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Pedro Teixeira De Vasconcelos E O Folclore Na Escola

Telma Cesar Cavalcanti

Este artigo discorre sobre a trajetória do professor e folclorista Pedro Teixeira de Vasconcelos abordando o projeto pedagógico por ele desenvolvido em escolas alagoanas com o ensino das danças folclóricas e seu papel na continuidade da tradição do coco de roda em Alagoas. O estudo integrou  nossa pesquisa de doutorado, na qual investigamos as dimensões da prática do coco de roda, na construção dos processos identitários dos jovens do grupo Xique – Xique. Para a produção de dados foram realizadas pesquisa bibliográfica e entrevista compreensiva com folcloristas alagoanos/as, ex-alunos/as e familiares do referido professor. O estudo da gênese do folclorismo na Europa dos séculos XVIII e XIX e suas reverberações sobre o movimento folclórico brasileiro, assim como as discussões sobre as noções de tradição no mundo contemporâneo, fez-se fundamental para contextualizar as ideias que nortearam o projeto pedagógico do referido professor. Ao tempo em que ressaltamos a importância do trabalho desenvolvido por Pedro Teixeira, visamos colaborar com as discussões acerca do uso do folclore na educação. Por fim, o estudo demonstrou a relevância desse educador para a continuidade da tradição do coco de roda alagoano mediante as reverberações de seu trabalho na adesão da juventude local à essa pratica dançante.

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Como citar este trabalho

CAVALCANTI, Telma Cesar. Pedro Teixeira de Vasconcelos e o folclore na escola. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2022 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/446-pedro-teixeira-de-vasconcelos-e-o-folclore-na-escola. Acesso em: 16 out. 2025.

Pedro Teixeira de Vasconcelos e o folclore na escola

Introdução

 

 

Este artigo discorre sobre a trajetória do professor e folclorista alagoano Pedro Teixeira de Vasconcelos abordando sua atuação enquanto mediador entre o conhecimento dos mestres de folguedos e danças da tradição popular de Alagoas e a instituição escolar. O presente trabalho representa um recorte da pesquisa de doutoramento na qual estudamos os jovens do grupo de Coco de Roda Xique-Xique, do bairro do Jacintinho em Maceió-AL, e o papel da dança do coco na configuração de suas culturas identitárias. Em vista disso, fez parte do estudo localizar os processos de transformação pelos quais vem passando essa dança da tradição popular alagoana, situando aí o papel fundamental do professor e folclorista Pedro Teixeira de Vasconcelos no processo de transformação e manutenção dessa manifestação da cultura de tradição popular local.

Para a produção dos dados foram utilizadas pesquisa bibliográfica, incluindo obras do próprio Pedro Teixeira (VASCONCELOS, 1998). Ademais, buscou-se  entender a gênese do folclorismo na Europa dos séculos XVIII e XIX (BARROS, 2012; ORTIZ, 1992) e sua influência sobre as perspectivas do movimento folclórico brasileiro (VILHENA, 1997) acerca do papel do folclore na educação. Desse modo, foi possível situar esse professor  no movimento folclórico, tanto em âmbito nacional quanto alagoano, contextualizando, assim, as relações que estabeleceu com o ideário desse movimento e sua prática docente. Entender o folclorismo em Alagoas (DIEGUES JUNIOR, 2012; LINDOSO, 2015) e localizar o lugar social desse professor nos trouxe subsídios para compreender as estratégias por ele utilizadas, tanto para resguardar o respaldo institucional ao seu trabalho quanto para garantir o interesse dos jovens estudantes pelas danças e  pelos folguedos[1] da tradição popular alagoana.

Compreender o paradoxo entre permanência  e mudança no processo de manutenção de uma tradição popular foi necessário para situar a relação do professor Pedro Teixeira com as prerrogativas conservadoras do movimento folclórico, ao qual pertencia, em relação aos desdobramentos de seu trabalho. Desse modo, o diálogo com a noção de tradição proposta por Giddens (1997) foi fundamental a este estudo.

Giddens (1997) disseca ontologicamente o conceito de tradição questionando as possibilidades da manutenção de suas bases estruturais frente aos redirecionamentos das ordens de relação espaço-temporais nas sociedades modernas globalizadas. Sua abordagem sobre tal conceito, frente às emergências da modernidade, permitiu problematizar a discussão em torno da dialética entre permanência e mudança que perpassa a relação com a tradição vivida pelo Professor Pedro Teixeira em sua atuação pedagógica, frente à perspectiva essencialista sobre tradição, defendida pelos folcloristas. Esta que reivindica uma noção espaço-temporal que requer a delimitação de localidades em modos não mais possíveis de serem contemplados atualmente, mediante a ordem comunicacional global em que interferências culturais múltiplas são inevitáveis.   

Além do estudo bibliográfico, foram realizadas entrevistas compreensivas (KAUFFMAN, 2013) com quatro folcloristas alagoanos contemporâneos do professor Pedro Teixeira, assim como três ex-alunos e um familiar. De partida, situamos o lugar de interesse comum sobre o tema entre entrevistador e entrevistado ao tempo em que ponderamos as colocações de Kaufman (2013) quando este aponta que, para que o processo compreensivo se estabeleça, é necessário compreender as pessoas como “depositárias de um saber importante que deve ser assumido do interior, através do sistema de valores dos indivíduos” (KAUFMAN, 2013, p. 101).             Essas entrevistas foram realizadas no período entre 2015 e 2016.  

Sendo assim, este artigo inicia anunciando brevemente a gênese e as principais prerrogativas do movimento folclórico brasileiro e uma pequena biografia do Professor Pedro Teixeira de Vasconcelos em meio ao folclorismo alagoano. Seguimos com a contextualização do trabalho por ele desenvolvido nas escolas alagoanas e os desdobramentos sobre a continuidade da tradição do coco de roda no estado. Outrossim, desenvolvemos reflexões a partir dos dados levantados na pesquisa e discutimos sobre a presença do folclore na escola. Desse modo, pretendemos colaborar para a divulgação e o reconhecimento do importante trabalho desenvolvido por esse professor, ao tempo em que esperamos contribuir para as discussões acerca do uso do folclore na educação, mais especificamente na instituição escolar.

 

[1] Os folguedos diferenciam-se das danças, sobretudo, por possuir personagens caracterizados. Por ocasião da IV Semana Brasileira de Folclore, realizada em Alagoas em 1952, o conceito de folguedo foi assim definido: “estruturado, comporta número certo de figurantes, traja uniforme especial, rito ordenado, carece de ensaios e preparação” (BRANDÃO, 2003, p. 33).

Aspectos do folclorismo e da trajetória de Pedro Teixeira de Vasconcelos no contexto alagoano

 

O termo folclore (saber do povo), cunhado pelo inglês Willian John Thoms em 1846, é decorrente do movimento nacionalista alemão que fora subsidiado pelas ideias de Herder, ganhando força na Alemanha e em toda a Europa no contexto do Romantismo que, como sabemos, constituiu-se numa poderosa corrente de ideias artísticas e literárias emergentes no século XIX. Opondo-se ao elitismo e à supremacia da razão presente no iluminismo, os intelectuais românticos europeus irão consagrar o povo como detentor da pureza e da simplicidade, de ser guardião da tradição, de uma memória que precisa ser valorizada e preservada da extinção. Sob a égide do movimento nacionalista alemão, tomam, então, para si, a tarefa de garantir a preservação da tradição da qual acreditam depender a identidade cultural da nação.

A esses atores sociais, imbuídos da tarefa de preservar a cultura do povo, será atribuído o título de folcloristas. Tomados pelo forte espírito preservacionista, herdado também dos antiquários, estes, que foram “autores dos primeiros escritos que, a partir do século XVII, retrataram os costumes populares”, adotam uma perspectiva de ver a história “na sua harmonia e no seu repouso”, habitando um “mundo estático” (BARROS, 2012, p.77-78). Os objetos coletados pelos antiquários eram vistos como parte de um passado não mais existente ou em vias de extinção, urgindo por classificação e preservação.

Essa noção de temporalidade, assim como o gosto pelo espírito classificatório e ainda o diletantismo característico dos antiquários irão permanecer como marca dos folcloristas. Do romantismo ficará, sobretudo, a marca do nacionalismo. Ortiz (1992, p. 6) aponta que “os Românticos são os responsáveis pela fabricação de um popular ingênuo, anônimo, espelho da alma nacional”; e que

os folcloristas são seus continuadores, buscando no Positivismo emergente um modelo para interpretá-lo. Contrários às transformações impostas pela modernidade, eles se insurgem contra o presente industrialista das sociedades europeias e ilusoriamente tentam preservar a veracidade de uma cultura ameaçada (ORTIZ,1992, p. 6).

 

Nessa perspectiva romântica folclórica, percebe-se, portanto, uma noção de tradição pautada pela ideia de preservação do passado no presente, ao que, bem pontua Ortiz (idem) configura-se numa ilusão, na medida em que essas manifestações da cultura de tradição popular, ou folclóricas, ao estarem circunscritas num contexto histórico e sociocultural específico, são expressões desse contexto e configuradas nas relações de sentidos em que são geradas e se expressam. Se o contexto histórico e sociocultural muda, essas manifestações também se alteram na medida em que novas configurações de sentidos são geradas para o seu existir.

Segundo Vilhena (1997), no Brasil, os estudos de folclore, iniciados por volta de 1870, são movidos desde o princípio pelo interesse no contexto europeu dos séculos XVIII e XIX, sob repercussão do pensamento dos antiquários, românticos e folcloristas.

Vilhena (1997, p.174), a partir da análise de um artigo daquele que ele considera o porta-voz do movimento folclórico brasileiro, Renato Almeida, observa que o movimento propõe a articulação entre três pontos: “a pesquisa; a proteção do folclore; e o aproveitamento do folclore na educação”.

O terceiro aspecto, ou seja, o aproveitamento do folclore na educação, tinha para os folcloristas a função de “ativar na consciência da juventude o sentido da consciência nacional” (VILHENA, 1997, p.147). Verifica-se aí uma total vinculação com as prerrogativas preservacionistas da perspectiva romântica europeia de séculos passados, imbuída de uma noção de tradição pautada pela imutabilidade, pela permanência do passado no presente.

Alagoas teve significativa representação no Movimento Folclórico Brasileiro, que teve como auge de sua atuação a década de 1950, assim como na Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CDFB). Nomes como Théo Brandão (1907-1981), Aloísio Vilela (1903-1976) e Manoel Diégues Junior (1912-1991), por exemplo, estiveram atuantes nos encontros e congressos nacionais promovidos pelo Movimento. Além desses, vários outros que tinham em comum o fato de pertencerem a uma elite intelectual alagoana (e, até mesmo, açucareira) com formação em nível superior, fato que representava um destaque social para a época em Alagoas, integraram tal grupo. Esses folcloristas compunham a chamada Escola de Viçosa, formada, em sua maioria, por filhos de senhores de engenho deslocados de seu lugar de origem e da obrigatoriedade em dar continuidade ao patriarcado do senhor de engenho, para investir em formações profissionais outras, como a medicina e a advocacia, por exemplo. Uma vez formados, esses filhos de senhores de engenho passavam a atuar na cidade, exercendo muitas vezes cargos políticos, jornalísticos, atuando em órgãos públicos, em instituições educacionais e culturais, ocupando cargos políticos, constituindo a intelectualidade local, formadora de opinião (DIÉGUES JUNIOR, 2012).

Dirceu Lindoso (2015) refere-se também à Escola de Maceió como uma outra facção constituinte da elite intelectual alagoana, complementar à Escola de Viçosa, e a ela similar na condição social de seus integrantes, formada por membros do Instituto Histórico e Geográfico, centro referencial da historiografia alagoana, cujos historiadores eram também folcloristas. Essa Escola teve como representante Abelardo Duarte, responsável pela tese difusionista da origem alagoana do coco.

Um segundo momento do folclorismo alagoano terá como um de seus significativos representantes o Professor Pedro Teixeira de Vasconcelos (1915-2000). Considerando-se um discípulo de Théo Brandão, destaca-se, sobretudo, por sua atuação no aproveitamento do folclore na educação, corroborando com os ideais do Movimento Folclórico Brasileiro.

Apesar de haver declarado, em entrevista publicada no jornal Tribuna de Alagoas em 16 de junho de 1980, que não se considerava um folclorista, assim o identificamos  por ser esta uma titulação que lhe é amplamente conferida, por instituições e por seus pares, em função de seu histórico e da significativa atuação na área dos estudos folclóricos.

Filho de fazendeiros, Pedro Teixeira de Vasconcelos, mais conhecido como Professor Pedro Teixeira, nasceu no dia 12 de outubro de 1915 em uma região em que hoje se situa o município de Chã Preta, mas que, à época de seu nascimento, integrava o município de Viçosa. Vivenciou em sua infância uma proximidade muito grande com as manifestações das tradições populares de Alagoas. Sua família era muito afeita a essas manifestações, levando sempre para dentro da casa grande da fazenda Medina, onde morava, folguedos como o guerreiro, o reisado, o pastoril. Sobretudo sua mãe, era uma grande entusiasta, o que a levava a organizar danças e brincadeiras envolvendo os familiares, chegando até mesmo a criar um reisado da família, o Reisado da Medina (VASCONCELOS, 1998).

A relação de Pedro Teixeira com os folguedos e as danças de Alagoas dá-se, assim, não apenas no plano da leitura e da apreciação, mas também, da vivência, da experiência corpórea com os cantos, o movimento e as relações entre corpos que essas manifestações proporcionam. Sobre essa base proceder-se-á toda a sua trajetória como educador e folclorista. Será edificado também um artista criador de coreografias, faceta essa sublimada pelos folcloristas alagoanos, mas que pretendemos explicitar no decorrer deste texto.

Será sua vocação religiosa que o levará a residir na capital do estado, em 1929, quando ingressou no Curso do Seminário de Maceió. Em 1933, entretanto, abandonou a carreira religiosa por não se ver vocacionado ao celibato, vindo a casar-se em 1944.

Sua trajetória profissional será longa e intensa. Inicia com uma breve atuação como escrevente autorizado do Cartório do 1º Ofício da Comarca de Viçosa, de 1934 a 1935; em seguida, terá início sua trajetória como professor, atuando inicialmente na escola primária em Viçosa e prosseguindo, estendendo seu raio de atuação para outras cidades do agreste alagoano e posteriormente para Maceió. Atuou não só como professor, mas também como fundador de escolas, tanto em Chã Preta quanto em Maceió. As principais disciplinas que lecionou foram Latim, Francês, Português e ainda Educação Artística. Como gestor, assumiu o cargo de Chefe do Serviço de Orientação Educacional da Secretaria da Educação de Maceió (1960-1963), Coordenador Regional de Ensino da 1ª Região – SED Maceió, Técnico de Educação da Secretaria da Educação de Alagoas (1965-1982), Assessor da equipe de Métodos, Currículos e Programas da SED-Alagoas (1974-1975), chefe de atividades Extra-Curriculares da SED; Coordenador dos Conjuntos Folclóricos de Departamento de Assuntos Culturais da SED (1962-1982), Chefe da Equipe Alagoana de Folclore junto ao JEBS – Jogos Estudantis Brasileiros (1972-1978), conselheiro do Conselho Estadual de Cultura – SECULTE-AL (1973-2000), membro e Presidente da Comissão Alagoana de Folclore, membro da Sociedade de Cultura Artística de Alagoas, conselheiro do Conselho Deliberativo da Fundação Teatro Deodoro.

 

Pedro Teixeira de Vasconcelos e o folclore na escola

 

A atuação de Pedro Teixeira de Vasconcelos como educador foi marcada pelo desenvolvimento de um projeto que consideramos importantíssimo para todo um contingente de estudantes alagoanos, entre as décadas de 1960 e 1990, sobretudo para aqueles residentes em Chã-Preta e em Maceió na época. Foi ele responsável por levar mestres populares[1] às escolas e lá criar grupos de danças e folguedos. Esses grupos realizavam inúmeras apresentações tanto em Alagoas quanto fora do estado, em festivais folclóricos e eventos afins[2]. Sua atuação como professor  se deu, em Maceió, na rede pública de ensino, nas escolas Correia das Neves, Crispiniano Portal, Pio X, Nossa Senhora das Graças e Élio Lemos. Também atuou com a criação de grupos de folguedos na escola da rede privada Sagrada Família e, na cidade de Chã Preta, atuou na Escola Cenecista, a qual foi por ele fundada (VASCONCELOS, 1998).

Era uma premissa fundante de seu projeto pedagógico a presença dos mestres da tradição para o ensino dos folguedos e das danças aos estudantes. Nas apresentações realizadas por esses grupos de estudantes, ele fazia o possível para levar esses mestres representantes da tradição popular de Alagoas. Apenas com relação ao presépio, ao pastoril e ao coco, ele abria uma ressalva e atuava, ele mesmo, como coreógrafo e/ou ensaiador, como gostava de se intitular, fato que o levava a não admitir que seus grupos fossem identificados como parafolclóricos[3] e sim como “grupos autênticos”:

Em 1960 cheguei aqui em Maceió e de pleno acordo com o emérito mestre Théo Brandão, o maior folclorista de Alagoas, comecei a organizar grupos folclóricos em escolas estaduais e particulares da capital entretanto esses folguedos eram ensaiados e montados por mestres autênticos, legítimos. (VASCONCELOS, ibidem. p.88).

Todo e qualquer folguedo que não é ensaiado e montado por um homem folk é considerado parafolclórico. Quanto aos que eu incentivo e monto, concebo-os como autênticos. São ensaiados por mestres legítimos, verdadeiros homens folks. Coordenando estes folguedos durante os últimos dezoito anos, nunca os apresentei sob minha responsabilidade a não ser o Presépio, o Pastoril e o Coco. Os demais são preparados por mestres conhecidos e consagrados. (VASCONCELOS, 1998, p. 137)

 

Segundo duas ex-alunas do Professor Pedro Teixeira[4], uma delas tendo atuado em seus grupos continuamente por 20 anos, desde os nove anos de idade, o Professor Pedro criava coreografias sobre as músicas do coco. Essa era uma atividade sobre a qual ele expressava muito entusiasmo, prazer e satisfação, demonstrando um alto grau de exigência com relação a uma boa execução por parte dos dançarinos e das dançarinas frente à coreografia proposta para o conjunto.

Com seus grupos, ele realizou cerca de 40 apresentações em vários estados brasileiros[5]. As viagens para dançar fora de Alagoas motivavam bastante os jovens que integravam esses grupos. Inclusive, promovia a adesão e a manutenção do vínculo com o grupo. Segundo membro de sua família, e uma de suas ex-alunas[6], que vivenciou a grande maioria das apresentações realizadas pelos grupos coordenados pelo Professor Pedro Teixeira, as demandas vindas desses festivais levaram o Professor Pedro a realizar mudanças nas danças e nos folguedos para uma melhor adequação ao contexto do palco, a exemplo da inclusão no acompanhamento musical do coco de um bumbo e de um tarol. Seriam essas estratégias para  manter a participação de seus grupos juvenis nos festivais e, por conseguinte, manter os jovens motivados  a permanecerem dançando.

Atuou, assim, o Professor Pedro Teixeira como um criativo coreógrafo que deu uma organização espaço/temporal à dança do coco de modo a adequá-la ao contexto das apresentações em palcos e torná-la mais atrativa para os jovens com os quais trabalhava nas escolas.

Segundo um dos familiares entrevistado, era o referido Professor um apreciador do ballet clássico, seja por meio de apresentações de ballet que assistia na televisão, seja de espetáculos de grupos e escolas de ballet de Maceió, aos quais ele costumava prestigiar. Era, inclusive, muito próximo da professora Emília Vasconcelos, uma das pioneiras no ensino do ballet clássico em Maceió, com quem gostava de conversar sobre o assunto. Tal informação nos leva a inferir que tenha sido essa sua relação de apreciador de obras de ballet uma referência importante para suas criações coreográficas sobre as músicas tradicionais do coco – além, é claro, da vivência nos festivais folclóricos fora de Alagoas, nos quais tinha a oportunidade de assistir à apresentação de grupos parafolclóricos de vários estados brasileiros.

Sendo reconhecido em Alagoas como folclorista e um educador muito respeitado, as formas coreográficas e musicais do coco apresentado pelo Professor Pedro Teixeira foram copiadas por vários outros grupos ditos parafolclóricos, como o grupo formado por estudantes da Universidade Federal de Alagoas, dirigido pela Professora Maria José Carrascosa, por exemplo, e o grupo Transart, hoje Balé Folclórico das Alagoas, dirigido pelo Professor Roger Ayres.

Esses exemplos denotam o raio de ação do Professor Pedro Teixeira, o qual extrapolava o campo das instituições escolares em que atuava. Ele foi sem dúvida uma referência marcante em Alagoas enquanto conhecedor dos folguedos populares, a que se acrescenta sua adaptação ao contexto de apresentações. Os formatos por ele apresentados eram inquestionáveis por parte de seus seguidores quanto à representação de formas “tradicionais”, “genuínas” e “autênticas”. Por parte de seus colegas folcloristas havia um certo “silenciamento” quanto às críticas que poderiam vir a ser feitas com relação as alterações, por ele efetuadas, sobre o modelo da tradição. Esse aspecto pôde ser evidenciado nas entrevistas que realizei. Entre os entrevistados, afora um membro da família e duas de suas ex-alunas (uma delas atuante em seus grupos por mais de 20 anos e atualmente continuadora de sua obra), que se posicionaram de modo muito claro e afirmativo sobre a conduta coreográfica do Professor Pedro Teixeira em sua atuação junto aos grupos de estudantes. Os demais entrevistados (professores e folcloristas) mostraram-se restritivos em assumir uma postura crítica ao trabalho por ele desenvolvido com relação a possíveis alterações nos modelos de referência dos mestres tradicionais,

É assim que, por meio de entrevistas realizadas na nossa pesquisa (com ex-alunos, familiares e folcloristas), pudemos observar alguns aspectos relevantes para repensarmos essa visão que foi criada a respeito do Professor Pedro Teixeira como de um folclorista essencialista. Embora no discurso oficial ele dissesse que só quem poderia fazer alterações nos folguedos seria o homem folk, ele, de fato, fazia alterações em vários componentes da dança do coco, sobretudo na sonoridade e na organização espacial do conjunto.

Chamo a atenção para um dado: o fato de, no movimento folclórico brasileiro, priorizar-se, dentre as inúmeras manifestações folclóricas, o enfoque dos estudos, das pesquisas e das ações de salvaguarda sobre os folguedos. Assim sendo, o coco, por ser considerado dança e não folguedo (ROCHA, 1984), poderia estar, talvez, mais livre de “autuações” ou críticas de colegas folcloristas quanto às interferências realizadas pelo Professor Pedro Teixeira. 

Localiza-se, assim, certa dubiedade nos posicionamentos deste professor quando, ao tempo em que faz inúmeras transformações frente aos modelos “autênticos” que conhecia em profundidade, declara:

É verdade que o Folclore não é estático, tendo de sofrer as modificações do meio ambiental entretanto não pode haver mudanças no seu ritual para não afetar a autenticidade e a pureza de sua essência, porém estas modificações somente podem ser feitas pelo homem “folk” e não por nós outros que somos considerados intelectuais (VASCONCELOS, 1998, p.30).

Nós não podemos fazer modificação alguma nesses folguedos e nessas danças porém os mestres, o homem “folk” legítimo o pode, uma vez que foi ele o criador, o inventor destas manifestações (VASCONCELOS, 1668,  p. 75).

 

Tal dubiedade poderia ser entendida como uma estratégia por ele acionada no sentido de fazer valer seu ideal de folclorista em manter viva as manifestações populares. Parece evidente que, para ele, tal condição dependia da adesão da juventude, que, para tanto, precisava manter-se motivada à pratica da dança do coco, por meio das modificações por ele propostas. Por outro lado, para manter os grupos juvenis em atividade, era preciso manter o respaldo de sua respeitabilidade entre os folcloristas e a comunidade em geral, sobretudo a escolar.

Poderíamos pensar em termos de identidade com o saber[7] (CHARLOT, 2000 ), isto é, na medida em que o Professor Pedro Teixeira propunha alterações estéticas na dança do coco em relação ao modelo da tradição, acionava um dispositivo gerador de identificação dos jovens estudantes com essa manifestação dançante e com as experiências que essa prática proporcionava, qual seja, de modo mais relevante, as viagens e apresentações, assim como o sentido de grupo que se edificava a partir dessas experiências. O Professor Pedro Teixeira, em seu proceder poético e pedagógico, parece nos revelar, portanto, que esteve atento à relação de sentidos dos estudantes para com o fazer dessa dança.

O que o estudo nos mostrou é que vários de seus ex-alunos tornaram-se continuadores, multiplicadores de suas ideias e ideais e que esse percurso entre gerações de professores atuando nas escolas alagoanas com o ensino da dança do coco reverberou na permanência dessa tradição dançante que apresenta, atualmente, uma adesão cada vez maior de jovens alagoanos/as.

Situamos, assim, o Professor Pedro Teixeira como um professor criador, um artista educador, talvez à frente de seu tempo. Teve na dança do coco um meio privilegiado de desenvolvimento da sua criatividade e de prover herdeiros de seu legado, cumprindo assim seu ideal em manter vivas as manifestações dançantes do folclore alagoano, em especial o coco de roda. Com o seu trabalho, fez cumprir, a seu modo, os ideais do Movimento Folclórico Brasileiro.

 

Reverberações da obra de Pedro Teixeira de Vasconcelos sobre a tradição do coco de roda alagoano

 

Como dito, foi o Professor Pedro Teixeira responsável pela formação de vários agentes multiplicadores de suas ideias e danças, pessoas que deram prosseguimento ao seu trabalho, formando grupos de danças populares, especialmente o coco de roda, em escolas públicas e particulares, tanto em Maceió quanto em Chã Preta. Muitos dos ex-alunos do Professor Pedro Teixeira (alguns dos quais graduaram-se em Educação Artística) foram convidados por escolas públicas e privadas para montar apresentações de coco por ocasião das festas juninas e/ou do mês do folclore. O estudo dessas ações poderia ser tema de um outro artigo. O que se destaca aqui é que tais ações pontuais da presença do coco nas escolas, desencadearam processos de propagação dessa dança para além dos muros das instituições.

Foi no final da década de 1990 que estudantes do ensino médio da escola Princesa Izabel, do complexo educacional de escolas estaduais Antônio Gomes de Barros, resolveram dar continuidade a uma ação pontual (realizada durante os festejos junino) com o coco de roda desenvolvida na escola (sob coordenação de uma ex-aluna do Professor Pedro Texeira). Esses alunos reuniram-se no grêmio estudantil e, posteriormente, realizaram na sede da União Estudantil dos Estudantes Secundaristas de Alagoas – UESA, o primeiro concurso de grupos de coco de roda. A partir desse feito, protagonizado por esses estudantes, a dança do coco foi ganhando cada vez mais adeptos entre os jovens alagoanos, que vêm constituindo grupos organizados em vários bairros periféricos de Maceió. Atualmente, existem cerca de 17 grupos afiliados à Liga de Cocos de Roda de Alagoas, alguns contando já 22 anos de existência e cada um deles possuindo entre 40 e 100 integrantes na faixa etária entre 12 e 35 anos (CAVALCANTI, 2018).

Esses grupos de coco de roda se dizem continuadores da tradição do coco alagoano e, embora sejam criticados pelos folcloristas locais em função das modificações que imprimem ao modelo da tradição, é por eles que essa dança se mantém viva em nossa comunidade, haja vista a desativação de quase totalidade dos grupos geridos pelos velhos mestres em virtude de seus falecimentos. Exceção se faz, apenas, ao grupo de coco do povoado Fernandes, em Arapiraca, que se mantém atuante mesmo após o falecimento de seu líder, mestre Nelson Rosa, em 2017 (CAVALCANTI, 2018).

Importante notar a diferença de tratamento dada pelos folcloristas locais às mudanças implementadas por esses jovens às formas tradicionais do coco alagoano, conforme o modelo dos velhos mestres, em relação ao tratamento dado às alterações impressas pelo Professor Pedro Teixeira outrora.

Quando perguntei a um dos folcloristas entrevistados sobre sua visão acerca do coco realizado pelo Professor Pedro Teixeira, ele me respondeu que, estranhamente, já havia assistido à apresentação de vários folguedos executados pelo grupo do Professor Pedro, mas que nunca tinha presenciado uma apresentação da dança do coco. Recorreu assim à lembrança do que Ranilson França (1953-2006), um dos mais respeitados folcloristas alagoanos (também discípulo de Théo Brandão e do próprio Pedro Teixeira), dizia a esse respeito. Falou que ele se perguntava: “Onde será que o Professor Pedro teria visto aquilo? Referindo-se a algo que ele via na apresentação do coco executado pelo grupo de alunos do Professor Pedro Teixeira e que ele não identificava nos cocos realizados por mestres da tradição. Lembrava o folclorista entrevistado que Ranilson logo respondia a própria pergunta dizendo: - “Acho que ele deve ter achado em algum desses livros antigos dele” (em entrevista concedida à autora em 29 de fevereiro de 2016).

Analisando o percurso de atuação do  Professor Pedro Teixeira, em relação a trajetória do coco alagoano, podemos observar que ele soube fazer excelente uso de sua posição social e do poder que esta lhe conferia. Por meio de seu lugar de membro de uma parcela privilegiada de uma sociedade de classes e de sua respeitabilidade intelectual como folclorista, fez valer a implementação e o desenvolvimento de seu projeto pedagógico. Como visionário, entendeu que à manutenção de uma tradição implica rupturas, adequações a novas configurações de sentidos que aproximem as novas gerações, a quem caberá prover a continuidade das tradições, como é o caso, aqui exemplificado, do coco alagoano.

Como afirmou Giddens (1997, p. 82), “...a tradição é um meio organizador da memória coletiva”.  Essa é uma questão que envolve comunicação entre os membros de um mesmo grupo e entre gerações. “A ‘integridade’ da tradição não deriva do simples fato da persistência sobre o tempo, mas do “trabalho” contínuo de interpretação que é realizado para identificar os laços que ligam o presente ao passado”.  Entendemos que esse trabalho interpretativo, a que se refere Giddens, foi desenvolvido pelo Professor Pedro Teixeira na medida em que seu trabalho buscou reconfigurar sentidos para os jovens estudantes ao dançar o coco. Ao recontextualizar a dança para a situação de apresentação (em palcos, palanques, etc.), seguiu na direção da continuidade da tradição do coco na medida em que se interessou pela geração de sentidos para a prática do coco de roda, visando a identificação desses jovens com o saber dessa dança, mediando a comunicação entre os saberes dos velhos mestres e os jovens estudantes.

De outro modo, fica o questionamento sobre a medida dos limites a respeito das modificações atribuídas à uma determinada tradição, nesse caso o coco alagoano, de modo que sua “verdade formular” seja preservada. Giddens nos lembra que, embora seja necessário admitir que as tradições estão sempre mudando, é preciso também assumir que existe um grau de integridade que resiste “ao contratempo da mudança”, que é sua “verdade formular”(GIDDENS, 1997, p. 81).

Para o autor, a manutenção da “verdade formular” da tradição estaria ao cargo de “guardiães” comprometidos com a memória – valendo-se da concepção de Halbwachs[8] – que é, antes de tudo, coletiva e admite a participação das instâncias conscientes e inconscientes do psiquismo no gerenciamento das interpretações e ações do/no mundo. A partir da ação, o passado não é preservado, mas continuamente reconstruído, tendo como base o presente.

A repetição, portanto, estaria a serviço da manutenção da verdade formular,  implicando passagem, transmissão dessa verdade formular num tempo-espaço específico em que memórias são postas em ação. Esse tempo-espaço seria o ritual, situado numa zona de ação separada do pragmatismo cotidiano, identificado por Giddens (1997, p.82) como “parte das estruturas sociais que conferem integridade às tradições, (...), “um meio prático de se garantir a [sua] preservação”.

Turner (1974) refere-se ao ritual como um momento de transgressão à ordem social estabelecida, ao que ele define como “Antiestrutura Social”. Na ordem ritual, pessoas, tempo e espaço são ressignificados sob influência de uma atmosfera simbólica, transformando seus atributos e status sociais cotidianos. Essa seria a condição de liminaridade do ritual em que o indivíduo, despido de suas vestes sociais, se desvela em potencialidades e desenvolve um forte sentido de grupo a que ele chamou de comunitás. Para o autor, a opção pelo termo latino comunitás denota mais claramente o sentido que ele intenta atribuir a esse sentimento de pertencimento e amálgama a um grupo, gerado pelo ritual, que vai além da ideia de comunidade.

Referindo-se à condição de liminaridade do ritual, Turner (1974), deixa claro que, nas sociedades modernas, muitas das funções dos rituais são retomadas pelas artes e atividades de lazer, para as quais ele utiliza o termo “liminoide” para referir-se às ações simbólicas que acontecem nessas atividades similares aos rituais (SCHECHNER, 2002). Tunner evidencia que “as dimensões coletivas, a ‘communitas’(...) devem encontrar-se com todos os estágios e níveis da cultura” e não apenas em meio às sociedades pré-industriais. Nesse sentido, cita o exemplo dos hippies (TURNER, 1974, p. 137).

Aqui proponho a correlação com o coco alagoano, tomando-o como exemplo de instauração desse sentido de comunitás quando presente nas festas realizadas na etapa final da ação coletiva de construção de casas-de-pau-a-pique nas comunidades rurais. Existia aí um empreendimento coletivo para a construção de um bem individual, sendo a festa o momento de culminância desse processo. Momento de experiência da verdade formular dessa manifestação de tradição popular. Nesse contexto local, a relação entre diferentes gerações se fazia na presentificação do passado na ação dançante, na qual a repetição garantia a “estabilidade”, a manutenção da tradição. O ritual festivo, portanto, em sua ordem extracotidiana, constituia-se no locus por excelência para a transmissão da tradição entre gerações. Nesse ambiente, não mais existente atualmente, a tradição do coco era repassada de uma geração a outra, residindo aí uma instância educativa.

Segundo Giddens (1997, p. 93), na modernidade, a “sucessão das gerações é despida da importância crucial que teve nas ordens pré-modernas, como um dos meios mais fundamentais para transmissão dos símbolos e práticas tradicionais”. Para o autor, esse quadro se exarceba nos dias atuais frente à universalização das instituições modernas com a globalização e os “processos de abandono, desincorporação e problematização da tradição” (GIDDENS, 1997, p. 74). Para ele, estamos vivendo sob a ordem de uma sociedade pós-tradicional.

Nessa direção, cabe pensar que, mesmo na ordem dessa sociedade pós-tradicional em que vivemos, a tradição insiste em permanecer. Nesse percurso de insistência, admitem-se rupturas, deslocamentos e novos agenciamentos na relação com as culturas e as identidades. Reelaboram-se mecanismos de relação entre verdade formular e repetição; agenciam-se novos modos de transmissão dessa verdade e redefine-se seu papel cultural e social. Evidencia-se que a dialética entre permanência e mudança é a condição de existência das tradições.

Nesse sentido, caberia pensar que, em seu projeto pedagógico, o professor Pedro agenciou modos de comunicação entre diferentes gerações, ao levar os mestres populares às escolas e – por que não admitir também ? – que a criação de grupos de apresentação possa ser considerada uma ação na direção de ritualizar o fazer dessa dança? De prover um sentido coletivo e artístico para a ação  e, como propõe Turner (1974), reconfigurar o sentido ritual dessa tradição? O fato é que os jovens que vivenciaram essa experiência com o Professor Pedro Teixeira foram fortemente marcados por ela, conforme pudemos constatar nas entrevistas realizadas na pesquisa. Alguns deles tendo se tornado multiplicadores de suas ideias e ideais que reverberam até hoje nos grupos juvenis de coco de roda espalhados pelo estado de Alagoas, sobretudo na capital, Maceió.

O trabalho desse professor nos leva a refletir sobre o papel da escola enquanto mediadora social no sentido de fomentar a comunicação entre os alunos e as tradições populares locais por meio de “uma comunicação profunda”, na acepção de Martin-Barbero (2003), assumindo os conflitos que toda comunicação dessa natureza implica em termos de possibilidades de transformação cultural. Nesse sentido, poderíamos dizer que o Professor Pedro assumiu todos os riscos, inclusive o de ser destituído de seu lugar social de folclorista.

Pelo exposto, torna-se evidente a relevância do trabalho desenvolvido pelo Professor Pedro Teixeira e a importância de seu papel de mediador entre os conhecimentos dos mestres da tradição popular e a instituição escolar, sobretudo para a manutenção e o desenvolvimento da tradição do coco alagoano. 

 

[1] São considerados mestres os líderes dos grupos de danças e folguedos que detêm os fundamentos da manifestação, isto é, seus princípios técnicos, estéticos e, por vezes, suas vinculações com aspectos da religiosidade, seja católica e/ou de matriz afro-indígena.

[2] Para as apresentações realizadas fora da capital e fora do estado, era selecionado um grupo de estudantes de todos os grupos das diversas escolas, inclusive as de Chã Preta. Essa mistura de alunos das diversas escolas é que compunha um grupo a ser levado nas viagens.

[3] Segundo a Carta ao Folclore Brasileiro, redigida pela Comissão Brasileira de Folcore – CBF, grupos parafolclóricos são “os grupos que apresentam folguedos e danças folclóricas, cujos integrantes, em sua maioria, não são portadores das tradições representadas, se organizam formalmente, e aprendem as danças e os folguedos através do estudo regular, em alguns casos, exclusivamente bibliográfico e de modo não espontâneo. Disponível em  http://www.fundaj.gov.br/geral/folclore/carta.pdf, acesso em 01-04-2016.

 

[4] Em entrevista concedida à autora em maio de 2015.

[5] A grande maioria dessas viagens realizadas para fora do Estado foram patrocinadas pela EMATUR – Empresa de Turismo de Alagoas (VASCONCELOS, op. cit. p.131).

[6] Em entrevista concedida a autora em maio de 2015

[7] Não é objetivo desse texto analisar as relações com o saber, no contexto pesquisado, a partir das teorias de Bernard Charlot. Aqui, entendemos apenas a importância de referendar nossa colocação em torno da relação de identidade com o saber, aspecto implicado nas teorias do referido autor. A esse respeito ver Charlot 2000.

[8] Maurice Halbwachs, historiador francês, cunhou o conceito de “memória coletiva”, postulando  que as recordações e as lembranças devem ser analisadas considerando os contextos sociais que atuam como fundamento para o trabalho de reconstrução da memória. É, portanto, a partir desta perspectiva de Halbwachs  que as memórias de um sujeito deixam de ser consideradas como apenas suas na medida em que nenhuma lembrança pode coexistir isolada de um grupo social. A esse respeito ver HALBWACHS (1990).

Considerações finais

 

Como visto, a história do coco alagoano é marcada por sua passagem pela instituição escolar, mais especificamente pelo trabalho desenvolvido pelo professor Pedro Teixeira de Vasconcelos, seja de modo direto em sua atuação junto aos estudantes, seja de forma indireta a partir de seus ex-alunos e da reverberação do trabalho destes sobre os grupos juvenis de coco de roda.

Fica evidente, então, o quanto o projeto pedagógico do Professor Pedro Teixeira, com a inserção das danças e dos folguedos nas escolas em Alagoas, cumpriu os objetivos traçados pelo Movimento Folclórico Brasileiro, tanto no aspecto da “proteção” quanto no “uso do folclore na educação”.  Foi ele mesmo um defensor das causas desse Movimento. Enfim, o que queremos destacar aqui é o caminho peculiar traçado por este professor para atingir tais objetivos, o efeito multiplicador de seu trabalho e as reverberações para além dos muros da instituição escolar.

O estudo nos mostrou que no processo de ensino e aprendizagem dessas manifestações folclóricas ele esteve atento à importância de gerar identificação dos jovens estudantes com as danças e os folguedos populares de Alagoas. Foi desse modo que articulou a relação entre tradição e ruptura para prover a continuidade dessas manifestações entre gerações. Se por um lado seguiu premissas fundamentais de caráter preservacionista, como folclorista que era, por outro, implementou ações que operaram alterações sobre as formas estéticas tradicionais do coco de roda. Ao tempo em que proporcionou a aproximação desses estudantes com os metres guardiães da tradição, oportunizando um aprendizado direto da fonte desses saberes tradicionais, soube contextualizar o processo de ensino e aprendizagem, inserindo em sua poética (aqui entendida como modo de operar) procedimentos capazes de recontextualizar essas danças e esses folguedos ao ambiente dos palcos. Desse modo, inseriu esses jovens estudantes numa relação de identificação com o saber dessas danças e desses folguedos, levando, inclusive, alguns deles, a atuar nas escolas alagoanas com o ensino dessas danças, mais proficuamente o coco de roda. 

É importante ressaltar o profundo conhecimento do Professor Pedro Teixeira sobre essas manifestações dançantes da tradição popular de Alagoas. Conhecimento este edificado desde a infância nas vivências junto aos grupos folclóricos em sua terra natal, Viçosa. Foi o professor Pedro Teixeira, antes de tudo, um partícipe de grupos de danças e folguedos no próprio seio familiar, além de um apreciador assíduo dessas manifestações. Será sobre a égide dessa biografia que ele se lançará em seu processo de mudanças sobre o modelo apresentado pelos velhos mestres, com vistas a prover a adesão das novas gerações e, por conseguinte, da continuidade da tradição, nesse caso mais específico, do coco de roda.

Em  Alagoas, o panorama atual da dança do coco aponta para o declínio dos grupos de coco de roda geridos pelos velhos mestres, haja vista que em sua maioria esses grupos são desativados na medida em que seus líderes falecem. O contrário acontece com os grupos juvenis de coco de roda que crescem a cada ano nas periferias de Maceió. É indubitável o papel desses grupos juvenis na manutenção dessa tradição dançante alagoana. Como visto, são eles herdeiros indiretos do trabalho desenvolvido pelo referido professor.

Em nossa pesquisa de doutorado evidenciamos o quanto o fazer da dança do coco é relevante para a construção dos processos identitários desses jovens. A pratica dessa dança por parte desses grupos juvenis é parte constituinte de seus cotidianos na relação comunitária em seus bairros periféricos. Inclui-se aí a atuação desses grupos nas escolas em que seus bairros estão sediados, seja realizando apresentações, seja ministrando aulas de dança e formando grupos de coco de roda nessas instituições.

É nessa conexão com a experiência da vida cotidiana que “a seiva da tradição se mantém” e, nesse sentido, os modos como se dão os processos de herança entre gerações perdem a relevância. Mais importam as trocas culturais implicadas nesses novos processos de transmissões da tradição, emergentes nas sociedades contemporâneas que insistem em mantê-las na busca por encontrar modos de dar forma à vida social. Nessas novas dinâmicas culturais em prol da sobrevivência da tradição, procede-se um constante jogo entre cosmopolitismo e fundamentalismo, gerador de interferências na configuração das identidades desses sujeitos (GIDDENS, 2003, p. 54).

Fundamentalmente, o que se depreende da reflexão aqui efetuada é que, da longa trajetória realizada desde a atuação do Professor Pedro Teixeira nas escolas alagoanas, passando pela atuação de seus ex-alunos como multiplicadores do seu trabalho, até as configurações dos grupos juvenis de coco de roda vistas atualmente, uma rebuscada teia de relações entre diferentes pessoas, instituições, gerações e classes sociais se fez. Evidencia-se, assim, a dimensão de importância do trabalho desenvolvido por esse educador e o raio de ação de sua obra que, ultrapassando os muros da instituição escolar, reverbera aos dias atuais.

Referências

 

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