Metadados do trabalho

“Do Direito À Cidade”: Contribuições Para O Debate Educacional

Eloisa Almeida

O artigo, de cunho bibliográfico, coloca em discussão o direito à cidade e insere-se no debate da cidade educadora. Apoia-se em teóricos da educação, em diálogo com autores da área da geografia, acrescido das contribuições de Henri Lefebvre sobre “O direito à cidade” (LEFEBRVE, 2011). A metodologia adotada é a revisão sistemática de literatura com vistas a identificar artigos sobre a temática e que se encontram disponíveis no Portal de Periódicos da Capes. Foram identificados e discutidos 29 artigos que reafirmam a perspectiva do direito à cidade associada a outros direitos, como educação, saúde, acessibilidade, urbanização. Apresentam-se artigos que relacionam o direito à cidade ao mais tempo de escola, potenciando lugares que podem se tornar territórios educativos. Conclui-se pela necessidade de implementação de políticas públicas com vistas à educação cidadã em uma cidade educadora. Enfim, propõe-se que a escola, enquanto espaço de educação para todos e todas, possa ser um canal para o aprofundamento de debates a fim de viabilizar a conscientização quanto à garantia dos direitos que cada cidadão possui, pessoal e coletivamente.

Palavras‑chave:  |  DOI: 10.1590/1413-812320172212.24922017

Como citar este trabalho

ALMEIDA, Eloisa. “Do Direito à Cidade”: Contribuições para o Debate Educacional. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2022 . ISSN: 1982-3657. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320172212.24922017. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/450-do-direito-%C3%A0-cidade-contribui%C3%A7%C3%B5es-para-o-debate-educacional. Acesso em: 16 out. 2025.

“Do Direito à Cidade”: Contribuições para o Debate Educacional

    1. INTRODUÇÃO                                                                                                                                                                               

As discussões sobre o direito à cidade se inserem de modo mais efetivo na educação brasileira no debate sobre educação integral, em tempo integral. Esse debate contribui para que se fortaleça o direito à educação de qualidade que extrapole os muros da escola. Além disso, essa discussão favorece a conscientização de gestores quanto à necessidade de um tempo maior de permanência de estudantes nas escolas e, também, provoca a todos os engajados em processos educativos escolares para que se abra o leque de oportunidade de aprendizagem nos currículos abrangendo aspectos sociais, culturais e éticos que contribuam para a formação holística de estudantes (GADOTTI, 2006; MOLL, 2012a; MOLL, 2012b MOLL, et al., 2012).

Pode-se apontar o Programa Mais Educação (PME), editado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, como fomentador desse debate. O PME tinha

[...]o objetivo de contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas contribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos. (BRASIL, 2007, p. 2).

 

            Após 15 anos, entendemos que esse debate continua fundamental e nos propusemos a explorá-lo neste trabalho. O artigo de cunho bibliográfico é uma primeira aproximação com a temática e é parte de um estudo, em fase inicial[i], que busca compreender processos de apropriação de um bairro por estudantes do 9º ano do ensino fundamental e as possibilidades de ampliação das aprendizagens escolares, ainda que esses estudantes vivam em territórios vulneráveis.

Na primeira seção do texto, apresentamos teóricos da educação que discutem educação integral e direito à cidade, acrescido das contribuições de Henri Lefebvre sobre “O direito à cidade” (LEFEBRVE, 2011), e autores do campo da Geografia Humana que abordam território e vulnerabilidade. Apresenta-se, também, nesta seção, a metodologia de base qualitativa que utilizou a Revisão Sistemática de Literatura (FERENHOF; FERNANDES, 2016) cuja referência são artigos disponíveis no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Na seção resultados e discussões apresenta-se uma reflexão sobre os estudos identificados e as possibilidades de uma maior interlocução com a cidade para a pesquisa e a prática educativa.

 

 

 

[i] Apoio Fapemig, Univale.

2. SITUANDO A TEMÁTICA E A METODOLOGIA DO ESTUDO

A temática das cidades educadoras comparece no primeiro Congresso Internacional das Cidades Educadoras realizado em Barcelona em 1990, no qual é editada a 1ª Carta das Cidades Educadoras que foi revista em congressos subsequentes: Bolonha (1994); Gênova (2004) e em 2020 é realizada uma nova revisão com vistas a contemplar os cenários atuais e seus desafios, conforme disponível no sítio eletrônico da Associação Internacional das Cidades Educadoras (AICE)[i].

Pode se conferir nos documentos divulgados pela AICE os compromissos assumidos com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) (ONU, 1948) e outros documentos de convenções e pactos internacionais que tratam da garantia dos direitos de crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas idosas, redução de desigualdades de gênero e racial, bem como pela via da inclusão de Pessoas com Deficiência; colocando ainda em pauta o ambiente e a sustentabilidade.

A partir da primeira carta divulgada define-se que a cidade possui meios para subsidiar a formação integral do indivíduo, além de suas funções sociais, políticas e econômicas com vistas a promover o desenvolvimento de todos os seus habitantes, o que é ratificado nas demais edições (AICE, 1990; 2020).

Assim, as edições dos Congressos Internacionais das Cidades Educadoras aconteceram nas cidades abaixo relacionadas, em que se discutem temas diferentes em cada evento vivenciado conforme as demandas apresentadas, e oferecem subsídios para discussão e disseminação das experiências das cidades, o que favorece aprendizagens conjuntas. Além disso, como divulga o site já citado, é também uma oportunidade para que os aspectos da Carta das Cidades Educadoras sejam aprofundados.

Em uma pesquisa online no site citado e em uma busca no google pode-se conferir a cronologia das edições. O primeiro congresso, como anteriormente citado, aconteceu em 1990, nas cidades de Barcelona (Espanha); o 2.º deu-se em 1992, em Gotenorg (Suécia). A cidade de Bolonha (Itália) recebeu em 1994, o 3º congresso. Em 1996, aconteceu o 4.º congresso na cidade de Chicago (EUA). A cidade de [ii] Jerusalém (Israel) sediou, em 1999, o 5º congresso. Deu-se no ano de 2000, o 6.º congresso em Lisboa (Portugal). O 7.º, em 2002, aconteceu em Tampere (Finlândia). Para o 8.º congresso, em 2004, Gênova (Itália) foi a cidade escolhida. Os congressistas foram recebidos para o 9.º congresso, em 2006, em Lyon (França). Nosso país foi sede do evento em 2008, na cidade de São Paulo para o 10º congresso. Já o 11.º se deu em 2010, na cidade de Guadalajara (México). Para o 12.º congresso, em 2012, a cidade de Changwon (Coreia do Sul) foi selecionada. Barcelona (Espanha) sediou o evento por duas vezes, visto que recebeu o 13.º encontro em 2014. A sede escolhida para o 14º congresso foi a cidade de Rosario (Argentina), no ano de 2016. O 15º Congresso Internacional de Cidades Educadoras, em 2018 da AICE, foi celebrado na Vila de Cascais (Portugal).

Atipicamente, conforme destaca o site da AICE, o 16º Congresso da Associação Internacional de Cidades Educadoras, agendado para acontecer em Katowice  (Polônia) em 2020, não aconteceu em função da pandemia global causada pelo vírus COVID-19 e, em 2022 terá lugar em Andong (República da Coreia), no período de 25 a 28 de outubro de 2022, com o tema "Conceber o Futuro da Educação na Cidade: Inovação, Tradição e Inclusão".

No sítio eletrônico, já citado, é possível encontrar informações sobre a Rede Brasileira de Cidades Educadoras que conta com a participação de 24 cidades de diferentes estados brasileiros (Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo) o que mostra a inserção desse debate no cenário brasileiro com reflexos na área da educação, como experiências de ampliação da jornada escolar.

Inserindo-se nesse debate, Moacir Gadotti afirmou, há mais de uma década, que a cidade

 

[...] dispõe de inúmeras possibilidades educadoras. A vivência na cidade se constitui num espaço cultural de aprendizagem permanente por si só, “espontaneamente”: há um modo espontâneo, quase como se as Cidades gesticulassem ou andassem ou se movessem ou dissessem de si, falando quase como se as Cidades proclamassem feitos e fatos vividos nelas por mulheres e homens que por elas passaram, mas ficaram, um modo espontâneo, dizia eu, de as Cidades educarem. (GADOTTI, 2006, p. 134).

 

            Parte-se do entendimento que a cidade precisa cumprir seu papel enquanto cidade educadora pela necessidade de acolhimento, de possibilidade de vida e de construção cidadã para crianças, adolescentes, pessoas jovens, adultas e idosas que nela vivem, se relacionam e se educam. De acordo com Gadotti (2006), o reconhecimento dos sujeitos como cidadãos implica em autonomia e desenvolvimento do sentimento de pertencimento para viver, para aprender a se locomover nas cidades – o que confere à cidade a sua face educadora. Nesse contexto, ele afirma que:

Na cidade que educa, o cidadão caminha sem medo, observando todos os espaços. Temos que aprender anos locomover na cidade, caminhar muito por nossas ruas. Deixar o carro em casa e caminhar. Não ver a cidade apenas por meio de fotos e vídeos. Para isso, é importante uma educação cidadã para o trânsito e para a mobilidade. Precisamos de mapas, de guias. Precisamos saber onde a gente se encontra. Como sujeitos da cidade, necessitamos nos sentir cidadãos. A cidade nos pertence e, porque nos pertence, participamos da sua construção e da sua reconstrução permanente. (GADOTTI, 2006, p. 139).

Essa maneira de pensar rompe com uma visão positivista de cidade como se ela fosse um objeto à parte da vida dos cidadãos. Há que se reconhecer que a cidade é mais do que é feito em termos de planejamento e que esses nem sempre são inclusivos. Os sujeitos, que nela vivem, podem e devem participar efetivamente do que se constrói nas cidades, e delas fazerem parte ativamente, posto que, cotidianamente, a reconstroem ou são dela alijados. A compreensão da cidade como educadora pressupõe assumir princípios como dialogicidade, coletividade, cooperação como tão bem nos ensina Paulo Freire (FREIRE, 2001).

Nesse debate sobre a abertura da cidade e do reconhecimento do seu potencial educador, Paulo Freire se posiciona e se coloca como uma voz importante:

 

Por isso é que é importante afirmar que não basta reconhecer que a Cidade é educativa, independentemente de nosso querer ou de nosso desejo. A Cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de aprender, de ensinar, de conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar de que todos nós, mulheres e homens, impregnamos seus campos, suas montanhas, seus vales, seus rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus edifícios, deixando em tudo o selo de certo tempo, o estilo, o gosto de certa época. (FREIRE, 2001, p. 13).

 

No livro “O Direito à Cidade”, o autor Henri Lefebvre (2011) discute que a industrialização e a urbanização são características da sociedade moderna e forjam confrontos entre as diferentes classes sociais. Denuncia que, no capitalismo, o consumo foi consolidado como elemento central da sociedade, promovendo o enfrentamento entre o valor de troca e o de uso da cidade.

O filósofo reflete que a cidade é uma combinação de relações de poderes e identidades diversificadas e os espaços urbanos são moldados para servir a diferentes interesses, pautados na lógica capitalista. A riqueza de algumas áreas revela poder, enquanto a área periférica demonstra o deslocamento e a marginalização dos pobres, das classes trabalhadoras e de outros grupos excluídos. Observa-se que, em uma cidade, os espaços privados são construídos para servir ao capitalismo, enfatizando a desigualdade social (LEFEBVRE, 2011).

O sociólogo argumenta que é preciso outras bases e outras condições para superar a forma capitalista de organização das cidades. Nesse sentido, quando a cidade é organizada de maneira diferente das bases capitalistas, havendo o direito à participação na sua construção, é possível se apropriar do produto construído, o que é diferente do direito de propriedade. O direito à cidade é o direito à vida urbana, que supõe a existência do local de encontros e trocas (LEFEBVRE, 2011).

Pode-se refletir que o direito à cidade, na perspectiva de Lefebvre, possibilita participar das decisões sobre o ambiente e o que acontece com ele, uma vez que as pessoas comuns participariam de escolhas que refletiriam as suas necessidades e os seus interesses. Para o autor, a cidade deveria ser um lugar onde as pessoas podem se divertir e explorar as suas necessidades criativas (LEFEBVRE, 2011). Portanto, uma cidade não é uma abstração, ela se presta a exclusões e a inclusões precárias, e é parte constitutiva do direito de crianças, adolescentes e jovens. A esse debate, também podem ser acrescidas as contribuições do geógrafo Milton Santos (2006), em suas reflexões sobre território:

 

[...] o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de análise em disciplinas históricas, como a geografia. É o território usado que é uma categoria de análise. (SANTOS, 2006, p. 14).

 

Assim, observa-se a importância do território em relação a identidade dos grupos, pois uma vez que o sujeito constrói o território, ele também passa a ser construído por ele. Como aponta o autor, o território usado é uma categoria de análise no campo da Geografia, que pode ser incorporada em pesquisas no campo da educação, assim como fornecer subsídios para as práticas educativas, sejam elas escolas ou outras práticas não escolares, como as dos movimentos sociais nos quais o direito à terra é fundamental (SOUZA; MEIRELES; BICALHO, 2015).

As discussões sobre o direito à cidade alcançam o campo da educação no debate sobre a educação integral, tempo integral, que destaca a necessidade de diálogo entre a escola, o seu entorno e o quanto é preciso de uma formação cidadã que compreenda o direito aos lugares e à cidade (GADOTTI, 2006; MOLL, 2012a; MOLL, 2012b; MOLL et al. 2012).

Jaqueline Moll destaca essas contribuições e afirma ser a ampliação da jornada escolar condições para a formação cidadã, que incorpore o mundo das ciências, através do desenvolvimento nas áreas de conhecimento e desenvolvimento do ser humano em todos os seus aspectos, apropriação, com vistas à equalização das desigualdades sociais (MOLL, 2012a; MOLL, 2012b; MOLL et al., 2012).

Nessa reflexão, a autora reitera, ainda, que o debate em relação à educação integral e o aumento de jornada com vistas a ampliar, reorganizar e qualificar a jornada diária de crianças, adolescentes e jovens na escola não é utópica, mas é um conjunto de possibilidades que podem favorecer as mudanças estruturais da sociedade, a médio prazo: “à perspectiva de ampliação do tempo de permanência na escola vincularam-se [...] as ideias de organização de territórios educadores a partir da escola e de articulação de arranjos educativos construídos com base em ações intersetoriais” (MOLL, 2012a, p. 129/130).

Traçando esse caminho de reordenação de espaços e tempos escolares, a organização tradicional da escola pode ganhar outra dimensão pautada nos conceitos de cidade educadora e território educativo, associada aos saberes escolares e articulada entre atores do espaço escolar e outros atores.

Outra discussão que interessa a esse debate e que identificamos nas contribuições nos estudos da Geografia é a de “vulnerabilidade do lugar”. Marandola Jr; Hogan (2005) alertam para grupos e populações colocados em riscos ambientais, segregacionistas, raciais e de exposição à violência, além disso, consequentemente, afetados, pois “a vulnerabilidade sempre será definida a partir de um perigo ou um conjunto deles, em dado contexto geográfico e social” (MARANDOLA JR; HOGAN, 2005). Mas, cabe perguntar, como apontam os autores: quem é vulnerável? Depois desse questionamento é de suma importância se atentar para como as pessoas respondem à vulnerabilidade nos territórios e aos impactos dessa vulnerabilidade sobre os territórios.

Este artigo se inscreve nesse cenário de debates, preocupações, temores e se justifica pela necessidade de fortalecimento da defesa da educação na perspectiva do direito à cidade e na relação escola/cidade (MOLL, 2012a; MOLL, 2012b; MOLL, 2012 et al.). Além dos autores citados nesta seção e que fortalecem essa defesa, realizou-se uma revisão sistemática de literatura que é um recurso a ser utilizado em fase inicial de pesquisa, pois permite: identificar outros estudos traçando um estado de conhecimento, as temáticas de interesses de pesquisadores, e, identificar hiatos que permitam vislumbrar outras possibilidades de estudo. Essa metodologia contribui, desse modo, para avanços das pesquisas acadêmicas (FERENHOF; FERNANDES, 2016).

A revisão sistemática de literatura abarca o período compreendido entre os anos de 2007 e 2022 e foi realizada no portal de periódicos da CAPES, com vistas a identificar artigos acadêmicos publicados no período, sobre cidade educadora. Esclarecemos que o recorte de 2007 foi intencional, em função do fortalecimento desse debate no Brasil a partir do PME (MOLL, 2012a; MOLL, 2012b; MOLL, 2012 et al.).

A busca no portal da CAPES se deu com base na filtragem a saber: busca do assunto com o termo “cidade educadora”; periódicos revisados por pares; artigos; idioma português. A busca retornou 45 resultados e foi feita uma primeira seleção pelos títulos e leitura dos resumos. Nesse primeiro exercício foram identificados 4 artigos repetidos e que foram considerados uma única vez e outros que, embora comparecessem na busca, não estavam disponíveis no portal de periódicos da CAPES, sendo preciso lançar mão da ferramenta de pesquisa Google Acadêmico para incluir os artigos na análise. Apesar desse esforço, 2 artigos não foram localizados. A leitura dos resumos indicou ainda que 10 artigos, embora comparecessem na busca, efetivamente não abordavam a temática das cidades educadoras, em sua relação com a educação, objeto proposto para discussão neste artigo. Foram selecionados, para análise, 29 artigos que trouxemos para discussão na próxima seção deste texto.

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os artigos foram lidos e as informações extraídas foram organizadas em um quadro com: ano de publicação, título, autores, palavras-chave, metodologia – conferindo se o estudo bibliográfico ou que se utilizam da empiria – e as conclusões. Verificou-se, também, artigos que articulavam a temática da cidade educadora com a ampliação da jornada escolar no Brasil.

            Com relação ao período de divulgação, verificou-se que os anos com o maior número de publicações foram 2016 e 2017, com sete artigos em cada ano. No ano de 2015, foram identificados seis artigos. No ano de 2019, foram identificados cinco artigos e, nos anos de 2014 e 2021, foram encontrados 3 artigos em cada ano. O ano de 2020 trouxe dois resultados. Em 2009, 2010, 2013, 2018 e 2022, foi identificado um artigo em cada ano. Nos anos de 2007, 2008, 2011 e 2012 não foram encontrados artigos relacionados a essa temática.

Uma análise desse panorama mostra que a temática tem persistido no interesse de pesquisadores. Dois aspectos nos chamam a atenção. O primeiro que apontamos é sobre os anos em que não foram encontrados estudos. O ano de 2007, ano inicial da pesquisa em função do PME, poderíamos não esperar estudos, posto que a temática começava a alcançar de modo mais amplo os debates teóricos da educação brasileira. Entretanto, esperávamos encontrar artigos nos anos subsequentes, em 2011 e 2012. Este último ano coincide inclusive com as contribuições apresentadas por Jaqueline Moll ao discutir a ampliação da jornada escolar no Brasil, via PME (MOLL, 2012a; MOLL, 2012b; MOLL, et al., 2012).

            O segundo aspecto é o fato de acompanharmos como educadoras e pesquisadoras, no cenário dos últimos anos da educação brasileira, retrocessos, ataques a Paulo Freire e a negação do exercício da cidadania. Nesse cenário, compreendemos o comparecimento da cidade como um direito, como temática de estudos de pesquisadores como um enfrentamento a esses retrocessos e negações, reafirmando-se princípios e práticas regidas pelo direito, diálogo, cidadania, enfim por posicionamentos políticos (FREIRE, 2001).

            Prestamos atenção às palavras-chave apresentadas nos artigos porque desejávamos identificar, para além do termo de busca “cidade educadora”, outros que pudessem indicar variadas correlações. Identificamos “cidade inclusiva”, “cidade educativa” e “cidade”. Os resumos indicam que o comparecimento desses termos apontava para discussões sobre políticas públicas, que atreladas à cidade para todos foi um termo citado em vários textos. Reitera-se, nos textos, a construção da cidade para todos, reafirmam-se o direito do cidadão, a garantia de direitos e a necessidade de propiciar uma vida digna e discussões postas no debate da cidade educadora (AICE, 1990; 2020; GADOTI, 2006).

Também comparecem, no corpus, os termos “educação”, de modo genérico, “educação do campo”, “educação infantil” e “educação ambiental” apontando, ainda, para outros interesses específicos sobre a temática com relação ao direito das infâncias, das pessoas do campo e o direito ao ambiente Os resumos indicam que a escola é vista como instância responsável para a formação de cidadãos conscientes, transformadores e sujeitos de direitos. Além disso, indicam a importância da formação de professores, do acesso aos locais públicos e a compreensão da cidade para além dos muros da escola.

Quanto à metodologia do estudo, 24 artigos são de cunho bibliográfico e discorrem acerca das políticas públicas que possibilitam a implementação, nas cidades, dos propósitos e princípios do estabelecido pela Carta das Cidades Educadoras (AICE, 1990; 2020). De modo geral, os textos insistem na necessidade de que se promova, nas cidades e em instâncias educativas, o bem-estar de cidadãos e garantia de direitos básicos. Um exemplo desses estudos é o realizado por Donato; Júnior e Bacila (2022) que recomendam maior diálogo no cenário da cidade que educa, atenta à necessidade de apropriação de espaços públicos pelos cidadãos:

Como a própria Carta das Cidades Educadoras elenca, cidades de todos os portes dispõem de funções que educam, mas ao mesmo tempo deseducam. Uma cidade educadora tem que propiciar, às pessoas, que vivam a cidade e que entendam a complexidade do ambiente em que estão inseridas. Nesse sentido, uma cidade educadora assume um contexto de educação informal, promovendo a apropriação dos espaços públicos pelos aprendentes e educadores. (DONATO; JUNIOR; BACILA, 2022, p. 46).

 

Outra discussão que comparece nesses estudos refere-se à ampliação da jornada diária escolar (tempo integral) conforme preconiza há mais de duas décadas, no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no Art. 34: A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola (BRASIL, 1996).

Nesta direção, identificamos o estudo de Parente (2020) que apresenta uma análise de políticas de ampliação de jornada escolar e provoca reflexões sobre articulações entre educação formal e não formal, a partir da ideia de cidade educadora, intersetorialidade, políticas e território educativo. Compreende-se, pela leitura do artigo, as preocupações com crianças e adolescentes, pelos alertas que faz sobre a necessidade de ampliação do tempo de permanência desses sujeitos nas escolas, não apenas ampliando a jornada escolar, mas oferecendo aos estudantes possibilidades de construção e crescimento que contribuam para a aprendizagem e, principalmente, minimizem ou erradiquem desigualdades através da garantia de direitos.

 A qualidade do tempo a mais na escola comparece, há uma década, como uma das preocupações relativas ao currículo na ampliação da jornada escolar:

para além da necessária ampliação do tempo diário de escola, coloca-se o desafio da qualidade desse tempo, que, necessariamente, deverá constituir-se como um tempo reinventado que compreendendo os ciclos, as linguagens, os desejos das infâncias e juventudes que acolha, modifique assimetrias e esterilidades que ainda são encontradas na prática pedagógica escolar. (MOLL, 2012b, p. 28-29).

           

Ao refletir a temática cidade educadora, um pensamento previamente analisado com relação ao assunto é a abordagem das questões de vulnerabilidade. Ao fazer a busca pelo tema no portal de periódicos da CAPES, partimos do pressuposto de que a população considerada vulnerável deveria ser parte integrante da proposta de políticas públicas que construiria a cidade para todos com equidade, conforme comparece nas proposições do PME com relação a ampliação da jornada escolar. No entanto, observamos que o termo vulnerabilidade não compareceu nos textos, mas subjetivamente a temática estava lá, visto que é impossível pensar em equidade sem elucidar a relação com os excluídos e que vivem à margem da sociedade. Andrade e Franceschini (2017, p. 3850) versam que “o afastamento do sujeito dos cenários sociais, leva à discussão de direito à cidade ao conceito de exclusão”.

Assim, a vulnerabilidade é subjetivamente refletida na falta de políticas públicas para os jovens, na educação para jovens e adultos, na educação do campo, na falta de acessibilidade para portadores de necessidades especiais e para os idosos, também, na ausência de espaços propícios para que as crianças possam brincar, na saúde para todos enquanto direito primário e essencial.

As questões de saúde – enquanto direito fundamental - e sustentabilidade estão sendo propostas nas reflexões e debates, envolvendo toda a população visto que todos os cidadãos precisam ser considerados enquanto sujeitos de diretos e todos têm direito à cidade. Ora, a cidade precisa ser vista como um espaço para todos,sem segregação ou exclusão”, e primar pela qualidade de vida e pela construção social da vida humana, como evocado por Andrade e Franceschini (2017). No entanto, no bojo das temáticas que fazem referência à sustentabilidade social enquanto conjunto de medidas estabelecidas para promover o equilíbrio e o bem-estar da sociedade, muitas ações precisam ser fomentadas a fim de auxiliar membros da sociedade que enfrentam condições desfavoráveis. Nesse sentido os direitos precisam ser estendidos também às pessoas que se encontram em situações de vulnerabilidade, o que abarca a acessibilidade para pessoas idosas e aos portadores de deficiências de um modo geral, população em situação de rua (PSR), pessoas com baixa renda (ainda que tenham moradia), população do campo, entre outros.

Um olhar diferenciado precisa ser lançado a esses grupos e políticas públicas precisam ser elaboradas para atendê-los até mesmo por questão de justiça social e igualdade de direitos. Na explanação em relação às temáticas de justiça social e igualdade, Andrade e Franceschini (2017), salientam:

outro conceito central é o da equidade, que tem como analogia as noções de justiça social e de direitos de cidadania. Como ferramenta, o referencial da Promoção da saúde destaca a participação social, a intersetorialidade, o olhar diferenciado para grupos marginalizados e vulneráveis, e o foco nos sujeitos e territórios. (ANDRADE; FRANCESCHINI, 2017, p. 3850).

 

A tônica das políticas públicas de maneira geral é disseminada no bojo das reflexões e debates nos textos reafirmando direitos e problematizando ausências e lacunas nas políticas públicas. Aponta-se a necessidade de investimento em prol das populações vulneráveis, com o intuito de propiciar o enfrentamento às desigualdades a fim de dirimi-las, promovendo o acesso à educação integral e de qualidade, inserindo a inclusão digital, as tecnologias e os serviços públicos, em prol da diversidade e da equidade.

No que concerne aos trabalhos de cunho empírico foram identificados 05 artigos cujos participantes foram professores, estudantes, coordenadores pedagógicos, jovens, crianças, profissionais da saúde e têm como objeto entrevistas, pesquisa de campo, questionários, dentre outros.

Oliveira (2018) aborda a temática no ensino de Geografia em uma proposta de saída de estudantes em dois espaços da cidade de Porto Alegre - RS, o Centro Histórico e o Cemitério da Santa Casa de Misericórdia com o propósito de pensar o ensino de Geografia alicerçado em vivências urbanas de estudantes. A cidade, que surge como cenário para as saídas de campo, não se configura apenas como agente passivo neste contexto, mas como espaço que educa através de seus objetos e ações [...], delineando o ensino da Geografia pautado em vivências urbanas, a fim de colocar o estudante como sujeito social, inserido em um contexto real [...]. (OLIVEIRA, 2018, p. 369).

Por sua vez, Carvalho e Oliveira (2018) entrevistam professores, coordenadores e estudantes de uma escola da cidade de Dourados (MS) sobre a gestão e o currículo. O estudo ressalta a Gestão Educacional e visa comparar a influência da Constituinte Escolar do estado de Mato Grosso do Sul em relação à proposta da Constituinte do município de Dourados, bem como, abordar como se dá a recepção de uma nova proposta educacional - pautada em Paulo Freire - que busca elaborar o currículo no contexto da gestão democrática e da escola transformadora que tem como pilar o Projeto Escola Cidadã. Portanto, é válido destacar que o estudo não faz referência diretamente à cidade educadora, mas a nomes importantes dessa temática como Paulo Freire e Moacir Gadotti. Ao apresentarem os resultados deste estudo, os autores argumentam sobre a ausência de participação efetiva dos envolvidos nos momentos de concepção e definição das estratégias de implementação e/ou avaliação da proposta de reorientação curricular da rede municipal da cidade, visto que a conquista da cidadania requer participação coletiva e “cidadania não se dá sem a democracia” (CARVALHO E OLIVEIRA, 2016, p. 62-64).

Partindo para outra esfera da vulnerabilidade e exclusão, Moio e Mendes (2013) se voltam para a educação de adultos e fazem considerações a partir da escuta de um grupo de estudantes, participantes de um projeto educativo. Os autores argumentam sobre a importância de reconhecimento e validação de saberes no âmbito da cidade educadora, reafirmando o potencial educativo da cidade em prol da formação cidadã, em atividades localmente construídas e que se revestem de um maior significado para esse público.

Roggero e Siqueira (2019) interpõem através de uma pesquisa de ação interventiva, que implicou no desenvolvimento de uma cartografia da juventude na cidade de Mogi das Cruzes e buscou sensibilizar, articular e mobilizar mais de 4 mil jovens com idades entre 15 e 29 anos, amparada em um plano de participação, por meio de jovens lideranças, que usaram seus canais de comunicação e, para fazer acesso a esse grande número de jovens o grupo utilizou a descentralização por distrito e, simultaneamente, por bairros, mapeando as lideranças e articulando-as para a participação dos Ciclos de Diálogo, com o objetivo de analisar a construção de políticas públicas com a participação direta de jovens, a fim de levantar prioridades na construção de políticas específicas, e, analisar as potencialidades da participação da juventude, pois o plano de governo da gestão municipal da época propunha a criação de uma coordenadoria da juventude. A partir dessa proposta nasceu o Projeto Juventude Mogiana que era coordenado pela secretaria de educação.

A pauta da acessibilidade apresentada no estudo de Merlin e Carneiro (2014) colabora com a percepção de que a questão da cidade para todos e todas tem sido uma preocupação geral, não apenas de educadores e profissionais afins. Assim, os autores abordam a realidade da cidade educadora no contexto da cidade de Sorocaba/SP, cidade que, desde 2006, tornou-se membro da AICE. O texto apresentado aborda aspectos urbanos e não faz alusão à educação escolar e suas concepções, mas busca enfatizar as características educadoras do espaço nos moldes da cidade educadora com vistas a adequar-se aos parâmetros da Carta das cidades Educadoras em seus cinquenta tópicos. Assim, aborda a temática da cidade para todos com construção de ciclovias, pista de skate e de caminhada entre outros, agregando espaços e equipamentos que propiciam o lazer, a cultura, o esporte, buscando atender toda a população. Nesse sentindo, os autores apontam a necessidade de: “[...] considerar que o espaço pode evidenciar que uns aprendem com os outros pelas diferenças e que são essas distinções que oferecem possibilidade de construção da sabedoria e do respeito à alteridade (MERLIM; CARNEIRO, 2014, p. 218).

A preocupação com a temática da cidade educadora comparece, também, em estudos com pessoas moradoras da zona rural, entrecruzando com a ampliação da jornada escolar. Silva; Sales (2017) ao discutirem a escola em tempo integral para a população do campo, a partir da escuta de pais e responsáveis por estudantes de uma escola localizada na zona rural, no Mato Grosso do Sul, problematizam o valor que se dá à cidade e a negligência ao campo. Destacamos esse artigo pela necessidade de reconhecimento das pessoas que vivem na zona rural, como moradoras de um município, mas que vivem especificidades próprias da vida do campo, como os autores destacam (SILVA; SALES, 2017). Essa negligência faz com que a população se posicione de modo desfavorável à ampliação da jornada escolar:

[...] grande parte da comunidade do campo é desfavorável a esta política e que apesar das boas intenções, a implantação da escola de tempo integral evidencia a permanência de certo descaso para com a população do campo, pois, sua concepção além de basear-se no modelo das cidades educadoras, em nenhum momento menciona o campo, é como se este espaço não existisse, ou fosse insignificante, levando em conta o grande valor dado à cidade. (SILVA; SALES, 2017, p. 773).

 

A correlação entre cidade educadora e a ampliação da jornada escolar comparece em outros artigos, como a preocupação com a formação de professores. Moreira; Silva; Donato; Fernandes Júnior (2021) discutem a importância dessa formação na perspectiva da cidade educadora e dos territórios educativos, frisando a notalidade da temática e a necessidade de envolvimento de professores com essa perspectiva de articulação entre tempo de escola e direito à cidade.

Diferentemente, de “aumentar o tempo” do estudante na escola, o mote ampliação de jornada precisa ser visto numa dinâmica que implica a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral. De acordo Araújo (2017):

 

[...] um dos objetivos da implementação de uma educação de princípio integral, não é expandir o tempo na escola apenas, mas “ampliar tempos, espaços e atores envolvidos no processo” educacional, a fim de proporcionar a milhares de alunos brasileiros uma educação de qualidade. (ARAÚJO, 2017, p. 86).

 

O que significa que será oferecida ao estudante uma proposta diferenciada de trabalho que contribua para seu desenvolvimento por um todo, garantindo-lhe situações básicas do dia a dia como alimentação, além da educação de qualidade, com vistas à diminuição das desigualdades educacionais, bem como, a valorização da diversidade. Tomando por base orientações do Programa Mais Educação à época da implementação da Educação Integral, nas escolas brasileiras, que aderiram ao programa, é válido evidenciar que:

Essa estratégia promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação Integral, associada ao processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem conectada à vida e ao universo de interesse e de possibilidades das crianças, adolescentes e jovens. (BRASIL, 2011, p. 6).

 

            O contexto da Educação integral passa pela integração de diferentes saberes e espaços educativos buscando desenvolver uma educação que ultrapasse os muros da escola, provocando o entendimento de que a educação pode se dar na cidade e para a cidade. A escola é considerada uma instância educativa, mas há conhecimentos produzidos fora dela, em outros espaços educativos e por atores portadores de saberes diversos e de culturas. Nesse sentido, a cidade tem potencial educativo para que a escola estabeleça com a rua, o bairro e a cidade uma relação dialógica.

Moll (2019) amplia o escopo do debate no que tange ao desafio de pensar a cidade como território educativo apontando a desigualdade econômica como fator substancial na criação de abismos sociais que dividem ricos e pobres e, consequentemente, geram preconceitos e ódios. A partir desse olhar a autora apresenta pistas quanto à abordagem política e pedagógica

Não se trata, portanto, de uma simples proposição metodológica ou de uma teoria onírica sobre um modo distinto de organizar as cidades, mas de uma resposta e de uma abordagem política e pedagógica possível para recompormos e reinventarmos os mosaicos que são as nossas sociedades, na perspectiva de que seja possível convivermos e coabitarmos com as nossas diferenças, produzirmos a nossa vida material e gerarmos dignidade para todos e cada um. (MOLL, 2019, p. 29-30).

 

A conscientização de que a cidade pode educar e ser educada, como preconiza Paulo Freire (2001), precisa ser validada e junto a isso faz-se necessária a implementação de políticas públicas que visem aparelhar a cidade para que os cidadãos possam valer-se de uma educação cidadã em uma cidade educadora, com tudo o que ela pode oferecer, como pautado por Gadotti (2006):

Uma cidade pode ser considerada como uma cidade que educa quando, além de suas funções tradicionais –econômica, social, política e de prestação de serviços – exerce uma nova função cujo objetivo é a formação para e pela cidadania. [...] para uma cidade ser considerada educadora, ela precisa promover e desenvolver o protagonismo de todos – crianças, jovens, adultos, idosos – na busca de um novo direito, o direito à cidade educadora. (GADOTTI, 2006, p. 134).

 

De modo geral, nas reflexões dos textos analisados, os estudos apontam para a necessidade de se promover, nas cidades e em instâncias educativas, o bem-estar de cidadãos e a garantia de direitos básicos. Nesse sentido, Moll (2019) reitera:

Dito de outro modo, trata-se de compreender que a cidade educadora é um permanente vir a ser, que não se conforma a um modo, ato ou método, mas que se faz por ações diferenciadas e conjuntas que materializam a intencionalidade e a compreensão de que educamos e somos educados no conjunto dos fazimentos diários que vivenciamos. (MOLL, 2019, p. 31).

 

            A leitura dos artigos mostra que as experiencias analisadas se apresentam em diferentes cidades brasileiras como Sorocaba e Mogi das Cruzes (SP), Uberlândia e Belo Horizonte (MG), Dourados (MT), Araranguá (SC), Natal (RN), ainda que poucas cidades em um país extenso como o Brasil, o debate está posto e é importante para que o direito à cidade e à educação se faça cada vez mais efetivo para todos.

 

[i] Disponível em: <https://www.edcities.org/pt/carta-das-cidades-educadoras/>. Acesso em:10 ago. 2022.

[ii] O congresso seria realizado na Polônia, mas foi cancelado em função da Covid-19. A carta foi revista a partir das contribuições das cidades vinculadas à rede.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este artigo se propôs a analisar os debates postos na produção acadêmica disponibilizada no portal de periódicos da CAPES, acerca das discussões sobre cidade educadora e sua construção em prol de uma educação para todos os cidadãos, a partir da compreensão de que a cidade pode educar.

Foi identificada uma produção que alia o debate da cidade educadora a diferentes perspectivas pautadas no direito: acessibilidade, educação na cidade e no campo, saúde, urbanização, equipamentos urbanos, educação integral, mudanças curriculares, políticas públicas, reconhecimento da importância da participação ativa de jovens, dentre outros aspectos com vistas à diminuição das desigualdades.

 Afirma-se, pois, a carência de diálogo entre a escola, o seu entorno, e a necessidade de uma formação cidadã que compreenda o direito aos lugares e à cidade. A partir das análises, é tangível refletir que os atores sociais precisam estar inseridos no contexto dos debates acerca da cidade como espaço de educação e construção e sobre a possibilidade de uma educação cidadã.

Constata-se que a questão não é recente e permanece atual, aliada à promoção da garantia do sujeito como cidadão de direitos, ainda que sejam direitos básicos como alimentação, moradia e saneamento básico. Aponta-se, para além desses direitos, um caminho a ser percorrido a fim de abarcar os objetivos da cidade educadora e a garantia de outros direitos como cultura, lazer, saúde e educação de qualidade.

É relevante refletir que a temática permanece atual e a busca pela formação do cidadão como sujeito de direitos na cidade que educa continua aflorada e expandida pelo Brasil. Assim, nosso país sediará pela segunda vez o evento e a cidade de Curitiba acolherá o XVII Congresso Internacional de Cidades Educadoras, em 2024. O mote escolhido para esta ocasião é a sustentabilidade. Uma cidade alinhada com a Educação para a Sustentabilidade busca o processo de consciencialização dos problemas socioambientais modernos para um projeto de sociedade justa, solidária e sustentável. Essa discussão, porém, é assunto para o próximo estudo.

 

[1] Apoio Fapemig, Univale.

[1] Disponível em: <https://www.edcities.org/pt/carta-das-cidades-educadoras/>. Acesso em:10 ago. 2022.

[1] O congresso seria realizado na Polônia, mas foi cancelado em função da Covid-19. A carta foi revista a partir das contribuições das cidades vinculadas à rede.

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