideia de que devem mesmo se adaptar continuamente e elaborar seus planos de futuro num terreno movediço em que a escolaridade e a experiência apoiam a possibilidade de sucesso no mundo do trabalho.
[1] Vale observar que os registros foram realizados durante período de aulas remotas em virtude da pandemia Covid-19.
[1] Os nomes dos estudantes são fictícios.
Referências:
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