Os sucessivos cortes de verbas para a educação, os constantes ataques à Ciência e à Tecnologia, bem como o contexto de pandemia (que, apesar do avanço da vacinação, ainda apresenta altos e baixos, dispensa e retomada do uso de máscaras, crescimentos e decréscimo do número de infectados) acabaram por impactar docentes que, em 2020, tiveram de adotar mecanismos da educação on-line, à distância ou de ensino remoto para a manutenção de suas atividades, e, em 2022, retomaram as aulas presenciais ou ainda em uma mescla de presenciais e não presenciais.
Todo esse contexto, cujo distanciamento físico imposto outrora, propiciou, inclusive, dificuldade de relacionamento e acolhimento entre estudantes ou entre docentes e discentes, tanto que as crises de ansiedade e os conflitos (inclusive físicos) passaram a ocupar os noticiários. Em conversa de corredores, era possível escutar docentes dizendo que não sabiam mais dar aulas presencialmente, enquanto outros comemoravam uma pseudo-libertação dos suportes tecnológicos. As duas situações preocupam, pois, de um lado, tem-se docentes que vão viver um processo de readaptação à sala de aula que pode ser difícil, que pode exigir vencer medos (até o de se contaminar e levar o vírus para casa); por outro, docentes que passaram dois anos de experiências negativas com a tecnologia, que se ressentem delas - ao que se questiona: é possível, na contemporaneidade, se despir da tecnologia em uma práxis docente?
Nesse emaranhado de contextos e sentimentos, cada um significando de modo diverso, surge a necessidade de um suporte que acolha e dialogue sobre proposições, que compreenda os dilemas, que vivencie as particularidades da Universidade, que tenha empatia, escuta sensível e, sobretudo, propicie trocas de aprendizagens. Assim, a Assessoria Pedagógica ao Docente desponta como um viés institucional potente que tanto propicia formação continuada quanto acolhe as demandas docentes. Em uma Universidade Federal, a Assessoria foi pensada e colocada em prática em 2020. Desde então, professores/as de diversos cursos participaram das lives interativas, dos atendimentos via chat, dos fóruns propostos no Moodle etc. Todas as ações, pensadas por professoras, pedagogas e técnicas em assuntos educacionais, foram essenciais para criar uma rede formacional e de apoio a docentes.
A partir de 2021, para além do suporte a todos os cursos da Universidade, a Assessoria Pedagógica ao Docente, compreendendo as especificidades que permeiam as diferentes áreas do conhecimento passa a personalizar o trabalho para atender amiúde as necessidades de cada curso. Nesse sentido, surge a Assessoria Itinerante. A ideia de itinerância é que, a partir de uma solicitação ou da demonstração de interesse por compreender o trabalho de um determinado curso, uma equipe da Assessoria se aproxime da Unidade de Ensino para fazer uma sensibilização e aplicação de questionário e a definição das estratégias de trocas de conhecimento, como ocorreu com a Faculdade de Odontologia de uma Universidade Federal, que solicitou uma itinerância a fim de trazer para seu espaço importantes discussões didático-pedagógicas.
Em março de 2022, uma equipe da Assessoria Pedagógica iniciou o trabalho em uma Faculdade de Odontologia de uma Universidade Federal. Tal movimentação se começou com a participação em reunião de Congregação da Unidade para falar sobre a ação, bem como sinalizar a aplicação de questionário que propicia a compreensão do cenário de interesses docentes, a fim de compor o panorama de atividades a serem desenvolvidas. Sem dúvida, o diagnóstico dos anseios docentes, realizado através de questionário, foi uma bússola que possibilitou conhecer amiúde as demandas, além de permitir que a equipe trace um parâmetro das necessidades emergentes para a Faculdade de Odontologia. Desse modo, foi possível propor atividades personalizadas, definindo não apenas temáticas a serem abordadas, mas também o formato de interação – Live, Jornadas, Oficina, Curso, Ava.
A referida Unidade de Ensino conta 66 docentes, e 42 deles responderam ao questionário, que foi dividido em partes, a saber: 1. Formação Pedagógica dos docentes da Faculdade de Odontologia, 2. Relação com discentes, 3. Sobre a Assessoria Pedagógica, 4. Ações da Faculdade de Odontologia. 5. Percepções sobre a docência. Em cada bloco, há uma intencionalidade de compreender as concepções de docente e perceber os conceitos e pré-conceitos que eles possuem para definirmos as ações.
A partir do questionário-diagnóstico foi possível conhecer um pouco mais o público-alvo e a Unidade em que ele se insere. Sem dúvida, foi fornecido um panorama para que a Assessoria Pedagógica ao Docente Itinerante possa trabalhar com especificidades, com os anseios de docentes. Para tanto, a sinalização dos temas que as/os professores Faculdade de Odontologia gostariam de discutir nos fornece um direcionamento ao trabalho, apontando para ações futuras com as seguintes temáticas:
1 - Avaliação de aprendizagem;
2 – Recursos didáticos diversos;
3 – Planejamento de ensino-aprendizagem;
4 – Recursos tecnológicos;
5 – Métodos e técnicas de ensino e Aulas presenciais e não presenciais.
Logo após a definição dos temas, os diálogos com gestores da Unidade foram intensificados para a definição de datas e horários mais favoráveis (preferência é por momentos em que a Unidade tenha um menor quantitativos de aulas). Identificadas três melhores datas: 29/04, 06/05 e 13/05, das 14h às 16h, ficou definido que seria realizada uma live interativa sobre Avaliação de aprendizagem, uma Oficina sobre Planejamento de ensino-aprendizagem e uma live sobre Recursos tecnológicos e didáticos para aulas presenciais e não presenciais, respectivamente. Neste trabalho, vamos focar nas ações da Assessoria Pedagógica, através do relato de experiência na Faculdade de Odontologia, analisando, especialmente a 1ª ação. Para tanto, o método de pesquisa utilizado é qualitativa, pois tal abordagem, enquanto exercício de pesquisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques” (GODOY, 1995, p. 21). A coleta de dados deu-se através da aplicação de questionários online antes e após a ação formativa, cujos resultados serão colocados neste artigo.
A questão do acolhimento, que é uma premissa para a Assessoria Pedagógica reverbera de modo muito positivo e, para além das ações com live e oficina, há a proposta de interlocução através do AVA, em um espaço exclusivo para cada curso. E foi nele que a docente A – Faculdade de Odontologia, após a primeira live, fez o seguinte comentário:
Uma alegria de saber que nossas angústias e inseguranças no desafiante ofício docente são de alguma forma acolhidas por esta essencial assessoria às nossas práticas. Adorei também o conjunto de reflexões e orientações técnicas compartilhadas no primeiro encontro. Certamente são conteúdos que inspiram e convidam o nosso trabalho a uma atenção permanente aos melhores meios e formas de interagir e construir coletivamente com nossos colegas e com nossas turmas de estudantes em processos contínuos de trocas. Grata! (Docente A – Faculdade de Odontologia, maio/22)
Na primeira live sobre Avaliação de Aprendizagem, após a acolhida de boas-vindas, a pesquisa diagnóstica foi apresentada para dar o retorno acerca dos questionários aplicados na Faculdade de Odontologia. Logo em seguida, a especialista em Avaliação de Aprendizagem iniciou seus compartilhamentos de ideias. À medida que as discussões sobre avaliação, os porquês (e para que) de existir avaliação, as possibilidades de avaliar, ocorriam, também reflexões sobre o tema e sobre as práticas diante do tema eram colocadas por docentes. A docente A esboçou o seguinte comentário: “Eu sempre gostei da ideia de propor avaliação que estimule os estudantes à arte de perguntar, de questionar e não apenas seguir na expectativa de respostas prontas, acabadas, decoradas... mas isto é muito difícil, sobretudo, em cursos tradicionalistas como o nosso”. (Docente A – Faculdade de Odontologia, maio/22) É importante essa tomada de consciência, especialmente, quando enraizada em cursos, cujas estratégias avaliativas são mais tradicionais, pois assim surgem pensamentos e proposições de mudança. Para além das reflexões sobre a própria prática avaliativa, surgem críticas acerca da organização do tempo, conforme nos aponta a Docente B: “No começo do ensino remoto, acho que todos nós exageramos nas atividades...” (Docente B – Faculdade de Odontologia, maio/22) e a Docente C: “Essa questão do tempo é importante, porque nossos alunos trabalham e têm outras atividades fora da faculdade. Conciliar o tempo é complicado.” (Docente C – Faculdade de Odontologia, maio/22).
Enquanto a live acontecia, docentes traziam suas inquietações através do chat ou abriam microfone e/ou câmeras para dialogarem. Além disso, algumas docentes foram contatadas para compartilharem suas experiências em avaliação. Esse contexto foi muito propício aos diálogos, às trocas pedagógicas, a compreensões e ao conhecimento de um trabalho de avaliação interessante que uma colega realiza – surgiram relatos de docentes que trabalham bastante com redes sociais, como o Instagram e o TikTok para avaliar, segundo elas isso engaja bastante estudantes que se motivam com possibilidades menos tradicional de avaliação.
Ao fim de cada fechamento de ciclo, as/os docentes respondem um questionário para trazer uma devolutiva do trabalho realizado. Assim, a equipe pode compreender fatores positivos ou de melhorias. Dentre os partícipes das atividades, 12 docentes responderam ao questionário de devolutiva. Todos apontaram que os temas e formatos propostos para o trabalho foram ideais. Aproximadamente 42% já gostaria de sugerir novos temas para futuros trabalhos, a exemplo de metodologias extensionistas, utilização das redes sociais para o ensino, mas, sobretudo, a avaliação de aprendizagem, que continua sendo o tema que mais desperta o desejo de conhecimento dos professores. Por isso, ainda que os/as professores/as concordem que os conteúdos tenham sido bem explorados nas ações, foi sinalizado que:
Gostaria que [o tema] avaliação continuasse sendo explorado. Os professores em geral dão um valor imenso para notas. Discutem se um aluno deve receber nota 8 ou nota 9. Além disso, tratam o momento da avaliação (que na verdade é realmente verificação), como se fosse o momento mais importante de todo o semestre. Muitas vezes, o momento só tem valia para o professor que necessita gerar sua nota. Para o aluno não contribui para o aprendizado.
(Docente da Faculdade de Odontologia com identificação omitida em questionário de avaliação)
Os/As docentes consideraram também que as dinâmicas utilizadas e o tempo foram adequados, ainda que tenha sido solicitado uma dilatação do tempo que a Assessoria Pedagógica itinerante fica em cada Unidade para haver tempo de discutir mais temas e/ou ampliar as discussões dos temas. Em uma escala de 1 a 5, a atuação da Assessoria itinerante teve nota máxima atribuída por todos/as os/as respondentes. Acerca dos pontos positivos e negativos, muitos/as docentes só sinalizaram os positivos. Aos que citaram os negativos, trouxeram o tempo que deveria ser maior e a possibilidade de ser presencial (o formato adotado é não presencial, através da plataforma RNP, pois possibilita que docentes que estejam na Unidade de Ensino ou não assistam e interajam). Muitas reflexões surgiram a partir do start ofertado pela Assessoria, dentre elas:
- “Ofereceu a oportunidade da importância do conhecimento de conceitos didáticos e pedagógicos essenciais, que nós, da área da odontologia, não fomos capacitados em nossa formação acadêmica e docente”;
- “Abre a mente do professor para pensar fora do que estamos habitualmente acostumados. Como negativo, sei que ainda preciso aprofundar em diversos pontos”.
Nesse sentido, pode-se compreender que, historicamente, os docentes universitários, no Brasil, apresentam, no exercício da docência, uma lacuna na formação pedagógica (CUNHA, 1998; VEIGA, 2012; PIMENTA e ANASTASIOU, 2002). Por isso, muitos profissionais, que atuam de modo técnico em suas áreas de formação específicas, são impulsionados à condição de professores universitários repentinamente, sem formação pedagógica. Reconhecer essa lacuna formacional e buscar mecanismos para supri-la.
Por fim, os/as docentes sugeriram que a Assessoria itinerante voltasse à Unidade e se predispuseram a continuar o processo formativo através de outras iniciativas promovidas pelo Núcleo do qual a Asseria Pedagógica faz parte.
Sem dúvida, propiciar um ambiente que visibilize e possibilite que todas as pessoas possam expor ideias, dúvidas, inquietações, gera relações de imbricações, de reflexões, de mudança de paradigmas acerca da práxis docente. Assim é a Assessoria Pedagógica, uma assessoria em que docentes percebem acolhimento as suas demandas e, por isso, os resultados são positivos. Consegue-se deixar um “gostinho de quero mais” que seja sempre a vinculação para a próxima ação, além disso, o diálogo não se encerra quando o evento acaba, ele continua através do AVA e/ou do WhatsApp com as assessoras. E ao fim de cada ação, o retorno recebido sempre traz mensagens de gratidão, a exemplo de: “Meninas, muito obrigada por esta tarde! Tão dentro de nossa caixinha e tão necessária!!!! Mas q foi de forma leve e prazerosa.”, “Foi uma tarde de muita reflexão e aprendizado! Muitas ideias surgiram... Obrigada por esse momento!”, “Ótima tarde mesmo! Penso que é um debate fundamental para a odontologia.”, dentre tantos outros. Tudo isso reforça a necessidade das assessorias pedagógicas em contextos universitários e propicia que a semente seja levada para outras Unidades de ensino.
D’ÁVILA, Cristina; MADEIRA, Ana Verena (orgs.) Ateliê Didático: uma abordagem criativa na formação continuada de docentes universitários. Salvador: EDUFBA, 2018.
GODOY, A. S. Pesquisa Qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, SP, v.26, n.2, 1995.
Pimenta, S. G., & Anastasiou, L. G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez Editora, 2002.