Metadados do trabalho

A Oferta De Atendimento Educacional Especializado Para Um Aluno Com Deficiência Múltipla: Desafios E Possibilidades Em Uma Escola Do Campo E De Fronteira

Rebeca Ferreira Carvalho; Ana Aparecida Morais de Oliveira; Miguel Rodrigues Netto

Este estudo foi realizado em uma escola do campo pertencente à rede municipal de educação da Cidade de Cáceres, Mato Grosso. A pesquisa objetivou compreender como uma escola do campo e de fronteira realiza o atendimento educacional especializado para um aluno com deficiências múltiplas. Desse modo, levantou-se a seguinte questão de pesquisa: “Quais são os desafios e possibilidades da Escola Municipal Jaçanã durante o AEE de um aluno com deficiências múltiplas??  Para amparar a discussão, buscou-se subsídios nas Políticas Públicas de Educação Inclusiva (UNESCO, 1990,1994; BRASIL, 1988, 1993, 1996, 1999); teóricos da educação do campo (CAIADO 2003); MELO JUNIOR et al, 2018) e autores que discorrem sobre a Educação Inclusiva (PAEZ, 2001; SILVEIRA e NEVES, 2006), entre outros. Configura-se enquanto um estudo exploratório de abordagem qualitativa que utilizou entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados. Os resultados apontaram algumas ambiguidades no campo da Educação Inclusiva, relativas ao direito, acesso e permanência do aluno com deficiência, visto que a instituição analisada não oferece, de fato, uma educação inclusiva efetiva.

 

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CARVALHO, Rebeca Ferreira; OLIVEIRA, Ana Aparecida Morais de; NETTO, Miguel Rodrigues. A OFERTA DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA UM ALUNO COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES EM UMA ESCOLA DO CAMPO E DE FRONTEIRA. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2022 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/461-a-oferta-de-atendimento-educacional-especializado-para-um-aluno-com-defici%C3%AAncia-m%C3%BAltipla-desafios-e-possibilidades-em-uma-escola-do-campo-e-de-fronteira. Acesso em: 16 out. 2025.

A OFERTA DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA UM ALUNO COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES EM UMA ESCOLA DO CAMPO E DE FRONTEIRA

1. Introdução

 

O debate sobre a Educação Inclusiva foi iniciado a algum tempo, entretanto, as maiores conquistas das pessoas com deficiência (PcD) são recentes. Essa modalidade de ensino pode ser compreendida como a prática da inclusão de todos os alunos, independentemente de sua origem cultural, social, econômica, de seu talento ou deficiência (STAINBACK; STAINBACK, 1999).

Todavia, para que a oferta da Educação Inclusiva fosse possível, foi preciso uma série de eventos históricos que mobilizaram as estruturas sociais, como a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNESCO, 1990), sancionada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien e a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), firmada na Espanha.  Os movimentos de luta pelos direitos das PcD também ocorreram no Brasil e vestígios das pautas podem ser visualizados em alguns documentos, como a Constituição Federal (BRASIL,1988), o Plano Decenal de Educação para todos, (BRASIL, 1993) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999).

Embora os avanços da Educação Inclusiva no país sejam incontestáveis, a escolarização dos alunos com deficiências ainda é um processo que avança paulatinamente, pois, apresenta desafios para as escolas, famílias, sobretudo, para os discentes que apresentam deficiências múltiplas. Frente a isso, é pertinente destacar as palavras de Barros, Silva e Costa (2015) quando dizem que as discussões sobre as políticas públicas inclusivas voltadas para escola, particularmente, as que propõem melhoria da qualidade educacional, são sempre importantes. Porém, Freitas (2004) problematiza que o discurso ideológico da qualidade de ensino é utilizado para legitimar a exclusão do aluno PcD ou com necessidades educacionais especiais (NEE), visto que os responsabiliza pelo seu fracasso escolar, isto é, os alunos são acusados pela sua dificuldade e deficiência no processo de inclusão escolar (CAIADO, 2003). Sendo assim:

Essa ideologia do esforço pessoal mascara a qualidade de ensino oferecida na Educação Básica, na medida em que esse discurso naturaliza a desigualdade social, de maneira que conforma as classes desfavorecidas socioeconomicamente a terem a oportunidade e o direito à educação de qualidade. (BARROS; SILVA; COSTA, 2015, p.150).

As visões propostas pelos autores sobre as políticas públicas inclusivas convidam a olhar com criticidade para os processos educativos com vistas a identificar rupturas e neutralizar estigmas e preconceitos impregnados de “capacitismos”, isto é, atitudes que descrimina ou denota preconceito social contra pessoas com deficiência (PCDs), por meio de termos, comportamentos e expressões pejorativas que as classifiquem como inferiores a outras pessoas. (ARAÚJO,2018).

Nesse contexto, é pertinente destacar as palavras de Angelo (2021) quando afirma que a escola tem um grande papel na prática de inclusão. O autor sugere que as instituições de ensino assegurem em seus Projetos Políticos e Pedagógicos ações inclusivas, como a formação continuada de professores para atender aos alunos com NEE. A formação, por sua vez, pode ajudar a neutralizar práticas e discursos capacitistas e preparar a comunidade escolar para lidar com a diversidade. Portanto, a escola pode garantir aos alunos uma visão ampla do corpo, do aprendizado e das relações sociais e, assim, assegurar que as crianças com NEE sejam acolhidas independentemente de suas condições emocionais, físicas, sociais e intelectuais (FERREIRA; VECTORE; DECHINI, 2012)

No bojo dessas discussões, cabe destacar que a inclusão de alunos com NEE pode trazer benefícios imensuráveis para o seu desenvolvimento social, cognitivo e individual. Entretanto, o docente deve compreender as necessidades dos estudantes e estipular quais são as habilidades que deverão ser desenvolvidas. Sendo assim, durante o planejamento, é preciso estudar quais atividades serão realizadas, quais materiais serão utilizados, o que precisa ser adaptado e quais habilidades serão desenvolvidas (POLIEDRO, 2014).

Essa perspectiva é corroborada por Páez (2021, p.33), pois, conforme o autor é necessário que as escolas regulares sofram adaptações físicas e pedagógicas para a oferta de uma educação inclusiva que, em um sentido mais amplo, “significa educar, sustentar, acompanhar, deixar marcas, orientar, conduzir. ”). Sendo assim, a inclusão busca desenvolver a autonomia, a criatividade e a ampliação das competências do aluno com deficiência, sejam elas múltiplas ou não (SILVEIRA; NEVES 2006).

Dadas essas considerações, esta pesquisa objetivou compreender como uma escola do campo e de fronteira realiza o atendimento educacional especializado para um aluno com deficiências múltiplas. Para tanto, o estudo amparou-se em autores que discorrem sobre a Educação Inclusiva, como: Páez, (2001), Silveira e Neves (2006), Ferreira, Vectore e Dechini (2012), Briand e Oliver (2015). Além disso, dialogou com autores da Educação do Campo, por exemplo: Caiado (2003), Melo Junior et al. (2018). Por fim, sustentou-se em políticas públicas da Educação Inclusiva, como: UNESCO (1990,1994), Brasil (1988, 1993, 1996, 1999). Metodologicamente, trata-se de um estudo exploratório de abordagem qualitativa que se valeu da análise de conteúdo para interpretar os dados coletados em uma entrevista semiestruturada concedida pela mãe de um aluno com deficiências múltiplas e pela professora desse aluno.

2. Políticas Públicas de Educação Inclusiva e Educação do campo: diálogos possíveis

 

A Lei de Diretrizes e Bases n. º 9.934 (LDB) em seu artigo 3.º pontua que a educação é um direito de todos — alunos com ou sem deficiência, residentes em áreas urbanas ou rurais, etc.— e faz parte do exercício da cidadania. Em outros termos, a LDB assegura que a educação confere aos estudantes o status cidadão, para que possam agir discursivamente na sociedade a partir de seus conhecimentos desenvolvidos na escola (BRASIL, 1996). Nesse sentido, Lima, Junior e Brzezinski (2017, p 2482) afirmam que:

 

O conceito contemporâneo de cidadania se estendeu em direção a uma perspectiva na qual cidadão não é apenas aquele que vota, mas aquela pessoa que tem meios para exercer o voto de forma consciente e participativa. Portanto, cidadania é a condição de acesso aos direitos sociais (educação, saúde, segurança, previdência) e econômicos (salário justo, emprego) que permitem ao cidadão desenvolver todas as suas potencialidades, incluindo a de participar de forma ativa, organizada e consciente da vida coletiva no Estado. (LIMA; JUNIOR; BRZEZINSKI, 2017, p.2482, grifos nossos)

 

Para garantir a o desenvolvimento efetivo da cidadania dos alunos, as escolas, segundo a LDB, devem garantir aos discentes com NEE, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos que atendam às suas reais necessidades; bem como, professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns (BRASIL,1996). O documento recomenda em seu artigo 60, parágrafo único, que o poder público adote, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com NEE na própria rede pública regular de ensino (BRASIL, 1996).

Além das nuances relativas à Educação Inclusiva, as práticas de ensino na Educação do Campo também possuem suas peculiaridades (CARVALHO; OLIVEIRA; NETO, 2022). Sendo assim, Lopes et al. (2016) preconizam que a oferta de uma educação inclusiva em contexto campesino deve ser alicerçada a partir da realidade da escola e das vivências dos docentes ao aliar a teoria com a prática. Por esse prisma, os autores acreditam que os docentes possam desenvolver uma prática pedagógica mais contextualizada e significativa. Portanto, “a construção conjunta de conhecimentos e possibilidades é fundamental aqui, porque a intenção é oportunizar uma educação inclusiva mesmo em espaços onde não existam os recursos que as diretrizes educacionais preveem. ” (LOPEZ, et al. 2017, p. 612)

De maneira a análoga, Melo (2019) pontua que participar efetivamente do cotidiano escolar campesino também é um direito que os alunos PcD têm, contudo, às vezes não usufruem, visto que esses espaços não estão adaptados e favorecem à exclusão.  Dito isso, a autora expõe que a escola do campo não pode abrir suas portas às PcD, promovendo somente a sua integração, mas “estar adaptada com recursos humanos, didáticos e infraestrutura adequada, que permeie a acessibilidade, a permanência e também condições de acesso à cidadania e aos bens socialmente produzidos. ” (MELO, 2019, p.501).

Diante desses apontamentos, é pertinente mencionar que a escola parceira deste estudo— ficticiamente intitulada Escola Municipal Jaçanã— além de lidar com os desafios da inclusão de alunos com deficiências múltiplas, também precisa atender e incluir alunos imigrantes bolivianos, fato que acentua, ainda mais, a necessidade de formação continuada e políticas públicas educacionais que contemplem essa realidade de ensino.

Discutir a relação possível entre a Educação do Campo e Educação Inclusiva é um convite para olhar com mais atenção às políticas públicas educacionais, aos projetos políticos pedagógicos, bem como, a relação entre universidade e escola com vistas a promover formação continuada. Portanto, o direito à escola é para além da matrícula e permanência do aluno, isto é, compreende a plena participação social do aluno PcD e o respeito às suas limitações e aptidões (CARVALHO; OLIVEIRA; NETO, 2022). A seguir, são apresentados os percursos metodológicos adotados neste estudo.

 

 

3. Metodologia

 

            Trata-se de um estudo exploratório, por proporcionar ao pesquisador maior familiaridade com o problema (GIL, 2008), visto que este ainda é pouco explorado. Nesse sentido, “é necessário que o pesquisador inicie um processo de sondagem, com vistas a aprimorar ideias, descobrir intuições e, posteriormente, construir hipóteses”. (DUARTE, 2022, online).

             Este é também um estudo qualitativo, que é um tipo de pesquisa que “não se apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques. ” (GODOY, 1995, p.21). Além disso, Triviños (1987) acrescenta que a abordagem de cunho qualitativo concebe os dados buscando compreender seu significado a partir do contexto observado. Por fim, a investigação adotou as proposições de Bardin (1977) sobre a análise de conteúdo, que se configura como um conjunto de técnicas de procedimentos sistemáticos que objetivam a descrição do conteúdo das mensagens.

 

3.1 Contexto da pesquisa

 

O estudo foi desenvolvido na Escola Municipal Jaçanã, localizada na zona rural do município Cáceres/MT-Brasil e que faz fronteira com a Bolívia. A instituição foi construída no ano de 1999 para ofertar o ensino gratuito às famílias moradoras das comunidades próximas, como: Sapiquá, Rancho da Saudade, Nova Esperança, Corixinha, Bom Sucesso e Katira

 

3.1.2 Espaços de vivência dos alunos nas comunidades bolivianas

 

Muitos discentes matriculados na Escola Municipal Jaçanã moram na Bolívia e estudam no Brasil. São alunos bolivianos ou brasileiros que convivem com os familiares que estão empregados em fazendas do lado estrangeiro. Esses estudantes são acompanhados pelos seus responsáveis em longas caminhadas até a escola. As figuras abaixo ilustram a situação de vida de um aluno da Educação Especial matriculado na Escola Municipal Jaçanã.

Figura 1: Frente do prédio que abriga aluno da Educação Especial

Figura 2: Lateral esquerda do prédio que abriga aluno da Educação Especial.

Figura 3: Fundo do prédio que abriga aluno da Educação Especial.

 

 Fonte: Carvalho, Oliveira e Neto (2022).

Como se pode verificar, o local em que ocorre o atendimento educacional especializado não é apropriado para os alunos com NEE, visto que não dispõe de adaptações físicas, materiais pedagógicos, bem como, condições básicas para atendê-los dignidade. A construção é parcialmente de alvenaria e é completada com materiais naturais, como sustentações de madeiras de árvores nativas da região e teto de folha de coqueiro.

 

3.2 Participantes da pesquisa

 

 

A pesquisa contou com dois participantes: a mãe de um aluno e um professor. A mãe do discente com deficiências múltiplas é boliviana e convive com o esposo brasileiro e seus 3 filhos. O segundo informante é um professor pedagogo, titular de uma turma do multisseriada correspondente ao 4.º e 5.º ano, da educação básica. Quanto ao tempo de trabalho no Ensino Especial, o professor alegou não ter experiência e nem formação específica em educação especial ou inclusiva. Ele é funcionário da escola há dez anos.

 

3.3 Instrumentos

 

Para responder à questão da pesquisa: “Quais são os desafios e possibilidades da Escola Municipal Jaçanã durante o AEE de um aluno com deficiências múltiplas? ” foram utilizados alguns instrumentos, como: i) leitura crítica de referências bibliográficas relacionadas ao tema; ii) realização de entrevistas semiestruturadas.

Em primeiro lugar, foi preciso verificar a literatura produzida para, então, prosseguir com as etapas posteriores do estudo. Esse ato foi de suma importância para que se pudesse olhar com critérios teóricos a problemática aqui investigada. Em seguida, foram realizadas entrevistas semiestruturadas no primeiro semestre de 2021, de forma presencial, respeitando os protocolos de distanciamento e de prevenção contra a Covid-19. Participaram dessa etapa mãe e o pai do aluno com deficiências múltiplas e o professor responsável. As falas foram registradas de maneira escrita no momento da entrevista. Com relação aos cuidados éticos, os informantes foram convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que os alertou sobre os riscos e benefícios da pesquisa.

 

4. Análise dos dados

 

4.1 Recortes da fala dos pais

 

Conforme advoga Prestes (2011), geralmente os pais são pessimistas e resistentes no que diz respeito à inclusão de seus filhos PcD, pois enxergarem mais desafios do que possibilidades, como: falta de formação adequada do professor, falta de estrutura física adequada da escola, etc. Entretanto, é preciso combater a descrença e o pessimismo e mostrar que a inclusão é uma grande oportunidade para os alunos, pais e educadores (SILVA, 2019). No bojo dessas discussões, outro fator crucial diz respeito às condições socioeconômicas em que este aluno vive.

Frente a isso, cabe observar que no contexto desse estudo, a mãe entrevistada alegou que ela e seu esposo só dispõem de uma moto danificada para levar os três filhos até a escola. Isso faz com que nem todos possam ir diariamente para a escola, sendo necessário realizar um rodízio. Embora o pai e os filhos sejam brasileiros, a família não usa o transporte escolar pois moram no território boliviano. Os pais foram questionados a respeito da escolha de viverem na Bolívia, mesmo abdicando de direitos básicos aos filhos, como o transporte escolar. A mãe relatou que já possuía um “pedaço de terra” em território boliviano e que não conseguiria outro lugar para morar com a família.

Com relação a essa situação, a mãe foi questionada sobre o “rodízio” de filhos que vão para a escola e como se dá a assiduidade desses alunos. A resposta foi a seguinte:

 

[Excerto 01] não levamos ele na escola com frequência porque temos mais duas filhas na escola e não conseguimos levar os três de uma só vez, tenho que levar dois e voltar para buscar mais um. Assim, tenho que dar 4 viagens. Fica muito caro. Não temos condições, mas acreditamos que a escola faz bem a ele.  (Informação verbal, grifos nossos).

 

Observa-se na fala da mãe do aluno com múltiplas deficiências a crença de que a convivência no espaço escolar, apesar das dificuldades, pode fazer com que seu filho se desenvolva melhor. Entretanto, sinaliza a falta de suporte do governo boliviano com a educação de seus filhos que possuem dupla nacionalidade. Para ela, é muito caro levar os filhos até o Brasil para estudar;

De modo complementar, o pai acrescentou sua preocupação com relação à maneira que o seu filho PcD é atendido devido às suas múltiplas deficiências. Durante a entrevista o ele questionou: “A professora dele já foi contratada para eu mandá-lo para a escola”? (Informação verbal). Quando ele diz “professora”, se refere à Auxiliar de Desenvolvimento Infantil — ADI.

Com relação aos anseios do pai, é pertinente resgatar o que diz Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Esse documento assevera que as instituições escolares devem se mobilizar e dispor de profissionais para oferecer apoio às necessidades específicas dos alunos com NEE, “no âmbito da acessibilidade às comunicações e da atenção aos cuidados pessoais de alimentação, higiene e locomoção. ” (BRASIL, 2015, p.2, Art.3).

Embora a legislação assegure a importância da Educação Inclusiva, é imprescindível destacar que o direito à inserção de PcD no ensino regular representa um grande desafio para pais e professores, tendo em vista que, na maioria das vezes, as escolas ainda não estão preparadas para o AEE, como é o caso, por exemplo, da Escola Municipal Jaçanã. Essa ruptura é fruto do abandono do governo e da secretaria municipal de educação que não viabilizam a profissionalização adequada dos professores que necessitam de formação, como também, a falta de investimento nas estruturas físicas e pedagógicas.

 

4.2 Recortes da fala dos professores

 

Com o intuito de compreender a relação entre o professor e o aluno com múltiplas deficiências, foi realizada a seguinte pergunta: “Você atende alunos da Educação Especial? Quais são as limitações desse aluno”? A resposta dada pelo professor foi a seguinte: “Sim, um aluno com deficiências múltiplas e suas limitações são motoras e psicológicas. ” (Informação verbal).

A partir dessa realidade, é pertinente problematizar a falta de formação específica desse professor para realizar o AEE, pois, conforme a resolução CNE/CEB n°2 (2001), em seu artigo 18, as escolas que tiverem alunos deficientes matriculados necessitam de um profissional especializado e capacitado a identificar as necessidades educacionais especiais para definir, liderar e apoiar a implementação de estratégias de flexibilização curricular, adaptação de procedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas.

Os dados evidenciam uma realidade que se repete em muitas escolas em que os docentes não estão preparados para atender às demandas específicas dos alunos deficientes. Apesar disso, foi perceptível em sua fala um grande desejo de acolher e atender o aluno com múltiplas deficiências.

Ademais, ao ser indagado sobre suas fragilidades no AEE, o professor alegou que: “o aluno precisará de uma Auxiliar de Desenvolvimento Infantil – ADI, para o atendimento em sala de aula, ainda não tem. ” (Informação verbal). Ou seja, o docente reconhece que não é seu papel realizar o AEE, portanto, devido a ausência de formação específica o atendimento não ocorre como deveria. Logo, percebe-se que, na prática, a escola não proporciona condições pedagógicas, físicas e humanas para que esse aluno frequente a sala de aula. Como se pode ver, a instituição apenas recebe alunos “da inclusão” que, de fato, não são “incluídos”, pois não há, nas palavras do professor, um profissional especializado. Isso só reforça estigmas e preconceitos ao aluno com deficiências múltiplas, visto que fica fora das práticas pedagógicas por não acompanhar o ritmo dos não deficientes.

Por conseguinte, ao ser questionado sobre a disponibilidade de recursos materiais e de apoio pedagógico ofertados pela unidade escolar para o desenvolvimento desse aluno, o professor informou que: “há cadeira de rodas e cadeira adaptada para aluno especial, fraldas. Materiais específicos não tem aqui disponíveis, mas eu comprei um livro para trabalhar com ele”. Como se pode perceber, a escola não ultrapassa o nível do assistencialismo, visto que, pedagogicamente, não há materiais e metodologias inclusivas, obrigando o professor a comprar por conta própria um livro didático para ter condições de melhor atender ao seu aluno.

Por fim, foi feita a seguinte pergunta: “Toda criança da Educação Especial precisa de atendimento médico, psicológico e social para que seja integrado na sociedade. Você concorda com essa afirmação? Como a escola contribui para que esse aluno tenha acesso a essas três categorias? ” O docente respondeu que: “Sim, concordo plenamente. A escola solicita profissionais da prefeitura via sistema 1 Doc—  plataforma de processos digitais que conecta atendimento, comunicação e gestão documental em um só lugar, elimina o papel como veículo da informação — para atender a demanda”. (Informação verbal). Em seguida, o docente foi questionado se esse tipo de solicitação é cumprido imediatamente. Obteve-se a seguinte resposta: “Há uma demora muito grande em ser atendido pelos profissionais da prefeitura”. (Informação verbal).

            Como observado, a escola não promove a inclusão, visto que o atendimento desse aluno se limita ao assistencialismo. Pelo contrário, deveria conceber o aluno PcD a partir de uma perspectiva biopsicossocial da deficiência, considerando não apenas os aspectos médicos da “limitação”, mas também, olhar para os aspectos sociais e pedagógicos. A partir dessa visão, busca-se estabelecer na escola um atendimento integral do aluno com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), instituindo adaptações estruturais, sociais e pedagógicas (LARA, 2013). Sendo assim, a oferta de uma educação biopsicossocial é concebida a partir de uma perspectiva sistêmica, em que vários sujeitos e instituições estão em constante interação e se complementam mutuamente para oferecer o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

 

5. Considerações Finais

 

A partir dos dados, verificou-se que o atendimento educacional especializado ofertado na Escola Municipal Jaçanã não é condizente com as orientações dos documentos oficiais sobre a educação especial e inclusiva. Com isso, a pesquisa diagnosticou que os pais desejam que o filho PcD frequente a escola, mas sentem medo devido a falta de assistência e condições básicas para acolhê-lo. Além disso, foi possível perceber que há uma extensa jornada a ser trilhada para que, de fato, o aluno seja “incluído”, tendo em vista a falta de recursos pedagógicos e físicos. Além disso, a situação é agravada devido à residência no país vizinho.

Nessa ótica, a pesquisa apresentou as angústias e desafios de um pedagogo que por conta própria, burla os empecilhos do sistema e realiza o AEE conforme pode, por exemplo, comprando recursos pedagógicos por conta própria, visto que não há iniciativas da secretaria municipal de educação.

Diante dos desafios aqui apresentados, infere-se que a escola está longe de ser inclusiva, pois, precisa se mobilizar para criar redes de apoio. Se a escola almeja tornar-se inclusiva deve inquietar-se, mobilizar-se e perceber a necessidade de transformação, no sentido de considerar as pessoas, suas histórias, concepções, percepções, crenças, experiências e trajetórias pessoais.  Portanto, se houvesse um grupo de profissionais específicos, composto por: assistentes sociais, psicopedagogos, médicos, fisioterapeutas, psicólogos apoiassem o aluno, o professor, a família e a comunidade escolar como um todo, novas chances de ação seriam possíveis às pessoas que trabalham diretamente com AEE.

Referências

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