Metadados do trabalho

A Religião Na Ótica Da Psicologia

Guilherme Alexandre Santos

O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma discussão teórica sobre como a Religião é vista e interpretada sobre a ótica da Psicologia. É um estudo importante por ser perceptível que o fenômeno religioso possui forte influência na vida dos seres humanos. Durante a pesquisa, foram consultados diversos autores, que demostraram em seus escritos que Religião e Psicologia sempre foram pauta de estudos, desde os primórdios da história da humanidade. É partindo da ideia de que a Religião, apesar de ser diferente da Psicologia, pode contribuir de forma positiva ou negativa no desenvolvimento humano, pois ela age no comportamento humano, influencia a mente humana. E pelo fato de a Psicologia estudar o comportamento e a mente, entende-se que esta é uma abordagem significativa. A pesquisa caracteriza-se como bibliográfica, pois foram utilizadas fontes secundárias.

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Como citar este trabalho

SANTOS, Guilherme Alexandre. A RELIGIÃO NA ÓTICA DA PSICOLOGIA. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/286-a-religi%C3%A3o-na-%C3%B3tica-da-psicologia. Acesso em: 16 out. 2025.

A RELIGIÃO NA ÓTICA DA PSICOLOGIA

A Religião se apresenta como um fenômeno na vida das pessoas, pois possui o “poder” de influenciar comportamentos e regras, visto que tem total envolvimento com os aspectos éticos que ditam a forma como as pessoas se relacionam. Já a Psicologia é uma ciência que estuda, por meio da observação científica, o comportamento e a mente humana. Essa breve contextualização dos termos que são objetos dessa pesquisa serve para abrir a mente do leitor sobre como ambos os termos são diferentes, mas se encontram.

A Religião possui destaque no contexto social por ter uma postura embasada em uma força transcendental, que, seguindo seus dogmas, apesar de diferir de religião para religião,  age coordenando o universo. A Religião tem uma visão positiva diante de seus adeptos, pois em sua essência, o sentido é ajudar as pessoas a encontrarem-se no mundo e serem o que o criador espera. Assim, existe um conjunto de regras a serem seguidas de forma fiel.

 A Psicologia, por outro lado, não se embasa na crença; precisa de observações que se fundamentem em um contexto científico. No entanto, do mesmo modo que a Religião, ela contribui para a melhoria do estado de saúde psicológica do ser humano, ou seja, uma é motivo para um estado de prazer e satisfação, e a outra busca compreender como se dá esse processo.

Todavia, pensar em relacionar Religião e Psicologia traz à tona vários debates antigos, que se justificam no fato de alguns autores entenderem a Religião como algo que não possui um conceito definido, o que a torna complexa e pluralizada, estando sempre presente em outras áreas e sendo sempre apontada como necessária.

Pretende-se nesse trabalho entender de que forma a Religião é vista pela Psicologia, pois sendo esta uma ciência que estuda o comportamento e a mente humana, entende-se que ela deva ter um ponto de vista teórico sobre a forma como a Religião influencia a vida das pessoas, o que é visto pelos autores lidos como um poder exercido pelo fenômeno religioso. Ressalta-se, no entanto, que a temática é difícil e divide opiniões, principalmente pelo fato de a Religião ter seu fundamento no sagrado e assim possuir uma dimensão que não se alcança pela razão.

Diante do exposto, o presente trabalho parte da seguinte indagação: Qual a visão da Psicologia diante da influência do fenômeno religioso nas pessoas? A busca por respostas a essa pergunta justifica-se pelo fato de que, nas fontes pesquisadas, são apontados impactos sobre o poder da Religião na consciência humana, pois é fato que ela age nos eventos psicopatológicos.

Com base nessa perspectiva, o principal objetivo do trabalho é apresentar uma discussão teórica sobre como a Religião é vista e interpretada sob a ótica da Psicologia. O estudo é importante por demonstrar que a Religião é algo importante a vida humana e possui relação com a Psicologia e outras áreas do saber. Apesar de desafiador, torna-se interessante compreender os pontos de encontro existentes entre ambas as áreas.

O trabalho caracteriza-se como bibliográfico, no qual foram utilizadas fontes secundárias, como artigos científicos e revistas digitais, disponibilizadas em sites de faculdades e universidades. Alguns estudos não foram utilizados amplamente, mas serviram para esclarecer dúvidas e contribuir com uma linha teórica de raciocínio embasada em fundamentação científica.

REFLETINDO SOBRE O CONCEITO DE RELIGIÃO

 

De acordo com Woodhead (2018), o conceito de Religião não é e nunca foi consensual  entre seus estudiosos. O autor prossegue explicando que atualmente a questão da conceituação do termo tem enfrentado diversas críticas, de variadas vertentes, algumas antigas e outras mais contemporâneas. Para os estudiosos, na visão do autor, é impossível estabelecer uma definição em que todas as religiões concordem de forma unânime ou, pelo menos, a maioria delas.

 Woodhead (2018) salienta que a Religião é como outras áreas e cita, como exemplo, a Economia, a Política, a Sociologia e a História, estudadas por especialistas de diversas áreas que seguem satisfeitos em seus estudos naquela área específica, sem necessariamente ter um objeto de estudo definido. Conforme o autor, a dificuldade surge por não existir termos indicadores, mas conceitos gerais que conduzem a atenção para agrupamentos complexos e a aspectos das relações sociais e materiais com fins específicos.

Essa abordagem trazida pelo autor faz menção a uma discussão geral acerca de termos diversos. Sobre a definição de Religião, o autor explica que é diferente porque, além das dificuldades mencionadas, a Religião recebe outras questões. Woodhead (2018), diz que teólogos cristãos vêm contestando, há algum tempo, que a Religião possui um conceito amplo e moderno, envolvido por uma bagagem de pressupostos seculares que limita, distorce e usurpa aquilo que busca atingir.

Conforme o autor, também há os que discordam do conceito anterior e dizem que o conceito de Religião é muito mais cristão do que secular. Luckamann (1967), apud Woodhead (2018), argumenta que os estudos sociológicos sobre a Religião apoiam a postura das igrejas de forma tão íntima que anulam as expressões de outras religiões. Percebe-se, com essa breve explanação, que a Religião, de um ponto de vista teórico, é complexa no que diz respeito a buscar um conceito que se adéque de forma universal. Sobre a definição de conceitos temos que:

O primeiro aspecto da noção de Religião é que se trata de um conceito moderno. Esse enunciado pode causar espanto, especialmente entre os mais afeitos a etimologias. Afinal, há duas hipóteses com relação à origem da palavra Religião. Especialmente na modernidade, a tese de que o termo deriva de religare ganhou mais prestígio. Esta interpretação etimológica foi estimulada por autores cristãos, em especial Lactâncio (240-320) e Agostinho (354-430), que atribuíram interpretação teológica a ela, entendendo-a como religiação. No caso do cristianismo, religação entre Deus e o ser humano afastador por causa do pecado (AGOSTINHO, 1987, LV, 113). Por outro lado, há a proposta de que a palavra teria emergido do texto De natura deorum, escrito por Cícero, identificada com relegere, isto é, reler, de modo que seu sentido se aproxima de escrupuloso, referindo-se àquele que cumpre os deveres de cultos aos deuses. (PIEPER, 2015, p. 5).

 

Sobre a citação acima, Pieper (2015) explica que esta diferença etimológica citada evidencia uma distinção, pois, no primeiro conceito citado, o sentido atribuído à Religião centra-se no vínculo entre os seres humanos e a divindade; já no segundo, é dada ênfase aos elementos éticos, apontando para a inserção social da Religião. No entanto, conforme o autor, isso não implica em afirmar que não se utilize, na origem mais aceita, os aspectos éticos, bem como não quer dizer que, no segundo caso, não exista relação com a divindade, visto que a diferença está apenas na ênfase.

A abordagem da temática Religião abre espaço para inúmeros debates. De seu surgimento até a sua função na sociedade temos diversos aspectos para analisá-la. Pieper (2015) traz em seu texto uma temática que fala sobre as tendências de abordagem do conceito e do próprio emprego da Religião na sociedade. Conforme o autor, há três possibilidades de articulação do fenômeno religioso.

Ele inicia falando que, no primeiro caso, a Religião pode ser reduzida a outra esfera social, e nesse aspecto a Religião teria sentido e função que não é especificamente religiosa, mas atinente a outro aspecto. No segundo caso, a Religião pode ser empregada como um meio para se compreender unidades maiores, como a cultura e a sociedade. Já no último caso citado pelo autor, a Religião pode ser compreendia como esfera social autônoma, que busca explicar a Religião a partir dela mesma.

Woodhead (2015) traz cinco conceitos de Religião que nos faz refletir a sua abrangência e pontos de vista que merecem ser estudados. O primeiro fala da Religião como cultura, ou seja, como crença e significado. Nessa teoria, o ser religioso tem a ver com acreditar em determinadas coisas que conduzem as pessoas a aderir a certas proposições e concordar com doutrinas. A definição por esse ponto de vista é mais amplo e traz outras categorias.

Outra definição trazida pelo autor é a de Religião como identidade. Neste eixo, a Religião é tida como criadora de comunidades e formadora de delimitações. Woodhead (2015) explica que a ideia de Religião é uma questão de criação e manutenção de vínculos sociais e está mais intimamente associada, na tradição sociológica, com o trabalho de Émile Durkheim.

Para Durkheim (2001), Religião e sociedade são inseparáveis. Relte Religião é o lugar em que uma sociedade embasa a imagem de si mesma, reafirma seus vínculos, renova seus laços emocionais, marca suas fronteiras, se particulariza – e assim toma forma. Na famosa definição de Durkheim, a Religião designa as “crenças e práticas” relativas ao que é sagrado e “distingue” aquilo que une em uma “comunidade única” aqueles que aderem a ela.(WOODHEAD, 2015, p. 10).

 

Porém, esse conceito de Religião permaneceu como algo marginal na sociologia da Religião. Foi e é bastante criticado por ser visto como estritamente “funcionalista”, pois é muito amplo e ao mesmo tempo vago para se operacionalizar a Religião de maneira empírica e etnocêntrica.

A Religião também surge na obra de Woodhead (2015), com um conceito que o remete a Religião como relacionamento. Esse conceito, conforme o autor, diz respeito às relações socais. Neste caso, de acordo com Woodhead (2015), o conceito de Religião como relações sociais vai de encontro, de alguma forma, a um conceito de Religião como identidade. Em ambos os casos, a Religião serve para promover a união de pessoas de maneiras particulares. A diferenciação, conforme o autor, acontece no fato de que, onde Religião é vista como relacional, a ênfase está mais nas inter-relações entre pessoas religiosas do que nas inter-relações entre indivíduos, grupos e comunidades religiosas diferentes.

Woodhead (2015) também traz a Religião como prática. Neste aspecto, a Religião surge como ritual e corporificação. De acordo com autor, o conceito de Religião como ritual pode ser encontrado em muitas explicações antropológicas, contudo ressalta-se que este conceito é extenso e constante, pois muitas vezes, conforme explicação do autor, são identificados aspectos específicos, incluindo a padronização social de ações humanas corporificadas e o treinamento da atenção para alguns pontos fundamentais do ritual.

A última abordagem trazida por Woodhead (2015) é a de Religião como poder. Este conceito, segundo o autor, tem sido negligenciado há alguns anos porque algumas teorias de secularização vêm reforçando a perda da influência social das religiões. Porém, na ótica do autor, o poder reside no cerne da Religião, que tipicamente proporciona uma relação com algum tipo de poder ou mesmo poderes superiores, os quais, muitas das vezes, podem até ser concedidos ao profano. Sobre a relação de poder com a espiritualidade, o autor destaca que:

A Religião sinaliza onde o poder realmente reside (nas forças tanto do bem quanto do mal) e permite que as pessoas criem alguma relação com ele à medida que o compreendem, reverenciam, idolatram, satisfazem, usufruem, manipulam, contestam, contemplam, lhe fazem oferendas e se apegam a ele. Consequentemente, os poderes transcendentes presentes no interior da Religião são frequentemente tratados em termos de poder e energia, tais como dunamis, mana, orenda, carisma ou chi, o poder divino está preservado por meio de proibições, e alguns indivíduos são escolhidos como sendo mais bem qualificados do que outros para chegar mais próximo dele. (WOODHEAD, 2015, p. 19).

 

No entanto, não é objetivo deste trabalho aprofundar-se nas discussões sobre a complexidade de definição da Religião enquanto conceito. Neste sentindo, utilizaremos o conceito básico, trazido em livros e dicionários. De acordo com o site Brasil Escola, em matéria publicada em 2020, a Religião pode ser definida como um conjunto de crenças e práticas sociais relacionadas com a noção de sagrado. Ainda conforme o site, a Religião é um dos fenômenos mais importantes entre aqueles pertencentes exclusivamente ao ser humano. É fato que toda cultura ou civilização tinha alguma forma de sistema religioso, alguns elementares e outros complexos, o que nos faz perceber que este tipo de segmento é muito antigo e possui influência na vida do ser humano.

Outrossim, observa-se que a Religião, dentre seus mais diversos enfoques que buscam dar-lhe uma definição, possui interligações com outras ciências, e isso se deve à relação social. Na verdade, pode-se dizer que ela tem um papel social. Neste aspecto, entende-se que a Religião tem total envolvimento com o mais íntimo do ser humano, pois adentra em sua natureza e influencia seus comportamentos. Por isso ela sempre se encontra em constante análise, como pela Psicologia.

 

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA PSICOLOGIA

 

Segundo matéria disponibilizada no site Brasil Escola (2019), a Psicologia é uma ciência que tem como foco o estudo dos comportamentos humanos. Conforme o texto, é uma área complexa, que apresenta diversas abordagens, e sua ênfase está em entender a subjetividade humana. Neste aspecto, ela atua nas expressões humanas que são visíveis, bem como nas que não podem ser vistas, ou seja, nos pensamentos e nos comportamentos. Sobre o conceito temos que:

A Psicologia é a ciência que estuda os processos mentais (sentimentos, pensamentos, razão) e o comportamento humano. Deriva-se das palavras gregas Psiquê que significa “alma” e logia que significa “estudo de”. ( BRASIL ESCOLA, 2019, p. 2).

 

De acordo com Farris (2002), a definição clássica de Psicologia diz que ela é um estudo de comportamento humano. Conforme o autor, os primeiros psicólogos modernos não eram realmente psicólogos, mas sim filósofos que buscavam resolver questões fundamentais da natureza e dos conteúdos da consciência humana.

Os primeiros psicólogos modernos, citados por Farris (2002), foram Friedrich Nietzche e Ludwig Feuerbach, ambos fascinados com a natureza humana, com a experiência humana e com as estruturas da consciência. Conforme o autor, eles acreditavam que o objetivo da Filosofia não era construir supersistemas filosóficos, ou filosofias metafísicas, mas entender a consciência humana e a sua natureza.

Como a temática é voltada para o aspecto religioso, vale ressaltar que as discussões em torno da Psicologia e da Religião é algo bastante antigo. Destaca-se que a visão de  Friedrich Nietzche e Ludwig Feuerbach sobre o assunto, conforme explica Farris (2002), era a defesa de que a Filosofia tinha que colocar o homem no centro e não Deus ou a metafísica. Entretanto, a apesar de muitos estudos, eles não conseguiram avançar em suas ideias.

Os dois filósofos discutiram com bastante propriedade e segurança a consciência humana, abordando-a como uma ideia ou conceito, porém, ao avançar no diálogo, começaram a surgir outras perguntas, que foram chaves para o surgimento da Psicologia Moderna. Uma destas perguntas foi “Qual a relação entre cérebro e mente?”. Na visão de Farris (2002), foi buscando as respostas para essa indagação que nasceu a ciência Psicologia ou ainda o estudo do comportamento humano, da consciência e da mente.

De acordo com Dantas (2018), o comportamento e a experiência do ser humano que foi observado e descrito pelos filósofos gregos eram interpretados como sendo resultados de manifestações da alma. Conforme a autora, a Psicologia ganhou espaço no final do século XIX. O final deste século é marcado pela iniciativa de alguns acadêmicos da época em distanciar a Psicologia da Filosofia e da Fisiologia. Foi a partir daí que os comportamentos observáveis passaram a fazer parte da investigação científica em laboratórios, com o objetivo de controlá-los. O sentido era objetivar as ações executadas para assim ter reconhecimento da Psicologia como ciência.

A Psicologia, conforme Farris (2002), possui, em sua essência, uma visível complexidade e amplitude, pois, além dos direcionamentos já citados aqui, ela também faz levantamento sobre questões que envolvem a natureza e a constituição básica do ser humano. O autor destaca que a Psicologia questiona “quem é o ser humano?”, e isso tem como finalidade promover a descoberta de tendências, bem como necessidades psicobiológicas que agem nas tensões e ambiguidades da existência.

Como mencionado no final do tópico anterior, a Religião e a Psicologia possuem uma abordagem bem antiga, no que se refere a entender a natureza humana no olhar dessas duas áreas. A Psicologia, enquanto ciência, busca avaliar e verificar algo visível, contudo reconhece aspectos na Religião que influenciam o comportamento humano e a sua natureza, objetos de seu estudo.

 

 

A RELIGIÃO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA

 

Conforme Paiva (1990), do mesmo modo que a Antropologia e a Sociologia, a Psicologia teve início vinculada à Religião. O autor, cita como exemplo, a experiência de Wilhelm Wundt, que utilizou pesquisas de laboratório sobre os processos de consciência, empreendendo uma vasta investigação sobre as leis de desenvolvimento da linguagem, do mito e dos costumes. Para o autor, tomando por base experiências e estudos relatados em seu texto nos Estados Unidos e na Alemanha, a Psicologia, que foi a ciência sucessora da Filosofia, tinha como finalidade a tarefa de conquistar campos cada vez mais complexos, culminando com o da Religião, contribuindo de forma significativa para esta área.

Paiva (1990) traz uma abordagem ampla sobre a relação existente entre a Psicologia e a Religião. Na ótica deste autor, para compreender o papel da Religião no contexto psicológico, é preciso encontrá-lo e associá-lo a outros campos em que a Religião também impacta. O autor aborda inicialmente a Psicologia do Desenvolvimento, estudo realizado na Universidade de Leuven, que chamou a atenção do autor para o caráter quase exclusivamente transversal dos estudos da representação de Deus no adolescente. Foram considerados neste estudo conceitos como prática religiosa, crença religiosa e conceito de Deus.

O que o autor pretende é demonstrar que a Religião está na essência da natureza humana, tendo influência na sociedade desde o desenvolvimento infantil, sendo levados até a vida adulta. Outra vertente trazida pelo autor é a Psicologia social, que tem por objetivo, estudar o fenômeno religioso. Como mencionado, o texto de Paiva (1990) traz uma abordagem na qual toma por base estudos aplicados por outros autores. Em relação à questão da Psicologia Social com a Religião, o autor destaca que:

A pesquisa de Sanada & Norbeck exemplifica uma vertente muito prestigiada na pesquisa psicológica da Religião: a que preconiza que os fenômenos religiosos sejam inseridos na linha mestra da teoria psicológica. No caso, uma conceituada teoria de Psicologia Social, a da dissonância cognitiva, foi o gabarito com o qual se mediu o fato religioso. A verificação apenas parcial da teoria levantou o problema da transposição entre culturas de um modelo ou paradigma conceitual (PAIVA, 1978). (...) A influência que variáveis culturais concretas podem exercer sobre esquemas explicativos originados em contextos restritos não é assunto levantado apenas em metodologia de pesquisa intercultural: em Psicologia da Religião chega-se a discutir se a tarefa da Psicologia não é, “ao invés de encaixar as experiências religiosas nos escaninhos de Freud e Jung, ou nas categorias da Gestalt, da Teoria S-R ou em outras quaisquer, ver o que os próprios dados dessas experiências indicam por si mesmos” (GOODENOUGH, 1965, p. xi).  (PAIVA, 1990, p. 7).

 

Por fim, Paiva (1990) traz, como base, um estudo de índole exploratória, que foi realizado em Seicho-no-iê, religião japonesa do grupo das “novas religiões”. O público do estudo foram jovens e adultos, de ambos os sexos, brasileiros, de origem não oriental. Utilizando como base a diferença de crenças e práticas da Seicho-no-iê em relação à matriz cultural dessas pessoas, a proposta do estudo foi investigar a dinâmica pessoal e social presente no fato da conversão.

De acordo com Paiva (1990), os resultados do estudo apontaram a presença de características ligadas à personalidade, que permitiram descrever o adepto brasileiro, jovem ou adulto, do sexo masculino ou feminino, como alguém visivelmente mortificado e diminuído pela consciência de ser pecador e pela representação de Deus como distante e arbitrário. Essa martirização e a falta de expressividade livre de restrições e aproximação com Deus mostrou-se como motivos para a mudança de Religião nesse aspecto.

É interessante refletir sobre este e os outros pontos trazidos pelo autor, pois ão campos específicos da Psicologia onde a Religião se encontra e tem forte influência. Paiva (1990) faz uma crítica à escassez de literaturas e estudos voltados a essa área e diz que nada de humano é alheio à Psicologia: arte, economia, trabalho, relações internacionais e religião. O autor ainda salienta que, entre a Psicologia e cada um desses temas citados acima, estabelece-se uma rede de trocas mútuas, cujo resultado provável é um enriquecimento de ambos os interlocutores e uma modificação de cada um deles.

Assim, entende-se que a Psicologia e a Religião também possuem, na pesquisa científica, um ponto de encontro, devendo considerar-se que a Religião continua sendo uma das dimensões mais coextensivas ao homem. Na concepção de Paiva (1990), ela constitui-se num objeto legítimo da pesquisa em Psicologia.

Conforme Assis e Medeiro (2017), trabalhos com temáticas que envolvem a relação entre a Psicologia e a Religião estão presentes na vida do ser humano desde os primórdios do mundo e são considerados um marco da discussão entre psicólogos e religiosos, que tem suas origens na Grécia, com a apresentação do escrito de Aristóteles (384-322 a.C.), com o título “Acerca da Alma”.

Porém, conforme os autores, os argumentos contemporâneos envolvendo Religião e  psicologia têm sido feitos por diversos teóricos clássicos, que chamam a atenção para aspectos que envolvem Religião e personalidade do ser humano. Como exemplo, os autores citam Freud, que traz, em sua concepção à prática religiosa como uma neurose, e também  Frankl, que afirma que a Religião pode ter uma forma favorável na busca de um significado,

É incorreto pensar na Religião como algo totalmente contrário. A Psicologia, em ambas as vertentes, busca compreender a natureza humana e, desse modo, ajudar o homem no seu pleno desenvolvimento; a Religião, em alguns momentos, abre margem para análise de pontos complexos. Já foi mencionado neste trabalho o impacto de algumas formas de se ver o fenômeno religioso. No entanto, apesar de distintas, elas se entrelaçam em seus fins. Dessa maneira, entende-se que:

Fato é que a psicologia tem papel importante no mundo, onde os homens “se refletem em um sujeito imediatista, fragmentado, narcisista, desiludido, ansioso, hedonista, deprimido, embora também informatizado, buscando independência, autonomia e defesa dos seus direitos” (Araújo, 2012, p. 2). A partir de vivências frente a estas variáveis do mundo moderno, o homem tem encontrado também na Religião o conforto, apoio e solução para seus conflitos emocionais, de modo que a psicologia e a Religião podem servir de suportes para tais conflitos. (ASSIS; MADEIRO, 2017, p. 11).

 

A Religião possui um papel fundamental na vida do ser humano, e a Psicologia reconhece essa função. Entretanto, Assis e Madeiro (2017) explicam que a psicologia, no que diz respeito à Religião, tem que ser a neutra frente ao que se pretende estudar, ou seja, ela não pode defender nem combater, visto que seu objetivo, ao estudá-la, é buscar compreendê-la. Para os autores, a Psicologia e a Religião podem ser vistas como associáveis, mas ressaltam que alguns autores defendem que ambas andam cada qual em direção própria e por isso não devem se inter-relacionar.

Ainda seguindo a linha de pensamento de Assis e Madeiro (2017), entende-se que a Religião é uma temática fundamental a vários ramos das ciências, principalmente para a Psicologia, pois entende-se que estudar o homem é compreendê-lo em seus mais variados aspectos, inclusive em sua religiosidade.

A Psicologia nasce no âmbito religioso, assim dizem alguns autores. De acordo com Maciel e Lins (2020), no processo de formação da Psicologia existiram, entre seus percursores, os que viam a Religião como fundamental. Como exemplo, os autores citam W. Wundt, o pai da Psicologia experimental. O autor citado por Maciel e Lins (2020) se dedicou a produção de uma Psicologia experimental e científica e tinha em mente que esse método só faria sentido dentro do contexto em que se vivia. A obra elaborada por ele foi muito grande e contou com dez volumes, cujo título é a “Psicologia dos Povos”. Nela, se expõe a dificuldade do método experimental ao analisar questões muito determinadas por condições históricas e sociais, como a linguagem, os costumes e a Religião.

No que tange à Religião, Wundt apresentava bastante interesse e realizou pesquisas sobre os processos emocionais envolvidos com essa temática, como o medo e as fases do desenvolvimento religioso de uma população. Outro importante autor citado por Maciel e Lins (2020) foi Sigmund Freud. Conforme os autores, ele escreveu algumas obras dedicadas  à Religião. Seu primeiro livro foi Totem e Tabu, em 1912. Junto com Wundt, escreveu sobre a evolução da cultura religiosa. O objetivo da obra foi fazer comparação entre os rituais de um obsessivo ao tabu de uma Religião.

No mesmo período de Freud, existiram outros psiquiatras que estudaram e desenvolveram pesquisas sobre Religião e Patologia, como Charnot. Maciel e Lins (2020) citam P. Janet, que fez um estudo clínico de uma paciente que possuía experiências místicas extraordinárias e comparou-a com casos de neurose obsessivo-compulsiva.

Os autores destacam Carl Gustav Jung como um entusiasta em estudar a biografia de personalidades religiosas da história para elaborar seus arquétipos. Segundo Maciel e Lins (2020), os arquétipos são estruturas de personalidade que perpassam diversas culturas, como, por exemplo, o da Grande Mãe, que, em muitos casos, é representada por Maria, mãe de Jesus, na Religião cristã. O que podemos concluir é que a Religião era crucial para se entender a personalidade humana, principalmente por sua capacidade de produzir símbolos e significados. Sobre essa relevância, destaca-se que:

Existe consenso entre cientistas sociais, filósofos e psicólogos sociais de que a Religião é um importante fator de significação e ordenação da vida, sendo fundamental em momentos de maior impacto na vida das pessoas(1). Os problemas espirituais, afetivos e sociais são demandas importantes na vida de qualquer um, e a principal delas, é o problema de saúde, motivo pelo qual as pessoas recorrem ao santuário e aos santos como se estes fossem uma espécie de “pronto-socorro” de atendimento integral(1). Desse modo, ocorre a busca pelo alívio do sofrimento, por alguma significação ao desespero que se instaura na vida de quem adoece. (MURAKI; CAMPOS, 2012, p. 1).

 

Na visão da Psicologia e da sociologia, a Religião contribui também para o bom estado de saúde das pessoas. Conforme Muraki e Campos (2012), a Religião caracteriza-se, desde tempos remotos, como uma fonte variável dentro de um contexto que envolve aspectos culturais, e essa herança é passada de geração para geração. O que a torna a Religião complexa aos olhos das ciências é o fato de ela ser formulada de maneira multidimensional, visto ser considerada um conjunto de crenças, de leis e de ritos que possuem um determinado poder sobre o homem, que vê esse poder como supremo.

Conforme o autor, é comprovada a existência da associação positiva entre o envolvimento religioso e a saúde mental. Eles ressaltam que esta influência positiva da religiosidade sobre a saúde pode ser provocada devido à mobilização de energias e iniciativas positivas, que fortalecem o indivíduo e faz com que ele tenha condições de lidar mais eficazmente com suas condições, incentivando-o a aceitar a terapia.

De acordo com Muraki e Campos (2012), outro fator que explicaria os resultados positivos da religiosidade sobre o estado de saúde é que a Religião é uma grande influenciadora de comportamentos e de proteção, como o não uso de álcool e drogas, o cumprimento de ordens médicas e o incentivo ao exercício físico regular.

Segundo os autores, os indivíduos que seguem esse estilo de vida têm menores taxas de doenças crônicas e agudas e níveis reduzidos de estresse, porque a Religião tem a capacidade de transmitir a importância de se ter comportamentos de moderação e conformidade, incentivando atitudes positivas, como a oração, que traz o conforto emocional e desencoraja situações de conflito.

Muraki e Campos (2012) explicam que a Psicologia entende o papel múltiplo da Religião e por isso foi dito, em alguns pontos dessa pesquisa, que ela associa-se a outras áreas, não apenas à Psicologia. A Religião é uma rede de apoio social, visto que é considerada um recurso psicossocial, por contribuir com a promoção da saúde mental. Para os autores, é muito importante o apoio oferecido pelas instituições religiosas às pessoas, pois as inserem em uma rede de relações sociais.

No contexto da Psicologia, de forma prática, entende-se que a Religião é benéfica, porque ela ajuda a entender processos mentais e contribui com o desenvolvimento do ser humano de forma positiva, pois as condutas apresentadas pelas diferentes religiões tendem a conduzir o ser humano a despertar comportamentos e pensamentos bons, que sejam favoráveis a atingir sua meta como religioso. Em contrapartida, traz pessoas mais centradas à sociedade. Contudo, sabe-se que esta não é uma regra geral. As religiões possuem fundamentos, mas a forma como o ser humano os interpretam é variado, e isso torna as ações das pessoas amplas diante de seus objetivos pessoais. A Religião visa ajudar o ser humano a evoluir, e a Psicologia observa e conduz essa evolução dando meios de efetivá-la.

 

A Religião é necessária à humanidade, e a Psicologia compreende que ela possui uma conexão com a realidade humana. Apesar de serem campos de estudos diferentes, é inegável que a relação existente entre o homem e a espiritualidade seja realmente benéfica. Percebe-se que a Psicologia admite o poder do fenômeno religioso sobre a mente e o comportamento humano, por ser realmente visível a fidelidade que algumas pessoas têm acerca dos dogmas e determinações.

Além desse caráter regulador, assim chamado por impor condutas, a Religião adentra no mais profundo da natureza do homem e é capaz de conduzi-lo a um estado de paz e tranquilidade, sendo algumas vezes um tratamento para alguns males. E ficou perceptível também que, apesar da dita complexidade apresentada pela Religião, por não ir de encontro com razão, ela atua no inconsciente, revelando o ser supremo como solução a todos os males. E é isso que age, modificando a postura do indivíduo.

A Psicologia reconhece a necessidade da Religião, e por isso temos hoje a Psicologia da Religião. Isso nos remete a uma reflexão: como podemos dizer que a Psicologia ignora a Religião? Não faz sentido. O presente artigo trouxe um debate interessante que confrontou teorias e explorou campos mais amplos da visão da Psicologia no contexto religioso.

No entanto, reconhecer as aproximações não significa que se deve transferir conceitos ou mesmo práticas de um campo para outro, mas sim que é preciso analisar de forma crítica e com postura ética as propostas nos dois âmbitos, considerando os diferentes níveis de afinidades, para ser possível produzir conhecimento em Psicologia e em Religião.

Dessa forma, conclui-se que a Psicologia, com foco na Religião, no campo da pesquisa, visa compreender os fenômenos religiosos, enfatizando sua finalidade cultural que constitui o ser humano. Fica claro que, quando a Psicologia se propõe a verificar temas específicos do campo religioso, como crenças e experiências religiosas, é estabelecido um desafio metodológico que se embasa em buscar o conhecimento, respeitando as especificidades de cada área. É preciso também que essa aproximação não reduza nenhuma das vertentes envolvidas.

 

Agradeço a Deus por mais um ano poder participar do Educon, a Profª. Drª. Veleida Anahi Capua da Silva Charlot ao  Prof. Me. Yan Capua Charlot por nos incentivar a mergulhar no mundo académico nos fazendo perceber que podemos ser um agente transformador da educaç~~ao.

A Religião visa ajudar o ser humano a evoluir, e a Psicologia observa e conduz essa evolução dando meios de efetivá-la.

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