Os sistemas educacionais estão imersos nessa lógica concorrencial do mercado, disputando espaços nos ranqueamentos estabelecidos pelas políticas de avaliações externas, classificando e excluindo, responsabilizando escola, professores, estudantes e família por tais resultados. Temos visto a implementação de políticas públicas educacionais neoliberais, com novas estruturas de responsabilização e financiamento, que controlam e regulamentam a vida da população, guiando, individualizando e normalizando, garantindo a manutenção do próprio Estado.
A avaliação da educação escolar foi base estratégica da reforma educacional iniciada na década de 1990, tendo uma ênfase no discurso da qualidade, fundamentado nos famosos três “E” – eficiência, eficácia e efetividade. Qualidade esta, vinculada ao desempenho dos discentes, através de testes que medem suas proficiências, sendo a avaliação um instrumento de controle do trabalho escolar, promovendo um falseamento de uma noção de meritocracia, que invisibiliza as desigualdades existentes.
A vida dos sujeitos estudantes não importa no processo avaliativo, ignorando a diversidade de suas experiências e delimitando alguns conhecimentos como válidos e universais. Assim, as avaliações padronizadas acabam sendo um produto abstrato e descontextualizado.
Em Alagoas no ano de 2015, assume o governo do Estado, José Renan Vasconcelos Calheiros Filho (MDB), no qual inicia o processo de implementação do novo gerencialismo na educação alagoana, através de políticas de accountability, sob o consenso de modernização e superação das desigualdades educacionais e dos indicadores negativos.
Nesse sentido, em 2017 há o lançamento do Programa Escola 10, sendo instituído no ano de 2018, através da Lei nº 8.048/2018. O Programa Escola 10 é uma política do estado de Alagoas, que promove acordos de cooperação entre os municípios alagoanos através da assinatura de termo de adesão e que tem reforçado a responsabilização dos profissionais da educação por alcance de metas através de avaliações oficiais e prestação de contas do seu trabalho.
O Escola 10 se insere nesse contexto por transpor a concepção de accountability como parte do novo gerencialismo que reverbera na criação de indicadores e mensuração de perfomances, produção de materiais didáticos de Língua Portuguesa e Matemática, como também, avaliações externas que regulam o trabalho dos docentes alagoanos.
A partir dessa conjuntura apresentada, partimos da seguinte problemática: De que forma os resultados das avaliações externas tem se articulado com a política de responsabilização educacional no Estado de Alagoas, tendo como base o Programa Escola 10?. O objetivo deste trabalho, é analisar as articulações entre as avaliações externas estaduais e nacionais e a política de responsabilização educacional, através do Programa Escola 10, a partir de uma revisão bibliográfica.
A investigação é de cunho qualititativo, almejando um processo de reflexão e análise do contexto brasileiro e alagoano, com a realização da revisão da literatura sobre a política de accountability na administração pública e a política de avaliações externas, no tocante à área da educação, pertinentes ao objeto de análise.
O ACCOUNTABILITY NA EDUCAÇÃO BRASILIERA
Com o avanço de políticas neoconservadoras e neoliberais sendo implementadas na educação pública brasileira nas últimas décadas, a qualidade educacional ganha um foco, o que implica na incorporação frequente de práticas de accountability, a partir do tripé: avaliação, prestação de contas e responsabilização.
Segundo Afonso (2012), o significado do vocábulo accountability indica forma hierárquico-burocrática ou tecnocrática e gerencialista de prestação de contas que dá ênfase a consequências ou imputações negativas e estigmatizantes, que de forma autoritária responsabiliza as instituições escolares, as organizações e os indivíduos.
Para Brooke (2006), as políticas de accountability, são políticas de responsabilização, mediante as quais se tornam públicas as informações sobre o trabalho das escolas e consideram-se os gestores e outros membros da equipe escolar como co-responsáveis pelo nível de desempenho alcançado pela instituição.
Em complemento às definições citadas anteriormente, pode-se dizer que apesar de existir diversos significados da palavra accountability, podemos resumi-la em responsabilidade, seja pelos desempenhos, consequências, controle, ou mesmo publicização dos resultados alcançados, tendo como característica comum, a ação de culpabilizar e atribuir consequências, sendo elas positivas ou negativas.
No Brasil, é importante destacar que alguns instrumentos foram fundamentais para a construção do accountability, sendo eles: a Constituição Federal de 1988 e a Reforma do Aparelho de Estado de 1995, que estão fundamentados em natureza macro, favorecendo, desse modo, o desencadeamento das demais ações em prol do controle sociail na administração pública gerencial, que tem como intuito compensar a redução do controle legal de procedimentos e complementar o controle de resultados.
É interessante frisar que não há um modelo padrão de accountability, e que este, no que lhe concerne, não é um problema, porém, a objeção maior está na forma como ele está sendo utilizado. No cenário brasileiro, por exemplo, corresponde ao avaliar no individual, no qual a escola torna-se a grande responsável pelos indicadores quantitativos, resultantes de uma avaliação classificatória e pontual.
Vale ressaltar que “as políticas públicas educacionais brasileiras utilizam os resultados das avaliações por meio de publicação como forma de controle e planejamento” (SOUZA, 2016, p. 89), no intuito de tentar alcançar uma suposta qualidade educacional, que tem como ponto de partida a melhoria de resultados quantitativos.
Com relação a isso, é possível perceber que esta política de responsabilização está pautada no discurso da meritrocacia, por meio de competição, rankings e premiações, em que cada vez mais o foco dos estudos de avaliação estão sendo deslocados, dando uma maior ênfase às avaliações externas, com a criação de políticas educacionais voltadas para um ensino que se limita ao controle de resultados e, em consequência disso, tem regulado o trabalho dos docentes e ameaçado a gestão democrática.
As políticas de responsabilização derivadas das práticas de accountability, por muitos é considerada como uma busca por melhorias para a educação, atribuindo punições para os profissionais do magistério de acordo com os resultados apresentados nos testes estandadizados realizados pelos alunos, sendo de interesse governamental controlar e monitorar a qualidade do ensino ofertado.
No tocante aos programas de responsabilização, Brooke (2008), considera dois grupos, o primeiro, high stakes, (que tem grande impacto e com bonificação) e o segundo, low stakes, (que tem pouco impacto e não atribui consequências materiais). Como exemplos de estados brasileiros que implementaram essas políticas por algum tempo ou que ainda utilizam, o referido autor cita: Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Sobral (Ceará), que se enquadram em programas de alto impacto (high stakes) e Paraná e Belo Horizonte (Minas Gerais) como de pouco impacto (low stakes).
No entanto, o que há de semelhança entre ambos, é o fato da premiação ou bônus salarial ser uma recompensa pelo alcance de metas. E ainda, temos as sanções, que podem se dá no campo material ou simbólico, caso a escola não alcance os escores estabelecidos por estes programas de accountability.
Pode-se considerar também a existência de sistemas oficiais que aplicam testes ou procedimentos de forma padronizada, para assim, avaliar a aprendizagem e com isso, empregar alguns critérios que determinam que as escolas apresentam um melhor desempenho, dos quais têm consequências para os membros da equipe escolar, sejam estas simbólicas ou até mesmo de forma imprevisível. (BROOKE, 2006).
Sendo assim, pode-se perceber o alto nível de características adotadas pelo meio empresarial, adentrando no sistema educacional por meio das políticas de accountability, que estimula a competitividade, a responsabilização unilateral e a busca demasiada pelo alcance de metas sem ser considerados outros fatores extra-escolares que podem influenciar no desempenho do aluno e no trabalho do professor e demais profissionais da educação para o alcance das metas estabelecidas.
AS POLÍTICAS DE AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NO CENÁRIO BRASILEIRO
As novas formas de gestão e financiamento da educação constituem medidas políticas e administrativas de regulação dos sistemas escolares. Tais medidas surgem como soluções técnicas e políticas para a resolução de problemas de ineficiência administrativa dos sistemas escolares ou da busca de adequação e racionalização dos recursos existentes, acompanhadas das ideias de transparência (prestação de contas e demonstração de resultados) e de participação local. (OLIVEIRA; PINI; FELDFEBER, 2011).
Esse modelo, portanto, vem promovendo mudanças marcadas predominantemente pelos aspectos quantitativos, em detrimento dos qualitativos, que tendem a ignorar os diferentes contextos da realidade educacional, favorecendo o controle social através da competitividade. E ainda, conforme Gewirtz e Ball (2011), o discurso do novo gerencialismo na educação enfatiza os propósitos instrumentais de escolarização, aumentando padrões e desempenhos, conforme mensurados pela avaliação de resultados, nível de frequência e destino dos egressos, articulado a um vocabulário da empresa, com o uso de termos como: excelência, qualidade e eficiência.
O Estado implementa um planejamento centralizado, institucionalizando novos mecanismos de avaliação e controle. Como afirma Krawczyk (2002):
Podemos dizer que no lugar de um Estado social, propõe-se um Estado avaliador. É nessa relação entre centralização e descentralização na gestão educacional que faz parecer a reforma liberalizadora e autoritária ao mesmo tempo. Essa reforma por que passa o Estado desde a década de 1990, na maioria dos países latino-americanos é marcada por três elementos fundamentais: a responsabilização e atribuições do Estado, o mercado e a sociedade educacional sob o enfoque de uma descentralização de governo para município, para a escola, para o mercado e por fim a responsabilização social assumida por todos os agentes do processo. (p.64).
Nesse contexto, acontece uma intensificação na formulação e implementação de políticas no campo educacional, objetivando a adequação do sistema educacional brasileiro ao setor produtivo, através da inserção no mercado globalizado e pela aplicação de políticas neoliberais que responsabilizam diretamente as instituições escolares.
No bojo das reformas educacionais da década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), as avaliações em larga escala foram centrais. Nesse período se desenvolvem programas de avaliação que visam determinar parâmetros de qualidade educacional quantitativos para todo o território nacional. Gradativamente foram implantados modelos de avaliação, aos quais, as unidades escolares e os sistemas de ensino, assim como docentes e discentes do país, foram testados com vistas à obtenção e análise de seus desempenhos.
O Sistema Nacional de Educação Básica (SAEB) foi criado em 1995, pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (MEC). Inicialmente tinha como foco o estabelecimento de escalas de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática, realizando testes por amostragem de cada unidade da federação das escolas públicas e privadas do Brasil. Em 2005 é reestruturado, criando-se a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), conhecida como Prova Brasil.
Em 2007, é criado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), como parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O indicador analisa o fluxo escolar e as médias de desempenho nas avaliações estandizardas, sendo estes entendidos como indicadores da qualidade da educação. É calculado com base no desempenho dos estudantes no SAEB/Prova Brasil e em taxas de aprovação.
As avaliações em larga escala geram uma racionalização voltada apenas para os resultados, que desconsideram os condicionantes intra e extraescolares, que influenciam diretamente na aprendizagem dos discentes. O que se observa é o foco em publicizar apenas resultados que se materializam através do rendimento ou desempenho dos alunos nas avaliações em larga escala. (SANTOS, 2018).
As avaliações estandardizadas são definidoras da qualidade educacional, levando inclusive a punições de escolas, no qual há uma responsabilização forte de professores pelos desempenhos de seus estudantes nos resultados dos testes em âmbito estadual ou nacional, ameaçando a autonomia docente.
Santos (2022, p.1360), corrobora com a discussão afirmando que:
As avaliações estandardizadas são definidoras da qualidade educacional, principalmente como um dos instrumentos da validação de políticas de accountability no cenário nacional, levando inclusive a punições de escolas, no qual há uma responsabilização forte de professores pelos desempenhos de seus estudantes nos resultados dos testes em âmbito estadual ou nacional, ameaçando a autonomia docente.
A partir do exposto, o que se observa é a redução da qualidade do ensino ao desempenho dos estudantes nas avaliações em larga escala, controlando os resultados obtidos por cada escola deste país, selecionando as melhores, provocando um ranqueamento entre elas. Os testes acabam controlando também o currículo, limitando as disciplinas a serem ministradas, e no caso específico da Prova Brasil/Prova SAEB, dando uma maior visibilidade para Língua Portuguesa e Matemática. Para Brooke (2006):
No caso do Brasil, há uma clara preocupação com os dados fornecidos pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb. Ainda que não sejam amplamente divulgados pela imprensa, nem mesmo debatidos nas faculdades de educação, os resultados do Saeb sobre o nível de desempenho dos alunos brasileiros em Matemática e Língua Portuguesa publicados a cada dois anos têm gerado dúvidas sobre a capacidade da escola pública de garantir padrões mínimos de aprendizagem. (p.383).
Tais questões geram uma focalização nas perfomatividades das escolas de todo o país, que são submetidas a sistemas de avaliação próprios, por parte de estados e municípios para regulação de desempenhos dos estudantes através do estímulo à concorrência e consequentemente, ganho de bônus pelo alcance de metas. E Alagoas se insere neste contexto, através do Programa Escola 10.
Esse modelo de avaliação está pautado em uma base política ideológica que pode trazer inúmeras consequências para a educação, pois seus conceitos estão fundamentados em discursos neoconservadores que fazem com que essa política de accountability se torne um instrumento de controle dos resultados, devido seu formato hierárquico-burocrático, ou melhor, tecnicista e gerencialista de prestação de contas. (BROOKE, 2006).
Assim, podemos pensar que a avalição existe, porém, em muitas situações não potencializa o caráter participativo da responsabilização. As escolas, nesse sentido, perdem a sua autonomia na elaboração de projetos pedagógicos, priorizando o que está sendo exposto, por meio de um alinhamento do currículo com essas avaliações:
Na prática, os resultados destas avaliações em larga escala assumem o status de tradutores da qualidade, na medida em que a obtenção dos indicadores desejáveis pressupõe a melhoria educacional, sobretudo o nível de escola. Neste nível, em particular, não raro, a avaliação, como categoria intrínseca do processo ensino-aprendizagem e do projeto-político pedagógico da escola, é suplantada pela égide das avaliações centralizadas, através das quais as escolas são levadas a concentrar esforços na produção dos índices projetados externamente. (SCHNEIDER E NARDI, 2013, p. 34).
Para Afonso (2021), existem formas inteligentes de repensar esse modelo, como por exemplo, tomar como base a configuração de uma política democraticamente avançada, tendo em vista valores e princípios democráticos, tais como: a cidadania crítica, participação, empowerment, direito à informação, transparência e justiça, dentre outros, mas que são de suma importância em uma avaliação que está relacionada à qualidade da educação, não se baseando somente nos resultados que serão alcançados.
O PROGRAMA ESCOLA 10 NA EDUCAÇÃO ALAGOANA
O Programa Escola 10 foi instituído pela Lei nº 8.048/2018, publicado no diário oficial do estado no dia 26 de novembro de 2018, se consolidando como uma política pública do Estado de Alagoas. Foi efetivado através de acordos de cooperação entre os municípios a partir da assinatura de temo de adesão, assinado pelos 102 municípios alagoanos, sem nenhuma resistência.
De acordo com informações no sítio eletrônico da Secretaria Estadual de Alagoas (SEDUC), o Programa Escola 10 é um pacto pela educação do estado, integrando as redes estadual e municipais de ensino. Possui como objetivo o fortalecimento do ensino público para aumento do IDEB, assistência técnica e financeira, pactuação de metas e compromisso e alinhamento de ações com os municípios.
Dentre os compromissos pactuados com os municípios alagoanos estão: aumentar o nível de proficiência dos estudantes, garantindo aprendizado adequado em Língua Portuguesa e Matemática (metas individuais), aumentar a taxa de aprovação (mínimo de 95%), aumentar a taxa de participação de estudantes na Prova Brasil (>90%), reduzir a taxa de abandono (<5%), reduzir a taxa de distorção idade x série (<5%), garantir o cumprimento do IDEB proposto pela SEDUC. Ressaltando que esta meta é muito maior do que a estabelecida pelo INEP e que uma das ações do Estado é promover avaliações em larga escala para todas as redes/sistemas de ensino alagoanas.
Em relação às ações do Programa Escola 10, a Lei n° 8.048/2018 destaca em seu artigo 4° o seguinte:
Art. 4° As ações do Programa têm por objetivo:
I – garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino estejam alfabetizados, em Língua Portuguesa e em Matemática, até o final do 3° ano do ensino fundamental;
II – reduzir os índices de alfabetização incompleta, letramento insuficiente e diminuir a distorção idade-série na Educação Básica;
III – melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB; e
IV – construir propostas para a definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes na Educação Básica. (ALAGOAS, 2018).
Segundo Silva (2021), essas ações estão correlacionadas a um aumento das responsabilidades burocráticas que são atribuídas aos docentes e demais membros da equipe gestora da escola, que se fundamentam em uma melhoria na “qualidade da educação”, que vem sendo obtida a partir de um único indicador que considera somente os resultados em Matemática e Língua Portuguesa, e também o fluxo escolar e a taxa de aprovação dos estudantes.
A Lei nº 8.048/2018 tem como objetivo construir propostas que assegurem a garantia do aprendizado de forma “adequada”, a redução dos índices de alfabetização, a diminuição da distorção idade-série e também garantir que os direitos de aprendizagem, que estão definidos pela própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC), através da delimitação de habilidades e competências, sejam desenvolvidas e se apliquem aos estudantes.
Destacamos que tais ações têm provocado uma competitividade e responsabilização exacerbada entre as escolas, além de outras problemáticas como pontua os autores Oliveira; Gomes e Silva (2020):
Acreditamos que, hoje, existe uma política de culpabilização dos professores que se sentem pressionados no cumprimento das tarefas impostas pela SEDUC, excluindo da escola e reduzindo nos professores a sua autonomia administrativa e pedagógica, o que se caracteriza como uma gestão de cunho gerencial e promotor de tensões no ambiente escolar.” (p.61).
O Programa Escola 10 possui uma articulação com as políticas de avaliação externa e desqualifica a valorização profissional, reduzindo-a a bonificações sob a égide do discurso da meritocracia, como também, fere os princípios da gestão democrática.
Observamos que há uma relação entre o Programa Escola 10 e as políticas de accountability ao apresentar concepções baseadas em seus pilares como: avaliação por meio da supervalorização das avaliações em larga escala, centralização nos aspectos quantificáveis, prestação de contas pela pressão ocasionada aos profissionais da educação sobre o desempenho apresentado pelos alunos, desconsiderando as diversas realidades vivenciadas no cotidiano escolar e a responsabilização que se manifesta através da atribuição de “culpa” às instituições de ensino e principalmente aos professores, além da cobrança pelos resultados apresentados.
A supervalorização dos dados quantitativos acaba desconsiderando os dados qualitativos, e menosprezando o verdadeiro propósito da educação, que é ofertar um ensino que seja de qualidade para todos os estudantes, a fim de contribuir para a sua formação integral para o exercício de sua cidadania. Ao focalizar o seu esforço apenas em aumentar os indicadores de Língua Portuguesa e Matemática, por serem as disciplinas cobradas nos testes, já é perceptível o controle do currículo.
Como afirma Brooke (2006):
Há sistemas oficiais que aplicam testes ou procedimentos padronizados para avaliar a aprendizagem e empregam critérios para determinar que escolas apresentam desempenho melhor, os quais têm consequências para os membros da equipe escolar mesmo quando estas são simbólicas e até imprevisíveis. (p.286).
Nesse sentido, a responsabilidade está sobre os sujeitos que trabalham em tais escolas, incluindo assim gestores e professores, que ficam com a tarefa de criar estratégias para que alcancem determinadas metas impostas a cada ano de avaliação, caso contrário, a escola poderá sofrer algum tipo de sanção, sendo este um processo de culpabilização por partes dos profissionais, como se eles fossem os principais responsáveis pelo “fracasso” escolar.
Além dessas questões mencionadas, as práticas de accountability também podem ser notadas pelas premiações de vinte milhões de reais destinadas aos municípios que atingirem a meta estabelecida pela SEDUC, sendo amparado pela Lei n° 8.171 de 2019, que cria o Prêmio Escola 10, sendo dez milhões destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental e dez milhões para os anos finais.
O programa ainda traz para o meio educacional ferramentas de controle, tendo a figura do articulador de ensino, papel essencial e a ilusão de reconhecimento através do pagamento de bolsas mensais, de bonificações para os docentes, que se empenharão para a melhoria dos índices estabelecidos.
Pontuamos que o Programa Escola 10 tem fortalecido a relação público-privado, introduzindo o gerencialismo na educação pública e seguindo a agenda dos grandes conglomerados empresariais, através da influência da Fundação Lemann, que tem prestado assessoria para o desenvolvimento desta política em nosso Estado, alcançando uma dimensão macro ao de forma indireta se fazer presente nos 102 municípios alagoanos, pois não houve qualquer tipo de resistência à adesão do Escola 10.
Nos anos de 2018 e 2020, o estado de Alagoas, através do Programa Escola 10, ganhou o prêmio Excelência em Competitividade, promovido pelo Centro de Liderança Pública (CLP), na categoria Destaque de Boas Práticas. A premiação possui como objetivo reconhecer os estados brasileiros que têm desenvolvido políticas de impacto em Competitividade, por meio dos indicadores e pilares de Ranking de Competitividade.
É importante destacar que o Programa Escola 10 tem obtido êxito nas metas estabelecidas pelo INEP, nos anos de 2017 e 2019, alavancando o IDEB de Alagoas. O resultado do IDEB referente ao ano de 2021 ainda não foi divulgado pelo Ministério da Educação até a finalização desta pesquisa.
No ano de 2017, 83,3% dos municípios alagoanos atingiram as suas metas. Com isso, Alagoas ficou entre os três estados brasileiros a apresentar os maiores índices de crescimento na educação. Em 2019, o estado alagoano também se destacou, ficando apenas em segundo lugar entre os estados de todo país, no qual 94,1% dos municípios cumpriram com as suas metas.
Observamos que o Programa tem obtido êxito e reconhecimento nacional, devido aos esforços de todos os municípios alagoanos para a elevação dos indicadores educacionais, visto que Alagoas configurava os piores indicadores antes da criação desta política de governo.
Destarte, ressaltamos que o Programa Escola 10 não é definitivo, por ser uma política pública de governo, sua continuidade dependerá do novo governo que será eleito no pleito de 2022 e que seus resultados ainda são incipientes para que de fato tenhamos uma qualidade social e educacional em Alagoas.
A década de 1990 é marcada por reformas no sistema educacional brasileiro, submetidas à nova ordem internacional e aos processos de globalização neoliberal, atendendo a uma lógica que visa acolher apenas os interesses econômicos do mercado e produzindo várias formas de exclusão social, propondo políticas que garantam a inserção e permanência de crianças e jovens no sistema público de ensino, sem uma preocupação real com uma qualidade educacional e social, buscando uma maior eficiência, eficácia, efetividade, controle de qualidade e descentralização de responsabilidades.
As políticas neoliberais de responsabilização através de práticas de accountability, tem focado no treinamento de competências e habilidades por parte dos estudantes, regulação do currículo e controle do trabalho docente, almejando quantificar resultados que atendam aos interesses exigidos pelas avaliações em larga escala, como uma possível prestação de contas do serviço público.
O Programa Escola 10, instituído pela Lei nº 8.048/2018, vem se consolidando como uma política pública exitosa no Estado de Alagoas, pelo empenho, compromisso e pactuação firmada com os 102 municípios.
A política instituída pelo governo de Alagoas, através do Programa Escola 10, tem promovido o estabelecimento de indicadores que deverão ser alcançados pelas escolas públicas, a partir da exposição de ranqueamentos entre as escolas e municípios, estimulando a competividade, a perfomatividade e premiando escolas e docentes, invisibilizando os condicionantes internos e externos e ainda, reduzindo a autonomia administrativa e pedagógica, retirando o protagonismo docente na elaboração de seu planejamento educacional.
É precisamente no espaço escolar que decorre toda a preparação das aulas propostas pelo docente para o treinamento de competências e habilidades a serem desenvolvidas e exercidas aos alunos, bem como a própria aplicação dos testes. A escola por ser o local responsável pelo ensino dos componentes curriculares e pela formação dos sujeitos, compartilha suas responsabilidades juntamente com os professores, com base nos resultados que os estudantes apresentam nos testes periódicos aplicados pelo Programa.
Ao invisibilizar as diversas realidades educacionais das escolas públicas alagoanas, o Programa Escola 10 ainda desvaloriza os aspectos qualitativos da educação, voltados para a promoção de um ensino de qualidade para todos os estudantes, trazendo desse modo, concepções reducionistas da avaliação escolar, utilizadas de maneira exacerbada, interferindo no verdadeiro significado que os processos de avaliações deveriam ter para a formação integral e cidadã dos estudantes, assim como o retrocesso para a gestão democrática, que acaba perdendo sua autonomia, ao ser impelida a adequar o seu currículo para atender às necessidades e exigências advindas do Programa, com foco em Língua Portuguesa e Matemática.
Ainda sobre os resultados das avaliações, pode-se perceber que não há um direcionamento para a comunidade escolar pós-resultados, ou seja, não há uma reflexão ou um indicativo do que fazer com aqueles resultados, sejam eles favoráveis ou não, deixando uma lacuna no processo de avaliação institucional, visando apenas os aspectos quantitativos em detrimento dos qualitativos.
Sendo assim, compreende-se que há práticas de accountability nas diretrizes do Programa Escola 10, no entanto, é importante ressaltar que apesar da cobrança, exigências à prestação de contas e imposição de metas a serem alcançadas, o Programa tem obtido êxito, visto que os índices educacionais se elevaram expressivamente após a sua implementação comparado aos anos anteriores de criação do Programa.
À bolsista voluntária pela significativa e relevante contribuição nesta pesquisa de iniciação científica, que culminará com o seu Trabalho de Conclusão de Curso.
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