INTRODUÇÃO
Como se organiza uma escola e a quem ela deve direcionar suas ações, aos sujeitos que nela convivem ou aos expectadores que estão no entorno dessa instituição? Seriam os órgão fiscalizadores ou as agências reguladoras internacionais as instâncias as quais a escola deve mirar para elevar seus padrões de qualidade no funcionamento? Essas questões históricas sobre o funcionamento das escolas estão sendo reformuladas em função do novo contexto social, modificado em função do vírus que atingiu todo o mundo em 2019-2020 e que fez com a lógica de qualidade da escola pública estivesse relacionada à segurança do ambiente, processos rigorosos de higienização para evitar que a escola se torne um ambiente de contaminação.
Nesse artigo apresentamos os critérios que, até então, serviram de referência para pensar a escola, seu funcionamento e o que ela deveria atingir para se tornar uma instituição de referência. A lógica universal sugere que a escola seja considerada “boa” se nela acontecer um eficaz processo de ensino, capaz de garantir uma formação adequada aos estudantes, através do seu desenvolvimento cognitivo, social, afetivo, etc., no entanto, como instituição social, há aspectos estruturais que devem ser considerados para seu pleno funcionamento. Sobre eles, desde o ano de 2014 o Ministério da Educação (BRASIL, 2004) vem defendendo critérios que auxiliam as secretarias de educação nos momentos de definição de diretrizes e políticas de avaliação.
Um desses critérios, definidos pelo Ministério da Educação é o modelo de gestão democrática como fundamento das relações na escola, além dessa categoria de análise, seguem outras que apresentaremos a partir de agora com uma breve análise sobre cada uma, fazendo destaque em torno das implicações dessas categorias sobre a escola básica. São estas as categorias:
- Modelo de gestão;
- Clima de Trabalho;
- Apoio de Autoridades;
- Participação das comunidades;
- Professores qualificados;
- Formas de utilização e organização do tempo pedagógico;
- Reconhecimento público (BRASIL, 2004)
Cada uma das categorias sugere princípios e fatores de ordem conceitual e um conjunto de ações que deverão ser realizadas na tentativa de construir um referencial de qualidade na escola.
1- MODELO DE GESTÃO
A relação entre o modelo de gestão da escola e a qualidade dos processos pedagógicos pode ser analisada a partir da leitura crítica do sentido de qualidade do que a escola oferece e do seu significado nas trajetórias dos estudantes. Também é possível relacionar à adequação dos processos pedagógicos ao campo da economia em um contexto com complexa estratificação social e regulação do Estado.
Nesse caso, a adequação tornar-se símbolo de cessão da autonomia do pensar e do compromisso histórico de formação dos estudantes para as humanidades e a internalização dos processos regulatórios e coercitivos externos à escola, que decidem áreas de concentração, finalidades, estruturas e processos de formação.
Esse significado, por sua vez, pode ser entendido como uma contradição, dado que uma das marcas da constituição da escola é a liberdade com que delibera sobre seus programas de formação. Porém, o sentido de qualidade do trabalho desenvolvido pela escola, quando analisado a partir do referencial de construto no estudante, o nível ou o quantum de capacidade foi por ele construída, precisa considerar outros elementos na composição do conceito.
A educação entendida, nessa visão, retira desse processo o caráter histórico-cultural que situa o sujeito na vida e no seu tempo-lugar, abrindo possibilidades reais de ascensão de reconhecimento em sociedade.
Sobre esta análise, Paro (2003) assim analisa:
Como mediação para a apropriação histórica da herança cultural a que supostamente têm direito os cidadãos, o fim último da educação é favorecer uma vida com maior satisfação individual e melhor convivência social (2003:21).
Continua o autor:
A educação também se faz com a assimilação de valores, gostos e preferências; a incorporação de comportamentos, hábitos e posturas; o desenvolvimento de habilidades e aptidões e a adoção de crenças, convicções e expectativas. Esses elementos nem sempre são passíveis de mediação pelos tipos de testes e provas disponíveis, aferidores de conhecimento e informações: uma coisa, por exemplo, é responder positivamente a uma questão sobre a importância da participação política ou sobre os aspectos deletérios da corrupção ou do preconceito racial; outra bastante diferente e muito mais complexa é desenvolver, na vida real, as convicções, as posturas e os comportamentos adequados a essas verdades. A peculiaridade da educação, em sua ligação orgânica com a personalidade e a vida de cada um, não permite a mesma abordagem avaliativa da maioria dos bens e serviços normalmente produzidos na sociedade (2003:22).
Essa abordagem da educação constituída de função moral e política, lançada na análise de Paro, sugere que a escola, no desenvolvimento das suas ações, reage socialmente a um modelo de educação que não se limita ao campo cognitivo, ao acúmulo de informações com uma finalidade técnica, uma realidade que caracterizou o modelo de educação identificada como Tradicional.
Na abordagem do autor, o campo subjetivo, a incorporação de comportamentos, hábitos e gostos como sendo o produto de uma educação de qualidade fazem com que esse processo seja pensado bem mais além do que a aula como espaço de transmissão de saberes, constituída por uma relação de dominação entre professores e alunos que, juntos, realizam trocas simbólicas e constroem sentidos em torno da vida prática.
A gestão participativa e democrática é elevada como significado de qualidade na organização das escolas. Qualquer outro modelo pensando longe do princípio de diversidade e envolvimento coletivo na gestão institucional, no cenário atual é visto como retrógrado e com marcas de retorno a um lugar social aparentemente não desejado pelo coletivo integrado que constitui a “comunidade escolar”.
Ao mesmo tempo que esta reflexão toma corpo, outros embates teóricos se desvelam, no sentido de compreender até que ponto a presença da comunidade escolar e da comunidade, assumindo papéis de caráter deliberativo contribui efetivamente para a ampliação (ou conquista) da qualidade na escola.
Nesse caso, questiona-se a presença dos representantes nos espaços de discussão, análise e deliberação sobre as escolas (núcleos de participação: Conselhos Escolares, Grêmios estudantis, Conselhos de Classe, Eleição de gestores, etc.) e o significado da presença desses outros sujeitos para a Instituição. As questões que são lançadas nesse contexto podem ser assim, brevemente, organizadas:
As práticas políticas e pedagógicas são realmente importantes para a determinação (ou influência) do processo de aprendizagem que se desenvolve no interior da escola?
A escolha dos gestores pode modificar qualitativamente o desenvolvimento da escola?
Essas questões nos fazem pensar e são postas constantemente em torno do que se concebe como modelos alternativos de gestão das escolas e sobre a melhor forma de pensar os processos de organização dos processos pedagógicos específicos desenvolvidos na sala de aula.
Os dados mais recentes indicam que a experiência de participação é uma experiência formativa, sendo insistentemente colocada em evidência nos textos norteadores da prática escolar, fazendo destaque para o papel pedagógico que a escola exerce quando insere os representantes comunitários no campo específico da educação formal. Elege-se o caráter formativo dessas práticas como referência para tomada de decisões nesse contexto.
2- CLIMA DE TRABALHO
Atribui-se ao clima de trabalho, ou ao tipo de convivência que se estabelece no interior das escolas um papel importante na definição do sentido de qualidade para a própria escola. Entende-se com isso que a ação escolar pode ser construída, considerando a harmonização das relações que se desenvolvem na escola, nesse caso, parte-se do princípio de que a presença de diversas pessoas, com objetivos diferentes e com expectativas, do mesmo modo, distintas pode gerar um clima de conflito constante.
Nesse caso, a ideia de conflito não pode ser pensada como positiva, e, mesmo sendo um lugar comum na literatura pedagógica (o princípio de conflito cognitivo), na literatura política, por sua vez, conflito é visto como parte integrante do processo de desenvolvimento da história humana, mas sempre com um viés negativo. Todas essas compreensões são amalgamadas quando se estabelece que o clima de trabalho será mais favorável (à aprendizagem?) quanto menos conflitos existirem no ambiente formativo, no ambiente escolar. É uma compreensão de Conflito diferente do que se pensa na definição de Campo (Bourdieu, 1983), nesse caso o conflito é inerente a toda forma de encontro de coletivo e se caracteriza pela disputa em torno da legitimidade de argumentos, lógicas, discursos e representações.
Algumas contradições são postas sobre esta categoria. Entre elas, o fato de que a determinação de clima de trabalho como um elemento de avaliação do rendimento e da qualidade dos processos pedagógicos nos leva a refletir sobre qual referência social está sendo definido esse aspecto da suposta qualidade da escola.
Entende-se que a sociedade é caracterizada por um ambiente marcado pela diversidade de perspectivas e diversidade de comportamentos, atributos garantidos pela presença de vários personagens distintos compondo toda a trama social e, por isso, pela diversidade a sociedade é, então, marcada por conflitos vários e uma certa instabilidade constante, definindo, assim, um ambiente de conflitos que chamaremos aqui de “pró-ativos”, que impulsionam o movimento da sociedade, seu desenvolvimento e sua tentativa de respostas em torno dos elementos que se destacam por intermédio das lutas sociais distintas e históricas.
Entre essas lutas é possível citar os conflitos gerados pela distinção classista no Brasil, distinções religiosas, étnicas, sexuais, políticas e, quando se trata especificamente da escola, podemos destacar: conflitos nas determinações curriculares, dos processos avaliativos, do campo metodológico e dos próprios objetivos da escola.
Nesse caso, a garantia da diversidade é, mutatis mutandis, a garantia do conflito constante presente no ambiente da escola como mobilizador de transformações necessárias ao campo. O modelo de gestão que se caracteriza pela presença da diversidade e a definição de um clima de trabalho harmonioso podem ser definidos como lugar comum, porém onde o diálogo é quase inexistente ou desafiador, dado que as características de ambos sãos antagônicas.
Entende-se, por esta perspectiva, que a escola poderá construir um espaço em que os conflitos sejam dirimidos e a diversidade seja incorporada como marca fundamental da escola e como ação definidora do modelo nas tomadas de decisão e na identidade institucional.
Além disso, as questões internas sobre envolvimento estético e sobre protagonismos no espaço escolar: fardamento, experiências culturais, discussões sobre temas contemporâneos para os jovens e adolescentes: sexo, droga, prostituição, práticas criminalizadas, religião como fundamento ou uma escola laica, etc.
Esse referencial de qualidade da escola segue assim como um desafio posto para aperfeiçoamento da escola em um campo marcado pelo conflito, pela busca de legitimidade.
3- APOIO DE AUTORIDADES
Por esta categoria, entende-se que existem atribuições específicas na relação estabelecida entre União, Estados e município, o que impõe certos papéis na oferta, manutenção e acompanhamento das ações escolares.
Junto a isso, compreende-se que cada esfera pública e cada órgão representativo tenham a incumbência de dedicar apoio real às instituições de ensino para que estas tenhas as condições estruturais para implementação de políticas direcionadas ao desenvolvimento qualitativo de suas ações pedagógicas.
Nesse caso, em específico, o olhar está voltado para as atribuições legais preconizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), nos artigos 09, 10, 11, 12 que preveem atribuições específicas para a União, os Estados e municípios, conforme o descrito nos artigos referendados:
Da União:
Art. 9o A União incumbir-se-á de:
IV – estabelecer, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum;
V – coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação;
VI – assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino;
Dos Estados...
Art. 10. Os estados incumbir-se-ão de:
III – elaborar e executar políticas e planos educacionais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação, integrando e coordenando as suas ações e as dos seus municípios;
VI – assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem, respeitado o disposto no art. 38 desta lei;
VII – assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual.
Dos Municípios...
Art. 11. Os municípios incumbir-se-ão de:
I – organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos estados;
II – exercer ação redistributiva em relação às suas escolas;
III – baixar normas complementares para o seu sistema de ensino;
IV – autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas,e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino;
VI – assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal.
Parágrafo único. Os municípios poderão optar, ainda, por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica.
Os destaques feitos ao longo das citações da Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional registram, com clareza, o papel das esferas públicas na oferta de educação, mais especificamente naquilo que pode ser entendido como aspectos diretamente envolvidos com o tema “qualidade em educação” e seus determinantes no ambiente escolar.
Nesse caso, os destaques giram em torno do papel da União na garantia da estrutura do sistema de ensino, bem como o estabelecimento de padrões de qualidade, incorporando os ideais de qualidade dos órgãos de cooperação internacional que vinculam educação e desenvolvimento social-econômico.
Na mesma descrição, percebe-se a relação direta que é feita entre a definição partilhada com Estados e municípios de diretrizes curriculares nacionais, cujo foco é a definição de prioridades e a melhoria da qualidade dos processos pedagógicos e estruturais da escola.
No caso dos Estados e municípios, seguindo diretrizes presentes no Plano Nacional de Educação (2001-2014) e do próprio Ministério de educação, além de assegurarem a oferta de educação básica, colaboraram com políticas específicas para avaliação do rendimento e acompanhamento das práticas pedagógicas em processo.
Dessa realidade, as disparidades são evidentes e as regiões norte e nordeste ainda sustentam os índices mais distantes dos padrões esperados, ainda que seja evidente o aperfeiçoamento na região com o aumento da oferta, do número de estabelecimentos, do nível de formação dos professores e das práticas de envolvimento comunitário com as práticas da escola.
Em todos esses casos, entende-se que o objeto da educação segue sendo avaliado como requisito de cidadania e como obrigação partilhada entre os entes federados. Cabe, nesse caso, em última instância, entender que a aproximação dos governantes sobre a escola e o correto direcionamento das verbas públicas destinadas ao processo de manutenção dos trabalhos escolares, políticas de valorização da escola e dos seus trabalhadores, bem como o envolvimento constante com as ações avaliativas que mensuram qualidade da escola são ações vistas como marcos garantidores de processos qualitativos na escola.
4- PARTICIPAÇÃO DAS COMUNIDADES
A ação que a escola desenvolve, tipicamente pedagógica e política, estabelece-se com a referência à sociedade que se quer, se deseja, considerando as limitações e possibilidades que o contexto oferece. Este tipo de trabalho desenvolvido pela escola não acontece distante da dinâmica social. É uma espécie de construção humana que, ao mesmo tempo, é cultural, é epistemológica e é política (Charlot, 2005).
O ato educativo, por sua vez, como uma ação coletiva sobre um indivíduo em formação, nos leva a entender que o processo pedagógico não pode ser desenvolvido longe dos sujeitos que dão forma ao ato e ao contexto que direciona moral e politicamente a ação da escola.
Essa ação é do mesmo modo coercitiva e se impõe ao sujeito (Durkheim, 1985), antecedendo-o em estrutura e finalidade e se desenvolvendo com intenções claras que, muita vezes, foge à perspectiva de transformação e permite estruturar-se como mecanismo de adequação ou preparação para o convívio social, construindo-se como uma ação garantidora de civilidade e da capacidade de leitura crítica da realidade, inserindo os sujeitos na dinâmica social.
Por esta compreensão e esclarecimento sobre o lugar do outro na educação, nesse caso o outro social que exerce um papel importante na definição da finalidade do ato educativo, pode-se entender, por hora, que há uma espécie de lugar cultural que é ocupado, simbolicamente, pelo lugar e pelas pessoas que criam significados para a necessária contextualização da ação pedagógica.
A presença da comunidade no processo de desenvolvimento dos trabalhos pedagógicos, ao longo do tempo, foi objeto de questões importantes em educação, principalmente quando, no contexto pós 1985, no cenário brasileiro, as lutas em torno de outro modelo de escola e de educação era pauta de muitas reivindicações. Na ocasião, os argumentos em torno de uma escola de qualidade estavam lançados sobre o pilar da participação, de tomada de decisão coletiva sobre a escola.
Este mesmo argumento se fez presente na definição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) quando define no seu art. 14 que a definição de políticas pedagógicas e, do mesmo modo, a definição das metas a serem conquistadas pela escola deveria passar pela análise da comunidade e esta exerceria sobre a escola um papel de sensibilidade pedagógica e uma vigilância crítica constante.
Os debates em torno das políticas de participação colocaram em xeque a capacidade de organização e leitura crítica sobre a especificidade do trabalho, do objeto de ação da escola: o processo de ensinar e aprender. Até que ponto esta presença dos outros sociais serviria qualitativamente à escola e aos seus processos?
Esta questão é somada a um conjunto de outras questões que tratam do campo qualitativo e representativo, tais como: Tem sentido a presença dos pais dos estudantes nesse núcleo de debate, de compreensão e tomada de decisão sobre a escola, uma vez que os pais, muitas vezes, possuem níveis de escolarização baixos? Quais implicações dessa participação e envolvimento comunitário para a escola? Não somente para garantir a presença para decidir políticas, mas considerando o contexto social de algumas cidades, serviria também para conter e disciplinar estudantes e todos os envolvidos na escola, tendo como referência o argumento de que uma ação repressiva poderia garantir certo comportamento desejado para a escola e, mais ainda, poderia conter práticas violentas cujo alvo seria a própria escola e seus processos.
O contexto atual atenua os debates sugerindo que a presença das comunidades e suas representações servem qualitativamente à escola. A entrada e envolvimento real dos outros sociais são entendidas como aspecto de verificação da qualidade da escola, uma categoria definidora do novo modelo de gestão das escolas e de alguns órgãos públicos, além de outras também importantes como a organização e definições das experiências curriculares.
5- PROFESSORES QUALIFICADOS
Entre as categorias de análise que representam o significado de qualidade na escola está a formação dos professores e as competências específicas do ofício. A influência para a definição desta categoria como sendo estratégica na construção e avaliação da qualidade dos processos pedagógicos, sem dúvida e claro está que se deve ao lugar e função específica que exerce o professor no interior da escola, não somente com a função direta de ensino, mas como participante dos processos de elaboração de políticas específicas para a escola, bem como também o trabalho de elaboração de mecanismos de acompanhamento do rendimento qualitativo dos estudantes.
A política de formação de professores no Brasil segue uma orientação cognitivista e praxiológica, tendo como referência as definições (no modelo espanhol) de competências para ensinar e aprender e a vinculação curricular da ação pedagógica com o universo de interações sociais que envolvem os estudantes na relação posta entre local de convivência e global, ao se referir às possibilidades dadas aos sujeitos históricos.
Na abordagem sobre as práticas docentes, nas relações com a prática social e na mediação da aprendizagem dos estudantes, Charlot (2005) destaca que existem princípios e práticas identificados como universais no ofício dos professores, por meio dos quais as ações pedagógicas começam a ter sentido e similitude onde quer que aconteçam.
A partir dessa concepção, o autor analisa que a prática docente se estrutura através de uma representação do ser estudante e de aprender. Estas práticas podem ser, de maneira objetiva, identificadas como “universais da situação de ensino”. Em suas palavras:
A educação supõe uma relação com o Outro, já que não há educação sem algo de externo àquele que se educa. [...] aquele Outro é um conjunto de valores, de objetos intelectuais, de práticas, etc.; é também um outro ser humano (ou vários). Este tem vários estatutos. Assim, o docente é, ao mesmo tempo, um sujeito (com suas características pessoais), um representante da instituição escolar (com direitos e deveres) e um adulto encarregado de transmitir o patrimônio humano às jovens gerações (o que é uma função antropológica). (CHARLOT, 2005:77)
Nessa abordagem, o autor esclarece que existem papéis específicos na relação pedagógica, apesar de os estudantes identificarem os professores como os sujeitos do processo e atribuir a uma suposta injustiça a situação de fracasso na escola e consequente reprovação dos estudantes. Sendo o professor o ativo no processo, então a ação do estudante limita-se a uma dedicação de tempo e atenção ao que se ouve, expõe-se e internalização das regras e das práticas propostas.
Em outros estudos, Charlot (2008) identifica a prática docente como sendo exercida em um ambiente repleto de tensões e contradições. Para o autor, a ação docente demanda uma série de decisões em torno da prática pedagógica, de concepção de ensino, da sua finalidade, entre outras decisões.
As contradições relativas à escola são contradições sociais a respeito da escola e não contradições dentro da escola. Em tal configuração socioescolar, a posição social dos professores, a sua imagem na opinião pública, o seu trabalho na sala de aula são claramente definidos e estáveis. O professor é mal pago, mas é respeitado e sabe qual é a sua função social e quais devem ser as suas práticas na sala de aula.
[...] Por todas essas razões, a contradição entra na escola e desestabiliza a função docente. A sociedade tende a imputar aos próprios professores a responsabilidade dessas contradições. Até as práticas pedagógicas, cuja eficácia parecia comprovada pela tradição, são questionadas e criticadas: começa a ser desprezado o professor “tradicional” (CHARLOT, 2008, pp.18-19).
Sobre esta mesma realidade, Perrenoud (2003) propõe que a formação docente seja desenvolvida a partir de uma série de comportamentos que, em tese, garantem resultados significativos para o profissional do ensino, bem como resultados para os estudantes envolvidos.
Essas competências seriam uma releitura do que Delors (2001) propõe no texto “Educação: um tesouro a descobrir”, relatório da Unesco sobre o desenvolvimento da educação no mundo. Este relatório propõe que as escolas, professores e estudantes se empenhem no desenvolvimento básico de quatro grandes capacidades de raciocínio e de organização da prática, são elas: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver.
Sob essa influência, Perrenoud (2003) propõe as seguintes competências para a formação de professores:
- Organizar e estimular situações de aprendizagem.
- Gerar a progressão das aprendizagens.
- Conceber e fazer com que os dispositivos de diferenciação evoluam.
- Envolver os alunos em suas aprendizagens e no trabalho.
- Trabalhar em equipe.
- Participar da gestão da escola.
- Informar e envolver os pais.
- Utilizar as novas tecnologias.
- Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.
- Gerar sua própria formação contínua.
Para cada uma dessas competências, o autor sinaliza o sentido prático dessas ações, sendo elas organizadas a partir de três eixos: Concepção de educação e do aprender; Organização da prática pedagógica e Uso de múltiplos recursos para potencializar a aprendizagem e envolvimento no processo de gestão da escola.
Nesse sentido, elevar a formação de professores como categoria de análise dos rumos da prática pedagógica e da qualidade do trabalho desenvolvido pela escola é considerar que estes profissionais possuem um papel estratégico no desenvolvimento da própria sociedade.
6- FORMAS DE UTILIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO PEDAGÓGICO E O RECONHECIMENTO PÚBLICO DA ESCOLA
A organização do processo pedagógico, a partir da referência de racionalização do tempo e maior objetividade nas ações didáticas, é um dos requisitos para pensar a qualidade da escola básica no Brasil. Do mesmo modo, o tempo pedagógico e a ideia de produtividade têm sido alvo de preocupação e debates no sentido de analisar, criticamente, a possibilidade de ampliação dos tempos destinados a exercícios intelectuais pelos estudantes.
Sobre este tópico, é possível pensar duas proposições que apresentaremos e desenvolveremos a seguir: a utilização do tempo pedagógico, através de construções didáticas específicas, exerce influência sobre o processo de aprendizagem e de criação de circunstâncias motivadoras do aprender.
Outra proposição pode ser assim descrita: o tempo livre que as crianças e adolescentes possuem entre aulas e nas atividades recreativas diminui as possibilidades de desenvolvimento intelectual que seria inversamente objeto de desenvoltura pelos estudantes se estes estivessem expostos a situações mais complexas que ocupassem o tempo integral de aula e da permanência na escola.
O tempo destinado à aula nas escolas de ensino básico é alvo de análises por especialistas em educação que sugerem melhor aproveitamento da ação educativa e diminuição das etapas burocráticas quando em sala de aula.
Sobre este aspecto, é válido afirmar que o desenvolvimento de aprendizagem entre estudantes do ensino fundamental e médio é um processo intencional e que demanda certa estruturação de processos que permitam ao estudante compreender a realidade social sob os critérios de uma epistemologia específica, uma leitura crítica da realidade que se dá pelo viés da ciência e do saber popular.
Entende-se que a ação docente, desenvolvida através do diálogo e construção de circunstâncias de aprendizagem, não está desligada da complexidade inerente ao processo pedagógico, pelo contrário, deve ser entendida como uma ação interdisciplinar, complexa e sensível ao tempo cognitivo de cada estudante.
Quando se estabelece a racionalização do tempo como um dos pilares que identificam qualidade na escola, entende-se que todas as práticas desenvolvidas no espaço de aula devem possuir a mesma clareza em torno do objeto do conhecimento e do processo de aprendizagem que está sendo construído.
Sendo assim, admite-se que o uso do tempo pedagógico possui uma relação direta com as possibilidades de desenvolvimento intelectual dos estudantes, mesmo que não haja uma relação de determinação entre os dois processos.
Aprender pode ser compreendido como uma ação, antes de mais nada, que exige uma mobilização do sujeito para o pensar; uma mobilização que é impulsionada pelos sentidos atribuídos pelo aprendiz sobre o objeto ou a prática a ser aprendida. Uma apropriação do saber e a construção de sentido que podem ser influenciadas pelos elementos externos ao sujeito, mas exige, para ser efetivada, uma ação intelectual e singular por parte do sujeito que aprende.
A segunda proposição sugere que o tempo livre da criança, na escola, seja reorganizado a partir de um sentido pedagógico sob pena de, não existindo a determinação pedagógica do tempo livre, o aprendiz terá o foco da aprendizagem desviado e, consequentemente, o que fora previsto não seja alcançado. A ludicidade aqui é vista como parte integrante do processo de aprender e, por isso, deve, desde sempre, ser organizada pela escola.
Há um sentido lógico nessa proposição, sobretudo porque, quando se propõe que as práticas recreativas, as práticas lúdicas sejam pensadas a partir de uma referência pedagógica e como espaço de motivação para aprendizagens variadas (práticas sociais, regras de conduta moral, desenvolvimento motor, etc.), pr
CONCLUSÃO
Essas ações anteriormente analisadas, direcionadas para a mesma finalidade, devem servir para que exista uma relação da escola com a comunidade que lhe confere sentido social. Nesse caso, para além do exclusivo reconhecimento por práticas de inserção de jovens e adolescentes na Universidade, pelo ranking de aprovação em vestibulares, o que se pretende aqui é que haja reconhecimento da comunidade local a partir da formação cidadã dos estudantes.
Essa formação não exclui o preparo científico e técnico para sobrevivência na sociedade com autonomia, mas, ao contrário, preconiza a formação cidadã fundamentada na formação de capacidades intelectuais que permitem ao sujeito situar-se no espaço social e desenvolver-se no campo da moral, das competências que lhe permitam acessar novos níveis do saber, das práticas sociais coerentes com os princípios republicanos da Nação e com os valores e singularidades do seu espaço sociocultural.
O estudante, assim formado, terá as condições de sobrevivência na estrutura social. Essas referências, somadas às outras categorias aqui analisadas, que sugerem um envolvimento da comunidade local nos processos deliberativos da escola, aperfeiçoamento dos professores, apoio das autoridades e reconstrução das práticas internas da escola (currículo, avaliação, metodologias) e os resultados objetivos e subjetivos de aprendizagem dos alunos, devem compor os elementos suficientes para que exista o reconhecimento da escola como um espaço de formação de qualidade.
Por sua vez, a apropriação simbólica da escola pela comunidade é considerada a forma mais genuína de legitimação de suas práticas, por isso há razão em vincular o reconhecimento público da escola como parte integrante do processo de construção da qualidade da instituição.
Através disso, entendemos que a escola define-se como parte integrante do seio social, de um campo complexo onde deverá demonstrar sentido sobre a vida dos sujeitos que nela transitam e, por extensão, sentido para a vida da própria comunidade que lhe serve como entorno.
[1] Rodrigo Pereira é Doutor em Educação e professor do Curso de Pedagogia na Universidade Federal de Alagoas-UFAL/Campus do Sertão
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