O atual momento em que vive a população mundial se caracteriza por incertezas. Com a pandemia causada pela Covid-19, decretada a 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os sistemas educacionais em todo o mundo foram significativamente afetados, o que levou à ruptura de atividades presenciais e impulsionou as atividades remotas.
O atual momento em que vive a população mundial se caracteriza por incertezas. Com a pandemia causada pela Covid-19, decretada a 11 de março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), os sistemas educacionais em todo o mundo foram significativamente afetados, o que levou à ruptura de atividades presenciais e impulsionou as atividades remotas.
Para as instituições brasileiras de ensino básico, uma recomendação comum foi a possibilidade de não cancelamento das atividades, considerando a possibilidade de professores e estudantes trabalharem e se relacionarem de maneira conjunta, utilizando os diversos recursos digitais possíveis com aulas remotas pela internet interfaceadas por ambientes virtuais e ferramentas web.
Já para os(as) estudantes com acesso restrito ou sem acesso à internet, o processo decorreu com a entrega de materiais impressos nas escolas para os pais e responsáveis. As atividades propostas caracterizaram-se por adaptações do plano de ensino docente, as quais o estudante realizava ao longo da semana. Semanalmente ou quinzenalmente, o responsável pelo estudante deveria retornar à escola para retirar os próximos materiais de estudo.
O presente artigo apresenta resultados e problematiza o referido contexto de incertezas provocadas pela pandemia em um percurso iniciado em 2020 e que perdura em 2021, na relação com o saber, ao trazer reflexões sobre o uso dos recursos digitais no processo de ensinar e aprender e os sentidos dos(as) estudantes e professores(as) dos cursos de licenciaturas (Letras, Matemática e Pedagogia), professores(as) da educação básica (de três escolas do município de Lages/SC) e professores de uma Universidade situada ao Sul do Brasil, vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID).
O PIBID trata-se de um programa do Governo Federal que oferece bolsas de iniciação à docência a estudantes que realizam estágio nas escolas públicas. Sua finalidade é “fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira” (Brasil, 2010). O programa também visa integrar os futuros professores ao ambiente de sala de aula da rede pública, melhorar o ensino das escolas que possuam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) abaixo da média nacional (4,4). As bolsas são oferecidas mensalmente para os estudantes de licenciaturas que estejam cursando os anos iniciais, bem como supervisores e coordenadores de área.
Os licenciandos(as) desenvolvem atividades pedagógicas em escolas da rede pública da educação básica, sendo que os coordenadores institucionais fazem a articulação e implementação do programa em universidades ou institutos federais de educação, ciência e tecnologia; já os(as) coordenadores(as) de área, por sua vez, envolvem-se na orientação aos bolsistas e, por fim, os professores das escolas públicas são responsáveis pela supervisão dos bolsistas.
Nos anos experienciados com a pandemia da Covid-19, contando com os entrelaçamentos e o trabalho em equipe, dentro das possibilidades de cada cotidiano escolar, docentes e discentes do PIBID, das respectivas instituições, promoveram interações nos processos de ensino e aprendizagem para o encaminhamento das atividades impressas, bem como nos ambientes virtuais de aprendizagem, com a (re)significação dos saberes. Tais ambientes dispõem de diferentes formas de comunicação, cuja interface difere de acordo com o ambiente, embora sejam preservadas suas funcionalidades.
Como já mencionado, em tais ambientes são oferecidas ferramentas que viabilizam diferentes formas de interação e colaboração para a aprendizagem. As tarefas envolvem apropriação, reflexão e construção de conceitos e aprendizagem, bem como comunicação e interação entre os estudantes. Independentemente da mediação através das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem, cabe mencionar outro componente do processo, a relação com o saber e o aprender.
Assim, ao pensar a relação com o saber e a tecnologia, desvia-se o foco da tecnologia em si para tudo quanto é realizado com seus recursos – não somente no sentido de atividade, mas, principalmente, do que desencadeia nos sujeitos. Daquilo que é significado, problematizado e construído. Nesse sentido, (re)significar a base epistemológica que sustenta a construção de sentidos por meio dos novos espaços de aprendizagem, no contexto da cultura digital, é fundamental para que esses espaços possam atender as demandas da sociedade contemporânea em percurso de uma pandemia mundial.
As reflexões sobre as tecnologias digitais neste trabalho evidenciam a importância de se pensar acerca das disrupções que ocorrem em todas as dimensões do ser humano em tempos de crise decorridos pela Covid-19. As reflexões acerca da relação com o saber e acesso à tecnologia digital, em linhas gerais, indicam que os recursos e possibilidades que emergem dessas tecnologias computacionais podem mobilizar e aguçar sentido na relação com o saber de sentidos no processo de aprendizagem dos estudantes, considerando ainda o cenário complexo e de incertezas enfrentadas.
Diante do cenário atual, considerando a imersão dos pibidianos(as) nas escolas de educação básica, parece oportuno conhecer a percepção deles quanto à experiência que estão tendo em participarem do respectivo programa, especialmente porque as aulas da educação básica estão sendo oferecidas de forma remota e praticamente todo o trabalho com os preceptores das escolas-campo está sendo realizado com a mediação das tecnologias digitais.
Sendo a relação com o saber uma relação de experiência, Larrosa (2015, pp. 36-37) destaca que:
(...) a experiência sempre tem a ver com uma vida que está mais além de nossa própria vida, com um tempo que está mais além do nosso próprio tempo, com um mundo que está mais além de nosso próprio mundo… e como não gostamos desta vida, nem deste tempo, nem deste mundo, queríamos que os novos, os que vêm à vida, ao tempo e ao mundo, os que recebem de nós a vida, o tempo e o mundo, os que viverão uma vida que não será a nossa e em um tempo que não será o nosso e em um mundo que não será o nosso, porém uma vida, um tempo e um mundo que, de alguma maneira, nós lhe damos… queríamos que os novos pudessem viver uma vida digna, um tempo digno, um mundo em que não dê vergonha viver.
Assim, para Charlot (2020), “(...) o aprender vale a pena quando o que se aprende apresenta sentido, ajuda a compreender o mundo, a vida, as pessoas ou, simplesmente, porque enfrentar um desafio intelectual permite sentir-se inteligente e digno de ser amado”. Nos casos, aprender, se mobilizar intelectualmente, é fonte de prazer – não o prazer da facilidade, mas o da humanidade. Aprender = Atividade intelectual + Sentido + Prazer: essa é a equação pedagógica fundamental no ser humano.
O sentido construído dos(as) pibidianos(as) quanto a essa experiência (Figura 1) também pode expressar a mobilização deles de modo a desencadear um olhar mais crítico, uma atitude reflexiva, entendendo o que ela revela e o sentimento que desperta nos envolvidos(as) no projeto do PIBID. Por conseguinte, considera-se que uma imagem possui um significado e expressa uma mensagem.
De acordo com Carney e Levin (2002), a imagem em prol da aprendizagem reflexiva na relação com o ensino é um complemento importante para a interpretação e a percepção do sujeito, que facilita o processo de aprender, uma vez que um conceito abstrato passa a estar associado a um elemento gráfico. E, segundo Blight (1998), a imagem pode trazer benefícios, não só para o estudante, mas também para o professor, havendo percepção visual dos conceitos estudados.
No âmbito deste artigo, a imagem apresenta a relação com o saber na cultura digital, um paradigma educacional para a humanização no mundo das tecnologias da informação e comunicação (TICs), enquanto contribuintes para as práticas educacionais em tempos de crise, incertezas e adaptações, em um entrelaçamento de vivências no tempo contemporâneo.
Tessitura metodológica
O presente estudo possui o objetivo de apresentar resultados e problematizar o contexto de incertezas provocadas pela pandemia da Covid-19, tendo em vista a área da educação e sua reorganização pedagógica demandada através dos recursos digitais e ambientes remotos de aprendizagem para os processos de ensino e aprendizagem, bem como apresentar os sentidos construídos pelas experiências vividas, através das narrativas e nuvem de palavras retratadas pelos sujeitos envolvidos no projeto do PIBID das escolas da rede pública e de uma Universidade no Sul do Brasil, no ano de 2020 e 2021.
Foram realizados rodas de conversa, de forma remota, e um encontro de interações com os sujeitos envolvidos com o programa, “VII Seminário do PIBID”. No evento, os pibidianos(as) socializaram as respectivas experiências e percepções quanto ao desenvolvimento do projeto em tempos de incertezas. A partir dos diálogos e reflexões, eles foram convidados a expressar suas narrativas sobre as experiências vivenciadas e os desafios da imersão no PIBID, em período de isolamento social, tendo como enunciado a seguinte questão: “Que sentido foi construído em ser, estar e fazer docente em tempos de pandemia da Covid-19”?
Para isso, eles descreveram suas narrativas e foi construída colaborativamente uma nuvem de palavras com 10 vocábulos. A nuvem de palavras foi elaborada com uso da ferramenta mentimeter. Ao todo, 30 (trinta) vozes, foram compartilhadas pelos participantes.
Para embasar esse percurso, utilizou-se o instrumento de Balanços de Saber, de Bernard Charlot (2009), para inspirar a geração de dados e sua posterior interpretação. O nosso instrumento, nominamos “balanços de saber no PIBID”, consistiu em narrativas e na nuvem de palavras, a percepção das vozes a partir do enunciado que desencadeou a reflexão sobre a experiência de cada sujeito, no cotidiano da educação básica em tempos de ensinar e aprender com a pandemia da Covid-19, com interfaceamento das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC). A análise concentrou-se no sentido atribuído, evocado sobre o significado do vivido.
Participaram desta etapa da pesquisa os docentes (3 professores da educação básica e 7 professores do ensino superior) e discentes (24 estudantes dos Cursos de Licenciaturas em Letras, Matemática e Pedagogia) atuantes do PIBID, que desenvolvem o projeto em três Escolas de Educação Básica na Rede Municipal de Lages (SC).
Os Balanços foram lidos e analisados, os quais trazem o discurso dos discentes e docentes sobre suas experiências nas suas relações com os estudantes das escolas participantes do programa, no seu fazer, estar e ser docente. Esses sujeitos estão se conectando com os estudantes por meio das tecnologias digitais neste período de pandemia.
Para compreender os dados gerados, foram realizadas idas e vindas, buscando perceber no texto o que os docentes da rede pública viveram. Dessa leitura atenta e sensível, emergiram algumas palavras e expressões que foram ponto de evidência na representação visual da “nuvem de palavras: sentidos construídos”, que significa a relação com o saber na cultura digital em tempos de pandemia da COVID 19, nas vozes de quem participou da geração dos dados (Figura 1).
As relações com os saberes em tempos de pandemia da COVID 19 e o uso das TICs
Ao discutir a escola na cultura digital, se faz necessário refletir o redimensionamento da concepção de educação e do fazer docente, de forma que a inserção digital, no cenário educativo, possibilite novas configurações para as estratégias de ensino e aprendizagem, o diálogo, bem como a ressignificação da mediação docente – baseada em exploração, interação e outras formas sociointerativas de construção do conhecimento.
A reconstrução da prática requer sua compreensão e o entrelaçamento de novos referenciais pedagógicos que envolvam os conhecimentos das especificidades das tecnologias digitais, entre outras competências que a sociedade atual demanda.
Para pensar outra Educação possível, Charlot abaliza que,
em primeiro lugar, é preciso sair da lógica da concorrência, que devora a sociedade e a educação. Essa lógica não é artificial, porque rivalidades e desigualdades aparecem ao longo de toda a evolução (...). A lógica das relações de força e do lucro contribuiu para a dominação de Sapiens no mundo – à custa de enormes perdas de espécies animais, de culturas e de vidas humanas. (...). Mas essa lógica é embalada com a revolução industrial, enlouquece com a explosão liberal dos anos 1980/1990, e constitui hoje um verdadeiro perigo para a humanidade: ameaças climáticas e ecológicas, desigualdades crescentes e cada vez mais insuportáveis, migrações forçadas e descontroladas, retornos da barbárie sob a forma de fanatismos religiosos, de terrorismos, de explosões fascistas e reacionárias, tentações suicidas do pós-humanismo etc. Essa lógica da concorrência pode perdurar, por tempo indefinido, cada vez mais brutal, desigual e ecologicamente catastrófica. Mas outra lógica é possível, que também acompanha a evolução: uma lógica da solidariedade. (...) A lógica da solidariedade remete um pertencimento comum de todos os membros do grupo a um mesmo totem, a uma mesma origem, a uma mesma natureza, a uma mesma essência, em resumo, a um fundamento antropológico. É por isso, embora a sociedade regida pela concorrência vise, antes de tudo, a otimização das aprendizagens que produzem poder e lucro, que ela deve inculcar regras mínimas de vida em comum. Uma lógica pura de solidariedade é utópica, porque não pode anular completamente os choques entre desejos e as rivalidades no interior do grupo. É por isso que as pedagogias clássicas, embora baseadas em um conceito universalista de natureza humana, produzem interpretações desiguais e hierarquizadas dessa natureza. Aderir a uma lógica ou a outra não é uma questão de ciência, mas de escolha ética e de coerência. Quem opta pela lógica da concorrência, escolhe o cada um por si, em um mundo de curto prazo; é seu direito, mas ele não pode fingir trabalhar para o bem comum. Quem está interessado no futuro do planeta e no prosseguimento da aventura antropológica escolhe outro mundo possível, contra o predomínio da concorrência. A escolha tem implicações pedagógicas: certamente, não se transformará a sociedade por meio da escola, mas ela não será transformada se não transformarmos também a educação e a escola. Mas o desempenho deve ser um progresso em relação a si mesmo, com critérios definidos e assumidos, e não o instrumento de uma concorrência generalizada, com critérios não muito claros para o aluno (Charlot, 2020).
Opor-se a uma lógica da concorrência é também retomar o controle do tempo pedagógico e do tempo de viver. Hoje, professores(as) não têm tempo para ensinar o que eles(as) devem ensinar e os(as) estudantes não têm o tempo de aprender: o ritmo da escola contemporânea é o de uma corrida louca. Os programas acumulam conteúdos, no que Paulo Freire chama de uma concepção “bancária” de ensino (Freire, 1996), sem jamais se preocupar com o tempo necessário para ensinar esses conteúdos de forma adequada e para aprendê-los de forma inteligente. Seria, portanto, relativamente fácil fazer pesquisas para saber quanto tempo de ensino cada um desses conteúdos demanda. Por esses tempos não terem sido avaliados, professores(as) e alunos(as) sobrevivem na urgência. Seria necessário, também, pensar o tempo de viver dos jovens. Entre aulas e tarefas de casa, a escola devora hoje uma grande parte do tempo dos jovens. Além disso, frequentemente, a questão da escola, do sucesso, da reprovação, das notas pesa fortemente em sua vida familiar, de modo que a lógica da concorrência invade todo o seu universo, incluindo o da família. É preciso aliviar o domínio da escola sobre a vida dos jovens e lhes permitir se abrir a outras formas de relações com o mundo: a arte, a participação na vida dos adultos, uma descoberta do mundo mais imediata que as que lhes permitem a escola e a internet.
A educação é humanização, entrada em um mundo humano. Uma sociedade contemporânea diretamente confrontada com a situação de seu futuro deve ensinar nos diversos níveis de educação, sob diversas formas, que a espécie humana é uma aventura, que o mundo é um produto dessa aventura, que o futuro do planeta, das outras espécies e de nossa espécie está sob nossa responsabilidade (Charlot, 2020).
Outro aspecto na compreensão da relação com o saber é a questão do aprender, que está presente e é condição obrigatória no processo de construção do sujeito. É por meio do aprender que o sujeito se constrói, se relacionando consigo próprio, com os outros à sua volta e com o mundo em que está inserido. Assim, estudar a relação com o saber é, então, estudar o sujeito social e singular confrontado com essa obrigação de aprender, estudar sua presença no mundo construído de saberes.
Assim, a educação é também, no próprio movimento pelo qual ela humaniza, socializa e entra em uma cultura. A educação é, além disso, singularização e subjetivação, porque o ser humano só existe sob uma forma singular, historicamente definida. As diversas formas de educação e de ensino deve afirmar como princípio antropológico o valor e a dignidade de cada vida humana, de cada ser humano. Pelo próprio fato de nascer na espécie humana, todo ser humano tem direito à humanização, então também à entrada em um grupo social e uma cultura e a tornar-se um sujeito singular (Charlot, 2020).
Aprender requer uma atividade intelectual. Só se engaja em uma atividade quem lhe confere sentido. Quando esse sentido é afastado do resultado visado pela ação de estudar, o engajamento nesta é frágil. Ao contrário, quando motivo e objetivo da atividade coincidem, esta faz muito sentido e sente-se prazer ao desenvolvê-la e, ainda mais, ao atingir o objetivo. Atividade, sentido, prazer: esses são os termos da equação pedagógica a ser desenvolvida (Charlot, 2013, p. 146).
Portanto, é importante entender que, para o sujeito aprender, é necessário estar engajado em um processo de humanização, socialização, subjetivação. Toda relação com o saber é também uma relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo (Charlot, 2000). Quando aquele que aprende se sente alheio ao que aprende, essa relação é alienada. Quando aprende o que poderá lhe ser útil, essa relação é instrumental. Quando centrado na própria atividade de aprendizagem, ele se sente humano. Na compreensão do sujeito na teoria de Charlot é que, ao mesmo tempo, o sujeito é um ser humano singular e social. Assim, é um ser que ocupa uma posição social adquirida por pertencer a um grupo social e, ao longo da vida, produz sentidos e significados sobre si e sobre o mundo, construindo sua singularidade.
Essas mutações transformam as relações do homem com o mundo e consigo mesmo. Sempre suas relações consigo mesmo correspondem a suas relações com o mundo, mas em formas que podem ser diferentes. O ser humano é constituído dos mesmos elementos que o mundo. Também a entrada da criança no mundo humano se faz, essencialmente, pela imersão na vida cotidiana do grupo a que pertence (Charlot, 2020).
As temporalidades, o espaço, os lugares escola e comunidade tensionam e afloram as experiências:
A experiência não pode ser antecipada, não tem a ver com o tempo linear do planejamento, da previsão, da prescrição, esse tempo que nada nos acontece, e sim com o acontecimento do que não se pode “pre-ver”, nem “pre-escrever”. Por isso a experiência é sempre do que não se sabe, do que não se pode, do que não se quer, do que não depende de nosso saber nem do nosso poder, nem de nossa vontade. A experiência tem a ver com o não-saber com o limite do que sabemos. Na experiência sempre existe algo de “não sei o que dizer”, por isso não se pode elaborar na linguagem disponível, na linguagem recebida, na linguagem do que já sabemos dizer. A experiência tem a ver com o não-poder, com o limite do poder. Nela sempre existe algo de “não sei o que posso fazer”, por isso não pode se resolver em imperativos, em regras para a prática (Larrosa, 2015, p. 68).
Em síntese, o processo de reconstrução do saber da prática docente adiciona a concepção de “aprender a aprender” ao longo da vida, em uma trama relacional que, por sua vez, abarca novas relações com o saber para a vida humana, especialmente no olhar para o seu sentido.
Nesse sentido, Moraes (1997) contextualiza os desafios que se fazem presentes aos docentes em sua prática, visto que precisam se adaptar a uma nova cultura de trabalho, a qual uma profunda revisão na maneira de ensinar e aprender, o que implica, mais do que nunca, o manejo das tecnologias digitais e dos ambientes virtuais de aprendizagem.
Por meio de diferentes maneiras de representação dos objetos de aprendizagem, torna-se possível propiciar aos estudantes diferentes maneiras de novas relações com o saber. Nesse contexto, a cultura digital requer reflexões, especialmente porque os estudos estão sendo desenvolvidos com o apoio dos recursos digitais provenientes dela, cujo uso se intensificou nas ações do ensinar e do aprender em tempos da Covid-19.
A cultura digital expressa um conjunto de práticas, costumes e formas de interação social, o qual é realizado a partir de recursos da tecnologia digital, como a internet e as tecnologias de informação e comunicação - TICs, que também podem ser reveladas com o termo cibercultura, palavra constituída por Lévy (1999) para designar a cultura que emerge no contexto que ele chamou de ciberespaço.
Tal conceito está relacionado às novas possibilidades de sua inscrição no mundo, bem como sua socialização, a partir da presença dos dispositivos digitais na sociedade. Essa realidade implica ruptura nas fronteiras espaço-temporais, o que permite o surgimento de novas formas de se comunicar, ser e estar no mundo. Nesse sentido, também se tornam possíveis maiores interações pedagógicas e interpessoais que, por sua vez, transformam as práticas educativas, sociais e culturais.
Lemos (2009) refere-se ao conceito de cibercultura apontando algumas de suas características: a liberação do polo da emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração sociocultural a partir de novas práticas produtivas e recombinatórias. Desse modo, cada vez mais os sujeitos testemunham mudanças de contextos e, por consequência, mudanças em suas próprias maneiras de ser, estar, conhecer e viver no mundo.
Nesse sentido, pode-se compreender a cultura digital como a maneira contemporânea de as comunidades humanas viverem, conviverem, se relacionarem e produzirem conhecimentos vinculados aos meios de comunicação que se revestem de materialidade digital.
Em tal cenário, os sujeitos constituem-se não apenas como receptores, mas também como produtores de informação. Pela sua configuração em rede e construção de relacionamentos, se revestem de criação, colaboração e compartilhamento, onde crescem e se organizam a partir de um diálogo mediado pela tecnologia digital, em uma nova forma de agir no cotidiano humano, considerando as diferentes dimensões do ser e estar num dado espaço e tempo. Mas para que essa interação possa ocorrer com sentido, significado e análise crítica, é necessário que os sujeitos sejam letrados digitalmente.
A expressão “letramento digital” carrega o significado de habilidade ou competência do sujeito para acessar, interagir, processar, localizar, filtrar e avaliar criticamente as informações disponibilizadas eletronicamente, bem como ter familiaridade com as normas que regem a comunicação com outras pessoas por meio dos sistemas computacionais.
Diz respeito também ao uso de tecnologias digitais de modo crítico e consciente, com competência específica, compreensão de limites e potencialidades no contexto de práticas sociais e educacionais, o que remonta que seu uso precisa ocorrer de tal maneira que a prática se torne significativa em seu domínio de ação. Assim, a ideia de letramento digital ultrapassa a materialidade das técnicas materiais e intelectuais, das atitudes, dos modos de pensar e dos valores que se desenvolvem com o crescimento do ciberespaço. Diz respeito ao modo como tal universo se articula para permitir a novos sentidos.
Especificamente no que diz respeito à informática, propicia uma nova forma de conhecer: o conhecimento por simulação. Não melhor, mas diferente. Assim, Lévy (1993) aponta para a emergência de uma nova relação com o saber, potencializada pela lógica das tecnologias digitais e computacionais, considerando que estas potencializam a inteligência coletiva dos grupos humanos. Com o advento das redes sociais e aparelhos digitais móveis, isso se acentua, indicando que eles agenciam subjetividades. Nesse contexto, surge o questionamento sobre como estas relações se estabelecem ou não nas instituições educativas e de formação, que constitui um dos focos de reflexão do presente estudo.
Um dos desafios das instituições educacionais, inseridas em uma sociedade marcada pela crescente utilização de tecnologias digitais, é formar educadores e profissionais com condições de integrar o conhecimento conceitual às novas formas de interagir, pensar e se comunicar na atual era do conhecimento.
Freire (1996) também problematiza os desafios do saber, quando traz que “(...) ensinar já não pode ser este esforço de transmissão do chamado saber acumulado, que faz uma geração a outra, e aprender não é a pura recepção do objeto ou do conteúdo transferido" (p. 5). De acordo com a visão do autor, o ensinar precisa girar em torno da compreensão do mundo, dos objetos, da boniteza, da exatidão científica, do senso comum, etc. Assim, ensinar e aprender giram também em torno da produção da compreensão, tão social quanto a produção da linguagem, que é também conhecimento.
Assim, reflete-se acerca da noção da relação com o ensinar e o aprender que, ao longo dos anos, foi desenvolvida na concepção de transmissão unilateral do conhecimento. Para tanto, Charlot (2005) sugere que nascer é ingressar em um mundo no qual estar-se-á submetido à obrigação de aprender e da qual ninguém pode escapar da obrigação, visto que o sujeito só pode "tornar-se'', apropriando-se do mundo que o circunda. Cabe aos sujeitos o diálogo, não apenas a ação passiva de receber informações. Dessa forma, para Freire (1996), “(...) quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais se constrói e se desenvolve na curiosidade epistemológica” (p. 13).
O ensino não se esgota no tratamento do objeto ou conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é possível (Freire, 1996, p. 14). Para o autor, é necessário convidar os estudantes a participarem de maneira efetiva de seu processo, promover o conhecimento de forma colaborativa e construtiva, sendo que, para Charlot (2000), a relação com o saber implica o conjunto de imagens, expectativas e juízos que concernem, ao mesmo tempo, ao sentido e à função social do saber e da escola, à disciplina ensinada, à situação de aprendizado e aos próprios sujeitos.
Portanto, torna-se relevante refletir sobre a relação com o saber e o aprender na cultura digital para que seja possível transcender, desenvolver uma postura crítica, a fim de se compreender o que ocorre na realidade, sem a necessidade de uma postura encantada, deslumbrada, de resistência ou de negação. Com esse advento das tecnologias digitais, os processos educativos apresentam, em muitas situações, mudanças em seu suporte de produção, veiculação das informações e em seus diálogos pedagógicos no que diz respeito à atuação do educador e do estudante, na composição das salas de aula que se adaptam para contemplar as interações, bem como nos diferentes dispositivos móveis utilizados para o acesso à informação e para a realização de diferentes movimentos na relação com o saber e o aprender.
As relações com os saberes e as tecnologias digitais: uma relação consigo mesmo com o outro e com o mundo
A relação com o saber, segundo Charlot (2000), é a relação com o mundo. Trata-se do conjunto organizado de relações que um sujeito mantém com tudo que possa estar relacionado ao “aprender” e ao “saber” com o outro e com ele mesmo. É, pois, a relação de um sujeito confrontado com a necessidade de aprender. Nesse sentido, o professor se reconstrói para recriar suas aulas e as tecnologias requerem dele a flexibilidade e a capacidade de articulação, visto que são tecnologias que possibilitam o encontro e a acolhida do sujeito, este capaz de se transformar e ser transformador de seu espaço, aliado aos diversos meios possíveis para os processos de ensino e aprendizagem.
Cabe, então, ao professor(a) apropriar-se de novas formas de ensinar e aprender, oferecer elementos metodológicos para a compreensão do que se deseja mobilizar, além de engajamento cultural, experiência sensível, reflexão de sentido e formação crítica, que se constituem enquanto conceitos fundantes para o entendimento de uma cultura e que possibilitem o diálogo com o currículo da instituição de ensino.
Sendo assim, Charlot (2013) refere-se à motivação como algo que difere de mobilização. O autor assevera que se motiva um sujeito de fora e mobiliza-se a si mesmo de dentro. Logo, a mobilização encontra-se interligada ao desejo de aprender. É a aquisição de conhecimentos realizada por meio de um elo intermediário entre o ser humano e o ambiente.
Para Vygotsky (2003), o processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano, o qual envolve uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna; é interpessoal e se torna intrapessoal, sendo que existem dois tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos, ou seja, representações mentais que substituem os objetos do mundo real. Ainda segundo o autor, o desenvolvimento cognitivo do estudante se dá por meio da interação social, ou seja, de sua interação com outros indivíduos e com o meio. Suas competências desenvolvem-se – no sentido de aprender a construir o conhecimento –, a partir de atividades significativas para ele. Compreende-se que ninguém aprende sem desenvolver uma atividade intelectual, uma representação, ou seja, para aprender é preciso estudar. Assim, o estudante engajado, que encontra sentido em estudar, valoriza os estudos, mobiliza-se, deseja e envolve-se em atividades intelectuais, que lhe proporcionam o aprender.
Ainda para Charlot (2000), “São muitas as maneiras de apropriar-se do mundo, pois existem muitas “coisas para aprender” (p. 60). Em tal relação de aprendizagem, o autor destaca uma perspectiva que possui, respectivamente, dois sentidos. No primeiro sentido, “(...) existem maneiras de aprender que não consistem em apropriar-se de um saber, entendido como conteúdo de pensamento, segundo, ao mesmo tempo em que se procura adquirir esse tipo de saber, mantém-se, também, outras relações com o mundo” (Charlot, 2000, p. 59). Quanto ao segundo sentido, o autor menciona que:
(...) qualquer tentativa para definir um puro sujeito de saber obriga, in fine, a reintroduzir na discussão outras dimensões do sujeito. Simetricamente, qualquer tentativa para definir ‘o saber’ faz surgir um sujeito que mantém com o mundo uma relação mais ampla do que a relação de saber”. (Charlot, 2000, p. 59).
Tais relações são decorrentes de referências das figuras do aprender, que são instauradas pela necessidade de aprender frente ao mundo que se apresenta com suas indagações. Charlot (2000) propõe também que “(...) a questão mais radical: aprender será exercer que tipo de atividade? Analisar esse ponto é trabalhar a relação com o saber enquanto relação epistêmica” (p. 67). Por “sujeito de saber”, compreende-se o sujeito que se dedica (ou que pretende dedicar-se) à busca do saber. Para tanto, “Aprender requer uma atividade intelectual e só se engaja em uma atividade quem lhe confere um sentido” (Charlot, 2013, p. 146). Assim, o sentido é atribuído e significado através das diversas linguagens.
A reflexão sobre a linguagem em seus diferentes aspectos e dimensões, no contexto da cultura digital, trata-se de um aspecto importante da prática educativa. A mediação, a orientação, a intervenção, bem como em outras formas de comunicação pedagógica são baseadas na linguagem e também são diversas as linguagens existentes utilizadas para comunicação no meio digital.
Assim, considerando a linguagem um elemento importante no contexto das tecnologias digitais e das práticas educativas, compreende-se que seus diferentes aspectos e dimensões se modificam no contexto da cultura digital, tomam novos formatos e possibilidades, na medida em que potencializam os processos.
Moraes (1997) contextualiza também a importância do foco no indivíduo, no “sujeito coletivo” nos processos educacionais, bem como em uma prática pedagógica voltada ao desenvolvimento humano como fator preponderante, visto que a humanidade enfrenta um importante momento de transição; encontra-se saindo de uma era material para uma era das relações:
A era das relações requer, por sua vez, uma nova ecologia cognitiva, traduzida na criação de novos ambientes de aprendizagem que privilegiem a circulação de informações, a construção do conhecimento pelo aprendiz, o desenvolvimento da compreensão e, se possível, o alcance da sabedoria objetivada pela evolução da consciência individual e coletiva (p. 27).
Assim, “(...) o mundo e a vida nada mais são do que uma grande teia de relações e conexões, e o ser humano, um fio particular dessa teia” (Moraes, 1997, p. 26).
É imperativo compreender que os recursos digitais oriundos da cultura digital são recursos pedagógicos mediadores nos processos de ensino e aprendizagem e, portanto, não resolverão os problemas educacionais (sejam estes relacionados a fracasso escolar, evasão, inclusão social e/ou digital, entre outros), nem mesmo podem melhorar a qualidade do ensino se a prática docente é pautada no currículo de ensino. Todavia, se lança o olhar para educar para uma visão crítica da sociedade e de relação com o mundo, ir além, trabalhar numa perspectiva da educação para a humanização.
Relações de sentidos construídos pelos(as) pibidianos(as)
A experiência relatada no presente estudo com o PIBID teve seu início em outubro de 2020 e seu percurso programado para 18 (dezoito) meses, em parceria da Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC) com três Escolas de Educação Básica da Rede Municipal de Lages (SC), com fomento da CAPES.
Sendo um processo que visa a transformação dos sujeitos, a formação de professores(as) para a educação básica, o PIBID concede bolsas aos envolvidos(as) no projeto de iniciação à docência, desenvolvido por Instituições de Educação Superior (IES) em parceria com escolas de educação básica da rede pública de ensino. Os projetos almejam promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica, para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura, bem como de um professor da escola (Brasil - Capes, 2020).
Portanto, os sujeitos (bolsistas, professores da educação básica e da Universidade, coordenadores, supervisores etc.) envolvidos com o PIBID, foram convidados(as) a participar do “VII Seminário do PIBID”, cujo encontro, intermediado pelas TICs possibilitou interações e uma rica troca de experiências com a socialização das atividades desenvolvidas. Como proposta do encontro de socialização de saberes, os participantes contribuíram com a construção dos sentidos dessa pesquisa por meio dos “Balanços de saber no PIBID” e com a imagem nuvem de palavras, que evidencia os sentidos construídos na prática docente através da representação visual no ambiente da cultura digital mentimeter, os significados atribuídos do tempo vivenciado.
Assim, podem ser observadas algumas das vozes das professoras(es) e licenciandos(as) em relação aos seus sentidos na relação com o saber em tempos de pandemia da Covid-19, experienciados no PIBID por meio do enunciado “No percurso de pandemia a minha relação com o saber no PIBID, relate livremente suas experiências, angústias e alegrias:
Relatos A: licenciando(a) - Nossas interações com professores(as) e entre os/as licenciandas(os), mesmo em tempos de pandemia não parou, seguimos por meio das diversas ferramentas computacionais: meet, padlet entre outras possibilidades que usamos e seguimos nos encontrando semanalmente: estudando, refletindo e construindo nossos saberes. Um sentimento de angústia quando estávamos somente no contato a distância, o desejo do contato, e ao pensar no contato rompido com as crianças, as idas na escola, encontrando tudo vazio: salas vazias, sem vida. Uma grande preocupação com relação ao desenvolvimento das atividades, como saber se as crianças estão sendo atingidos(as) e aprendendo, será que é a família que realiza a atividade pela criança? O desafio no retorno das aulas foi o cuidado com a higiene. Manter o distanciamento social, e o uso de máscara de forma adequada, é um sentimento de incerteza. No retorno das aulas foi dividido em 3 grupos a turma de crianças- o revezamento entre 2 grupos entre uma semana e outra; 1 grupo a família retira o material impresso e devolve a cada 15 dias para a escola. Movimento de ida na escola para a construção da aula, por vezes, de um dia para o outro, éramos surpreendidas e a aula era suspensa, tendo em vista o avanço da doença da COVID 19 entre a comunidade escolar. No movimento de assumir a aula de intervenção, o encantamento, a alegria em conviver em ser e estar experienciado com as crianças e as professoras daquela turma. Incerteza sobre a verdade sobre esse vírus, sem politizar. Me tocou ao receber uma criança tão pequena, sozinha, que veio com sua bicicleta, devolver a atividade. No dia da festa de São João da escola, ao observar o encantamento das crianças, o brilho no olhar, o cuidado nas fantasias, o desejo de brincar umas com as outras, cultivar esse dia com seus amiguinhos(as) e professores(as), tendo que manter o distanciamento, uma comemoração de forma diferente, momento atípico. Reinvenção nas formas de fazer, ser e estar na relação com o saber. Ao trabalhar de forma colaborativa interagimos constantemente através do Padlet.
Ao analisar as narrativas dos(as) participantes do PIBID, permite-nos dialogar com Vygotsky (2003), que assinala que a aprendizagem é uma experiência social, mediada pela interação entre a linguagem e a ação. As TICs, nesse sentido, possibilitam no meio – e na cultura digital – a ampliação das experiências do sujeito em relação ao espaço, ao tempo, à maneira de se comunicar e interagir com objetos de conhecimento, através dos links, hiperlinks, textos, imagens, sons, vídeos, gráficos e das diversas representações interativas.
Relato B: licencianda - O Padlet é uma tecnologia digital online que possibilitou e esta possibilitando a criação de um mural digital de forma colaborativa para guardar nossos registros, nossas experiências: fotos das relações entre nossas relações com o saber: relações na escola, intervenções com as crianças em sala de aula, partilha das produções entre licenciandos(as) e professores(as) - textos do que emerge dos movimentos de estudos e observação, as nossas produções guardamos, partilhamos e divulgamos nossas relações com o PIBID. Funciona como uma folha de papel, onde se pode inserir qualquer tipo de conteúdo (texto, imagem, vídeo, hiperlink) divulgamos com outras pessoas nossas construções. Essa ferramenta permite criar quadros virtuais para organizar a rotina de trabalho, estudos ou de projetos pessoais. A tecnologia digital possui diversos modelos de quadros para criar cronogramas, que podem ser compartilhados com outros usuários e que facilita visualizar as tarefas em equipes de trabalho ou por instituições de ensino. Possibilita diversos recursos aos usuários curtir, comentar e avaliar as postagens de materiais publicados no mural, além de compartilhar com demais usuários para visualização ou edição do mesmo, tradicional sala de aula, que auxiliam e facilitam o processo de ensino-aprendizagem, tornando a aprendizagem mais lúdica e dinâmica
Para tanto, ao observar o relato B e ao dialogar com Lévy (1999), desponta a criação das práticas educativas inovadoras com o uso de tecnologias digitais, que precisa, ao mesmo tempo, ser acompanhada da visão reflexiva dos papeis do professor e do estudante, no movimento pedagógico. Nesse sentido, as reflexões de Lévy (2004) evidenciam a importância de se pensar acerca das mudanças que ocorrem em toda parte, ao redor dos sujeitos, em seus contextos interiores e em suas maneiras de representar o mundo. Observa-se, nesse momento, de um lado a contradição entre os novos horizontes antropológicos e técnicos da relação com o saber e, pelo outro, suas formas efetivas. Por trás de tal contradição social desenvolve-se uma outra, a histórica: “(...) a sociedade globalizada trata o saber como um recurso econômico, mas requer homens globalizados instruídos, responsáveis e criativos. Talvez essa contradição seja um dos motores da História no século que acaba de abrir-se” (Charlot, 2013, pp. 60-61).
Relato C: licencianda - A minha relação com o programa PIBID enquanto licencianda, apesar de poucas horas diretamente no campo de estágio, no final destas poucas horas, meu coração apertado de amor e de compreensão do compromisso político do exercício da docência. O que ficou em meu SER foi um grande CARINHO E AMOR PELA PROFISSÃO, o desejo de transformação, a autorreflexão: o cotidiano experienciado: a relação com a escola, a relação com o saber, a relação com a família, a relação com o educar; o carinho expresso pelas crianças numa acolhida amorosa nos movimentos das aulas. Levarei para a vida com amor, tendo em vista que os processos de formação humana integral são fundamentais no percurso educacional.
Destaca-se o que introduz o sujeito cognoscente no processo de conhecer. Considerando a necessidade do redimensionamento das práticas educativas a partir dos pressupostos de tal ontologia, evidencia-se, também, através de tal ponto de vista, que o uso das tecnologias e de seus recursos ocorre a partir de uma abordagem de educação que precisa ser ampliada e revisitada, visto que já não é suficiente para dar conta das demandas e desafios que a sociedade apresenta.
Relato D: professor(a) - Vivenciar esse momento de pandemia estando como professora supervisora do Pibid na escola campo, foi desafiador. Desde o primeiro dia, sabíamos das dificuldades de trabalhar com a iniciação à docência, num contexto complexo e de incertezas, mas o sentimento que floresceu foi o de fazer o melhor que pudermos. Os encontros presenciais, embora permeados por insegurança em saúde pública, e restrições quanto ao distanciamento, não nos impediu de vivenciar intensamente todos os momentos que estivemos juntos(as) fisicamente. As crianças chegavam pouco a pouco, no início quatro a cinco alunos em cada período, assustados, sem saber como agir. Fomos nos adaptando e aos poucos fomos interagindo e buscando formas de tornar aquele momento rico em experiências e aprendizados. A chegada dos pibidianos(as) enriqueceu nosso trabalho e compromisso com a educação de qualidade, estabelecemos juntos cronogramas, atividades, projetos e metodologias para atender às necessidades do tempo em que estivemos somente no espaço virtual e no ensino remoto.
Se pensamos que o contexto vivenciado da pandemia poderia nos distanciar enquanto professora e pibidianos, isso não ocorreu, aliás estivemos mais unidos(as) e próximos(as)do que em tempos de atividades presenciais. As interações de forma virtual têm sido constantes, os espaços e tempos de aprendizagem mudaram, tudo agora é dinâmico e em tempo real. Com a inclusão da tecnologia no dia a dia do projeto, instauramos novas formas de trabalho docente, mobilizamos o conhecimento para a realidade e estamos produzindo teorias a partir da prática docente. As atividades presenciais com quantidade de alunos reduzida propiciaram a observação participante e o olhar individualizado sobre cada criança. A busca para responder a cada dúvida sobre a aprendizagem, sobre a relação com o conhecimento e sobretudo como a Escola pode enfrentar essas questões, num contexto mais amplo como a crise sanitária, tem sido nosso objetivo. Com o referencial teórico dirigido para cada problematização levantada, estabelecemos a relação entre a teoria e a prática que o projeto do Pibid proporciona. A práxis nesse sentido, se consolida enquanto atividade docente e enriquece a construção da identidade do professor em formação. Os seminários e os escritos são a concretização das nossas experiências, descobrimos novos saberes e conquistamos novas relações com o saber.
Por fim, ao analisar os relatos, podemos comungar do pensamento de Santaella (2003), que destaca uma nova linguagem humana, que mistura o visual, o verbal e o sonoro. A autora menciona um “mundo pós-humano”, em que a comunicação não depende mais de diferentes suportes, como o papel, a TV ou o rádio, pois o ciberespaço se apropria de todas as linguagens anteriores e cria uma identidade própria, lhe dá uma nova configuração. Ou seja, conforme a tecnologia é incluída no cotidiano educacional, (re)significa o espaço, faz mediação, propõe diferentes estratégias de aprendizagem e utiliza os mais diversos ambientes e ferramentas para um trabalho coletivo e colaborativo, cujas vozes das narrativas se materializam a linguagem comunicativa nas práticas educativas.
Considerações
Ao refletir sobre a relação com o saber em tempos de pandemia, trata-se de uma tarefa complexa. Ao mesmo tempo em que vivemos tempos de incertezas, contradições, angústias, medo e luto, vivem-se tempos de adaptação, esperança e reorganização. Esses movimentos vividos em 2020 e 2021 desencadearam – e continuam desencadeando – uma série de transformações educacionais, sociais, ambientais, tecnológicas, cujos desdobramentos ainda são incertos e desconhecidos, o que deixa ainda mais clara a necessidade de uma educação solidária e reflexiva.
Nesse sentido, evidencia-se que a experiência com o PIBID na UNIPLAC representou aos sujeitos o desafio de novas relações com o saber, de se adaptar às atividades no caminho da crise mundial de saúde em curso e, ao mesmo tempo, dar continuidade à formação dos licenciandos(as), em um momento de se interagir por diversas formas.
Fica evidente que as relações de sentido se entrelaçam entre instituições de ensino, os educadores, os estudantes e suas famílias se desafiam e se ajustam dia após dia para procurar manter os processos de ensino e aprendizagem em seu curso, ainda que não da mesma maneira, nem no mesmo contexto.
Para tal, as tecnologias digitais fazem-se indispensáveis, pelas possibilidades que oferecem de compartilhamento de conteúdo e interação entre professores e estudantes. Ainda que revisitem a existência da desigualdade social que aniquila uma realidade de oportunidades igualitárias e equitativas de ensino para todos, demonstram seu potencial de impulsionar e fomentar práticas pedagógicas.
Tal estudo marca, ainda, a partir de suas reflexões sobre uma relação com o saber para a humanização, em um olhar dos sentidos que demanda a educação contemporânea, por uma educação através das relações solidárias. Em suma, diante de tais reflexões, emergem como fundamentais os diálogos e as relações de experiências entre pesquisadores, estudantes, professores e demais sujeitos em estudos para uma educação para a humanização.
Nossos agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por subsidiar bolsas de estudos para que a pesquisa fosse realizada.
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