1 – INTRODUÇÃO
O ano de 2020 impôs ao mundo um desafio sem precedentes, ao menos, se considerarmos o curso da história da nossa geração. Se em dezembro de 2019 assistíamos por meio dos telejornais a veiculação de notícias que descreviam o surto de uma doença ainda desconhecida na cidade de Wuhan, na China, poucos meses depois fomos afetados com intensidade por essa enfermidade, vindo então a descobrir que tratava-se de uma pandemia provocada por uma mutação do Coronavírus.
Neste sentido, tardiamente, março passou a ser um mês decisivo para um grande número de estados brasileiros que começavam a se preparar para o desenvolvimento e a execução de ações de prevenção contra essa nova patologia. Naquele momento o mundo já sabia que estávamos diante do SARS-CoV-2, vírus da família dos Coronavírus que ao infectar as pessoas causa a chamada COVID-19. Por ser um microrganismo que até pouco tempo não era transmitido entre os seres humanos, ele ficou conhecido, no início da pandemia, como Novo Coronavírus. Nesta dinâmica, cabe realçarmos que a COVID-19 é uma doença infecciosa originada pelo vírus SARS-CoV-2, em que a maioria dos indivíduos que se contagiam apresentam sintomas leves a moderados tal qual os de uma gripe e se recuperam sem a necessidade de tratamento especial. No entanto, em outros casos os pacientes desenvolvem um quadro grave e precisam de atendimento médico, podendo, inclusive, a depender do estado clínico em questão, chegar a óbito.
Neste ínterim, subitamente, vimos as nossas escolas esvaziarem-se e fecharem as suas portas em cumprimento imediato as orientações fornecidas pela Organização Mundial da Saúde - OMS, e aos respectivos decretos das instituições de saúde brasileiras, a exemplo daqueles publicados pelo próprio Ministério da Saúde. Em linhas gerais, essas diretrizes davam conta de que a conduta mais adequada para nos protegermos, e, consequentemente, combatermos a pandemia, evitando o contágio e a proliferação do vírus seria por meio da prática do distanciamento ou do isolamento social, sempre que possível.
De maneira lamentável, como efeito da globalização, ou seja, do intenso processo de integração política, econômica, social e cultural mundial, o Novo Coronavírus atingiu os 195 países do mundo, considerando o Vaticano e o Estado da Palestina, e absolutamente todos os sistemas educacionais do planeta em um curtíssimo intervalo de tempo. De acordo com o Repositório de Dados da COVID-19 do Centro de Ciência e Engenharia de Sistemas da Universidade Johns Hopkins dos Estados Unidos, que consegue atualizar diariamente os dados ligados a pandemia, até o mês de junho do ano de 2022 foram dizimadas o expressivo quantitativo de 6, 32 milhões de vidas, sendo que deste contingente 669 mil mortes dizem respeito exclusivamente a cidadãos brasileiros.
Assim, em concordância com a fonte citada, São Paulo é o estado do Brasil que lidera o ranking nacional tanto no tocante aos casos de pacientes diagnosticados com a COVID-19, como também quando o aspecto analisado é o índice de óbitos, contabilizando respectivamente: 5, 62 milhões de casos confirmados da doença e 170 mil mortes, tomando como referência limite o mês de junho do corrente ano. Em um contexto distinto, mas não menos preocupante, Sergipe, sendo o menor estado da federação apresenta indicadores consideráveis, deixando para trás estados maiores a exemplo de: Tocantins, Alagoas, Amapá, Roraima e Acre. Os registros do estado que tem a cidade de Aracaju como capital revelam a confirmação de 328 mil casos da COVID-19 e um total de 6. 351 óbitos.
No caso do Brasil, o ciclo pandêmico tem evidenciado o quanto precisamos nos desenvolver, sobretudo, do ponto de vista estrutural em todas as regiões com vistas a assegurarmos os direitos básicos dos cidadãos não somente em um período calamitoso como esse ainda em voga. Diante do exposto, nos deparamos com uma realidade extremamente desafiadora que precisa ser enfrentada se tivermos em nosso horizonte o desejo de transformar positivamente o país ao longo desta década.
Com o objetivo de exemplificar o que citamos anteriormente, recordamos que no dia 13 de abril de 2020 no Programa Roda Viva, veiculado pela TV Cultura, na ocasião da entrevista cedida pela Presidente Executiva da Organização Não Governamental Todos Pela Educação, Priscila Cruz, foram mostrados pela jornalista Tatiana Vasconcelos dados de uma pesquisa que revelavam que apenas 58% dos domicílios brasileiros dispunham de computador, e que 33% das residências no Brasil não tinham acesso à internet. Em um cenário inédito para todos nós, e na busca por alternativas que subsidiassem a retomada do ensino público para milhões de crianças, jovens e adultos esbarrávamos na falta de infraestrutura e acesso à tecnologias básicas que de algum modo pudessem oportunizar outra via para a promoção da educação que não fosse pelo jeito tradicional, quer dizer, com o contato físico entre as pessoas.
Neste movimento, questões bastante relevantes se impuseram em um amplo debate nacional envolvendo diversas instituições sociais ligadas não unicamente ao campo da educação, vejamos algumas: como ensinar a distância numa conjuntura de escassez de recursos tecnológicos para grande parcela da população do país? Como ensinariam, por meio de tecnologias da informação, professores que não possuem expedientes tecnológicos básicos a exemplo de conexão de internet? Como lecionariam, docentes que na sua formação inicial não conheceram tecnologias capazes de viabilizar a concretização do ato pedagógico durante um episódio como o da pandemia? Como terão acesso à educação ofertada através do uso da internet os alunos cuja as famílias não tem condições para ofertar itens tecnológicos elementares que os possibilitem experimentar esta nova realidade educacional? Como promover o ensino a distância para crianças, especialmente aquelas dos anos iniciais da educação infantil? Como ensinar a distância crianças, jovens e adultos em fase de alfabetização? Essas ponderações nos colocam em contato com uma parcela significativa dos obstáculos a serem contornados, reafirmando a necessidade de nos reinventarmos na condução desse processo tão complexo chamado educação.
Ao retomarmos esse itinerário e as reflexões suscitadas pelos questionamentos elencados, percebemos implicitamente a existência de uma linha universal que perpassa a fragilidade comum à maioria das redes públicas de ensino do nosso país, independente da região onde encontram-se localizadas. Dessa forma, pudemos ter conhecimento de notícias que versavam sobre a impossibilidade da garantia do ensino regular por meios tecnológicos para todos os estudantes em São Paulo, Sergipe e demais estados brasileiros.
Antes de avançarmos, gostaríamos de expressar que a opção por este tema e a motivação em realizarmos o presente estudo estão intrinsecamente ligadas ao nosso trajeto constitutivo, a essa busca contínua em nos formarmos sujeitos atuantes no meio sociocultural do qual fazemos parte. Logo, reiteramos que a produção deste artigo se relaciona diretamente com o nosso próprio percurso de formação, tendo neste a sua finalidade, na perspectiva da busca constante do alargamento dos nossos horizontes compreensivos no que concerne ao estudo sobre os impactos da pandemia no ensino público destinado a educação básica.
Neste momento, recorremos a Foucault para fundamentar esta ideia quando afirma:
Cada vez que eu tentei fazer um trabalho teórico, foi a partir de elementos de minha própria experiência: sempre em relação com processos que eu vi desenrolar em torno de mim. É porque pensei reconhecer nas coisas que vi, nas instituições às quais estava ligado, nas minhas relações com os outros fissuras, abalos surdos, disfunções que eu empreendia um trabalho, alguns fragmentos de autobiografia (1994, p. 4).
Esta possibilidade nos leva a pensarmos que, quando o sujeito se dispõe a investigar determinada temática, ele não está livre de se encontrar na mesma e de se rever nos desdobramentos desta trilha imponderável, seja em decorrência do que assinalam os dados que tem descoberto, ou ainda por refletir acerca da sua constituição subjetiva, ao ser afetado pela potência emanada dos conceitos em seus diferentes caminhos investigativos.
Vale ressaltarmos, igualmente, que nos encaminhamentos desta jornada não tivemos a pretensão de esgotar o assunto nem de decretar verdades incondicionais a respeito do objeto que tomamos em análise. O que apresentamos é tão-somente o produto de um olhar contingente e transitório que, enquanto se elabora, coloca-se à disposição para dialogar com outras pesquisas que podem superar as possibilidades do nosso alcance compreensivo.
Decerto, ao apresentarmos este panorama, queremos poder ir além do que apenas situar o leitor na contingência que proporcionou o nascimento do nosso interesse em estudar o que anunciamos. Ao tentar ir adiante, nossa intenção é expressar que não acreditamos na neutralidade do exercício que é o fazer ciência, especialmente por percebermos que este estudo nasce de nós, através de implicações essencialmente pessoais e subjetivas. Do mesmo modo, por reconhecermos que tais indagações podem, de algum jeito, contribuir para a realização desta investigação, tornando impraticável a ação imperativa da impessoalidade na construção do conhecimento.
Com isso, apresentamos a seguir a pergunta que nos impulsionou e moveu a construção deste trabalho, a saber: quais os efeitos da pandemia da COVID-19 na promoção do ensino público voltado para a educação básica? Dando continuidade, temos por objetivo pesquisar acerca das implicações da pandemia da COVID-19 no cotidiano do ensino público direcionado para a educação básica, tomando como objeto de análise uma rede municipal de ensino do interior do estado de Sergipe.
Sendo assim, apresentaremos na sequência a metodologia que embasou e possibilitou a concretização deste estudo.
2 - METODOLOGIA DA PESQUISA
Ao prosseguir, desejamos, de antemão, tornar explícito que uma pergunta pauta a condução da continuidade do nosso trabalho: como desenvolvemos esta pesquisa? Com efeito, a sua resposta evidencia difíceis escolhas feitas ao longo do tempo ao percorrermos os diferentes caminhos investigativos e, em decorrência, tornam visíveis alguns componentes pelos quais optamos para compor a metodologia norteadora deste estudo, que se debruça sobre o sempre oportuno território da educação, e mais especificamente, acerca do ensino público voltado para a educação básica no ciclo pandêmico da COVID-19.
Assim, evidenciamos que por educação compreendemos o processo pelo qual o sujeito passa, e que, portanto, o modifica, fazendo com que ele deixe de ser o que está sendo e se torne o que ainda não é, sozinho ou com a ajuda do outro. A educação, neste sentido, é algo que o sujeito elabora sobre si mesmo ao se qualificar, na busca constante por um objetivo pessoal. Esse tornar-se não é uma tarefa simples, é um percurso bastante intenso, desafiador e complexo que acontece no decorrer da existência.
Após apresentarmos a nossa compreensão de educação, gostaríamos de conceituar respectivamente ensino público e educação básica, sobretudo, porque esta iniciativa nos auxilia a delimitar o nosso campo de atuação investigativa. Assim, ensino público, neste contexto, é a forma de ensino destinada a comunidade por meio de creches, escolas ou universidades mantidas pelo Estado. E a educação básica, é o nível de ensino correspondente aos primeiros anos da educação formal que em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, contempla a Educação Infantil, o Ensino Fundamental - anos iniciais e finais -, e o Ensino Médio (BRASIL, 2021).
É importante realçar, antes de avançarmos, que pesquisar é sempre desafio. Trata-se de uma ação que requer dos sujeitos envolvidos a disponibilidade e a permissão para se deixarem acompanhar pelo pensamento quase incessante ligado ao assunto que os inquietam, que produz curiosidade, provoca e, então, os movem. Pesquisamos porque não sabemos ou pelo desejo de problematizarmos aquelas certezas que nos impossibilitam de exercitarmos outros olhares ao que nos cerca e nos constitui. Em contrapartida, essas crenças podem ser confirmadas ou contraditas no transcorrer dessa excursão a qual nos propomos seguir.
Pesquisar é ainda se mover por entre zonas desconhecidas em um território que pode ser familiar. Talvez, o que torna a pesquisa uma atividade fascinante para alguns seja a retirada da sensação de “terra firme”, e a decorrente projeção na vigência da imprevisibilidade que também suscita aprendizados. Via de regra, pesquisamos com base em conhecimentos precedentes, existindo em nós o anseio pelo avanço, por inovação. Pesquisamos para conhecer, e isto causanos, às vezes, insegurança por nos relacionarmos diretamente com o desconhecido.
Em momentos distintos essa incerteza chega a se confundir com o medo. Medo de dar o próximo passo e perceber que a escolha mais recente não nos levou a lugar nenhum. Ou seja, a pesquisa volta mais uma vez para a estaca zero. E, então, descobre-se que a paciência, virtude nem sempre companheira de alguns jovens pesquisadores é um componente indispensável na trajetória imprevisível daqueles que se predispõem a pesquisar.
Este é um exercício que exige dos sujeitos abertura e atenção às múltiplas referências, aos pensamentos que já contemplaram ou se opuseram ao tema pelo qual mostram interesse. Logo, o ato de pesquisar apresenta-se enquanto a construção de espaços que viabilizam o estabelecimento de diálogos. Lembrando que, “o diálogo possibilita condições de reflexão sobre um entendimento ainda não disponível” (HERMANN, 2002, p. 58). Dialogamos frequentemente, neste itinerário, com o nosso objeto de estudo, com os escritos e seus autores, com os conceitos emanados destas relações e com os nossos próprios pensamentos, na elaboração de um processo artesanal que, aos poucos, nos permite experimentar certo grau de cumplicidade com o tema que estamos tomando em apreciação.
Chegamos, através de uma experiência particular, à conclusão de que viver o desassossego da pesquisa não consiste necessariamente em ter uma pergunta elaborada e um objeto a perseguir. Conferimos, em perspectiva distinta, que essa inquietação, que muitas vezes nos assola, se dá pela ocorrência de também sermos inquiridos, junto com o objeto que a nossa indagação inicial faz emergir.
Assim sendo, gostaríamos de salientar que este estudo possui caráter qualitativo. De acordo com Uwe Flick:
A pesquisa qualitativa não se baseia em um conceito teórico e metodológico unificado. Várias abordagens teóricas e seus métodos caracterizam as discussões e a prática da pesquisa. Os pontos de vista subjetivos são um primeiro ponto de partida. Uma segunda corrente de pesquisa estuda a elaboração e o curso das interações, ao passo que uma terceira busca reconstruir as estruturas do campo social e o significado latente das práticas (2004, p. 22).
Aproveitamos a oportunidade, para esclarecermos que as investigações qualitativas surgem no campo da educação como efeito das críticas às abordagens quantitativas. Estas, explicavam os fenômenos estudados através de fórmulas estatísticas e testes padronizados por sistemas numéricos previamente delineados.
As pesquisas fundamentadas pela abordagem quantitativa tinham como finalidade o estabelecimento do conhecimento enquanto leis universais, com o intuito de, ao serem aplicadas na prática, inclusive educativa, pudessem contribuir para o seu avanço. Defendendo, neste movimento, a imparcialidade do pesquisador frente aos fenômenos avaliados, propondo o deslocamento dos princípios e regularidades das ciências da natureza para o interior das ciências humanas (DEVECHI & TREVISAN, 2010). Estes estudos indicavam também que o conhecimento correto e denominado verdadeiro seria aquele, única e exclusivamente, passível de comprovação científica, menosprezando, por consequência, os demais tipos de conhecimentos ao enquadrá-los como não científicos.
Para além do exposto, as pesquisas qualitativas aparecem como uma alternativa evidente de que as metodologias fundamentadas somente nos recursos matemáticos não eram suficientes para pensar a formação do sujeito social que se relaciona com os outros e com o mundo. Essa vertente metodológica reivindicava, assim, a inserção da subjetividade nos diferentes modos de fazer pesquisa, por entender que não existe a possibilidade de pensá-la sem considerar a presença ativa do sujeito em seus processos de concepção e desenvolvimento.
Por outro lado, não se pode negar que, por conta, justamente, da utilização do seu método objetificador é que as ciências naturais ampliaram notavelmente o conhecimento acerca do mundo, sobretudo, os advindos da natureza e que, durante um bom tempo, parte das ciências humanas e sociais buscaram nesse cenário a oportunidade de legitimar metodologicamente os seus trabalhos, “libertando-se, assim, do estigma de sua falta de rigor científico” (FLICKINGER, 2014, p. 20).
Nesta conjuntura, destacamos que a nossa entrada no campo de pesquisa se deu em clima harmonioso e acolhedor, especialmente, por já termos realizado trabalhos conjuntamente, em ocasiões pretéritas. Isso facilitou também a coleta e a posterior análise dos dados.
Os dados, neste sentido, possibilitaram novos conceitos, significados e rumos para o estudo, já que o seu encontro com o arcabouço teórico cria um espaço a ser explorado pelos pesquisadores. Portanto, teoria e dados refletidos produzem novas dimensões sobre o objeto. É preciso, nesta visão, caminhar se desprendendo de qualquer tipo de posicionamento prédefinido.
Assim, ao irmos adiante, anunciamos que o objeto de pesquisa que tomamos em apreciação é uma rede de ensino do interior do estado de Sergipe. Esta escolha foi adotada, ao levarmos em consideração as singulares das características que a compõe, frente ao desejo de nos debruçarmos sobre as implicações da pandemia da COVID-19 no ensino público destinado a educação básica.
Para que tenhamos o conhecimento particular da composição da sua estrutura, optamos por descrever os diferentes aspectos que a constitui detalhadamente. Assim, é imprescindível termos clareza que trata-se de uma rede que engloba o número total de 15 unidades educativas. Destas, somente 03 estão localizadas na sede, e as 12 restantes encontram-se situadas em distritos, vilas, colônias e assentamentos, comunidades rurais ou litorâneas, com distâncias que variam entre 05 até 25 quilômetros se tomarmos como ponto de partida ou referência o centro da cidade.
Assim, o público atendido vai desde a Educação Infantil, até o último ano do Ensino Fundamental, isto é, o nono ano. Com base nos dados publicados no Censo Escolar correspondente ao Ano Letivo de 2020, a referida rede possuía na época a expressiva marca de 3. 714 discentes matriculados, distribuídos da seguinte maneira:
- Educação Infantil – 286 alunos de creche e 486 alunos da pré-escola.
- Ensino Fundamental Anos Iniciais – 1. 423 alunos do primeiro ao quinto ano.
- Ensino Fundamental Anos Finais – 1. 207 alunos do sexto ao nono ano.
- Educação de Jovens e Adultos – EJA Ensino Fundamental Anos Iniciais – 161 alunos do primeiro ao quinto ano.
- Educação de Jovens e Adultos – EJA Ensino Fundamental Anos Finais – 151 alunos do sexto ao nono ano.
Não por acaso, mencionamos o quantitativo de estudantes vinculados a modalidade da Educação de Jovens e Adultos por último. É que, em específico, a rede pesquisada oferece a oportunidade desses alunos estudarem para além do ciclo de alfabetização, continuando a sua trajetória acadêmica até o nono ano, realidade bastante incomum entre os demais municípios da região.
Faz-se relevante citarmos também, que a rede possui 04 Salas de Recursos Multifuncionais para atender todos os alunos que apresentam algum tipo de necessidade especial. Dessas, 01 situa-se na sede, e as demais, estrategicamente, em três comunidades distintas.
Por Salas de Recursos Multifuncionais compreendemos os espaços educativos voltados para a realização do Atendimento Educacional Especializado – AEE. Nesses ambientes educacionais, educadores com formações especializadas agem como importantes mediadores entre o educando público-alvo da Educação Especial, seus familiares e os docentes da sala de aula regular.
O objetivo principal das Salas de Recurso é qualificar o processo de ensino dos estudantes com deficiência ou superdotação, a fim de promover condições de possibilidades para a sua participação efetiva nas diferentes dinâmicas do ensino regular. Diferentemente do que pensam as pessoas no senso comum, não estamos falando de um reforço ou da substituição das atividades propostas nas salas regulares, em outro ponto de vista, entendemos que ambos os trabalhos devem caminhar juntos, sempre em harmonia.
Neste enfoque, os anos de 2007 e 2008 foram decisivos para esta causa, sobretudo, com os lançamentos sequenciais do Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, e da instituição da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. Com isso, podemos dizer que tivemos assegurados os direitos de aprendizagem daqueles alunos, com a disponibilização de materiais pedagógicos e o oferecimento de quadros profissionais capacitados para a multiplicação dos saberes inerentes a este tipo de atuação.
Na prática, ocorreu no Brasil uma considerável elevação nos índices de alunos portadores de necessidades especiais matriculados nas turmas de ensino regular. Para ilustrarmos a informação anterior, recorremos outra vez aos dados do Censo Escolar do ano letivo de 2020, onde consta o registro de 1, 3 milhão de matrículas desses educandos. Destes, 88% estão inseridos na escola comum, quando em 2007 o percentual catalogado era de apenas 46, 8%.
O quadro de profissionais da rede conta com professores, polivalentes e especialistas em componentes curriculares de áreas variadas, gestores escolares, coordenadores pedagógicos, motoristas, assistentes sociais, cozinheiras, vigias, e assistentes administrativos. Em 2020 o número de colaboradores vinculados a secretaria de educação, desempenhando funções diversas era de 236.
Em relação aos aspectos pedagógicos cabe mencionarmos, que as práticas de todas as etapas e modalidades de ensino efetuadas são alinhadas aos pressupostos da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, e ao Currículo de Sergipe. Em seu organograma curricular, no item comum, estes são os componentes estudados desde o primeiro até o nono ano: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Cultura Afro-Brasileira, Geografia, Arte, Educação Física, Ensino Religioso e Língua Inglesa. Já em sua parte diversificada, o componente curricular proposto é o Projeto de Vida, Educação Empreendedora e Financeira.
Deste modo, queremos dar o próximo passo, expressando que o método escolhido como lente para o encaminhamento deste trabalho foi o estudo de caso. Ressaltamos que este, constitui-se enquanto uma estratégia metodológica de realização de pesquisas, principalmente, nos campos das ciências sociais e das ciências da saúde, tratando-se de uma metodologia bastante usada para descrever e/ou avaliar episódios dinâmicos em que o componente humano encontra-se presente (YIN, 2001).
Para Martins:
O estudo de caso busca apreender a totalidade de uma situação e, criativamente, descrever, compreender e interpretar a complexidade de um caso concreto, mediante um mergulho profundo em um objeto claramente delimitado. Trata-se de uma metodologia válida em situações nas quais o foco se encontra em fenômenos inseridos no contexto da vida real. É, portanto, uma das mais antigas formas de investigação científica conhecidas e cuja aplicação extrapola sua seara original, chegando a campos como o jornalismo, a administração, a contabilidade, a economia, e a educação (2008, p. 05).
Ao finalizarmos esta seção, gostaríamos de expressar que aprender num campo de pesquisa é um exercício contínuo que requer de nós sensibilidade aguçada, é contemplarmos um cenário como se olha algo ou alguma coisa que se faz naquele instante, com sujeitos e peças exclusivas, próprias, sem iguais. É muitas vezes habitar no não espaço, estando a experimentar as nuances mais sutis que podem revelar movimentos singulares e preciosos para a trilha que estamos a percorrer.
3 - DA SUSPENSÃO DAS AULAS A BUSCA POR DIRETRIZES PARA O RETORNO
Por considerarmos a dinâmica da pandemia da COVID-19 e os seus reflexos junto ao sistema educativo que tomamos como referência um acontecimento excepcional, previamente assinalamos que se torna indispensável fazermos a sua contextualização, para que consigamos dar conta do objetivo que compõe a natureza elementar desta pesquisa. Este movimento se justifica, por compreendermos que a educação é uma política ampla, complexa, coletiva, democrática e libertadora que acontece graças a participação de muitas pessoas.
A princípio, cabe frisarmos que a gestão pública em suas diferentes instâncias é fundada sobre o alicerce da possibilidade de preservação do direito de todos os cidadãos, sem qualquer tipo de distinção. Ao tratarmos do campo educacional, esse ordenamento ganha ainda mais força, por acreditarmos que ela, a educação, pode transformar positivamente a vida de muitas pessoas, mudando o curso das suas histórias qualitativamente. Com isso, tornamos evidente a consciência do dever da gestão pública: trabalhar para assegurar o acesso e a permanência de todos em um contexto de desenvolvimento e concretização de educação de qualidade.
Assim, a partir do instante em que passa a vigorar o Decreto Municipal de Nº 010/2020, de 17 de março de 2020, o qual dispõe a respeito da decretação de situação de emergência na saúde pública do município e passa-se a adotar medidas de enfrentamento e prevenção ao Novo Coronavírus, simultaneamente todas as ações escolares da rede de ensino pesquisada foram suspensas. Apesar disso, desde a referida data, a Secretaria Municipal de Educação desenvolveu uma série de atos, por intermédio da sua equipe, em consonância com as orientações e sugestões pautadas pelo Ministério Público e, particularmente, pelas entidades que regem o fazer pedagógico, ou seja, a educação em âmbito estadual e federal. Dentre essas instituições podemos citar: 1- O Conselho Estadual de Educação – CEE/SE e 2 - O Conselho Nacional de Educação – CNE.
No Brasil, a inexistência de um sistema único de educação como temos o Sistema Único de Saúde – SUS, impossibilitou que tivéssemos de imediato, após a eclosão da pandemia, uma diretriz objetiva de como proceder pedagogicamente neste período da nossa história. Para que tenhamos uma noção manifesta desse fato, somente no dia 01 de abril do ano de 2020 o poder público federal se manifestou por meio da Medida Provisória de Nº 934, flexibilizando o cumprimento do mínimo de duzentos dias letivos, no entanto, sem abrir mão da obrigatoriedade das oitocentas horas em termos de carga horária anual a ser cumprida (BRASIL, 2020). Do ponto de vista legal esta atitude foi entendida pelo campo da educação como um sinal de atenção do Ministério da Educação àquela realidade extremamente desafiadora, contudo, o documento não definiu quais medidas poderiam ser adotadas pelas esferas educacionais em âmbito estadual e municipal no processo de retomada das atividades escolares suspensas.
No dia seguinte, isto é, 02 de abril de 2020, o Conselho Estadual de Educação de Sergipe homologa a Resolução Normativa de Nº 4, deliberando acerca do desenvolvimento das atividades escolares, excepcionalmente, em face da edição dos Decretos Estaduais relacionados às medidas de prevenção ao Novo Coronavírus. Cabe mencionarmos, que este documento evidencia explicitamente, que todas as práticas pedagógicas desenvolvidas no período de suspensão das ações escolares regulares deveriam levar em consideração a realidade socioeconômica e educacional dos estudantes de modo que não excluíssem os discentes do acesso ao conhecimento, especialmente aqueles com deficiência (SERGIPE, 2020).
Após um intenso debate nacional a procura de alternativas para a educação e a constatação da falta de diretrizes para o reordenamento das ações escolares, o Ministério da Educação ressurge neste contexto, por meio do Conselho Nacional de Educação, no dia 17 de abril de 2020, divulgando um parecer preliminar para consulta pública. Esse documento versava sobre a reorganização dos calendários escolares e a possibilidade da realização de atividades pedagógicas durante a pandemia ou até mesmo depois.
No intervalo de tempo entre a divulgação da medida provisória e a versão final do parecer do Conselho Nacional de Educação, o campo educacional brasileiro se viu envolto em um movimento de estudos e diálogos que novamente definiriam o conceito de educação a distância, em virtude de vários equívocos conceituais e pedagógicos constatados devido a ansiedade da sociedade em retomar o ensino, principalmente, nas instituições escolares. Nesta altura, foi possível observarmos que muitas das atividades pedagógicas encaminhadas para os alunos em casa não davam conta de garantir uma educação de qualidade, apenas mantinham os alunos ocupados durante uma parte do dia, esses em sua predominância, discentes de redes privadas de ensino. Portanto, tínhamos atividades remotas, mas não educação a distância.
A educação a distância pressupõe que a entidade que a oferta, possa viabilizar aos seus educandos toda infraestrutura, equipamentos, acesso ao conteúdo, e de maneira especial, suporte pedagógico por intermédio de profissionais habilitados que auxiliem os estudantes na consolidação da aprendizagem (PÉREZ GÓMES, 2015). Todavia, as notícias da época davam conta de pais estressados em seus domicílios, a grande maioria com muitas dúvidas, e os alunos sem conseguirem aprender pela falta do acompanhamento adequado.
Neste ínterim, após considerar as sugestões da consulta pública, o Conselho Nacional de Educação com o objetivo de contemplar as necessidades de todos, ou pelo menos de boa parte dos contextos educacionais brasileiro, divulgou no dia 28 de abril de 2020 o Parecer CNE/CP Nº 5/2020 em sua versão final, pautando as diretrizes de continuidade ou retomada dos processos educacionais para as esferas estaduais e municipais do Brasil já de imediato ou pós-período pandêmico. Sem dúvida, este foi o documento mais completo do qual as redes de ensino passaram a dispor para tentar redefinir as suas ações e ponderar com cautela acerca de quais decisões tomariam com vistas a reconstruir a trilha da educação que realizavam, ou seja, da educação básica de qualidade.
Em linhas gerais o parecer anteriormente citado reiterava a ideia de que as redes de ensino dispunham de autonomia para a reestruturação das suas atividades. Porém, reforçava a importância de levar em consideração o que era possível nos aspectos: estrutural, pedagógico e financeiro para que não houvesse exclusão, abrindo também a prerrogativa para a validação de carga horária remota, através de atividades não presenciais desenvolvidas quando da volta às aulas no futuro.
Cientes do exposto, é preciso relembrarmos as características da rede de ensino por nós estudada, para tornarmos mais uma vez visível um dado bastante relevante nesta conjuntura: o seu número total de unidades educativas são 15. Destas, somente 03 estão localizadas na sede municipal, e as 12 restantes encontram-se situadas em comunidades rurais ou litorâneas, com distâncias que variam entre 05 até 25 quilômetros se tomarmos como ponto de partida o centro da cidade. Trazemos novamente esse dado à tona, para evidenciarmos que a configuração geopolítica de distribuição das instituições educacionais no território do município é um caso sensivelmente peculiar se comparado a outras realidades, do nosso estado e/ou país, e que nem sempre facilita a efetivação das ações sugeridas.
Nesta dinâmica, é imprescindível mencionarmos que do ponto de vista sociocultural, os desafios impostos pela pandemia infelizmente revelaram uma enorme deficiência estrutural em todas as regiões brasileiras, especialmente, quando o assunto em pauta era a conexão e/ou o acesso à internet. Outro aspecto evidenciado nesse cenário foi a carência que alguns profissionais da educação tem em se formarem constantemente frente às possibilidades e demandas da Cultura Digital, considerando o que disponibiliza o seu campo de conhecimento e reconhecendo que este é o caminho natural para o qual o mundo se projeta. Neste sentido, o Brasil mostra uma face difícil de ser digerida: um considerável e vertiginoso índice de desigualdade.
O fato é que esta situação gerada pela pandemia e grande parte dos seus desdobramentos foram de fato inéditos para todos os cidadãos, bem como para as autoridades, gestores e demais profissionais que atuam e fazem a educação. Esse ineditismo os projetou em um campo de incertezas e angústias, impondo uma série de reflexões necessárias para que mesmo munidos de boas intenções não acabassem por contribuir para o aumento do índice de perdas, sobretudo, em relação aos alunos e as vidas de todos os envolvidos nesse complexo quadro.
Ao seguirmos uma linha temporal cronológica para exposição e argumentação dos fatos, não podemos omitir a ideia que muitos gestores tinham de um possível retorno das aulas presenciais por volta do mês de maio ou junho de 2020. Frente ao crescimento vertiginoso do número de pessoas contaminadas pelo Novo Coronavírus essa idealização foi cada vez mais se enfraquecendo, infelizmente não tardou e chegamos à expressiva marca de mais de cem mil mortos no Brasil cinco meses após a confirmação do primeiro óbito em decorrência da COVID19 na cidade de São Paulo.
Dando prosseguimento, destacamos que em 18 de agosto foi sancionada a Lei Nº 14. 040/2020, que estabeleceu normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo Nº 6/2020. Evidenciamos que esta Lei, no parágrafo único do artigo 1º, definiu que o Conselho Nacional de Educação editaria as diretrizes nacionais com vistas a sua implementação. Em termos práticos, este dispositivo abria precedentes para que as redes de ensino pudessem propor aos seus profissionais e alunos a possibilidade de cursarem dois anos letivos em apenas um ano civil, ao buscar reduzir ao máximo os danos pelo período em que as aulas ficaram suspensas.
Dessa maneira, a medida que os meses avançavam e a situação da pandemia se intensificava no país, houve a necessidade do Conselho Nacional de Educação editar outros documentos que pudessem contemplar as características advindas com cada repentina mudança pela qual todos tiveram que passar a lidar cotidianamente. Dentre as principais normativas editadas pelo CNE, para além daquelas já citadas, podemos mencionar:
- O Parecer CNE/CP Nº 9/2020, aprovado em 8 de junho de 2020 – Que se propôs a reexaminar o Parecer CNE/CP nº 5/2020, que tratou da reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19.
- O Parecer CNE/CP Nº 11/2020, aprovado em 7 de julho de 2020 – Com orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia.
- O Parecer CNE/CP Nº 15/2020, aprovado em 6 de outubro de 2020 – Que apresentou Diretrizes Nacionais para a implementação dos dispositivos da Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020, que estabelece normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo Nº 6, de 20 de março de 2020. E,
- O Parecer CNE/CP Nº 16/2020, aprovado em 9 de outubro de 2020 – Que reexaminou o item 8 (orientações para o atendimento ao público da educação especial) do Parecer CNE/CP Nº 11, de 7 de julho de 2020, que tratou de Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais na pandemia.
No início do mês de outubro, mais precisamente no dia 07, foi lançado pelo Ministério da Educação o Guia de Implementação de Protocolos de Retorno das Atividades Presenciais nas Escolas de Educação Básica. Dentre outros manuais, este documento se credenciou como uma possível referência para os gestores e os profissionais da educação no tocante a reestruturação das atividades regulares de ensino.
A quantidade de documentos citados demonstra a complexidade da situação com a qual os profissionais da educação e as famílias dos alunos tiveram que lidar. A educação neste panorama sofreu o maior impacto já visto pela nossa geração, e àqueles sujeitos coube o trabalho do seu reordenamento e condução futura. Entretanto, é importante ressaltarmos que em uma realidade como essa não existe certo ou errado. Trata-se de nos colocarmos atentos e não perdermos do nosso horizonte a compreensão de que em uma mesma rede de ensino, professores, gestores e demais profissionais lidam com realidades totalmente distintas, por exemplo. Portanto, não cabe simplesmente julgar determinadas escolhas quando se tem a oportunidade de aprender com essas.
Neste sentido, ao ponderar e se sensibilizar com os notáveis índices de contágio pelo Novo Coronavírus na cidade e na região, após consulta a todos os profissionais da rede, inúmeras reuniões com o Conselho Municipal de Educação e com os representantes de todos os segmentos da sociedade, bem como com os membros do sindicato dos professores, a gestão do município optou por não retomar as práticas de ensino no ano de 2020. Apesar disso, neste período, que totalizou 11 meses, a secretaria de educação se empenhou continuamente em preparar todos os componentes da comunidade escolar: pais de alunos, gestores, coordenadores, professores, vigias, cozinheiras, assistentes administrativos, como igualmente, os seus respectivos espaços de trabalho para o retorno com segurança no futuro, melhorando as estruturas físicas das unidades de ensino, viabilizando também alternativas que fossem capaz de vencer não somente as barreiras da infraestrutura, mas também a propagação da COVID-19.
4 - O REORDENAMENTO DA REDE E A RETOMADA DAS AÇÕES DE ENSINO
É oportuno dizermos, que o processo de reestruturação e adequação da referida rede de ensino a nova realidade imposta pela pandemia da COVID-19, teve o seu início imediato com a suspensão das aulas e o fechamento das unidades escolares. Desse modo, ao longo de 18 meses a secretaria de educação conseguiu de forma coordenada retomar o ensino, primeiramente, por meio de Atividades Pedagógicas Não Presenciais – APNP’s, e posteriormente obteve êxito na reabertura das instituições escolares no retorno presencial. Tudo isso só foi possível, graças as iniciativas contínuas de planejando, proposição e execução de diversos trabalhos dentre os quais listaremos a seguir os mais expressivos:
- Live para informação e diálogo com a sociedade acerca da realidade educacional do município durante a pandemia;
- Pesquisa e levantamento de dados sobre os profissionais da rede que pertenciam ao grupo de risco da COVID-19;
- Elaboração de proposituras referentes ao reordenamento do calendário escolar e a sua devida apresentação junto ao Conselho Municipal de Educação;
- Formação docente para atuação em ambiente virtual, na perspectiva do alinhamento a Cultura Digital;
- Realização de Ciclos Formativos para os gestores escolares, coordenadores pedagógicos, professores, cozinheiras, vigias, motoristas e demais profissionais da rede, contemplando os desafios trazidos pela pandemia para o contexto da educação;
- Em Regime de Colaboração com a Secretaria de Estado da Educação os profissionais da rede puderam participar de diversos momentos de formação, bem como utilizar o Currículo Priorizado elaborado pela equipe do Currículo de Sergipe, vinculada a SEDUC;
- Elaboração de Proposta de Trabalho com Atividades Pedagógicas Não Presenciais e a sua adequada apreciação junto ao Conselho Municipal de Educação;
- Proposição e desenvolvimento de ações específicas junto aos alunos do Atendimento Educacional Especializado – AEE, como por exemplo a distribuição de kits com jogos educativos, e Equipamento de Proteção Individual – EPI's;
- Reuniões pedagógicas, em ambiente virtual, com gestores escolares, coordenadores pedagógicos, professores e técnicos de todas as unidades de ensino da rede;
- Orientação aos gestores escolares no tocante ao uso dos recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE no período da pandemia;
- Reuniões virtuais com a Coordenação do Programa Busca Ativa em Sergipe;
- Construção de Proposta de Retomada do Ensino Presencial e a sua análise junto ao Conselho Municipal de Educação;
- Reuniões com a SEDUC, e demais municípios do Estado com o objetivo de alinhar o reordenamento dos calendários escolares para superação da defasagem entre os encaminhamentos letivo estadual e municipal para o ano de 2022;
- Distribuição de kits de alimentação para os alunos, adquiridos com recursos destinados a compra da merenda escolar.
O dilema enfrentado era o de não mais postergar a oportunidade dos alunos retomarem os seus estudos, mas fazê-lo sem pôr em risco a vida de nenhum cidadão envolvido nesta ação. Portanto, com base no exposto, e reconhecendo que todos já haviam perdido muito, é que tornou-se urgente a propositura do plano de retomada das ações de ensino na rede, primeiro, por meio de Atividades Pedagógicas Não Presenciais.
Neste ínterim, de posse de uma ótima leitura de contexto, e cientes dos caminhos legais disponibilizados pelo Conselho Nacional de Educação, especialmente, naqueles contidos na Resolução CNE/CP Nº 2, publicada em 10 de dezembro de 2020, foi que o plano de retomada citado anteriormente pôde efetivar-se. Esse dispositivo legal do CNE abria a prerrogativa para que as redes de ensino pudessem: 1 – fazer o cômputo e cumprir a carga horária mínima prevista em lei por intermédio de atividades pedagógicas não presenciais, realizadas enquanto persistissem as restrições sanitárias para presença de estudantes nos ambientes escolares, coordenadas em consonância com o calendário escolar de aulas presenciais; 2 – a reposição de carga horária poderia se estender para o ano civil seguinte, no caso 2021, de modo presencial ou não presencial, mediante programação de atividades escolares no contraturno ou em datas programadas no calendário original como dias não letivos; e, 3 – a critério dos sistemas, secretarias de educação e instituições de ensino, a reposição dos objetivos de aprendizagem poderiam ocorrer quando do não aproveitamento dos estudantes, como forma de recuperação da aprendizagem (BRASIL, 2020a, p. 3).
Neste movimento uma pergunta se interpõe, mas o que se entende por Atividades Pedagógicas não Presenciais – APNP’s? De acordo com o próprio Conselho Nacional de Educação em sua resolução já citada:
Por atividades pedagógicas não presenciais na Educação Básica, entende-se o conjunto de atividades realizadas com mediação tecnológica ou por outros meios, a fim de garantir atendimento escolar essencial durante o período de restrições de presença física de estudantes na unidade educacional (BRASIL, 2020a, págs. 05 e 06).
Um aspecto interessante a nos determos, é que a realização das Atividades Pedagógicas Não Presenciais devem, não apenas no ciclo pandêmico, possibilitar a efetivação dos direitos de aprendizagem expressos na aquisição de competências e suas habilidades previstos na Base Nacional Comum Curricular – BNCC e/ou Currículo de Sergipe, passíveis de serem alcançados mediante essas práticas. Ao considerar a necessidade vigente do ajuste e adequação do currículo para o desenvolvimento do trabalho proposto, as equipes pedagógicas das unidades de ensino da rede, por recomendação da Coordenação Pedagógica Geral, tiveram à sua disposição o documento elaborado pela Secretaria Estadual da Educação intitulado “Priorização Curricular”. Este material apresentou-se como um relevante instrumento de auxílio aos professores no processo de planejamento e elaboração dos blocos de atividades que foram ofertados aos alunos quinzenalmente até o retorno presencial das aulas em outubro de 2020, após o trabalho intenso de formação profissional, diálogo com as famílias doas alunos, preparação dos ambientes escolares, aquisição de EPI’s, e produtos indispensáveis ao combate contra o Novo Coronavírus, e a vacinação de todos os sujeitos atuantes neste sistema complexo chamado educação.
Ao que nos parece, estivemos frente a uma genuína experiência, sobretudo, por testemunharmos uma geração de educadores formados para trabalharem presencialmente com os seus alunos, que por conta dos desdobramentos de uma pandemia de alcance mundial tiveram a necessidade de se reinventar no curso da própria carreira, de aprender outros modos de ensinar a partir de uma prática nunca antes vivenciada. Esse exercício certamente provocou mudanças na maneira como se constituíam não apenas como professores, mas também como seres humanos.
Assim, vale refletirmos que, na raiz da pergunta pela experiência, encontra-se o questionamento que o sujeito se faz sobre o que acontece quando, por existir, ele deixa de ser como vinha sendo e se torna alguém que ainda não era. Essa é, sem dúvida, a pergunta mais radical que podemos nos fazer: como nos tornamos aquilo que somos? Quais referências internas e/ou externas agem sobre mim e me provocam mudanças? (SANTANA, 2017).
Em certa dimensão, compreendemos que o convívio com a COVID-19 nos projetou neste lugar desconhecido da mudança, da experimentação do que ainda desconhecemos na vida e nas possibilidades de como fazer educação. Este movimento nos requisitou transformações, a criação de condições que, ao levarmos em consideração o contexto no qual estamos inseridos, igualmente, nos faça acompanhar a dinâmica da cultura e dos acontecimentos do mundo.
Na construção particular desses processos experimentais não cabe dizermos quem tem razão ou está errado, são realidades e variáveis distintas implicando e produzindo efeitos nas tentativas do ensinar. Trata-se de não reduzirmos as iniciativas educacionais presentes no campo de pesquisa a um único julgamento e entendermos a plausibilidade que existe nas diferentes propostas com as quais tivemos contato por trabalharmos em redes de ensino diferentes, por exemplo. Portanto, ainda que estejamos nos referindo ao mesmo objeto - educação em tempos de pandemia - não podemos esperar que todos os atores do campo educacional concordem integralmente e façam as mesmas escolhas.
Este entendimento, nos leva a compreender a educação fundamentalmente como uma prática social baseada na ação, na negociação de referências, e na possibilidade do acontecimento da experiência (DEWEY, 2011). Portanto, a educação não é um modo de pensar sobre o homem isolado do mundo, mas um pensar sobre a ação humana e suas consequências no mundo, isto é, diante da nossa sociedade, da conjuntura da qual fazemos parte.
5 – CONCLUSÃO
Ao nos encaminharmos para concluir, reiteramos que a pandemia da COVID-19 representou um acontecimento inédito para a nossa geração. Este ineditismo nos projetou no imperativo processo excepcional de reinvenção de nós mesmos enquanto seres humanos, cidadãos e profissionais, frente a necessidade de contribuição para a garantia do direito universal à educação, quer fosse reivindicando ou atuando diretamente para o retorno e a continuidade dessa política, em um período de extrema preocupação e luta pela preservação da vida quando da suspensão das aulas em todos os sistemas educativos do mundo.
No caso do Brasil, as primeiras alternativas cogitadas para que pudéssemos superar este imenso desafio expôs de forma dramática as desigualdades previamente existentes entre as classes pobres e as mais abastadas através da ideia do ensino à distância. Isso se deu, substancialmente, pela constatação do fato de 58% dos domicílios brasileiros não possuírem computador e 33% dos lares do país não terem acesso a conexão de internet em pleno ano de 2020.
Neste sentido, o hiato na oferta das aulas agravou sensivelmente as disparidades no desenvolvimento e aprendizagem entre os alunos das escolas privadas e os discentes das instituições públicas de ensino. Não podemos esquecer que embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 2021), preconize que a coordenação da política nacional da educação deve ser realizada pelo governo federal, infelizmente, não foi o que testemunhamos nos primeiros meses da pandemia, ficando constatado posteriormente que com essa omissão os sistemas educacionais brasileiros, dos estados e municípios, ficaram à mercê das suas próprias capacidades de autogerenciamento.
Deste modo, alguns secretários estaduais de educação se viram obrigados a tomarem iniciativas, respaldados, em muitas ocasiões, por normativas publicadas por seus conselhos de educação, seguidos, por fim, do Conselho Nacional de Educação – CNE, que só a partir do mês de abril do ano de 2020 tomou para si essa árdua tarefa, passando a conduzir e fundamentar o amplo debate nacional acerca das ações educacionais que seriam executadas durante a pandemia. Com isso, vimos que em um momento de excepcionalidade como esse, do ciclo pandêmico, desconhecido para todos nós, a experimentação para a construção de caminhos possíveis foi na maioria dos casos a tônica viável, sobretudo, quando consideradas as singularidades de cada rede educativa.
Sem dúvida, se voltar para a ciência, agir com cautela ouvindo os diversos especialistas, respeitar os centros de pesquisas, os profissionais das escolas, as famílias dos estudantes, procurando entender o que a humanidade já havia produzido em termos de conhecimento em outros cenários similares, como por exemplo no pós-guerra, foi fundamental para que se chegasse a composição da expertise que possibilitou a garantia do objetivo comum, isto é, assegurar educação de qualidade para todos. Este movimento requisitou primeiramente, a ressignificação do nosso olhar para a escola enquanto instituição social, que mais do que nunca foi responsável pela manutenção do elo entre a comunidade e o poder público por intermédio da vida de milhares de crianças, jovens e adultos alunos.
Dessa forma, ao se questionar e tentar viabilizar condições acerca do que fazer com as aulas suspensas e os alunos em casa; como proceder para garantir a promoção do ensino remoto; como trazer os discentes e os profissionais em segurança de volta para a escola, e o que proporcionar quando esses educandos retornassem foi um trabalho intenso que envolveu operações governamentais de instâncias distintas, entidades diversas e representantes da sociedade civil organizada com muito planejamento, formação de profissionais, priorização curricular, remanejo da merenda, adequação dos ambientes escolares, reordenamento do calendário letivo, comunicação constante com as famílias dos estudantes, acolhimento socioemocional e uma dose notável de empenho e resiliência. Essa soma de esforços, tratou-se em última instância de um exercício de fé no ser humano, e no desejo sincero e potente de promover o resgate da dignidade e da autoestima de sujeitos que perderam amigos, entes queridos, conhecidos... para uma doença devastadora.
Evidentemente, nada foi e nem continua sendo fácil. O trabalho com a educação em condições ditas normais já traz consigo obstáculos significativos. Contudo, o olhar realista para o que foi realizado neste período nos mune de esperança para seguirmos confiantes na soma de forças e na ideia eficiente da coletividade.
Ao prosseguirmos, cabe citarmos que se antes da pandemia não desfrutávamos de posições confortáveis nos rankings avaliativos responsáveis por mensurar a qualidade do ensino público em escala mundial, hoje esta situação é uma das que carecem significativamente da nossa atenção. Aproveitamos o ensejo para expressarmos que novamente a classe dos professores mostrou a sua relevância neste cenário, contribuindo consideravelmente para a evolução da sociedade, mesmo nem sempre gozando de prestígio e do reconhecimento das importantes ações que propõem e desenvolvem ao longo do tempo, ao se lançarem na complexa e intransferível missão que é educar e formar diferentes gerações.
Portanto, como propositura de diálogo, encerramos esta nossa trilha momentaneamente colocando não um ponto final, mas um ponto de continuação a partir de um questionamento indispensável para qualquer sujeito que tem se colocado o exercício de pensar a educação brasileira na contemporaneidade: é possível considerarmos que a pandemia deixou algum tipo de legado para a nossa educação, em especial, para o ensino público direcionado a educação básica?
REFERÊNCIAS
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______. Presidência da República. Lei Nº 14. 040. Brasília:2020.
______. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP Nº 05/2020. Brasília: MEC, 2020.
______. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP Nº 2. Brasília: MEC, 2020a.
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