As escolas servem como local de aprendizagem e difusão do saber para tornar o cidadão um sujeito emancipado e consciente de seus direitos e deveres. O conhecimento não é restrito somente ao ambiente escolar, ele é difundido no dia a dia de todos os cidadãos. Dessa forma, como o sujeito é social, a escola atua de modo a orientar os indivíduos a práticas cotidianas que incitem à ética social e ambiental.
Educar vai além da reprodução de conteúdos, tendo o professor o papel de incitar, orientar e mediar a edificação do conhecimento. Não é recomendado que o docente tenha uma postura de detentor absoluto do conhecimento, pois isso denota autoritarismo e egocentrismo de sua parte, fazendo com que os alunos não participem nas aulas por recearem não saberem o conteúdo e sofrerem repressão e menosprezo pelo professor.
Desse modo, o educador deve incitá-lo na construção coletiva do saber, já que o ser humano é um ser social e professor-aluno aprendem juntos, numa interação em que ambos são sujeitos imbuídos de conteúdos e com lacunas incessantes de conhecimento, por maior que seja a experiência do docente.
Com isso, a educação tem papel fundamental para que os sujeitos enxerguem o que está posto, criticando a sua aceitação e propondo mudanças que paulatinamente contribuam para superação de tais problemáticas, como a conscientização do uso indiscriminado e predatório da água.
A discussão que envolve a água se faz necessária em sala de aula e demais meios de comunicações, haja vista que sem água nenhum ser vivo sobrevive por mais adaptado que seja à escassez hídrica. Como a água é um bem vital e provindo pela natureza, todos deveriam ter acesso a esse bem, entretanto, como tudo no modo de produção capitalista é mercantilizável, a água não foge à regra.
Dessa forma, o Dia Mundial da Água e suas aplicações nas escolas e em outros meios de comunicação, necessitam serem analisadas de modo a identificar falhas em seus discursos, que na maioria das vezes responsabiliza a todos de forma igualitária e não promove a reflexão crítica que leve em conta as variáveis sociais, culturais, políticas e econômicas presentes no espaço geográfico e que interferem de alguma forma, no acesso à água.
Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo analisar as campanhas de conscientização sobre a conservação da água nas escolas e demais meios de comunicação, de modo a compreender a importância da água para manutenção da vida no planeta, além de refletir sobre as falhas nos discursos conscientizadores sobre a conservação da água, bem como entender quais são os verdadeiros cidadãos a terem consciência com o gasto excessivo da água no planeta.
Para alcançar os resultados esperados, como método, foi utilizado o dialético, que de acordo com Zago (2013) “proposto por Hegel e Marx, é justamente uma tentativa de pensar o mundo integrando as diferentes esferas contraditórias do real”. Os principais autores foram: Freire (2021), Ribeiro (2008), dentre outros. Para tanto, foi utilizado o seguinte procedimento metodológico, a saber: pesquisa bibliográfica com base em artigos em revistas, dissertações e teses, livros e publicações em eventos de anais.
O presente trabalho se faz necessário, pois a educação somada ao trabalho dos geógrafos empenhados em fazer os alunos refletirem e tornarem a sociedade crítica a respeito das contradições socioespaciais, é condição para que os cidadãos tomem consciência dos seus direitos em relação ao usufruto de um bem natural, que é a água, mas que é apropriado desigualmente por camadas sociais pertencentes ao status quo e assim violando os direitos humanos.
1 A Importância Da Água Para Manutenção Da Vida Na Terra
A hidrografia é o estudo das águas da superfície terrestre, destacando-se como elemento natural, uma fonte vital, já que sem água nenhum ser vivo sobrevive por mais ínfima que seja sua necessidade. Mesmo em regiões de clima desértico e semiárido, os seres vivos que ali habitam necessitam de água para sobreviver, ainda que possuam adaptações ao déficit hídrico.
Em épocas de seca, principalmente em regiões de clima semiárido, como a região Nordeste do Brasil, é notório o sofrimento da população e dos animais de criação, que muitas vezes são forçados a migrarem para outras regiões por falta d’água. Devido à escassez hídrica, os animais tendem a não resistir e acabam morrendo. Com isso, depreende-se a importância do fator distribuição hídrica para sobrevivência dos seres vivos.
A distribuição da água no planeta se dá em diferentes estados da matéria, quais sejam: estado sólido, líquido ou gasoso, sendo mais comumente vista no seu aspecto líquido. A maior parte da água está localizada nos oceanos com a porcentagem de 97,5 %, sendo que os 2,5 % restantes são de água doce, dos quais estão em sua maioria congeladas na forma de calotas polares e grandes blocos de gelo emersos nos oceanos, os quais se desprendem das geleiras (icebergs). As águas subterrâneas representam outra parte substancial da água doce e as águas que estão na superfície estão distribuídas em rios e lagos de água doce (RIBEIRO, 2008).
A forma como a água está distribuída no planeta é definida por diversos fatores que se relacionam em maior ou menor grau, como relevo, vegetação, clima, tipo de solo, tipo de rocha, influência da gravidade, bem como por ações humanas, tendo em vista que estes agem de forma ativa na natureza.
A vegetação influencia diretamente ou indiretamente na dinâmica das águas. Quando a vegetação é removida, afeta na evapotranspiração, alterando o equilíbrio dinâmico da qual ela faz parte. A infiltração é também comprometida, pois a vegetação serve para amortecer as gotículas d’água, dificultando a percolação e, consequentemente, alterando o regime das águas no subsolo.
Outro problema relacionado à remoção da flora é o assoreamento dos rios, os quais serão saturados por sedimentos, já que a área ficou desprotegida e susceptível à erosão. Com isso, o rio perde sua dinamicidade natural, o que acaba alterando o equilíbrio de todo sistema, sendo o ser humano o ator principal para que isso ocorra.
A natureza da rocha é outro fator que contribui para a dinamicidade dos fluxos das águas. Quanto mais porosa for a rocha, maior será a capacidade de infiltração, sendo comumente encontradas em áreas de formações sedimentares. Por outro lado, quando a rocha tem elevado índice de impermeabilidade, a infiltração será menor, sendo encontradas em áreas de formações cristalinas, como no semiárido do Nordeste brasileiro.
A gravidade, por sua vez, age de maneira influente na direção dos fluxos, que tendem a ir de áreas de altas declividades para áreas planas. Não por acaso os rios obedecem à lógica da gravidade, nascendo em pontos elevados do relevo e desaguando em áreas mais rebaixadas. Um exemplo dessa dinâmica é o do Rio Amazonas, o qual nasce na Cordilheira dos Andes, que é uma área de relevo montanhoso, desaguando em uma região de planície.
Já o clima é outro elemento importante no regime espacial das águas pela questão da pluviosidade. Em áreas tropicais, devido aos elevados índices pluviométricos, existe a tendência à formação de grandes corpos d’água, como no caso do Rio Amazonas, cuja área de abrangência se situa em uma região de clima equatorial. Porém, em áreas de climas secos, como no semiárido nordestino, as chuvas são mal distribuídas e escassas, o que reverbera em corpos hídricos intermitentes e efêmeros na maioria dos casos.
A distribuição da água está relacionada, também, à ação antrópica, pois a água foi apropriada pelos setores hegemônicos da sociedade como recurso e não como um bem natural indispensável à vida dos seres vivos, o que se dá a partir da emergência do modo de produção capitalista, o qual, se for considerado a história do planeta Terra, é um período efêmero. Em outras palavras, “os seres humanos” já se julgam donos do mundo e detentores dos recursos naturais.
Some-se a isso, o fato de a água não estar distribuída regularmente pelo planeta. Existem áreas que respondem por grande parcela dos rios e aquíferos, tais como a região amazônica, na América do sul e a bacia do Congo, na África. Assim, a má distribuição propicia que em algumas áreas a água seja um bem extremamente estratégico e alvo de conflitos, como no Oriente Médio. Segundo Ribeiro (2008) “[...] os conflitos têm no Oriente Médio seu ponto de maior tensão, envolvendo Israel, Palestina e Síria em torno do uso das águas do rio Jordão. Na América do Norte existe uma tensão resolvida de outra forma entre o México e seu poderoso vizinho”.
Mesmo algumas regiões possuindo excedente hídrico, isso não significa que suas populações tenham acesso à água adequada à utilização, já que não existem investimentos em saneamento básico e tratamento. Compreende-se que o acesso à água na atualidade se dá mais pela sua apropriação desigual à logica capitalista do que pela sua distribuição física.
O nível de consumo da água entre os países é extremamente desigual, sendo os chamados países desenvolvidos os grandes consumidores e degradadores, com destaque para os Estados Unidos, que segundo Ribeiro (2008) “[...] ficam com 46,6% da água usada pelos países da OCDE e com 12,5% da água consumida na Terra”. Em comparação ao país africano, Moçambique, os EUA consomem aproximadamente 34 vezes mais água.
Existe discussão quanto à finitude da água, pois não raro é propagado pelos meios de comunicação que isso pode vir a ocorrer. Entretanto, a água no seu ciclo natural retorna ao meio independentemente do quanto se use, ou seja, o ciclo hidrológico é infinito. O que pode acontecer e acontece é a escassez de água potável seja pela quantidade, seja pela qualidade, seja pela apropriação desigual.
Quando se fala em conscientização a respeito do uso da água e que, ao não ser usada de forma racional, isso pode comprometer as gerações futuras, a mídia, intencionalmente ou não, não deixa claro que esse problema já é uma realidade mais comum do que se imagina, ou seja, não se pode pensar em gerações futuras quando o problema já se configura em uma realidade para as classes subservientes.
Diante disso, a água possui importância para manutenção da vida na Terra, pois sem água, mesmo os seres vivos mais adaptados que sejam a escassez hídrica, tendem a perecer. A distribuição das águas se dá de forma desigual, tanto naturalmente pelos fatores como: vegetação, gravidade, clima, relevo, dureza da rocha, bem como pela ação humana, que se apropria desse bem natural, decidindo muitas vezes quem tem acesso ou não à água.
2 Capitalismo, Mercantilização e Apropriação Desigual Da Água
Os primeiros Homo sapiens possuíam uma relação de convívio na/com a natureza, na qual estes se entendiam como parte integrante da mesma. Os bens retirados do espaço natural eram somente para subsistência dos indivíduos, extraindo somente o necessário para poder sobreviver. Nas primeiras sociedades não se tinha a preocupação com o acúmulo de bens naturais, pois se alimentavam de acordo com o que a natureza dispunha.
A partir da Revolução Industrial, as formas de vida do ser humano foram sendo modificadas paulatinamente, exigindo uma maior exploração da natureza, pois dela provinha as matérias-primas e fontes energéticas que sustentariam o capitalismo na sua fase expansionista. Se antes os seres humanos se sentiam parte integrante da natureza, a partir do sistema capitalista, houve cada vez mais a visão da sociedade dissociada da natureza e esta com função de servi-la.
Com o uso excessivo dos bens naturais pelo poder hegemônico, a natureza tende a sofrer desequilíbrios, alterando suas dinâmicas e perfazendo alterações que reverberam nas realidades locais de alguns habitantes, como desertificação pela remoção da vegetação, alteração nos microclimas, escassez hídrica, anomalias climáticas, dentre outros.
Os bens providos da natureza são essenciais para manutenção da vida na Terra, entretanto, a água é a fonte basilar da sustentação da base material de sobrevivência dos seres humanos, pois sem ela nenhum ser vivo existiria. No sistema capitalista isso se torna ainda mais importante, haja vista que água está contida em todos processos produtivos deste o mais elementar ao mais complexo.
Como tudo no sistema capitalista é mercantilizável, a água não foge à regra, sendo consumida de modo predatório e não distribuída de maneira equânime para todos os seres humanos. Na medida em que a água é necessária para sustentação de toda cadeia produtiva, ela passa a ter valor estratégico, ficando sob o poder dos detentores do capital e passando a ter valor de troca em detrimento do valor de uso, tornando-se uma mercadoria.
Um outro ponto a se mencionar sobre essa questão é que o impacto para o destino final das águas se dá de forma desigual, pois a classe hegemônica causa danos maiores proporcionalmente nesse bem e as classes subservientes absorvem a maior parte das consequências da degradação. O acesso à água fica restrito e quando não, populações majoritariamente pobres e negras consomem águas contaminadas, seja por efluentes ou por pesticidas. Esse exemplo se constitui como um caso de injustiça ambiental, pois, os pesos e medidas são diferenciados conforme a classe social, além da cor da pele (ACSELRAD et al, 2008).
Diante disso, a água é considerada, na legislação brasileira, como um bem comum, mas existem incontáveis artifícios para ocultar a sua mercantilização e seu acesso desigual, estando a população carente à mercê da dominação capitalista imposta aos meios de reprodução de vida. Assim, segundo Jesus et al (2021):
Em termo legais, o Brasil conta com a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), promulgada pela Lei Federal nº 9.433/97BRASIL, 1997), que dispõe de uma série de objetivos, fundamentos, diretrizes gerais e instrumentos para a implantação da gestão de recursos hídricos no Brasil. Esta política também é conhecida como Lei das Águas, e tem como objetivos assegurar à atual e às futuras gerações disponibilidade de água em quantidade e qualidade necessárias, promover a utilização racional e integrada dos recursos hídricos e a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais. (JESUS ET AL, 2021. p. 3).
Diante disso, a água é considerada, na legislação brasileira, como um bem comum, mas existem incontáveis artifícios para ocultar a sua mercantilização e seu acesso desigual, estando a população carente à mercê da dominação capitalista imposta aos meios de reprodução de vida. Assim, Ribeiro (2008, p. 117) explicita que a Política Nacional de águas é instituída pela Lei 9.433/1997 e afirma que:
O item “c” do parágrafo 12 trata do acesso à água. Ele afirma que todos, independente de nacionalidade, crença religiosa, gênero, de estar preso ou refugiado político, que estão sob a jurisdição de um estado membro devem ter acesso à água e as facilidades que ela pode trazer. (Ribeiro, 2008, p. 117).
A água também é “protegida” pela legislação no que refere a qualidade e a quantidade desse bem, mas a realidade é totalmente outra, tendo em vista que os países centrais consomem e a degradam de forma exacerbada, bem como as minorias ricas dos países periféricos, tais como o Brasil, salientando que a culpa é muitas vezes atribuída à classe subserviente, os quais, apesar da quantidade, geram um impacto ínfimo em comparação aos mais ricos do planeta. Nesse sentido, a água apesar do respaldo da lei, é tratada como recurso econômico ao invés de bem inalienável à sobrevivência não só humana como de todos os seres vivos. Assim, Borba e Mercante (como citado em Zago, 2007, p.28) exemplificam que:
Um dos recursos que tem recebido maior impacto é a água. As pressões sobre os recursos hídricos estão diretamente relacionadas ao modelo de desenvolvimento econômico, que se expressa pelo nível de consumo da sociedade e pela predominância regional de atividade econômicas distintas. À medida que a água bruta se torna um recurso hídrico, devido à demanda de atividades antrópicas, também cresce o conflito em torno de sua apropriação e uso, adquirindo valor, pois se torna um bem econômico. (Borba e Mercante como citado em Zago, 2007, p.28).
Diante disso, nota-se a necessidade de repensar a gestão dos recursos hídricos com vistas a tratar essa questão de maneira mais rígida e justa e que valorize a água como bem comum e de acesso indiscriminado a todos.
Com isso, exemplificando o caso do Brasil, percebe-se que os verdadeiros culpados pelos impactos causados à água são justamente o setor agropecuário e industrial, que não seguem as normas da Lei das Águas de 1997 (Lei n. 9.433/1997), justamente por serem fortes nas tomadas de decisões, ignorando tais ações. Esses setores econômicos usam a água de modo exacerbado, retornando para natureza poluída, sem nenhum tratamento e com descarte de efluentes nos canais, com elementos químicos perniciosos que serão utilizados pelas classes baixas.
Assim, os setores do agronegócio e da indústria consomem níveis elevados de água que não se comparam aos gastos das populações pobres. Todavia, é difundido o discurso de que todos, independentemente da classe social e do poder de consumo, devem aderir às recomendações postas nos meios de comunicação.
3 Conscientização nas escolas: a ineficiência do discurso que responsabiliza todos de maneira igual no uso da água
A educação se dá através da mediação entre professor-aluno, numa construção mútua de saberes. O docente não é um detentor absoluto do conhecimento e o ensino não deve ser pautados na memorização de conteúdos, mas no desenvolvimento da criticidade no processo de formação enquanto cidadão.
Os assuntos abordados em sala de aula pelo professor devem levar em consideração o espaço de vivência dos educandos, pois, estes não são vazios de conhecimento ao adentrar no ambiente escolar. Caso o professor não relacione os assuntos com o dia a dia dos estudantes, estes irão ter uma visão obscura das contradições presentes no espaço geográfico em seu entorno. Freire (2021, p. 31-32) diz o seguinte:
[...] pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária –, mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas de cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? [...]. (Freire, 2021, p. 31-32).
Apesar dos discentes possuírem conhecimentos ao adentrarem no ambiente escolar, estes ainda são incompletos, sem conectividade entre os assuntos abordados. O docente, então, tem o papel não só de tornar os assuntos claros, como também fomentar o espírito cidadão oculto nos indivíduos, ou seja, ele é o mediador e responsável por fazê-los desenvolver autonomia na busca do conhecimento. Caso o docente não cumpra com esses objetivos, os alunos serão influenciados e, por conseguinte, tornar-se-ão cidadãos que não enxergarão o que está posto, pelo contrário, ajudarão a manter a ideologia dominante.
Diante disso, a educação é uma das formas dos cidadãos aprenderem algo novo, a se conscientizar das necessidades da vida, que vão desde a ética do convívio social, bem como a conservação dos recursos naturais. É notório as práticas comemorativas que tem por objetivo conscientizar os estudantes nas escolas sobre a importância de conservar a natureza, como o dia da árvore e o dia da água, dentre outros, tudo isso para tentar reverter a situação das destruições que o planeta está passando.
No dia 22 de março é comemorado o dia mundial da água e, nas escolas, pode-se observar atividades desenvolvidas pelos professores, seja através de cartazes, pinturas, paródias, seja poemas e palestras. Muitos docentes orientam os alunos a desligaram as torneiras quando forem escovar os dentes ou tomar banho para pouparem água, pois ela pode acabar, quando na verdade o problema é de falta de acesso e distribuição. O dia [...] 22 de março é celebrado o Dia Mundial da Água. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de conscientizar a comunidade internacional sobre questões essenciais que envolvem os recursos hídricos (Campo e Negócio, 2022).
A iniciativa de se discutir o dia mundial da água nas escolas é algo benéfico pois demonstra a importância que a água tem para manutenção da vida. Como o ambiente escolar não é neutro e sim uma construção social do status quo, há que se atentar ao discurso que é reproduzido para os discentes, pois ao invés de contribuir para minimizar o problema da água, auxilia na sua naturalização.
Com isso, datas comemorativas como o dia mundial da água, às vezes servem para incutir falsas verdades na mente da sociedade, pois, quando se observa o nível de consumo de água entre um cidadão rico e um pobre, percebe-se que o primeiro consome mais do que o último. Sendo assim, as indústrias e o agronegócio são os setores da economia responsáveis pelo maior consumo de água, tornando-a um recurso e não um bem vital.
Soma-se a isso a degradação da água que é utilizada pelas fábricas e pelos latifundiários, a qual retorna para natureza em péssimas condições para consumo animal e social. Os efluentes são jogados em rios, riachos, sem nenhum tratamento, afetando majoritariamente a população carente, que ingerem águas contaminadas, por não terem acesso a outro local que possam pegar água. Assim, Barbosa et al (2019, p. 14) exemplificam que o:
[...] lançamento de efluentes é outro impacto ambiental gerador de conflitos nas BHs. Além da reduzida oferta de água, a sociedade ainda se depara com o não tratamento adequado de esgotos industriais e domésticos gerados por atores institucionais governamentais como a Petrobras e institucionais não governamentais, como Associação de Moradores que tenham Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ); e com a ineficaz fiscalização de atores institucionais (Ibama e Adema). (Barbosa et al, 2019, p. 14).
A mídia é outra forma de incutir na mente dos cidadãos que todos impactam e consomem água na mesma proporção. Anúncios nos intervalos dos programas de TV conscientizam a população a desligarem a torneira, e a não jogarem lixo nos rios e reaproveitarem a água para fazerem outras atividades domésticas.
Porém, as indústrias, os donos do agronegócio, que mais degradam e consumem a água, raramente aparecem como culpados, pois os núcleos de comunicação estão a favor dessas classes hegemônicas, ou seja, reproduzem coisas que sejam benéficas para eles e, enquanto esses mais causam danos ao planeta, tentam incutir na mente das pessoas que todos são culpados pela falta de água no planeta e que tomando medidas simples como desligar torneiras e tomar banhos curtos podem minimizar de forma significativa o problema da falta de água (Marques, 2018). Diante disso:
[...] existe uma amplificação da crise fazendo confundir falta de acesso (fato que acontece com várias populações das periferias urbanas e populações rurais) com a sua escassez. É mais uma tática dos defensores da privatização e mercantilização da água. No discurso propagado pelos neoliberais sobre este tema, não há referências ao fato de que 70% da água doce no planeta são gastos pelo agronegócio. A grande mídia, muitas vezes, manipula o discurso sem tocar em exemplos de mananciais que sofreram grandes perdas de volume por causa do agronegócio, a exemplo do Mar de Aral, na Ásia Central, e do Mar Morto, em Israel, que não recebem a mesma quantidade de água dos rios que neles deságuam como antes. No entanto, abundam campanhas contra o desperdício direcionadas para os usuários domésticos, incutindo até mesmo nas mentes das crianças a culpa por um banho mais demorado. Não que não devamos economizar água, longe disso. O problema é a culpabilização apenas do consumidor doméstico quando ele não é o vilão nesta história, utilizando esta narrativa como uma cortina de fumaça para esconder quem realmente está colocando as nossas reservas hídricas superficiais e subterrâneas em perigo pela exploração descontrolada. (ROCHA, 2020, A privatização da água e o discurso da escassez).
Assim, as campanhas de conscientização do dia mundial da água deveriam ser destinadas aos detentores do poder e não aos estudantes, cidadãos de modo geral, que são enganados e culpados por terem um impacto pequeno se comparado as grandes indústrias e ao agronegócio, que além de consumirem, degradam a água que é utilizada pela classe subserviente. A mídia tem o papel de dissipar pseudo informações pois ela está a favor do poder capitalista. O dever de uns passa a ser de todos com a reprodução de falsas ideias perpetradas pelo status quo.
Isso não significa que as pessoas, de modo geral, não devam se atentar ao desperdício da água, mesmo que em atividades domésticas, mas ter consciência de quem são os maiores consumidores e degradadores da água. A educação cumpre papel primordial nessa tomada de consciência, já que os indivíduos, ao saberem quem são os maiores responsáveis pela maior degradação e consumo da água, sentiram-se inquietos e dispostos a protestar sobre seus direitos, pois, como diria Freire (2019) a educação não muda o mundo, mas muda as pessoas e estas mudam o mundo.
Assim, essas datas comemorativas se fazem necessárias, entretanto, quando não partem de uma análise complexa dos fatores sociais, econômicos e políticos que condicionam tanto ao acesso desigual à água, tanto a desproporcionalidade dos impactos causados a mesma, estas servem para ocultar os verdadeiros culpados e culpabilizando igualmente àqueles que não causam impactos significativos aos mananciais.
A Conscientização Efetiva E Emancipatória Nas Escolas
O docente tem o papel de instigar o aluno na busca do saber, sendo que esse conhecimento não se pode dissociar do cotidiano dos educandos, pois caso isso aconteça, o ensino passa a não ser significativo e sem aplicação prática. Na sala de aula o orientador não pode valorizar o ensino mnemônico, pois o aluno não entende o conhecimento como processo sistemático.
Nesse caminho, a didática geográfica estabelece um elo comunicativo entre professor e aluno que parece muitas vezes ter se perdido, dando existência àquela aula que enseja a vitalidade do pensamento, valorizando a dúvida e rompendo com este esquecimento. Trata-se do ensino que exorta possibilidades à critica e abre espaços para inspiração criativa, ou seja, nas palavras de Corazza (2012) “[...] não aborrece, entedia, nem transmite a sensação de déja vu”
Ensinar e aprender a geografia é necessário, além de uma postura metodológica de diálogo entre professor e aluno, um diálogo com o próprio conhecimento geográfico produzido cientificamente. É preciso, ainda que haja reflexão epistemológica e adoção de uma postura investigativa do professor (SANTOS, 2011).
Diante disso, através da orientação, mediação e incitação, o professor contribui para formação crítica dos educandos, que se inicia em sala de aula e termina no espaço de vivência. Sobre o papel da escola dos dias de hoje Paiva e Silva, (2021) relatam que:
[...] diferentemente da existente há décadas, reivindica, da parte dos docentes, novas formações, preocupações, reflexões e responsabilidades acrescentadas devido à heterogeneidade dos alunos e à diversidade de acontecimentos globais e situações que ocorrem simultaneamente numa sala de aula. Nessa dinâmica, o que podemos perceber é que o professor é instado a assumir novos papéis. Se antes era visto como mero transmissor de conhecimentos, hoje, o que se requer é que seja um gestor da sala de aula e um organizador da aprendizagem. Contudo, isso demanda um conjunto de saberes aliado às competências didáticas das áreas que leciona, ocupando, desse modo, um lugar estrategicamente central e sensível nas sociedades atuais, em particular, nas dimensões do desenvolvimento escolar e na mudança social. (PAIVA E SILVA, 2021, p. 42).
Diante disso, através da orientação, mediação e incitação, o professor contribui para formação crítica dos educandos, que se inicia em sala de aula e termina no espaço de vivência.
Quando se fala em conscientização, a função disso é provocar o aluno, deixá-lo curioso e inquieto. Com a orientação do professor, sem dar respostas prontas, os discentes se sentem motivados a buscarem entender o porquê de ter consciência de algo, como resolver tal ou qual problema e para que fazer isso (FREIRE, 2021).
Nessa perspectiva, ao discutir o dia mundial da água e na hora de conscientizar aos alunos, deve-se atentar a construção de noções políticas, sociais e econômicas que orbitam ao redor do tema do uso e disponibilidade da água. Existe a consciência de que, nas séries iniciais, os alunos ainda não possuem desenvolvimento cognitivo suficiente para compreender plenamente as contradições do espaço geográfico, todavia vale o esforço de construir desde a mais tenra idade, a importância da água em seus aspectos humanos.
Os professores, então, devem incitar a criticidade nos alunos que já tem capacidade cognitiva para entender as contradições socioespaciais, realizando atividades e relacionando a distribuição desigual da água com outros conteúdos, como geografia política, geopolítica, capitalismo e mercantilização da água, induzindo, assim, a interdisciplinaridade.
A construção de cartazes, paródias, poemas e dentre outras atividades confeccionadas no dia mundial da água, não devem ser feitas apenas para registrar e enfeitar os murais das escolas nessa data comemorativa. Isso faz com que o aluno não enxergue o verdadeiro sentido dessas atividades, qual seja, o de promover a conscientização efetiva sobre os problemas socioambientais da água.
Ao invés disso, o professor deve considerar mais ao conteúdo e intenção da atividade do que pela beleza dos cartazes, paródias e dentre outros. Nesse sentido, o tema das águas não deve ser abordado apenas no dia comemorativo e sim constantemente problematizado e colocado em pauta nas escolas.
Dessa forma, a conscientização efetiva e emancipatória nas escolas só é possível a partir de uma visão que valorize o conteúdo ao invés da forma e enfatize as contradições da realidade material em que os estudantes vivem. Com isso, é importante a interdisciplinaridade ensejada pela participação conjunta de professores de diversas disciplinas que tratam da água.
O dia mundial da água se faz importante, mas é necessário ressignificá-lo e trazer para o debate em sala de aula constantemente, pois o processo de conscientização é processual e, se o tema das águas é tão importante como a mídia trás, ele deve ser comemorado todos os dias.
As campanhas de conscientização nas escolas se fazem necessárias para os estudantes terem a noção do quanto a água é importante para manutenção e reprodução da vida no planeta. A escola cumpre a função de fomentar atividade que possam instigar aos alunos a buscar a compreensão do que está posto em seus locais de vivência, dando-lhes autonomia em sala de aula, pois esses sujeitos são dotados de conhecimentos prévios.
O professor não deve apenas repassar conhecimentos prontos, ele deve incitar o debate, fazer com que os educandos se inquietem e busquem compreender tais ou quais problemáticas, como por exemplo, o porquê da relação da falta de poder aquisitivo e não acessibilidade à água. Isso tornará o aluno crítico e reflexivo a respeitos das problemáticas que tornam a sociedade contraditória.
A campanha do dia mundial da água é um importante momento para educar não só os alunos, como os cidadãos em geral. Contudo, caso essas campanhas não se atentem aos condicionantes sociais, políticos e econômicos, que giram em torno da temática das águas, o discurso pode servir para legitimar e fortalecer àqueles que mais consomem e impactam a água.
Constata-se que os maiores degradadores e consumidores da água são os setores da indústria e do agronegócio, dos quais fazem parte as elites econômicas que controlam a maior parte do PIB (Produto Interno Bruto) mundial e que, contraditoriamente, difundem campanhas para conscientização não só de pessoas de baixo poder aquisitivo, como também de países subdesenvolvidos, como se esses tivessem a maior parcela da culpa.
Diante disso, a escola juntamente com a mídia, devem ter uma postura voltada para conscientização crítica de todos os cidadãos a respeito dos usos e degradação da água, principalmente dos setores hegemônicos da economia, entendendo seu papel enquanto sujeitos ativos na tomada de decisões e na mudança gradual do status quo. Desligar a torneira ao escovar os dentes, poupar água nos banhos e reutilizar água em atividades domésticas é necessário, mas não deve ser vista como a causa principal da escassez e degradação da água no planeta.
Agradecemos imensamente à professora Dr. Katinei Santos Costa pelo incentivo, apoio intelectual e disponibilidade para contribuir com este e demais trabalhos que estamos realizando sob suas orientações. Além disso, queremos agradecer, ainda, à professora Dr. Alberlene Ribeiro de Oliveira pelas valiosas inspirações e reflexões que nos fizeram enxergar e ter ideias para alcançar os objetivos propostos neste trabalho, além da confiança que teve em nós desde as primeiras aulas. Agradecemos, também ao professor Dr. Daniel Almeida por desde o início da graduação ter acreditado no nosso potencial e pelas contribuições enquanto profissional.
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