A expansão do castelhano tornou-se um valioso instrumento de comunicação internacional, no mundo dos negócios, no universo profissional, acadêmico e cultural. Os especialistas destacam, ainda, a relevância de tornar-se bilíngue num mundo globalizado como o nosso. A cada dia aumenta a procura de profissionais com domínio de línguas estrangeiras, e nesse sentido, o espanhol é uma das línguas mais requisitadas.
De acordo com o informe do Instituto Cervantes, publicado em 2021, o espanhol soma um total de 493 milhões de falantes no mundo. Dessa forma, revela-se como o segundo idioma mundial em termos de nativos — perde apenas para o chinês. Se considerarmos ainda os aprendizes distribuídos em todos os continentes, esse número supera os 591 milhões. Isso significa que o espanhol é a segunda língua materna do mundo pelo número de falantes, atrás do chinês mandarim, e a terceira língua no cômputo global de falantes.
O Instituto Cervantes aponta que nos Estados Unidos mais de 24.069.206 milhões de alunos estudaram espanhol, como língua estrangeira, em 2021. Isso significa que, nesse contexto, a língua espanhola se revela como uma das escolhas mais vantajosas para as questões profissionais, acadêmicas e culturais. Inclusive, em algumas regiões dos Estados Unidos, essa também é uma língua importantíssima nas relações comerciais — 15% da população do país têm o espanhol como a sua primeira língua.
Sabemos que o Brasil está rodeado por países hispano falantes e, com as demandas próprias das relações comerciais que promoveram o surgimento do Mercosul, as autoridades brasileiras sancionaram, no ano de 2005, a Lei 11.161/2005. Com essa Lei, a oferta da língua espanhola tornou-se obrigatória. Entretanto, com a aprovação da Medida Provisória 746 de 2016 e convertida em Lei n° 13.415/2017, a oficialização do ensino de espanhol chega ao seu fim, ficando suspensa a obrigatoriedade da sua oferta.
Diante desse cenário, o presente trabalho se propõe a refletir sobre os seguintes questionamentos: Qual lugar ocupa o ensino de espanhol no sistema educacional brasileiro? Quais os impactos da (des)oficialização da oferta de ensino de espanhol nas escolas brasileiras?
Este artigo tem como objetivo principal descrever os impactos da (des)oficialização do ensino de espanhol nas escolas brasileiras no âmbito linguístico, pedagógico e político. E, como objetivos específicos, analisar o percurso histórico do ensino de espanhol no Brasil; descrever as habilidades que podem ser desenvolvidas na aquisição e aprendizagem de uma segunda língua e refletir sobre a importância do ensino de espanhol no ensino médio na interface com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
A metodologia utilizada é a pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico de autores que discutem sobre a temática e a revisão sistemática de artigos encontrados no Portal de perídicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), entre os anos de 2018 a 2021.
O trabalho está dividido em três seções. A primeira apresenta um breve percurso histórico do ensino de espanhol no Brasil, a segunda discute os impactos da (des)oficialização da oferta de ensino de espanhol nas escolas brasileiras e a terceira seção apresenta algumas considerações finais.
BREVE PERCURSO HISTÓRICO DA LÍNGUA ESPANHOLA NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO.
Para além da Espanha, o espanhol é falado em outros 21 países e é a segunda língua mais estudada como língua estrangeira, depois do Inglês. Com tudo, o espanhol não só é falado nos Estados Unidos devido à imigração latina, mas também escolhido como língua estrangeira a ser aprendida (SELLANES, 2022).
Para traçar o percurso histórico da oferta da língua espanhola nas escolas brasileiras, nos remetemos brevemente a seis momentos importantes: a Reforma Capanema (1942), a assinatura do Tratado do Mercosul (1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1961), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), a Lei 11.161 (2005) e a Lei n° 13.415 (2017).
De acordo com Guimarães (2011), a Reforma Capanema, de 1942, marcou um antes e um depois na implementação do ensino de espanhol nas escolas públicas brasileiras. Essa lei determinava que todos os alunos do ensino médio deveriam estudar o latim, o inglês e o espanhol. Nesse sentido, Guimarães (2011) destaca que o ministro Gustavo Capanema ao instituir a Lei orgânica do ensino secundário, através do Decreto-lei 4.244, de 9 de abril, ele reformou o ensino secundário, cujos objetivos eram:
“Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes”, “acentuar a elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística” e “dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial” (GUIMARÃES, 2011, p. 4 aspas do autor).
Foi com este decreto que o ensino secundário ficou dividido em dois ciclos. Por um lado, o curso ginasial (4 anos) e, por outro, subdividido em curso clássico e curso científico, cada um com três anos de duração (GUIMARÃES, 2011). Em relação ao ensino de espanhol, o Decreto-lei estabelecia em seu art. 14 que:
O curso clássico tivesse o ensino do espanhol na primeira e segunda séries, e no artigo 15, que o curso científico teria o ensino do espanhol na primeira série. Somente em 3 de fevereiro de 1943, saiu o programa de espanhol para os cursos clássico e científico, através da Portaria 127, do Ministro de Estado da Educação e Saúde. Por esta norma legal, seriam ensinadas a língua espanhola e as literaturas espanhola e hispano-americanas. O programa estava dividido em quatro partes: “I. Leitura”, “II. Gramática”, “III. História literária” e “IV. Outros exercícios” (GUIMARÃES, 2011, p. 4).
Portanto, entende-se que o ensino de espanhol era ofertado no 1º ano dos Cursos Clássico ou Científico. De acordo com Domingo (2015), essa oferta perdia em carga horária com as demais línguas oferecidas.
Guimarães (2011) explica que, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, houve uma diminuição das ofertas de espanhol e latim, compensada pelo surgimento de outras línguas, como o italiano, o alemão e até o japonês, de grande importância cultural.
Um outro momento relevante do percurso do ensino da língua espanhola no Brasil se remete ao ano de 1990. Domingo (2015) explica que havia uma esperança do Espanhol se consolidar como oferta de ensino no sistema educacional brasileiro, a partir da assinatura do Tratado do Mercosul. Esse tratado foi assinado, também, pelos países vizinhos da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Entretanto, afirma a autora, “nenhum avanço significativo em termos de institucionalização do ensino”, a não ser a “chegada de inúmeras empresas espanholas no país a partir dos anos 90” (DOMINGOS, 2015, p. 68).
Em 1996, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), menciona a inclusão de uma língua moderna, com caráter obrigatório e dependente da escolha da comunidade escolar e a escolha optativa de uma segunda língua. Assim, o artigo 26, § 5º estabelece que “será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição” (BRASIL, 1996, p. 11).
Em relação ao ensino médio, o mesmo documento dispõe, no artigo 36, § III, que “será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição” (p.14). Portanto, o inglês manteve seu lugar de destaque, enquanto que o espanhol se manteve no segundo lugar.
O marco de maior relevância para o ensino de espanhol no Brasil aconteceu em 2005, dentro do contexto do desenvolvimento e crescimento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Nesse sentido, Guimarães (2011) relata que:
O século XXI se inicia com bons ventos para o ensino do espanhol no Brasil. Desde finais do século XX, se observam algumas iniciativas em formular uma legislação específica para a inclusão do espanhol na estrutura curricular do sistema de ensino brasileiro. O Brasil vem crescendo econômica e politicamente, com relações internacionais com a Espanha, acordos com países hispanófonos, principalmente depois da criação do MERCOSUL. A liderança do Brasil no tratado do MERCOSUL faz com que o Brasil tenha evidência política internacional, com amplitudes e consequências sociopolíticas. O país tem a necessidade de uma aproximação mais marcante com esses países e a língua é um instrumento de suma importância. Muitas empresas espanholas investem no Brasil. Com isso, o mercado de trabalho busca adaptação a essa nova realidade. Cursos de espanhol em todo o país têm crescido. Mais alunos procuram o curso de espanhol para melhorarem seu curriculum vitae (GUIMARÃES, 2011, p. 6).
Diante dos avanços comerciais entre os países do MERCOSUL e com as demandas próprias das relações comerciais, o Brasil sancionou, no ano de 2005, Lei 11.161/2005 que estabelece a obrigatoriedade da oferta da língua espanhola. A seguir apresenta-se o texto na íntegra:
Lei: Art. 1o O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino médio.
§ 1o O processo de implantação deverá estar concluído no prazo de cinco anos, a partir da implantação desta Lei.
§ 2o É facultada a inclusão da língua espanhola nos currículos plenos do ensino fundamental de 5a a 8a séries.
Art. 2o A oferta da língua espanhola pelas redes públicas de ensino deverá ser feita no horário regular de aula dos alunos.
Art. 3o Os sistemas públicos de ensino implantarão Centros de Ensino de Língua Estrangeira, cuja programação incluirá, necessariamente, a oferta de língua espanhola.
Art. 4o A rede privada poderá tornar disponível esta oferta por meio de diferentes estratégias que incluam desde aulas convencionais no horário normal dos alunos até a matrícula em cursos e Centro de Estudos de Língua Moderna.
Art. 5o Os Conselhos Estaduais de Educação e do Distrito Federal emitirão as normas necessárias à execução desta Lei, de acordo com as condições e peculiaridades de cada unidade federada.
Art. 6o A União, no âmbito da política nacional de educação, estimulará e apoiará os sistemas estaduais e do Distrito Federal na execução desta Lei.
Art. 7o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação. Brasília, 5 de agosto de 2005; 184º da Independência e 117º da República (BRASIL, 2005).
Nesse sentido, de acordo com Luz (2020):
A Lei 11.161/2005, conhecida como “Lei do espanhol”, é sem dúvida um dos mais importantes instrumentos de garantia para oferta da língua espanhola na Educação Básica, porém, uma das maiores incertezas político-curriculares no ensino das línguas estrangeiras no Brasil. É importante ressaltar o histórico anteriormente mencionado, que fundamentou o processo de conscientização educacional pela flexibilização na oferta de línguas estrangeiras no ensino básico, sobretudo, a linha de ensino-aprendizagem mais aproximada do interesse cultural dos estudantes. Entretanto, a “Lei do espanhol” ressurgiu a incerteza deste processo, ao refletir uma desigualdade pela ‘oferta obrigatória’, num rompimento da planificação, constituída nas Leis de Diretrizes anteriores (LUZ, 2020, p. 14).
Essa lei tornou-se obrigatória de fato, a partir de 2010, nas escolas de Ensino Médio e de oferta facultativa nas de Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano. Sobre esse período de implementação, Domingo (2015) relata que houve uma movimentação significativa para que as escolas se adequassem à oferta da língua espanhola. Textualmente, ela aponta que:
A implantação dessa lei foi progressiva desde 2005 ficando sob a responsabilidade dos Conselhos Estaduais de Educação, tendo como prazo final para a oferta pelos estados o mês de agosto de 2010. Nesse período observou-se uma movimentação intensa por parte de associações de professores e docentes que atuam em inúmeras universidades do país e, também, por parte de instituições estrangeiras, destacadamente as espanholas. Muito se alardeou em torno à referida lei e à quantidade de profissionais que, imaginava-se, seria necessário para atendê-la, repercutindo, inclusive, na imprensa internacional. De 2006 a 2010 observamos uma discussão interessante em torno à Lei 11.161: inúmeros seminários, simpósios e congressos tiveram como tema o debate sobre a oferta e o ensino de espanhol, incluindo a criação de uma Comissão Permanente de Acompanhamento da Implantação do Espanhol no Sistema Educativo Brasileiro (COPESBRA) e de uma Plataforma para acompanhamento dessa implantação (DOMINGO, 2015, p. 69).
Numa análise exaustiva, Domingo (2015) faz uma crítica importante sobre o período histórico que estamos desenvolvendo sobre a implantação do ensino de espanhol no Brasil. A autora ressalta que:
Do ano de 1942 (Reforma Capanema) ao ano de 2015 (ano em que se comemora o aniversário de 10 anos da assinatura da Lei 11.161) pouca coisa mudou: saímos do pré-construído sobre a língua fácil que não precisa ser estudada (Celada, 2002) à imposição da oferta (por parte das instituições de ensino e escolha facultativa por parte do corpo discente) sem avanços significativos que apontem, por exemplo, a consideração das especificidades regionais que influenciam e condicionam o ensino-aprendizado desse idioma (DOMINGO, 2015, p. 77).
A última data de relevância do percurso histórico proposto neste trabalho é o ano de 2017. Trata-se de um marco histórico conflituoso e considerado como retrocesso pelos autores que discutem esta temática. Acontece que a Medida Provisória 746 de 2016, aprovada no Congresso Brasileiro e transformada em Lei Nº 13.415/2017, no ano de 2017, mudaria esse panorama de franca expansão do espanhol.
Os estudiosos argumentam que o fim da obrigatoriedade da oferta de espanhol pode ser considerado um retrocesso no ensino de um idioma que sequer havia sido consolidado em todas as instituições da educação básica brasileira (FREITAS & ALBUQUERQUE, 2019; LUZ, 2020). Sobre o assunto, Luz (2020) salienta o seguinte:
Descrever sobre a posição das línguas estrangeiras nesta Lei 13.415 de 2017 é inevitavelmente refletir sobre o ambiente contextual ao qual se deu sua determinação, quando o estado traduz uma política linguística paralela à formação da mão de obra profissional, diferente da legislação anterior (Lei 11.161-2005) que se aproximava mais do desejo da formação integral linguística autônoma. Enfim, a legislação atual, além de trazer vícios de origem de uma reforma por meio de MP, constitui um verdadeiro antagonismo da política linguística brasileira com a qual se desenhou a última Lei educacional. Mesmo a discutível “oferta obrigatória” da reforma antecessora (Lei do Espanhol), não se compara ao retrocesso da atual legislação quanto à oferta de línguas estrangeiras modernas no currículo do ensino médio, provocada pela supracitada legislação, denominada de “Reforma do Ensino Médio”, quando propõe a obrigatoriedade do ensino do inglês e não flexibiliza a oferta das outras línguas estrangeiras, como trata o seu Artigo 35-A, cujo parágrafo 4° determina que “os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelo sistema de ensino” (LUZ, 2020, p. 16).
Em resposta à retirada da obrigatoriedade da língua espanhola, foi criado por professores/as de espanhol de 26 Unidades Federativas, em maio de 2020, o movimento #FicaEspanhol-Brasil. Trata-se de um movimento que defende a importância do ensino de espanhol em todas as escolas brasileiras. Alguns dos argumentos que esse movimento defende são os seguintes:
1) O espanhol é a língua utilizada em relações comerciais internacionais e movimenta cifras consideráveis de recursos.
2) O intercâmbio comercial reflete, conforme dados do Ministério da Economia, que o volume em valores das exportações brasileiras para os demais países da América Latina, entre 2010 e 2016, variou entre 30 e 45 bilhões de dólares e as importações atingiram valores entre 18 e 32 bilhões de dólares.
3) O setor de turismo demonstra que o Brasil recebeu, no período de 2016 a 2019, cerca de 6 milhões de turistas provenientes de países de língua espanhola, segundo informações apresentadas pelo Ministérios do Turismo e pela Polícia Federal. Esse volume comercial e de trânsito de pessoas requer necessariamente o conhecimento do espanhol para que as interações ocorram de forma a promover a compreensão linguística.
4) A movimentação financeira das editoras responsáveis pela produção dos livros didáticos, inclusive os selecionados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), no qual o espanhol esteve presente em seis editais, de 2011 até 2018. Por exemplo, em 2012, havia um total de 2.207 recursos didáticos (livros didáticos, dicionários, etc.) utilizados no ensino de espanhol em nosso país. Um aumento considerável se comparado com os dados da década de 1990 com 60 títulos (ERES FERNÁNDEZ et. al, 2012, p. 7). Por sua vez, em 2018, na última edição de livros didáticos de língua espanhola no âmbito do Programa, foram distribuídos 4.366.973 exemplares, segundo dados do FNDE. De acordo com dados anuais do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), o subsetor didático é o mais importante do mercado editorial brasileiro, sendo responsável por cerca de 45% do número de exemplares vendidos no país, assim como do faturamento no setor. Grande parte desses valores deve-se aos livros destinados ao ensino de espanhol em nosso país.
5) A posição geopolítica do Brasil na América Latina, inclusive pelo fato concreto dessa nação fazer fronteira com nada menos do que sete países desse subcontinente, cuja língua oficial é o espanhol. Nessa perspectiva, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê, no Parágrafo Único do Artigo 4o que “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”. No traçado dessa meta, a questão do conhecimento da língua se torna fundamental e o Brasil teria, pelo grau de desenvolvimento da reflexão e da pesquisa atingido em suas universidades, como conduzir com comprometimento e qualidade a inserção do espanhol no seu sistema educativo;
6) A manutenção do espanhol no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) faz-se necessária, pois os dados mostram que essa língua é a mais escolhida pelos candidatos. Em 2020, 3.132.593 estudantes escolheram o espanhol, representando um total de 53,78 % do total de inscritos, conforme dados do INEP.
7) Os recursos já aplicados na formação de um corpo docente numeroso que, num conjunto maior de esforços implementados entre 2005 e 2017, requereram um investimento considerável por parte do governo federal e dos governos estaduais. Acreditamos que tais investimentos devem ser mantidos e/ou recuperados em prol da pluralidade que merece o sistema educativo brasileiro. (SINTIETFAL, 2021, documento online).
Percebe-se que a pauta apresentada pelos professores que reivindicam a inclusão do ensino de espanhol enquanto componente curricular da Educação Básica está munidos de fundamentos potentes. Na próxima seção apresenta-se brevemente alguns dos impactos da não obrigatoriedade da oferta de espanhol nas escolas brasileiras.
OS IMPACTOS DA (DES)OFICIALIZAÇÃO DA OFERTA DE ENSINO DE ESPANHOL NAS ESCOLAS BRASILEIRAS
A fim de aprofundar na temática abordada por este artigo, realizou-se uma revisão sistemática de artigos de língua portuguesa, revisados por pares, procurados no Portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), entre os anos de 2018 a 2021. O recorte temporal vincula-se ao período da desoficialização do ensino de espanhol nas escolas brasileiras. Utilizou-se como termos de busca os seguintes termos: “espanhol” “língua estrangeira” “ensino médio”.
Foram identificados 23 artigos, dos quais 6 foram selecionados e destes, unicamente, 4 artigos foram analisados por discutirem sobre a Língua espanhola no Brasil, desde o ponto de vista da Política Linguística, dos desafios pedagógicos do ensino, da possibilidade do desenvolvimento intercultural através do ensino desta língua e dos avanços na qualidade da produção de material didático, desde 2011 a 2014.
A partir dos dados obtidos, reflete-se sobre a questão lacunar de estudos que estudem e discutam sobre a importância do ensino de espanhol nas escolas brasileiras. Mesmo sem a obtenção de um número maior de trabalhos acadêmicos, os artigos analisados apontaram autores que contribuíram para a fundamentação teórica do presente estudo. Nesse sentido, foi relevante identificar que as produções científicas destacam pelo menos três aspectos importantes sobre o ensino de espanhol: aspectos linguísticos, formativos ou educacionais e políticos.
Desde o ponto de vista da linguística, a literatura nos aponta, por um lado, que a aquisição de uma língua é inata no ser humano e está configurada por motivações pragmáticas ou instrumentais. Por outro lado, a aquisição e aprendizagem, de uma segunda língua é uma tarefa complexa e suas motivações são de caráter integrativo. (MARÍN, 2004; GRIFFIN, 2011).
Em se tratando do ensino de uma Língua Estrangeira (LE) em sala de aula, Almeida Filho (2002) sinaliza que:
[...] a aula de língua estrangeira como um todo pode possibilitar ao aluno não só a sistematização de um novo código linguístico que o ajudará a se conscientizar do seu próprio processo, mas também a chance de ocasionalmente se transportar para dentro de outros lugares, outras situações e pessoas. (ALMEIDA FILHO, 2002, p.28)
Desde o ponto de vista pedagógico, o professor Miguel Arroyo (2012) explica que a educação precisa ser compreendida numa perspectiva integrada e integradora do direito que as pessoas têm de aceder, entre outras coisas, ao conhecimento, à ciência, à tecnologia, a conhecer outras culturas, outros valores, às diversas linguagens, expressões, ritmos, vivências, emoções, memórias e identidades diversas. Portanto, o aprendizado de uma segunda língua se enquadra dentro do âmbito do direito à educação e da prática de uma educação integral dos sujeitos.
Um terceiro aspecto que será abordado neste trabalho, é a perspectiva política, pois, como afirma Geraldi (2006), a educação linguística é uma opção que se materializa na escolha do material didático, nas metodologias de ensino e nos processos avaliativos. Esses elementos possibilitam aos estudantes o desenvolvimento de habilidades linguísticas, mas também da consciência crítica da leitura do mundo.
A literatura aponta descasos em relação à implementação consistente de uma política e de um planejamento linguístico no Brasil. Nesse sentido, identificam-se a falta de leituras críticas para pensar sobre a oferta do ensino de espanhol no Brasil, bem como da formação de professores. Trata-se sobretudo da construção de bases mais sólidas para o ensino desta língua. Identificam-se nos documentos educacionais um tratamento pragmático do ensino e desvinculado dos aspectos históricos e socioculturais com os países da Latino América. Coloca-se assim, uma clara opção por um ensino de cunho mais intercultural que meramente bilíngue (DOMINGO, 2015; FREITAS & ALBUQUERQUE, 2019).
Dos 21 países nos quais o espanhol é a língua oficial, 19 são da América Latina. Estes mostram um grande crescimento econômico, e isso gera a necessidade de parcerias para negócios e o desenvolvimento de negociações. Nesse sentido, amplia-se a importância da língua espanhola no cenário mundial. Para quem negocia com esses países, é fundamental conhecer as suas particularidades, isto é, a sua cultura.
Esse conhecimento torna-se uma importante ferramenta, já que quem desconhece a cultura de um povo pode cometer erros e gafes nas relações cotidianas de trabalho, numa imigração a um país de fala hispânica ou até mesmo num simples turismo no exterior. Conhecer a cultura de um povo garante o respeito à identidade da população e uma adaptação menos traumática para quem chega com outros costumes e vivências.
Neste estudo buscou-se refletir sobre a trajetória percorrida pela Língua Espanhola no Brasil, tendo como objetivo principal descrever os impactos da (des)oficialização do ensino de espanhol nas escolas brasileiras. Foi nesse movimento de reflexão que se discorreu, inicialmente, sobre os aspectos históricos de implementação do Espanhol como Língua Estrangeira nas escolas do Brasil.
Com essa retrospectiva histórica, verificou-se que a língua espanhola passou por vários processos de oficialização e desoficialização. Os impactos sofridos pela desoficialização do ensino de espanhol nas escolas brasileiras, por meio da Lei Nº 13.415/2017, conhecida como a “Reforma do Ensino Médio”, são de ordem linguística, pedagógica e política.
A exclusão da disciplina de Língua Espanhola nas escolas brasileiras prejudicou não só a oferta de emprego de professores graduados de espanhol, mas, sobretudo, os estudantes das escolas públicas. Eles foram impedidos de aprender mais uma língua estrangeira reconhecida mundialmente em várias esferas do saber, da política, do comércio e da cultura e da oportunidade de preparar-se tecnicamente para a avaliação do ENEM. Perdeu-se com essa medida a possibilidade de avançar por uma educação plurilíngue, democrática e vistas à formação para a cidadania.
O trabalho realizado apontou a necessidade de aprofundamento sobre a temática, uma vez que a revisão sistemática de artigo identificou uma quantidade pequena de trabalhos acadêmicos que discutem sobre este assunto. Espera-se que este estudo possa levantar novamente a discussão sobre a necessidade de o Espanhol fazer novamente parte do componente curricular obrigatório na Educação Básica. Essa retomada justificaria, inclusive, a existência dos cursos de graduação em Letras com ênfase em Língua Espanhola.
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