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Princípios Educacionais Em Hugo Assmann: A “Sensibilidade Solidária” Como Enfrentamento À Lógica Da Exclusão Social

Gefferson Silva da Silveira

Este trabalho pretende problematizar alguns pressupostos da concepção educacional de Hugo Assmann. Assmann entende que é preciso romper com teorias lineares da pedagogia e da educação e buscar uma compreensão dos sistemas complexos e dinâmicos, onde a auto-organização juntamente com outros conceitos emergentes desempenham um papel importante no que tange ao âmbito educacional. A educação, nos moldes como Assmann a entende, tem um objetivo diverso daquela educação entendida como tradicional; precisa se apresentar como possibilidade para o despertar de uma sensibilidade comprometida com as questões sociais e humanas; precisa estar enraizada numa base ética que defenda e garanta a dignidade da vida humana. Não cabe à educação apenas atender às demandas do mercado de trabalho, como verificamos hoje pelas reformas educacionais propostas, sua principal tarefa é desenvolver competências e habilidades que assegurem a defesa da vida e a solidariedade entre os seres humanos.

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SILVEIRA, Gefferson Silva da. Princípios educacionais em Hugo Assmann: a “sensibilidade solidária” como enfrentamento à lógica da exclusão social. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2022 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/398-princ%C3%ADpios-educacionais-em-hugo-assmann-a-sensibilidade-solid%C3%A1ria-como-enfrentamento-%C3%A0-l%C3%B3gica-da-exclus%C3%A3o-social. Acesso em: 16 out. 2025.

Princípios educacionais em Hugo Assmann: a “sensibilidade solidária” como enfrentamento à lógica da exclusão social

No início do artigo “Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar”, Henry Giroux (2000, p. 65) afirma que “estes são tempos difíceis para educadores e educadoras e defensores e defensoras da educação democrática nos Estados Unidos”. Ele fala a partir do seu contexto, mas, é indiscutível que podemos aplicar também ao nosso contexto brasileiro e latino-americano de uma forma geral. Uma das dificuldades que aparece por lá e que encontra ressonância na nossa sociedade é a questão do corporativismo e do profissionalismo técnico que nos “encurralam”, pretendendo transformar a educação em um objeto mercadológico e/ou esvaziá-la do seu papel crítico e comprometimento social.

O impasse que acabamos de descrever encontra um espaço privilegiado nos escritos filosófico-educacionais de Hugo Assmann. Embora, nos primeiros trinta anos de sua produção acadêmica, Assmann tenha direcionado suas pesquisas às questões relativas ao pensamento teológico latino-americano, no ano de 1994 começa a dedicar-se a temas educacionais. Nos anos de pesquisa em que defendeu um pensamento teológico vinculado à Teologia da Libertação desenvolve uma série de críticas ao modelo econômico capitalista. Essas críticas são retomadas, de algum modo, na elaboração da sua concepção educacional, apresentando-se como uma busca por formas que superem a fragmentação do conhecimento, do ser humano e das formas relacionais. Assmann entende que essa realidade fragmentada, herança do pensamento moderno/cartesiano, acaba por descambar numa lógica da exclusão.

Diante das novas concepções sociais, antropológicas e educacionais emergentes, é preciso procurar entender a importância de novas formas relacionais nas atividades pedagógicas e educativas. Nesse sentido, Assmann apresenta três conceitos que foram colhidos do seu diálogo com teorias filosóficas e científicas contemporâneas, a saber, os conceitos de complexidade, auto-organização e interdependência. Esses três conceitos são trabalhados, nas obras de Assmann, com intuito de ressignificar a educação. Ou seja, verificar em que medida a educação pode se apresentar como condição de possibilidade para um reencantamento pela vida. Mas antes, no percurso dessas considerações, é preciso buscar alternativas que favoreçam o reencantamento da própria educação, que contribuam para a superação da exclusão e da fragmentação, da baixa autoestima, apatia e desinteresse em que os contextos educacionais estão imersos.

Os três referidos conceitos estão na base da proposta educacional de Assmann que tem como mote defender a tese de que o compromisso da educação é educar para uma sensibilidade solidária. Sua proposta não almeja um ideal, mas trabalha com o mundo real no qual estamos inseridos; busca refletir como a partir de uma nova postura pedagógica podemos mudar essa realidade. Já que não se pode negar a lógica do mercado e o poder que ela exerce em nossa sociedade, pode-se, em contrapartida, miná-la de valores que dão maior ênfase a realidades não contempladas por ela, como a defesa de uma vida digna acima de tudo.

Neste trabalho, a partir do pensamento filosófico-educacional de Hugo Assmann, pretende-se desenvolver um estudo que aponte possíveis soluções para a seguinte problemática: em que consiste uma educação para a sensibilidade solidária? Como uma educação para a sensibilidade solidária pode contribuir para a transformação social? O conceito de solidariedade é capaz de encontrar condições de universalidade e validez suficientes para fundamentar uma concepção educacional?

 

 

A contemporaneidade está sendo marcada por um contexto de crises, rupturas e desordens nos mais variados setores da sociedade. O cenário não é diferente na educação. De acordo com Pourtois e Desmet (1999, p. 19), a educação na atualidade está em crise de sentido e de complexidade. Isso porque ela precisa dar conta de prover respostas diante das interpelações de um “mundo caracterizado pela exaltação da mudança, pela perda de sentido e certeza, pela falta de referência”. Neste cenário, torna-se instigante refletir sobre como oferecer um futuro às crianças que estão abandonadas devido à crise educacional. Parece necessário buscar a possibilidade de um reencantamento pela vida, pelo mundo, e principalmente, um reencantamento pela educação. Este é o intuito que nos move a investigar a obra de Hugo Assmann, principalmente seus escritos referentes à educação, e trabalhá-la no sentido de apresentar uma proposta que faça frente a esta realidade.

A partir de 1994, depois de ter publicado uma série de artigos e livros que tratam de teologia e economia, Assmann direciona sua produção científica para o âmbito educacional. Sua primeira obra Paradigmas educacionais e corporeidade é fruto de algumas falas em que foi convidado a abordar a temática educacional. Nesta obra, Assmann reúne reflexivamente uma série de informações e considerações acerca da educação e estabelece entre elas uma interconexão. Ele defende que os temas abordados (reforma educacional, crítica à pedagogia da qualidade, a busca de um novo paradigma) devem ser vistos em conjunto.

            A questão da necessidade de uma reforma educacional em nosso país é tratada a partir de observações das reformas educacionais implantadas em outros países. Nesse processo, Assmann identifica o que chama de “uma verdadeira síndrome”, ou seja, a

 

ênfase crescente, nessas Reformas Educacionais, num conceito de aprendizagem fortemente calcado sobre os aspectos especificamente instrucionais (ensino mesmo!) e sobre o eficientismo, não raras vezes em prejuízo da dimensão crítico-formativa do sujeito educando (ASSMANN, 1995, p. 20).

 

Pode-se observar que, geralmente, existe uma nítida ligação entre as reformas educacionais em curso com a ideologia do mercado, que não está preocupada com uma formação humana e crítica do sujeito, mas apenas com a formação de mão-de-obra capaz de garantir os interesses do sistema capitalista. Estas observações de Assmann, feitas em meados dos anos 1990, servem para atualmente análisarmos todo o processo de reelaboração curricular proposta pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

            Segundo Assmann, para operar uma reforma educacional que cumpra um papel eficiente e faça frente a desumanização é preciso começar por uma redefinição do conceito de aprendizagem.

 

São vários os aspectos que entram nessa redefinição da aprendizagem. Um aspecto fundamental é o da urgência de encarar, de um jeito novo e diferente, o potencial auto-organizativo da Corporeidade no processo de aprender a aprender. [...] Um outro aspecto importante refere-se à redefinição das próprias instâncias, instituições e serviços relacionados com a aprendizagem (ASSMANN, 1995, p. 21-22).

 

            Redefinir a aprendizagem é uma proposta que visa romper com o modelo cartesiano-mecanicista ainda em voga na educação nos dias de hoje. Para refutar tal modelo de educação, Assmann faz uso dos avanços que os estudos sobre cérebro-mente nos trazem para tentar compreender melhor a questão da aprendizagem, além disso, são válidos também para a sua aborgadem os enfoques pós-mecanicistas da corporeidade viva. A corporeidade, para Assmann, é de suma importância em todo o processo de aprendizagem humana. Ou seja, é somente a partir da corporeidade que podemos pensar radicalmente a educação.

            O ser humano é por excelência um ser corporificado. Não podemos falar de ser humano sem levar em conta a sua existência corporal. Para Strieder (1992, p. 2), “concretamente, nós nos tornamos manifestos aos outros pela expressão corporal”. A corporeidade/corporalidade nos autoriza a sermos indivíduos, além de nos inserir numa realidade terrestre e comunicacional com os outros seres humanos e o meio ambiente que nos cerca. Para Assmann, isso não significa uma concepção materialista do ser humano, mas uma defesa da importância da corporeidade no processo de aprendizagem. Esse pensamento é um desdobramento da sua teologia. Como na sua concepção teológica, em seu pensamento educacional, mente e corpo não são coisas distintas, mas complementares e devem ser consideradas no conjunto da corporeidade humana.

            Com o conceito de corporeidade, Assmann desenvolve sua crítica ao modelo educacional vigente, contesta algumas teorias pedagógicas bem aceitas na atualidade, mas que desconsideram essa dimensão humana no processo de aprendizagem. Além disso, postula que um novo paradigma educacional só é possível levando-se em conta o conceito de corporeidade. No seu primeiro livro, Assmann (1995, p. 113) deixa claro a sua tese: “O corpo é, do ponto de vista científico, a instância fundamental e básica para articular conceitos centrais para uma teoria pedagógica”. Ou seja, “somente uma teoria da Corporeidade pode fornecer as bases para uma teoria pedagógica”. De acordo com Silva (2019, p. 71), “para se conseguir alcançar uma atitude mais adequada em relação ao homem, faz-se necessário encará-lo em sua totalidade, tendo em vista o mesmo como ser total em sua corporalidade, como um ser de necessidades e desejos”. É nessa perspectiva que Assmann entende que as pedagogias devem considerar o ser humano, não dicotomizando o ser-de-necessidades do ser-de-desejos.

            Essas discussões são continuadas por Assmann em sua obra Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Assmann amplia o que já havia discutido no livro precedente, além de privilegiar uma análise acerca de como se dá a experiência do conhecimento na vida das pessoas. Para isso, ele propõe um diálogo com as teorias emergentes no que se refere à questão do conhecimento, apontando para uma relação indissolúvel entre processos vitais e processos de conhecimento. Nesse sentido, compreende que a propria vida se constitui mediante processos de aprendizagem e onde, por ventura, esses processos de aprendizagem faltam, a vida desaparece. Para Assmann (1998), privar alguém da educação é decretar a sua morte, pois educar significa defender e promover a dignidade da vida humana. É nesse sentido que ele afirma que

 

[e]ducar não é apenas ensinar, mas criar situações de aprendizagem nas quais todos os aprendentes possam despertar, mediante sua própria experiência do conhecimento, para sua dignidade de sujeitos do seu futuro. Em última instância, a dignidade de cidadão nunca pode ser outorgada de fora, mas deve ser conhecida e reconhecida pelos próprios sujeitos-cidadãos, embora se possam outorgar de fora elementos do contrexto propiciador dessa experiência (ASSMANN, 1998, p. 22).

           

No decorrer de sua investigação, Assmann propõe que junto com a educação devemos considerar o aspecto social. Pois, não tem como falar em possibilidade da conquista da dignidade de cidadão e não tocar no tema da exclusão social. Essa temática é desenvolvida em sua obra Crítica à lógica da exclusão, entretanto ganha desdobramentos em sua produção filosófico-educacional. Interessante notar que, para Assmann (1994), a exclusão social não é natural, mas provocada. E assim podemos pensar o seu oposto, ou seja, que ações práticas podem desencadear situações de inclusão e de eliminação (ou, ao menos, amenização) das desigualdades sociais.

Decorrente disso, é indispensável que junto com a melhoria pedagógica esteja o compromisso social. A busca pela qualidade da educação diz respeito tanto aos aspectos internos quanto aos aspectos externos à escola. A instituição de ensino/aprendizagem que se quer não se restringe às mudanças apenas dentro dos muros do ambiente educacional, essas mudanças dependem de mudanças externas. Sendo assim, o papel da escola se amplia, não cabendo mais ser uma mera transmissora de conhecimentos prontos e acabados, mas dando condições propícias à iniciação em vivências personalizadas do aprender a aprender e do aprender a ser. Penso que a grande questão que fica subentendida no pensamento de Assmann é: como a educação/escola pode colaborar e fazer frente a um mercado/sistema excludente, formando sujeitos éticos, que não atentem contra a dignidade humana?

            Na sua obra Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente, Assmann (1998, p. 13) propõe duas motivações: “querer chegar ao menos perto de uma forma de pensar que tenha como tema principal que haja vida antes da morte”, e nesse sentido, ele reforça os temas da corporeidade, auto-organização, interdependência e complexidade, além de integrar a estes a unidade entre processos vitais e processos cognitivos, prazer, entre outros. A segunda motivação, ele a resgata da sua concepção teológica e dá um sentido educacional, pretende “ficar abraçado ao sonho de uma sociedade onde caibam todos”. Segundo Assmann,

 

[a] humanidade chegou numa encruzilhada ético-política, e ao que tudo indica não encontrará saídas para a sua própria sobrevivência, como espécie ameaçada por si mesma, enquanto não construir consensos sobre como incentivar conjuntamente nosso potencial de iniciativas e nossas frágeis predisposições à solidariedade...

Uma sociedade onde caibam todos só será possível num mundo no qual caibam muitos mundos. A educação se confronta com essa apaixonante tarefa: formar seres humanos para os quais a criatividade e a ternura sejam necessidades vivenciais e elementos definidores dos sonhos de felicidade individual e social (ASSMANN, 1998, p. 28-29).

 

Para que esse sonho de uma sociedade onde caibam todos, se torne realidade é preciso que a educação faça frente à lógica social da exclusão e promova espaço para a inclusão, possibilite o depertar da sensibilidade solidária diante da insensibilidade e egoísmo social. A solidariedade aparece como um valor indispensável quando se pensa na mudança de paradigmas sociais e educacionais. Vivemos num mundo com poucas iniciativas de equidade, tolerância, amor ao próximo. Uma pequena parcela populacional usufrui de condições de vida digna. Nesse contexto, faz-se necessário criar condições para despertar nos seres humanos uma sensibilidade solidária. E pensamos, apoiados em Assmann, que cabe à educação essa tarefa. Assmann com sua proposta filosófico-educacional, consciente de tudo o que está acontecendo, prefere apresentar uma visão otimista e esperançosa do futuro. Ele não é ingênuo, mas prefere acreditar na humanização da humanidade. Cabe ao próprio homem reinventar-se, assim como reinventar a própria humanidade. 

Para Assmann (1995, p. 46), o ser humano não existe como “entidade abstrata, nem como individualidade isolada”, mas “numa complexíssima rede de relações com as coisas da natureza e entre si, em formas concretas de produção e reprodução social da vida humana”. Nesse sentido, o pensamento de Assmann reflete o que foi esboçado acima, a busca por não dicotomizar, mas aproximar/integrar a cultura humanística da cultura científica. Assmann se apresenta como um crítico do dualismo cartesiano, que acaba fragmentando o modo como se entende a dinâmica da vida bem como a inter-relação entre humanos, não humanos e a natureza.

Assmann entende que está acontecendo uma reconfiguração do cenário epistemológico. Na atual conjuntura, não fazem sentido epistemologias que tentam fixar o real em formas estáticas de conhecimento, elas precisam ser substituídas por uma visão epistemológica baseada em três noções importantes: auto-organização, autopoiése e complexidade. Com isso, Assmann (1998, p. 98) procura entender “o nexo entre processos de vida e processos de conhecimento”. Cabe agora apresentar as considerações de Assmann sobre esses conceitos.

A auto-organização deve ser entendida estritamente com relação aos sistemas vivos. Assmann alerta que muitos cientistas têm confundindo, ou não fazem a devida distinção, com a noção de auto-regulação (por exemplo, do mercado). A auto-organização é um processo automático, que escapa do controle consciente dos sujeitos, com relação a todo tipo de forma de vida, incluindo alguns aspectos de cultural e do social; já a auto-regulação diz respeito às “regras do jogo” coletivas, em que os sujeitos interferem conscientemente.

A autopoiése (etimologicamente: autofazer-se, autofazimento, auto-engendramento) “sinaliza uma ponte possível entre os níveis de intencionalidade auto-organizativa da vida que transcorrem sem qualquer intervenção da consciência e os níveis onde desponta uma consciência possível” (ASSMANN, 1998, p. 99). O conceito de autopoiése foi colocado no centro da discussão acerca do conhecimento pelos neurofisiólogos e epistemólogos Maturana e Varela. Assmann revela uma simpatia muito grande por este conceito, que longe de representar uma palavra esdrúxula, trata-se de um conceito transversátil porque permite transitar “da natureza para a história, revelando os limites desses conceitos clássicos que já não dão conta da conjugação necessária entre biologia, linguagem e ciências sociais em geral” (ibidem). Das teorias sistêmicas analisadas por Assmann, a proposta por Maturana e Varela, pelo modo como aborda a questão da autopoiése, é considerada superior às demais (Bertalanfy, Hayek e Luhmann).

O conceito de complexidade não deve ficar restrito a uma espécie de curinga verbal no intuito de significar coisas complicadas. Assmann (1998, p. 101) defende que a complexidade deve ser entendida “como uma ruptura epistemológica em relação à razão calculante do cientificismo moderno refere-se, sobretudo, àquilo que não pode ser analisado pela somatória de todas as análises parceladas de todos os seus componentes”. Por mais que um modelo mecanicista busque incorporar complementações, não chega próximo do que se pode alcançar com os sistemas complexos. A complexidade, nesse sentido, inaugura um novo modelo explicativo não-reducionista.

Assmann propõe a seguinte pergunta: “por que ligar conhecimento a complexidade no plano da pedagogia?” Ao que responde que se deve ao simples fato de nossa percepção da realidade ser muito limitada, com forte tendência a simplificar as coisas, ou seja, “recortamos os fenômenos para facilitar-nos uma suposta compreensão do mundo” (Ibidem, p. 102). Continua Assmann, “gostamos de acomodar-nos em concepções simplificadas, sem refletir que isso, por um lado, nos ajuda a sobreviver, mas, pelo outro, restringe nossas possibilidades vitais” (Ibidem).

Entretanto, Assmann testemunha que está acontecendo uma grande reviravolta rumo a uma ciência e a um modo de pensar não lineares. Diante desse novo contexto, é imperativo que a educação leve em conta as noções de conhecimento e complexidade. Além disso, as novas configurações epistemológicas, possibilitadas pelo desenvolvimento da inteligência artificial, nos apresentam um nível de complexidade que nos obriga a repensar o que significa conhecer e aprender. De acordo com Assmann e Sung (2000, p. 164), “uma educação baseada no pensamento complexo nos ajuda a entender melhor a relação complexa e contraditória entre os desejos que nascem da sensibilidade solidária e os princípios organizativos da sociedade”.

 

A efetivação da mudança, ou melhor, o tratamento para as possíveis patologias do social, é barrada principalmente pela inércia humana diante delas. Não basta perceber que as coisas não estão indo bem, é preciso acreditar que muitos aspectos da vida social, não só precisam, mas podem ser mudados. O problema aparente é a falta de organização e crença coletiva na mudança. Há quem defina, como Hobbes, por exemplo, que o ser humano é por natureza egoísta. Em contrapartida, a busca por uma mudança no âmbito social exige um convívio solidário. Nesse sentido, muito próximo a Paulo Freire, Assmann defende a ideia de que primeiro é indispensável um trabalho de conscientização do ser humano, que vislumbre a possibilidade de “um outro mundo possível”. Só a partir de uma conscientização é possível entender que “o critério de leitura da realidade não deve ser outro que a dignidade do direito pleno à vida de todos os seres humanos” (ASSMANN, 1994, p. 17)

Pensar a efetivação da solidariedade é pensar uma nova sociedade, onde as vivências possam ser assumidas como normais ou saudáveis, de forma que os indivíduos possam ter uma vida mais plena e melhor, bem-sucedida e realizada. A educação tem um papel privilegiado nesse processo. Conforme Assmann (2000), é preciso que a educação faça frente à lógica social da exclusão e promova espaço para a inclusão, possibilite o depertar da sensibilidade solidária diante da insensibilidade e egoísmo social. A solidariedade aparece como um valor indispensável quando se pensa na mudança de paradigmas sociais e educacionais. Vivemos num mundo com poucas iniciativas de equidade, tolerância, amor ao próximo. Nesse contexto, faz-se necessário criar condições para despertar nos seres humanos uma sensibilidade solidária.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001.

 

ASSMANN, H. Crítica à lógica da exclusão. São Paulo: Paulus, 1994.

ASSMANN, H. Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. 2ª ed. Piracicaba: Editora Unimep, 1998.

ASSMANN, H. Paradigmas educacionais e corporeidade. 3ªed. Piracicaba: Editora Unimep, 1995.

ASSMANN, H.; SUNG, J. M. Competência e sensibilidade solidária. Petrópolis: Vozes, 2000.

GIROUX, H. Pedagogia crítica como projeto de profecia exemplar: cultura e política no novo milênio. In: IMBERNÓN, F. (Org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Tradução de Ernani Rosa. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. p. 65-75.

POURTOIS, J.-P.; DESMET, H. A educação pós-moderna. Tradução de Yvone Maria de Campos Teixeira da Silva. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

SILVA, P. P. S. da. Hugo Assmann: da Teologia da Libertação à Educação para a Solidariedade. São Paulo: Garimpo Editorial, 2019.

STRIEDER, I. R. O homem como ser corporal. In: Síntese, Belo Horizonte, v. 19, n. 56, p. 93-112, 1992.

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