Metadados do trabalho

Educação E Saúde: Variação No Uso Dos Conceitos

Cintia Aparecida Ataide; Rosa Amélia Dantas; Lenira Ferreira Ribeiro

Educação e Saúde são áreas de conhecimento compostas por subáreas de confluência ou interseção
conhecidas como educação e saúde, educação em saúde, educação na saúde, educação para saúde, e
em educação profissional em saúde. O objetivo deste trabalho é, realizar uma problematização inicial
acerca da utilização destes termos. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica dos termos
objeto de estudo, incluindo dois artigos sobre a utilização dos termos acima em trabalhos publicados
nas edições do EDUCON. Verificamos que os termos “Educação e Saúde” e “Educação em saúde”,
são considerados sinônimos. Sobre “Educação na saúde” há um consenso e se trata de ações
educativas direcionadas à formação dos profissionais para a atuação na área da saúde. Compreendendo
inclusive a expressão a “Educação Profissional em Saúde”. E que “Educação para a saúde”,
caracterizado como repasse de conteúdo sem a participação ativa dos aprendizes.

Palavras‑chave:  |  DOI: 10.47764/e21021001

Como citar este trabalho

ATAIDE, Cintia Aparecida; DANTAS, Rosa Amélia; RIBEIRO, Lenira Ferreira. Educação e Saúde: variação no uso dos conceitos. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2022 . ISSN: 1982-3657. DOI: https://doi.org/10.47764/e21021001. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/418-educa%C3%A7%C3%A3o-e-sa%C3%BAde-varia%C3%A7%C3%A3o-no-uso-dos-conceitos. Acesso em: 16 out. 2025.

Educação e Saúde: variação no uso dos conceitos

  1. Considerações iniciais

A área de educação constitui um campo amplo multidisciplinar e multiprofissional, e quando estamos nos referindo à educação realizada com conteúdo de saúde, vamos encontrar tanto profissionais de educação atuando no ensino de questões de saúde, quanto profissionais de saúde (nível superior, nível médio e elementar) atuando como educadores de saúde, de forma isolada ou em conjunto.

Muitos são os textos que falam sobre a educação, sobre a saúde e sobre esta área de confluência, ou intersecção conhecida como “Educação e saúde”, “Educação em saúde”, “Educação na saúde”, “Educação para a saúde”, e “Educação profissional em saúde”.

Trabalhando com este tema, Ataíde, Ribeiro e Melo (2021) pontuam que não existe consenso sobre a utilização desses termos nas publicações nas áreas de Educação e da Saúde. Analisados os resumos dos trabalhos publicados nos Anais EDUCON de 2015 a 2020 concluem que “não existe consenso nos conceitos utilizados pelos autores dos resumos estudados, nem entre a classificação realizada pelos pesquisadores deste trabalho”. Indicando a necessidade de aprofundar esta discussão.

Em outro artigo, Ataíde, Ribeiro e Dantas (2021) concluíram que os 87 (oitenta e sete) trabalhos publicados nos Anais das 14 (catorze) edições anteriores do Colóquio EDUCON, abordam uma diversidade de temas como: “Saúde dos Docentes, Processos de Aprendizagem, Ensino em Saúde, Currículo e Interdisciplinaridade, Políticas Públicas de Educação em Saúde, Trabalho, Educação e Saúde em Comunidades Quilombolas, Educação Popular e Saúde, e outros. Após análise e discussão, chegou-se ao consenso de que apenas 47 (quarenta e sete) artigos se classificam no eixo definido pela organização do Colóquio como Educação e Saúde, sendo que 07 (sete) abordam temas sobre, e 32 (trinta e dois) poderiam ser classificados em diferentes eixos temáticos em função de suas abordagens e objetos estudados não relacionados a EDUCAÇÃO E SAÚDE nem EDUCAÇÃO NA SAÚDE. Concluindo pela necessidade de uma ampliação na discussão sobre os conceitos relacionados aos termos a serem analisados neste estudo, do ponto de vista da importância desta área de conhecimento.

O objetivo deste trabalho é analisar, com base nos trabalhos supracitados, se os termos “Educação e saúde”, “Educação em saúde”, “Educação na saúde”, “Educação para a saúde”, e “Educação profissional em saúde” são: neologismos? São sinônimos?  Existe uma justificativa para esta diversidade de termos utilizados? Seria o mesmo conceito, ou o que verificamos é apenas o seu uso de forma indistinta? Nas atividades de educação e Saúde realizada por profissionais e trabalhadores de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), existe um consenso sobre estes termos? E os educadores que atuam na área de educação, ao terem como objeto os conteúdos de saúde existe um consenso sobre estes termos?

2-Os conceitos da Saúde e da Educação

2.1 Saúde

O conceito de saúde é um conceito controverso, e mesmo tendo definições conceituais estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde, no Ministério da Saúde do Brasil e em órgãos equivalentes em outros países do mundo ele é de difícil compreensão. Possivelmente, pela amplitude de sua abrangência, quando se fala em saúde, na maioria das vezes, aborda-se apenas seu aspecto negativado, ou seja, o adoecimento ou a doença. Quando estamos com saúde, percebemos o corpo de forma silenciosa, geralmente não percebemos a sua plenitude, na maior parte das vezes a identificamos quando a perdemos e adoecemos. É uma experiência de vida, vivenciada no âmago do corpo individual.

Segundo Scliar (2007), a saúde como ausência de doença, do ponto de vista científico já foi superado historicamente, e principalmente no campo da saúde pública/saúde coletiva, ele não é mais utilizado. Os conceitos de saúde variam no decorrer da história, mostrando desde sua origem serem historicamente determinados, levando a perceber que estes conceitos representam o que e como os grupos hegemônicos a entendem. Logo, o conceito de saúde apresenta um padrão dinâmico, relacionado com a conjuntura social, econômica, política e cultural. Historicamente, nunca teve uma uniformização conceitual. Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocorre uma tentativa de universalizar o conceito de saúde.

Em 1948, a OMS estabelece que “saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de enfermidade”. Resultante de novas demandas ocorre uma revisão da definição anterior, e em 1999, a OMS publica uma emenda em sua constituição e propõe a definição de saúde como “um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade” (Toniol, 2017).

No Brasil, estabelecido pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 196, temos o princípio norteador do Sistema Único de Saúde – SUS, estabelece que

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução e do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação (Brasil, 1990).

No texto constitucional, o que está em discussão é o direito à saúde integral, detalhando que tal direito não se restringe apenas à possibilidade de atendimento no hospital ou em unidades básicas, focado no aspecto físico e mental. Legalmente o dever do Estado com a saúde implica também na garantia ampla de qualidade de vida, em associação a outros direitos básicos, como educação, saneamento básico, atividades culturais e segurança (Brasil, 1990).

Para a realização da promoção da saúde, principalmente dentro da atenção primária do Sistema Único de Saúde, um dos principais dispositivos são ações de educação com conteúdo de saúde, segurança, dentre outras demandas direcionada às necessidades dos usuários. Segundo Carneiro, Souza, Godinho, Faria, Silva e Gazzinelli (2012),

... a saúde tem um caráter multidimensional e de que o usuário é um sujeito da educação em busca de autonomia são condições essenciais à prática neste âmbito da atenção. Essa premissa vai ao encontro das discussões sobre a promoção da saúde que ganharam força no Brasil a partir da década de 1980, em consonância com a realização das conferências internacionais de promoção da saúde, que definiram como princípios do campo a multicausalidade do processo saúde-doença, a intersetorialidade, a participação social e a sustentabilidade (Carneiro, Souza, Godinho, Faria, Silva & Gazzinelli, 2012).

E por este motivo temos muitos profissionais de saúde que atuam no SUS realizando atividades educativas. Estudo descritivo realizado por Carneiro et al. (2012), analisou 33 práticas educativas de promoção da saúde, e verificaram que 73,0% abordam a multicausalidade do processo saúde-doença, mas que somente 38,0% das práticas promoveram a participação ativa do sujeito. Concluindo que “a maioria das práticas educativas não estava orientada ativamente em direção à promoção da saúde no sentido de fortalecimento da autonomia na gestão dos processos de saúde, da participação social”. Tais resultados podem sugerir que ainda é necessário o aprofundamento acerca desta área de educação e saúde. Nesse sentido é importante estudar a intersecção dos conceitos de saúde e educação.

 

2.2 Educação

Educação pode ser entendida como uma área ampla que contempla desde a educação a partir do momento que nascemos até o momento que morremos aqui no planeta terra. Abrange o ato de educar, de instruir, e seus sinônimos, e contempla ainda aspectos como a polidez e o disciplinamento. O meio em que os hábitos, costumes e valores de uma comunidade ou sociedade são transferidos de uma geração para a geração seguinte, formalmente e informalmente. Sendo várias as definições encontradas na literatura, pontuamos algumas.

Segundo Sampaio, Santos e Mesquita (2002) a educação vem sendo entendida por várias vertentes, e nestas vamos encontrar desde “a ideia de conduzir, impondo uma direção”, ou como “a ideia de oferta, dádiva que alimenta, possibilitando o crescimento”. E a define como

... aquilo que alguém conquistou ao fim de um processo em que interagem a prática e a teoria, a teoria e a prática, a ciência e a técnica ..., o saber e o fazer. É um processo de vida, de construção, de experimentação. A rigor, é a passagem do ser para o dever-ser. A educação tem, portanto, uma conotação lógica alimentada por uma ação teleológica, num processo pleno de intersubjetividade... (Sampaio, Santos & Mesquita, 2002).

Para Valle (2008) a Educação, pode ser entendida como

Na acepção que a aspiração democrática lhe concede, a “educação” é pois prática “deliberada”, submetida a permanente questionamento e conduzida em relação a finalidades coletivamente instituídas e proclamadas. Nessa segunda acepção, a prática da “educação” se faz acompanhar por uma intensa atividade investigativa, de exame e reflexão, que pode, a justo título, ser denominada teoria educacional (Valle, 2008).

Para Charlot (2014) a educação perpassa por um triplo processo de humanização, socialização e subjetivação, sendo “indissociavelmente humana, social e singular”. Destaca que a educação é um fenômeno antropológico, e que deve ter como referência primal o ser humano. O homem, nesse sentido, não pode ser definido apenas por sua natureza, mas enquanto:

[...] herdeiro da espécie, da sua sociedade e da sua família, mas ele é também, de forma consubstancial e não complementar, multiplicativa e não aditiva, um sujeito construído em uma história singular, com desejos, atividades, encontros não programados. Sendo assim, a educação é, ao mesmo tempo, uma obrigação e um direito [...] (Charlot, 2014).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1990), no Capítulo III - Da Educação, Da Cultura e do Desporto, Seção I - Da Educação no seu artigo 205, define educação, na medida que estabelece,

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1990).

Também estabelece a colaboração da família, “através da promoção e do incentivo, no processo educativo” (Brasil, 1990), o que indica o reconhecimento por parte do Estado que para educar as pessoas é necessário o envolvimento da sociedade com um todo, especialmente a civil organizada (associações comunitárias, entidades religiosas e organizações não governamentais).

Os objetivos da educação descritos no artigo 205 da Constituição Federal (Brasil, 1990) são reproduzidos pelo artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990), garantindo “o pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1991).

E é a Lei de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que disciplina a educação escolar, estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no seu art. 1º,

a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (Brasil, 1996).

Nas diretrizes (Brasil, 1996) também está definido que a educação, é inspirada “no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola".

No Brasil, de acordo com a legislação (Brasil, 1996) a educação divide-se em educação básica e ensino superior. A educação básica compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental (Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Anos Finais do Ensino Fundamental); Ensino Médio; Educação de Jovens e Adultos; Ensino Técnico/Pós-Médio; Ensino Superior (Tecnológico, Licenciatura e Bacharelado); Pós-Graduação/Especialização; Mestrado; Doutorado; Pós-Doutorado.

No processo educativo em estabelecimentos de ensino, os conhecimentos e habilidades são transferidos para as crianças, jovens e adultos sempre com o objetivo de desenvolver o raciocínio dos alunos, ensinar a pensar sobre diferentes problemas, auxiliar no crescimento intelectual e na formação de cidadãos capazes de gerar transformações positivas na sociedade. Nestes ambientes a prática dá-se de forma intencional e com objetivos determinados.

Assim, pode-se entender que a educação abrange processos de ensino aprendizagem. Ocorre para além do ambiente formal das escolas e adentra em outras perspectivas caracterizadas como: educação não formal e educação informal. Ocorre em todas as sociedades e suas subdivisões, passando de geração em geração os conhecimentos antropológicos e culturais de se, estar e agir necessários à sobrevivência e à convivência entre seus membros no grupo e na sociedade. Para Bernard Charlot (2021), o processo de aprender e saber se estabelece através da relação com o saber, sendo o sentido a questão primal para tal processo. No entanto para se estabelecer o aprender, é necessário se mobilizar em uma atividade, seja acadêmica ou profissional.

 

3 Conceitos utilizados em Educação e Saúde

3.1 Educação e Saúde

O conceito de Educação e Saúde é abordado como sinônimo de Educação em Saúde enfatizando os diferentes papéis dos profissionais de educação e de saúde, cabendo ao primeiro o domínio dos métodos pedagógicos e a elaboração das ações educativas e ao segundo a construção e domínio dos conteúdos técnicos voltados à saúde e ao enfrentamento da doença, o que pode sugerir uma fragmentação das responsabilidades (Alves & Aerts, 2011).

No capítulo responsável pela definição do verbete Educação em Saúde, no Dicionário da Educação Profissional em Saúde, da EPSJV (Pereira & Lima, 2008), é feita uma abordagem sobre o momento histórico (final do sec. XX) marco da construção das concepções e práticas de educação e saúde com base na Higiene, enquanto campo de conhecimento e forma de conceber e intervir sobre as questões relacionadas à saúde, atribuindo responsabilidades aos indivíduos na produção da saúde, a partir de normas a serem seguidas em seus âmbitos sociais,  casa, escola, família e trabalho para a conservação da saúde. Este aspecto voltado ao fortalecimento da construção de hábitos remete a chamada Educação Sanitária, que, associada a saúde pública se constitui em instrumento das ações de prevenção através da transmissão de conhecimento de forma massiva.

 

3.2 Educação em saúde

A Biblioteca Virtual de Saúde, do MS (Brasil, 2012), define Educação em saúde como um processo de construção e disseminação de conhecimentos sobre temas necessários para promover algum nível de autonomia aos indivíduos sobre seus cuidados em saúde e facilitar suas interações com profissionais e comunidade para assegurar o acesso da atenção às suas necessidades.

Os conceitos de “Educação na saúde” e de “Educação em saúde” também são encontrados no Dicionário da Educação Profissional em Saúde (Pereira & Lima, 2008), desenvolvido e publicado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), Unidade técnica da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e centro colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a educação de técnicos em saúde.

A ESPJV é responsável pela promoção de atividades de ensino, pesquisa e cooperação no campo da educação profissional em saúde e traz os verbetes “Educação na Saúde” e “Educação em Saúde” elaborados pelo MS (Pereira & Lima, 2008), em sua página 155, além de trazer à luz a necessidade de abordagem da temática da “Educação em saúde” enquanto campo social de disputas de concepções de sociedade e formas de ver o mundo, em constante atualização na maneira de pensar os discursos e práticas de educação no campo da saúde. Conforme essa abordagem, para entender as concepções de Educação em Saúde é necessário entender as concepções de educação, de saúde e de sociedade, além de suas relações com os sujeitos do trabalho educativo entendendo que educação, saúde e trabalho constituem práticas sociais integradas no modo de produção da existência humana e precisam ser abordadas como fenômenos historicamente constituídos e reprodutores das relações sociais.

 

3.3 Educação na saúde

O Ministério da Saúde (MS) em seu Plano de gestão do conhecimento, desenvolveu o glossário eletrônico da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) (Brasil, 2012) que define a “EDUCAÇÃO NA SAÚDE” como a produção e sistematização de conhecimentos relativos à formação e ao desenvolvimento para a atuação em saúde, sendo constituído por práticas de ensino, diretrizes didáticas e orientação curricular (Brasil, 2012). Educação na saúde é também conhecida como educação no trabalho em saúde e está dividida em duas modalidades, Educação Continuada e a Educação Permanente em Saúde (EPS).

A educação continuada contempla as ofertas formais de cursos como os de pós-graduação e atividades que possuem período definido para a execução baseadas nos pressupostos da metodologia de ensino tradicional, buscando assegurar a formação sequencial e acumulativa de informações técnicos-científicas para o trabalhador através de experiências em seu campo de atuação, e essa formação pode acontecer no seu espaço de trabalho ou em ambiente externo a este (Brasil, 2012).

A Educação Permanente em Saúde, segundo o MS, se dá no cotidiano do trabalhador e consiste na aprendizagem no trabalho, baseada na aprendizagem significativa para a transformação das práticas. A EPS utiliza ferramentas para a abordagem de temas geradores de reflexão sobre o processo de trabalho, a autogestão, mudança institucional e transformação das práticas em serviço, através do desenvolvimento de habilidades como trabalho em equipe, aprender a aprender e da constituição do trabalhador em seu processo de aprendizagem individual, coletiva e institucional (Brasil, 2012).

 

3.4 Educação para a saúde

Falkenberg, Mendes, Moraes e Souza (2014) versam sobre algumas noções e marcadores dos conceitos-chave do termo “Educação para a saúde”. Destacam que tal concepção, ainda muito utilizada no contexto da saúde, remete à uma ação verticalizada e engessada das práticas de cuidado, nos moldes da educação bancária. A “Educação para a saúde” centra-se na transmissão das informações, com orientação para a construção do conhecimento de maneira unidirecional. Neste esteio, os profissionais da saúde são os únicos agentes responsáveis pela promoção de saúde. Aos usuários da saúde compete apenas receber e seguir as orientações de saúde.

[...] é como se os profissionais de saúde devessem ensinar uma população ignorante o que precisaria ser feito para mudança de hábitos de vida, a fim de melhorar a saúde individual e coletiva. Muitas práticas educativas nos serviços são feitas com esta visão [...] (Falkenberg, Mendes, Moraes & Souza, 2014).

Importante destacar, que tal perspectiva unidirecional da “Educação para a saúde”, aparece de maneira sutil em alguns repertórios de práticas em saúde, ainda que as diretrizes do SUS apontem para a implicação da participação coletiva e comunitária para a produção de saúde.

 

3.5 Educação Profissional em Saúde

A partir dos parâmetros legais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – Lei nº 9.394/96 e do decreto nº 5.154 de 23 julho de 2004, o Dicionário da Educação Profissional em Saúde, define a “Educação profissional em saúde” enquanto formação de profissionais da saúde em diversos níveis, perpassando pela formação inicial, formação tecnológica ou continuada (nível superior de ensino) e a formação técnica (nível ensino médio). Tanto os espaços de serviços de saúde, quanto as instituições de ensino são os principais cenários onde são operacionalizadas a educação profissional em saúde.

Conforme destaca o referido documento, a

“Educação profissional em saúde” quando permeada no plano político-ideológico por discursos que coadunam com modelos hegemônicos, centra-se na [...] adaptação e a conformação dos trabalhadores ao existente, ao mercado de trabalho, assim como às necessidades de manutenção e transformação do capital [...] (Pereira & Lima, 2008).

Tais princípios formativos, potencializam a naturalização dos profissionais para uma formação de trabalhadores técnicos em saúde, com um viés econômico, instrumental, pragmático e moralizador.

Em contraponto com tais ideários, há também movimentos contra-hegemônicos, com vista à construção de um cenário formativo que desvincule a representação mercadológica da saúde, fomentando a construção de práticas de saúde mais humana e solidária. Neste seguimento, intenciona-se na formação e qualificação dos profissionais inseridos nos serviços de saúde, com a finalidade de promulgar transformações nas ações cotidianas e na organização do trabalho em saúde, oportunizando melhorias contínuas em processos os quais se inscrevem os atos de saúde.

 

4-Considerações finais

A partir das informações elencadas e para avançarmos na investigação em relação ao uso dos termos relativos às áreas de Educação e da Saúde, assim como suas intersecções, teceremos algumas considerações ao tempo em que abrimos espaço para novas análises e propostas de investigações sobre o tema. Sendo neologismo “o emprego de palavras novas, derivadas de outras já existentes com atribuições de novo significado”, conforme previsto na norma culta da língua portuguesa podemos dizer que algumas expressões entre as analisadas aparecem nos textos das áreas de saúde desta forma identificadas. Um exemplo desta forma de utilização pode ser observado em relação às expressões “Educação em saúde” e “Educação e Saúde”, muitas vezes utilizadas também como sinônimos.

Tal entendimento foi verificado em trabalhos publicados no Colóquio Internacional de Educação e Contemporaneidade (EDUCON) e analisados em pesquisa realizada em 2021, sobre a utilização dos termos “Educação e Saúde” e “Educação em Saúde” e identificados como sinônimos pelos autores e avaliadores dos trabalhos, publicados no referido evento por Ataíde, Ribeiro e Dantas (2021). Como por exemplo os seguintes trabalhos “O vídeo documentário como estratégia educativa para o cuidado em saúde ao idoso”, “Projeto de educação nutricional com abordagem lúdico-didática desenvolvida com crianças de uma escola particular de Aracaju SE”,Projeto de educação nutricional a partir da horta escolar desenvolvida com crianças de uma escola particular de Aracaju SE”, “ A educação em saúde: desafios e perspectivas sobre a implicação da doença falciforme para o contexto familiar”.

A utilização da expressão “Educação na saúde”, aparece em trabalhos publicados nas edições do EDUCON em conformidade com a definição estabelecida pelo MS, como exemplo, os artigos, “Ensino de saúde do trabalhador na graduação: programa da disciplina no departamento de medicina da universidade federal de Sergipe”, “Ensino de saúde e espiritualidade: uma proposta de conteúdo para graduações da área da saúde”, “ Ensino da saúde na escola: uma revisão”,  “Estratégias de ensino-aprendizagem em um programa de residência de enfermagem em cardiologia”, entre outros, sendo porém identificados por seus autores, por vezes como sinônimo de “Educação em saúde”.

Em relação a terminologia “Educação para a saúde” foi observado que embora entendida como instrumental para o cuidado, a literatura nos aponta o caráter polissêmico da terminologia, produzindo problemáticas conceituais complexas, sobretudo no tipo de concepção em que está subjacente os seus pressupostos fundamentais. Fato esse que podemos observar na Biblioteca Virtual em Saúde, onde o termo “Educação para a saúde” é considerado como sinônimo de “Educação em saúde”.

Quanto a utilização da expressão “Educação profissional em saúde”, observou-se que há referências conceituais que podem apontar significativas implicações na construção de conhecimentos para a formação e atuação em saúde, envolvendo práticas de ensino, diretrizes didáticas e orientação curricular. Considerando um cenário contraditório e complexo em que se confrontam o conceito da saúde como direito universal em contraponto à saúde oferecida de natureza privada. É nesse viés que se reafirma a dinamização conceitual da “Educação profissional em saúde”.

A partir das leituras realizadas, consideramos que os termos “Educação e Saúde” e “Educação em saúde”, são considerados sinônimos. Podem ser utilizados sem trazer prejuízos para o entendimento de seu significado. Tal prática educativa consiste em ações direcionadas a população com o objetivo de assegurar algum grau de autonomia sobre seu autocuidado com a saúde, assim como facilitar sua comunicação com os profissionais e a comunidade onde está inserido.

Em relação a “Educação na saúde” concordamos que existe um consenso entre os vários autores e se trata de ações educativas direcionadas à formação dos profissionais para a atuação na área da saúde. Compreendendo inclusive a expressão a “Educação Profissional em Saúde”, também analisada neste estudo.

No que tange ao termo “Educação para a saúde”, verificamos que ele denota uma forma particular de ação educativa, caracterizado como repasse de conteúdo sem a participação ativa dos aprendizes. Entretanto, essa terminologia foi encontrada como sinônimo de “Educação em saúde” no descritor de busca de ciências da saúde (DeCS). Entendemos ser necessário uma maior investigação sobre o tema.

As temáticas e os múltiplos saberes que envolvem os conceitos de educação e o da saúde, e suas intersecções trazem à luz a necessidade da continuidade das pesquisas sobre o tema. Este estudo não pretende esgotar esta temática, assim, sugerimos novas pesquisas para contribuir com o enriquecimento da discussão, por sua relevância para as áreas de Saúde e de Educação.

 

Agradecimento a Hyder Aragão de Melo pela contribuição na discussão do texto.

Referências

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