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Geometria Para Crianças: O Que Dizem As Professoras Da Educação Infantil?

Amanda Souza Araújo; Simone Zogaib

O presente texto perpassa pelas esferas da formação docente, da educação matemática e da educação infantil, concentrando-se no campo da geometria. Refere-se a um recorte do trabalho de conclusão do curso de Pedagogia, e têm como objetivo analisar as concepções das professoras de educação infantil de uma escola do município de São Cristóvão, a respeito do trabalho com a geometria na educação infantil. Com uma abordagem qualitativa, o processo de pesquisa ocorreu a partir de um estudo de caso com quatro professoras de educação infantil da referida escola. A análise dos dados se deu a partir das respostas das participantes a um questionário sobre a temática em estudo. Quatro categorias orientaram a análise: importância do trabalho com geometria na educação infantil; conhecimentos geométricos necessários para crianças da educação infantil; estratégias e recursos utilizados para trabalhar geometria na educação infantil; formação inicial e continuada sobre geometria para crianças. Como resultado principal, destacamos a ênfase nas figuras geométricas em detrimento do trabalho com o sentido espacial infantil, a presença das atividades lúdicas como mobilizadoras das aprendizagens, inclusive da geometria, e as lacunas referentes ao conhecimento geométrico nos processos de formação, tanto inicial como continuada das professoras. 

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ARAÚJO, Amanda Souza; ZOGAIB, Simone. Geometria Para Crianças: O Que Dizem As Professoras Da Educação Infantil?. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/281-geometria-para-crian%C3%A7as-o-que-dizem-as-professoras-da-educa%C3%A7%C3%A3o-infantil. Acesso em: 16 out. 2025.

Geometria Para Crianças: O Que Dizem As Professoras Da Educação Infantil?

1. INTRODUÇÃO

Desde o nascimento, a matemática está presente no contexto em que a criança se encontra, e mesmo que não seja perceptível, ela utiliza a matemática para resolver os problemas que surgem em seu cotidiano. Ao ingressar na primeira etapa escolar da educação básica, a educação infantil, esse conhecimento matemático já construído pelas crianças em suas interações cotidianas pode ser ampliado. Para isso, é necessário que os professores levem em consideração o que os alunos já sabem (bagagem cultural) e, a partir disso, criem situações em que seja possível desenvolvê-los com clareza, deixando de se preocupar somente com a quantidade de conteúdos que devem ser executados durante todo o ano letivo.

Diversas pesquisas (ORTEGA; SANTOS, 2018; FIORENTINI et al, 2002; LOPES et al., 2012; VASCONCELLOS; BITTAR, 2007) indicam que os pedagogos já ingressam no campo profissional com um déficit muito grande em relação à matemática. Isso acontece uma vez que a formação inicial não é suficiente para que o futuro educador conheça e compreenda os principais conceitos a serem ensinados, bem como as diferentes estratégias para trabalhá-los com as crianças.

É importante ressaltar que existem professores com um pensamento ainda um pouco restrito a respeito da matemática, ao pensarem o seu ensino concentrado somente nos números e operações, ou seja, focado na aritmética. Esse paradigma precisa ser questionado, já que a matemática vai muito além do numérico. É necessário explorar outros campos da matemática, uma vez que todos se conectam, contribuindo para uma aprendizagem matemática mais ampla. Assim como sugere Lorenzato (2006, p. 24), é importante realizar a exploração matemática com as crianças em três campos inter-relacionados: “o espacial, das formas que apoiará os estudos da geometria; o numérico, das quantidades, que apoiará o estudo da aritmética; o das medidas, que desempenhará a função de integrar a geometria com a aritmética.”

Muitos professores têm receio de trabalhar outros campos da matemática, como é o caso da geometria, justamente por considerar complicado trabalhá-lo com a criança, e isso é causado, em geral, pela ausência ou quase inexistente formação inicial e continuada sobre o trabalho com geometria ou outro campo matemático para e com as crianças. Zogaib (2020) discute essa situação ao trazer os estudos internacionais de Clements et al (2018), quando esses autores afirmam que a geometria é um dos campos menos compreendidos pelos professores e, consequentemente, pelas crianças em muitos países, com efeitos muito negativos para a vida delas. Tal situação, como afirmam esses autores, está relacionada a uma formação inconsistente para o ensino e aprendizagem de geometria para e com as crianças. Desse modo, “a falta de conhecimento de geometria e educação em geometria afeta as novas gerações” (CLEMENTS; SARAMA, 2011, p. 136 apud ZOGAIB, 2020, p. 24). Até mesmo o ensino dos números tem se tornado cada vez mais técnico, dispondo, na maioria das vezes, somente de atividades de memorização da sequência numérica, resultando na passagem do aluno para a próxima etapa de ensino, com o conteúdo “gravado”, ao invés de ser compreendido.

Em geral, uma das maiores preocupações dos professores desde a educação infantil é a aquisição da leitura e escrita do alfabeto e dos números, o que por sua vez faz com que outros campos matemáticos, como é o caso do sentido espacial e de medidas sejam deixados um pouco de lado, por serem considerados menos importantes ou necessários (LORENZATO, 2011; SMOLE, 2003). É um equívoco pensar que a alfabetização das crianças se restringe apenas à

leitura e escrita, ou tão somente a saber dizer, escrever e reconhecer os números em sequência e que outras temáticas não são tão relevantes quanto estas. Principalmente, se consideramos o que estudos e pesquisas já discutem a respeito da importância e necessidade do trabalho com os campos matemáticos para o desenvolvimento da criança (LORENZATO, 2011; MENDES; DELGADO, 2008; SMOLE, 2003; ZOGAIB, 2019; 2020).

As noções matemáticas devem ser estimuladas pelo professor, de uma forma em que cotidianamente os alunos sejam envolvidos pela matemática. Para isso, a preparação do ambiente é imprescindível, mas também o uso de jogos e brincadeiras lúdicas, rotinas diárias, dentre outros recursos em que seja possível criar situações-problemas que desenvolvam os processos mentais necessários para o desenvolvimento da sequência numérica, da contagem e das noções de tempo, espaço, grandeza e medida (LORENZATO, 2011).

Diante dessas considerações e, após estudarmos sobre a importância do trabalho com geometria desde a educação infantil, optamos por direcionar os nossos questionamentos para esse campo da matemática. Desse modo, a questão geral que norteou o nosso estudo foram: Que concepções a respeito da geometria na educação infantil permeiam as falas, os planejamentos e atividades realizadas pelas professorasi desta etapa da educação básica? O objetivo geral da pesquisa consistiu, portanto, em analisar as concepções das professoras de uma escola municipal de São Cristóvão - SE a respeito do trabalho com a geometria na educação infantil.

Para tanto realizamos um estudo de caso com quatro professoras de educação infantil da referida escola. Como procedimentos de coleta e análise de dados utilizamos um questionário online (em virtude da pandemia) e a análise documental de planos anuais e semanais concedidos pelas participantes, bem como de atividades encaminhadas às crianças no período de agosto a novembro de 2020. Neste texto, apresentamos uma análise das concepções das professoras a partir de suas respostas ao questionário sobre o tema em questão.

1.1 A formação de professores que ensinam matemática para crianças

Para que o pedagogo esteja apto a ensinar nas etapas de ensino contempladas desde a educação infantil até o ensino fundamental menor, é necessário que ele passe por um processo de construção de saberes profissionais (FIORENTINI; CRECCI, 2017) necessários para o exercício da prática docente, embasados em um conhecimento científico, que darão suporte ao trabalho docente. Nesse contexto, Shulman (1986, 1987 apud FIORENTINI; CRECCI, 2017) destaca ser preciso que o futuro professor tenha conhecimento e se aproprie de saberes

relacionados ao currículo proposto para cada modalidade de ensino, além das metodologias, dos processos de ensino/aprendizagem, dos diferentes contextos de ensino, dos aspectos históricos, filosóficos, psicológicos da educação, entre outros estudos de caráter pedagógico. Esse saber é proporcionado, em parte, pela instituição de nível superior, consistindo assim na formação inicial do curso de licenciatura em Pedagogia. De acordo com Moura et al. (2010) essa formação “implica recorrer a articulação entre teoria e prática, como constitutiva da atividade do professor, mais especificamente a atividade de ensino”. Imbernón (2010) também acrescenta que ela deve oferecer o suporte necessário para a construção de um conhecimento educacional especializado, constituído através da preparação prática e da troca de experiências profissionais.

Uma das críticas à formação de professores vigente é que ainda se baseia no modelo da racionalidade técnica, a qual “apoia-se na ideia de acúmulo de conhecimentos ditos como teóricos para posterior aplicação ao domínio da prática” (MIZUKAMI, 2002, p. 13), consistindo em um conjunto de técnicas e regras que não conseguem suprir a necessidade real da sala de aula, visto que, o professor lida com inúmeras situações únicas, em contextos sociais distintos, na qual cada unidade de ensino possui suas singularidades, distantes da prática idealizada ao longo do curso de formação. Essas situações exigem agilidade e perspicácia por parte do professor para superação destes obstáculos, sem que sua formação inicial o tenha “preparado” para tal. Dentro dessa perspectiva, a formação deve ser compreendida como processo contínuo, apoiando-se, segundo Mizukami (2002), no modelo de racionalidade prática, que leva em consideração a realidade particular da escola na qual o docente vai atuar e a reflexão como ponte para articular os conhecimentos desenvolvidos na formação inicial e as experiências obtidas no ambiente profissional.

Aprender a ser professor, nesse contexto, não é, portanto, tarefa que se conclua após os estudos de um aparato de conteúdo e técnica de transmissão deles. É uma aprendizagem que deve se dar por meio de situações práticas que sejam efetivamente problemáticas, o que exige o desenvolvimento de uma prática reflexiva competente. Exige ainda que, além de conhecimentos, sejam trabalhadas atitudes, as quais são consideradas tão importantes quanto os conhecimentos (MIZUKAMI, 2002, p.12).

Estudos como o de Nacarato, Mengali, Passos (2009) e Thompson (1997) mostram que os professores são influenciados pelos modelos de docentes que experienciaram na educação básica, e que essas concepções fundamentam sua ação em sala de aula, contribuindo para a criação de mitos sobre a matemática. A escolha do curso de graduação está, muitas vezes, relacionada a essa história com a disciplina, levando os alunos a considerarem cursos que não

apresentam a matemática em sua matriz curricular, inclinando-se assim para as ciências humanas, presumindo não haver essa disciplina, como é o caso do curso de Pedagogia.

Ao adentrarem no curso, deparam-se com a matemática, gerando certa preocupação, já que o intuito desde o início era fugir dessa área. Esse receio relacionado à matemática pode implicar no modo como serão absorvidos os conhecimentos. Em razão disso, no contexto da formação inicial docente, encontra-se o desafio de apropriar-se dos saberes matemáticos básicos de que foram privados anteriormente, como tentativa de quebrar esse medo e essa pressuposição equivocada da matemática. Para que, desse modo, os futuros professores sintam-se capazes de ensinar aos seus educandos o que, em geral, não lhes foi ensinado quando crianças.

Somado ao que foi apresentado, o curso de Pedagogia concebido pelas universidades do Brasil, apresentam lacunas referente ao domínio desse saber. Estudos desenvolvidos por Lopes et al. (2012) mostram que os professores que ensinam matemática (na educação infantil e nos anos iniciais) não estabelecem relações de influência entre a formação inicial e a aquisição de conhecimentos necessários para a ação pedagógica, revelando uma formação que deixa a desejar por parte das disciplinas específicas para o ensino de Matemática do curso de Pedagogia, necessitando de uma reformulação que articule o embasamento teórico juntamente com o exercício profissional.

Segundo Nacarato (2000 apud VASCONCELLOS; BITTAR, 2007) os cursos de formação profissional, ao ofertarem disciplinas específicas para o ensino de Matemática disponibilizam-na com uma carga horária bastante reduzida. Em função disso, a formação desses professores fica debilitada, impossibilitando-os de conhecer com mais profundidade os conceitos matemáticos que serão trabalhados por eles futuramente. Isso nos conduz a uma reflexão: como esses professores serão capazes de ensinar e orientar os alunos sobre o conhecimento matemático, que nem mesmo eles compreenderam na formação inicial? Esta pergunta tão complexa nos leva a questionar a nossa prática, repleta de preocupação e angústia, por não saber como reagir diante do desafio de ensinar matemática em sala de aula. Para complementar este pensamento, Curi (2004, p. 162) afirma que “quando professores têm pouco conhecimento dos conteúdos que devem ensinar, despontam dificuldades para realizar situações didáticas, eles evitam ensinar temas que não dominam, mostram insegurança e falta de confiança.”

É necessário que os educadores explorem os campos da matemática, uma vez que todos se conectam, contribuindo para uma aprendizagem matemática mais ampla. Assim como sugere

Lorenzato (2006, p. 24), é importante realizar a exploração matemática com as crianças em três campos inter-relacionados: “o espacial, das formas que apoiará os estudos da geometria; o numérico, das quantidades, que apoiará o estudo da aritmética; o das medidas, que desempenhará a função de integrar a geometria com a aritmética.” Mas para que os educadores tomem consciência da importância dos diferentes campos matemáticos, em especial, da geometria, que muitas vezes, é desvalorizada e pouco trabalhada pelo professor, é necessário conhecê-lo, e portanto, abordaremos a seguir, o porquê é importante trabalhar com geometria, o que é como pode ser esse trabalho com as crianças, indicando, em linhas gerais, o que o educador precisa saber para nortear suas práticas educativas referentes ao desenvolvimento do pensamento geométrico das crianças.

1.2 Geometria na educação infantil: O quê? Por quê? Como?

O primeiro espaço no qual a criança produz suas decisivas experiências é no ambiente familiar. Nesse ambiente, as crianças brincam, observam, correm, pulam, entram em contato e manipulam objetos com diferentes formas e tamanhos, entre outras práticas diárias, construindo, ainda que de modo intuitivo, capacidades e pensamentos geométricos. A geometria está presente em diversas ações do nosso dia a dia como, por exemplo, identificar o caminho que precisa percorrer de casa até a escola, ou buscar um objeto a pedido de sua mãe, seguindo suas orientações. Para refletirmos sobre estas situações, utilizamos ideias geométricas e o raciocínio espacial, que servem de base para um conhecimento mais aprofundado sobre os conceitos geométricos.

Ao adentrarem na escola, esses conhecimentos, que foram incorporados mediante seu convívio diário com os outros, com lugares e objetos, precisam ser considerados, tanto no momento de elaboração do planejamento de atividades, quanto na realização da prática pedagógica. É importante que a criança tenha um lugar de fala na escola, e o professor exerça seu papel de mediador, para que ela se expresse e exponha suas ideias e habilidades. Assim, o professor possibilita um espaço de escuta, pois tudo que a criança revela tem grande valor. Segundo Zogaib (2020, p.94), em relação ao que pensam e fazem geometricamente, as expressões das crianças

Constituem representações próprias das crianças construídas em suas interações com outras crianças, com adultos, com objetos e com lugares no espaço escolar e fora dele. E, dessa forma, há papel essencial nessas interações sociais que movimentam falas, gestos e mapas das crianças e sinalizam para uma compreensão do sentido espacial infantil.

A geometria é uma área da matemática que envolve tanto o espaço quanto as formas. E as crianças manifestam o que pensam e sabem a esse respeito em suas interações, brincadeiras

e tarefas no ambiente escolar e fora dele também. O desenvolvimento do pensamento geométrico proporciona à criança a habilidade de reconhecer a si mesmo e ao outro no espaço, decifrando o mundo a sua volta e, para isso, é importante que seus conhecimentos intuitivos sejam ampliados na escola. Infelizmente, por muitos anos a geometria tem sido abandonada, como expressa Pavanello (1993), sendo, inclusive, considerada como desnecessária para a formação matemática das crianças pequenas.

Pesquisadores como Clements e Sarama (2011 apud ZOGAIB; SANTOS-WAGNER, 2021), Lorenzato (2006), Mendes e Delgado (2008), Pavanello (1993; 2019), Smole (2003), Zogaib (2019; 2020) reconhecem a importância da geometria nos programas educacionais da educação infantil. Entretanto, a realidade apresentada pelas escolas indica uma tendência geral de “fugir” da geometria, como afirmam Pavanello e Costa (2019), pois há insegurança tanto quanto aos conceitos como aos modos de ensinar para as crianças. Além disso, há uma cultura escolarizante que permeia as práticas de educação infantil, em que pais, escolas e professores valorizam atividades que envolvem “saber” os números, fazer “continhas”. Lorenzato (2006), inclusive, indica que aquelas tarefas que envolvem as noções espaciais e geométricas são consideradas muito simples para pais e professores. O autor afirma que pensar dessa forma tem contribuído para que as crianças memorizem e reproduzam conteúdos sem compreensão.

Uma questão pertinente em relação ao tema é a seguinte: se o desenvolvimento do pensamento geométrico é fundamental para a criança, desde a educação infantil, o que pode ser trabalhado de geometria na educação infantil? Nesse sentido, podemos nos reportar ao que estudiosos da educação matemática e da educação infantil indicam como respostas a esse questionamento. O National Council of Teachers of Mathematicsii (NCTM, 2000 apud MENDES; DELGADO, 2008), que se tornou uma organização de referência mundial no que diz respeito à formação de professores e ao ensino de matemática, referenciando também autores brasileiros (LORENZATO, 2006; SMOLE, 2003; ZOGAIB, 2020), orienta quais caminhos seguir para iniciar esse processo de construção do pensamento geométrico com as crianças. Destaca, portanto, as seguintes habilidades principais, desde a educação infantil:

· analisar características e propriedades de formas geométricas bidimensionais e tridimensionais e desenvolver argumentos matemáticos acerca de relações geométricas;

· especificar localizações e descrever relações espaciais recorrendo à geometria de coordenadas e a outros sistemas de representação;

· aplicar transformações e usar simetrias para analisar situações matemáticas;

· usar a visualização, o raciocínio espacial e a modelação geométrica para resolver problemas” (NCTM, 2000, p. 41 apud MENDES; DELGADO, 2008, p. 10)

Para que as crianças sejam capazes de desenvolver tais habilidades, Lorenzato (2006,

p. 2) sugere que esse trabalho seja iniciado a partir da exploração de algumas noções básicas (grande/pequeno; maior/menor; grosso/fino; frente/trás; em cima/ embaixo; entre outros), sendo abordadas em contextos diversos, com o apoio de recursos variados, imprescindíveis para se estimular a aprendizagem dos conceitos físico-matemáticos (quantidade/direção/volume) com as crianças. Dessa forma, é possível explorar os três campos matemáticos de forma conjunta e integrada.

Pois, como Zogaib (2020, p. 89) afirma, a geometria se encontra presente tanto nos gestos, quanto nas ações das crianças dentro e fora da sala de aula, e quando o professor leva isso em consideração e propõe brincadeiras e interações com uma intecionalidade educativa, a criança consegue constituir uma consciência geométrica, indispensável para dar suporte às suas aprendizagens matemáticas.

Quando falamos, gesticulamos ou desenhamos a respeito de algo, de alguém, de uma situação, da solução de um problema, trazemos nossas experiências vividas nos distintos contextos de nossa história e simultaneamente vivemos aquela experiência presente em que interagimos com outras pessoas, influenciamos e somos influenciados. Evocamos, produzimos e representamos imagens em um processo cíclico, permeados pelas interações que ocorrem no espaço entre pessoas, coisas e lugares. (ZOGAIB, 2020, p. 93)

Uma vez compreendidos os principais conceitos, o professor pode elaborar atividades que instiguem o aluno a perguntar, se interessar e questionar. Mesmo que inesperadamente, há cenários nos quais as próprias crianças, com sua imaginação, fazem perguntas ou expressam curiosidades, e cabe ao educador estar atento a estas situações e mediar aprendizagens nestes momentos, da melhor maneira possível, para promover uma experiência rica no processo de ensinar e aprender.

Se analisarmos as propostas de Mendes e Delgado (2008), também encontraremos interlocuções com o NTCM (2000) e com os autores que já citamos. As autoras propõem uma trajetória de aprendizagem de geometria para a educação infantil, levando em conta os seguintes aspectos: orientar, construir e operar com formas e figuras. Elas os definem da seguinte forma:

O Orientar inclui todo o tipo de atividades em que as crianças determinam a sua posição ou a de objetos no espaço e em que interpretam modelos visuais (mapas, esquemas, etc.). o Construir engloba não só as construções realizadas pelas crianças, recorrendo a diferentes tipos de materiais (materiais diversos, materiais de geometria e papel), mas, também, os processos mentais envolvidos nessas construções. Finalmente, Operar com formas e figuras diz respeito a todo o tipo de atividades que incluem transformações geométricas (MENDES, DELGADO, 2008, p. 13).

 

Como encontramos em Zogaib (2020) e em Lorenzato (2006), a relação das crianças com o espaço, principalmente a partir de seu próprio corpo, é a primeira relação da criança com a matemática. É importante, portanto, promover situações em que a criança consiga identificar e localizar determinado objeto ou pessoa, interpretando e descrevendo possíveis caminhos de

acordo com as orientações estabelecidas pelo professor ou por outras crianças. Nesse processo, conforme Mendes e Delgado (2008), a criança já vai se apropriando do vocabulário específico, utilizando termos como em frente, à direita, à esquerda, para frente, para trás, dentro, fora, embaixo, em cima, etc., e, assim desenvolvendo as relações de localização, direção, posição, distância e perspectiva (ZOGAIB, 2020).

Entendemos, portanto, que o trabalho com geometria na educação infantil envolve conhecimentos teórico-metodológicos fundamentais que os professores precisam ter acesso e apropriar-se, no sentido de contribuir para o desenvolvimento do pensamento geométrico das crianças. Reiteramos, assim, a importância e a necessidade de que os processos de formação inicial e continuada de professores para a educação infantil levem em conta tais aspectos, para que os docentes se encontrem mais seguros e construam caminhos que facilitem o acesso das crianças ao conhecimento geométrico, atendendo às suas curiosidades, necessidades e especificidades.

2. DELINEANDO O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Nesta seção, apresentamos uma descrição do percurso metodológico para realizar da pesquisa, especialmente no que se refere às concepções das professoras participantes sobre geometria na educação infantil. A princípio, é importante destacar que o estudo assume uma abordagem de pesquisa qualitativa (LUDKE; ANDRÉ, 1986; 2013; GODOY, 1995), pois se caracteriza pelo contato direto com o ambiente natural em que os dados são coletados, preocupando-se com todo o processo de investigação, não somente com os resultados adquiridos, compreendendo e levando em consideração as relações sociais e perspectivas dos participantes.

Procuramos averiguar as concepções de professores que trabalham a geometria com as crianças do nível infantil a partir de um estudo de caso (LUDKE; ANDRÉ, 1986) desenvolvido em uma escola pública do município de São Cristóvão. A pesquisa contou com a participação de quatro professoras, que atuam na educação infantil, em turmas correpondentes a faixa-etária de 4 e 5 anos, com um tempo médio de serviço de vinte a vinte oito anos, todas com formação em cursos de nível superior.

Este tipo de pesquisa “se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada.” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 18). O estudo de caso tem como objetivo estudar um caso singular, único, historicamente construído na sociedade, caracterizando-se pela busca ao desconhecido, levando em consideração o ambiente que está sendo investigado, demonstrando também

preocupação em apresentar as diferentes perspectivas que surgem durante o processo de pesquisa, podendo ser relatado de diversas formas possíveis. Este estudo de caso, portanto, possibilitou-nos, sob a perspectiva do olhar pertecente às professoras, identificar suas ideias e concepções relacionadas ao conhecimento geométrico e como vem sendo trabalhado este campo matemático em sala de aula, respeitando o fato de que “a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas, não havendo uma única que seja a mais verdadeira” (LUKDE; ANDRÉ, 1986, p. 20).

Para a realização do estudo de caso, são necessários alguns instrumentos de coleta de dados bem estruturados, que tem como objetivo responder as nossas indagações, portanto, optamos por utilizar o questionário (GIL, 1999). O motivo para escolhermos o questionário foi, primeiramente, em virtude da distância ocasionada pela pandemia. Além disso, no momento de definição da forma pela qual participariam, todas as educadoras opinaram em favor desta ferramenta. Tivemos como objetivo, por meio do questionário, reunir “o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas” (GIL, 1999, p. 128) de maneira acessível, permitindo flexibilidade dos participantes para responder quando desejassem. Sua estrutura foi elaborada por meio do aplicativo Forms do Google, que disponibiliza recursos de criação eficazes para o recolhimento e organização de dados. As questões foram formuladas com um direcionamento específico para os conhecimentos geométricos trabalhados em sala de aula e a influência da formação inicial e continuada na prática do professor da educação infantil. Foram 9 questões abertas, assim elaboradas com o propósito de conferir liberdade para que os participantes expressassem suas opiniões sem nenhuma restrição.

Para discussão e análise dos dados recolhidos mediante os instrumentos referenciados acima, estabelecemos algumas categorias para melhor organização, compreensão e apresentação das respostas encontradas. Organizamos a análise dos questionários e documentos em quatro categorias: 1) importância do trabalho com geometria na educação infantil; 2) conhecimentos geométricos necessários para crianças da educação infantil; 3) estratégias e recursos utilizados para trabalhar geometria na educação infantil; 4) formação inicial e continuada sobre geometria para crianças.

A interpretação e descrição destes dados foram realizados, com base em um referencial teórico que reúne autores como Lorenzato (2006), Mendes e Delgado (2008), Mizukami (2002), Souza e Franco (2012), Zogaib (2019; 2020), dentre outros, que esclarecem aspectos relacionados ao campo da geometria, as crenças e concepções dos professores acerca desse campo e sua formação inicial e continuada no processo de ensino.

3. PROFESSORES QUE ENSINAM GEOMETRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE DE DADOS

Nesta seção, apresentamos análises e discussões a respeito das concepções apresentadas pelas professoras participantes da pesquisa mediante um questionário online, com foco no ensino de geometria na educação infantil, e com base nestas informações recolhidas e organizadas, realizamos uma interpretação, relacionando-os com alguns teóricos (LORENZATO, 2006; MENDES; DELGADO, 2008; MIZUKAMI, 2002; SOUZA E FRANCO, 2012; ZOGAIB, 2020).

3.1 Importância do trabalho com geometria na educação infantil

Ao questionarmos as professoras sobre a importância do ensino da geometria na educação infantil, destacamos as respostas de duas professoras, que apresentaram a relação da geometria com o desenvolvimento da noção de espaço, do raciocínio lógico e da necessidade de ampliar os conhecimentos que as crianças já trazem.

É importante para desenvolver a noção de espaço criando uma interação com o meio em que vive, desenvolvendo também o raciocínio lógico. (Letícia, professora da educação infantil)

 

Porque a geometria contribui para que a criança desde cedo explore o espaço em que vive, incentivando a capacidade de reconhecer, compreender e reproduzir conceitos básicos. Assim, cabe o professor ajudar a criança a desenvolver e ampliar o conhecimento que elas já possuem, respeitando a individualidade de cada um. (Margarida, professora da educação infantil)

 

Através desta resposta, é possível observar que tanto a professora Margarida quanto a professora Letícia apresentam um entendimento sobre o que a Geometria engloba, indicando respostas semelhantes quando apontam em suas falas que a geometria “contribui para que a criança desde cedo explore o espaço”, sendo essencial para “desenvolver a noção de espaço criando uma interação com o meio em que vive”. A partir destas respostas elas descrevem o que pode ser trabalhado na educação infantil. Além disso a professora Margarida demonstra interesse pelas experiências internalizadas pelos alunos fora da escola quando menciona o papel do professor em “ampliar o conhecimento que elas já possuem, respeitando a individualidade de cada um”, que se relaciona com o pensamento de Mendes e Delgado (2008, p. 10), ao afirmarem que “durante estas experiências, vão processando ideias sobre as formas e o espaço”, que a escola e os professores podem acolher e ampliar em suas práticas pedagógicas.

Estas ideias, ainda intuitivas, constituem a base para o conhecimento geométrico e o raciocínio espacial que poderá ser desenvolvido ao longo dos anos seguintes. Também é possível observar que a fala da professora Letícia se relaciona com o que Lorenzato (2006) afirma a respeito da relação direta que existe entre os conceitos físico-matemáticos, quando

aborda em sua resposta o desenvolvimento do raciocínio lógico, demonstrando consciência do encadeamento presente entre a geometria e o campo da aritmética. As demais professoras indicaram respostas mais gerais, que não se relacionam especificamente com a geometria.

Para trabalhar sua habilidade. (Madalena, professora da educação infantil).

 

Para desenvolver a percepção e o interesse de cada um. (Tamires, professora da educação infantil)

 

Podemos notar que pode não haver compreensão, por parte dessas professoras, sobre a real contribuição do ensino de geometria para a aprendizagem da criança. Quando a professora Madalena traz em sua fala a palavra “habilidade” e não especifica diretamente qual ou quais seriam, faz com que nos questionemos se ela se referiu às habilidades espaciais ou ao reconhecimento de figuras geométricas, por exemplo. Pelas respostas das professoras Madalena e Tamires, não é possível saber especificamente sobre como elas concebem a importância da geometria para as crianças. Constatamos que é essencial o entendimento do quanto o desenvolvimento do pensamento geométrico é necessário para as crianças na primeira infância. De acordo com Zogaib (2019, p. 19) “os conhecimentos geométricos/espaciais não são apenas importantes no campo da geometria, mas dão suporte à aquisição de conhecimentos numéricos e aritméticos”. Para a autora, com base em estudos internacionais sobre este tema, o trabalho com matemática na infância, o que inclui a geometria, tem forte impacto na vida presente e futura das crianças, na resolução de seus problemas cotidianos e em suas conquistas profissionais.

3.2 Conhecimentos geométricos necessários para crianças da educação infantil

Ao indagarmos as professoras sobre os conhecimentos necessários para as crianças da educação infantil, foi possível observar que a concepção apresentada por três das quatro professoras acerca da geometria está voltada às figuras geométricas. Podemos verificar por meio dos trechos das respostas indicadas abaixo:

Conhecimentos que levariam a criança a perceber as formas geométricas em vários contextos do dia- a- dia. (Letícia, professora da educação infantil)

 

Todos eles são necessários, basta o professor trabalhar de maneira concreta e significativas usando estratégias e atividades interessantes para ajudar a criança a aprender o conteúdo com mais facilidade. (Margarida, professora da educação infantil)

 

Conhecer as formas. (Madalena, professora da educação infantil)

 

Jogos de encaixe. (Tamires, professora da educação infantil)

 

Por meio destas respostas elencadas pelas professoras, é perceptível que a concepção advinda delas a respeito do tema da geometria está focada no ensino das “formas geométricas”,

não apresentando nenhum outro conceito. Esse pensamento se apresenta não somente nas respostas aqui expostas, mas também no discurso e práticas de diversos professores, indicando que a Geometria se concentra somente em identificar, representar e nomear as figuras geométricas. De acordo com Souza e Franco (2012, p. 957) estas professoras apresentam uma conduta empirista, em que “o foco está no treinamento visual e verbal das crianças. Visual, no sentido de que através da união do observado e do tateio das formas – e no das figuras – as crianças são treinadas a identificar as figuras geométricas”. Smole (2003) também compartilha dessa ideia, ao afirmar que geralmente o trabalho com geometria na educação infantil se restringe ao reconhecimento de figuras geométricas, sem trabalhar de modo assertivo e instigante suas propriedades e atributos, despertando a curiosidade infantil e atendendo às especificidades das crianças.

É interessante destacar a resposta da professora Letícia, na qual aborda que os conhecimentos geométricos são necessários para que a criança possa “perceber as formas geométricas em vários contextos do dia- a- dia”. Esta fala também traduz um pensamento voltado ao ensino das figuras, entretanto, o mais intrigante foi a divergência apresentada entre suas respostas, visto que a mesma professora quando indagada na primeira pergunta, sobre a importância da geometria, considerou sua relevância como forma de “desenvolver a noção de espaço criando uma interação com o meio em que vive, desenvolvendo também o raciocínio lógico.”. Isso demonstra que mesmo citando a importância da noção de espaço para o desenvolvimento da criança, parece-nos que, quando a questão se volta para o que trabalhar com a criança, a prática recorrente de enfatizar o reconhecimento de figuras geométricas sobressai, assim como discutem Lorenzato (2006) e Smole (2003), como já indicamos anteriormente.

Também perguntamos quais seriam os temas que os alunos apresentam mais facilidade e/ou mais dificuldade para aprender. Entre as respostas encontramos, de um modo geral, que as crianças têm mais facilidade para aprender quando os temas trabalhados se relacionam ao cotidiano e quando são utilizados materiais manipuláveis e recursos audiovisuais nas práticas educativas.

Os temas vivenciados no cotidiano são mais fáceis para o aprendizado. (Letícia, professora da educação infantil)

 

Considerando a faixa etária e a metodologia aplicada que favoreça a criatividade, raciocínio lógico e percepção visual, todas as crianças são capazes de aprender qualquer conteúdo. Entretanto, elas aprendem as formas geométricas mais facilmente por meio de desenhos de tv, brinquedos educativos e objetos encontrados em casa e no ambiente escolar. (Margarida, professora de educação infantil)

 

Facilidade com material concreto, aqueles que não tem acesso a esse material. (Madalena, professora de educação infantil)

 

O quadrado. (Tamires, professora de educação infantil)

 

Em relação à resposta da professora Tamires, encontramos mais uma vez a alusão às formas geométricas, com a indicação de uma das figuras geométricas planas – o quadrado. Entretanto, não foi possível identificar se a professora estava se referindo ao quadrado como um tema em que as crianças teriam facilidade ou dificuldade para aprender. Na resposta da professora Margarida, também encontramos a facilidade em aprender sobre formas geométricas “por meio de desenhos de tv, brinquedos educativos e objetos encontrados em casa e no ambiente escolar”.

Ressaltamos em sua resposta uma compreensão sobre a construção do conhecimento geométrico vinculado à utilização de diferentes materiais e recursos como facilitadores da aprendizagem da geometria. Os materiais concretos também aparecem na fala da professora Madalena associados à facilidade ou dificuldade dos alunos em aprender geometria. Entendemos que esses elementos, quando acompanhados de uma intencionalidade educativa, auxiliam o aluno em seu aprendizado, tornando sua experiência mais significativa. Lorenzato (2006), Smole, Diniz e Cândido (2003) reforçam a potencialidade dos materiais manipulativos para a compreensão dos conceitos matemáticos pelas crianças. Entretanto, também problematizam os usos não refletidos dessas ferramentas.

Na resposta da professora Letícia, é possível observar que ela entende que dificuldades dos alunos podem ser evitadas quando a geometria é trabalhada a partir das vivências cotidianas deles. Essa ideia se relaciona com o que Mendes e Delgado (2008), Lorenzato (2006), Smole (2003) propõem para que a aprendizagem das crianças seja efetiva, em outras palavras, é preciso que as experiências propostas considerem suas vivências e as ampliem gradativamente, conferindo significado ao conhecimento geométrico. Como afirma Lorenzato (2006, p. 24), “temos de começar por onde as crianças estão e não por onde gostaríamos que elas estivessem.

3.3 Estratégias e recursos utilizados para trabalhar geometria na educação infantil

Quando questionamos as professoras sobre as estratégias e recursos utilizados para trabalhar os conhecimentos geométricos na educação infantil, duas professoras apresentaram uma variedade maior de estratégias, enquanto as demais professoras enfatizaram o uso dos materiais concretos.

Explorando o conteúdo de forma lúdica, manuseando materiais concretos, através de jogos, recorte, colagem e montagem de outras figuras. Geralmente intensifico mudando as estratégias e recursos. (Letícia, professora da educação infantil)

 

Ao iniciar em sala de aula sempre preferi trabalhar os conteúdos por meio de atividades lúdicas. Trabalhar com jogos e dobraduras faz com que as crianças aprendam mais facilmente os conteúdos de maneira prazerosa e divertida, e ainda despertam neles a criatividade, atenção, concentração e raciocínio lógico. Os recursos e materiais utilizados são recortes, colagens, pinturas à dedo, montagens e dobraduras, além de folhas de sulfite, lápis de cor, tinta guache, tesoura, cola, massa de modelar, sucata, entre outros.

Procuro uma nova estratégia, pois acredito que o professor tem que observar e estar atento em perceber qual a estratégia que surtirá maior efeito para turma. (Margarida, professora da educação infantil)

 

Trabalho em grupo com materiais concretos.

Brincadeiras com o tema. (Madalena, professora da educação infantil)

 

Vários objetos, caixa etc.

Crio várias estratégias pra que eles não tenham dificuldades (Tamires, professora da educação infantil)

 

Explorar os conteúdos com atividades lúdicas está em três das quatro respostas das professoras. Realmente tais atividades, sejam jogos ou brincadeiras, figuram nos estudos sobre matemática como um dos caminhos que contribuem para o acesso das crianças ao conhecimento matemático de modo a compreendê-lo. Muniz (2014, p. 56), inclusive, afirma que quando a criança se vê em atividade lúdica, está diante, “de certa forma do rompimento das amarras impostas no contexto didático voltado à imposição de determinadas formas de pensamento.”

Foi possível notar também que as professoras têm noção que os materiais concretos estimulam mais o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, Souza e Franco (2012) orientam sobre essa supervalorização do material manipulável, colocando-o como recurso principal e indispensável para o ensino e aprendizagem de geometria. Muniz (2010) também alerta que a potencialidade das atividades lúdicas, sejam jogos ou brincadeiras, com o aporte de materiais concretos não deve ser tomada como panaceia para os problemas com a aprendizagem de matemática.

Entendemos que os professores podem contribuir muito para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças ao investir esforços para mediar o acesso ao conhecimento geométrico, por meio de materiais manipuláveis, com jogos e brincadeiras que despertem a curiosidade das crianças. Como afirma Muniz (2014, p. 56), “as crianças, inteligentes como são, produzem e revelam conhecimentos que não são os previamente prescritos nos currículos escolares, nos manuais e tampouco nas formações dos docentes”.

Por isso, aos educadores das crianças reserva-se o desafio das precauções e dúvidas quanto à possibilidade de aprendizagem por meio desses materiais. Não se trata tão somente de ofertar materiais e promover atividades lúdicas, “mas estar junto, realizar intervenções e

mediações no processo (...) acompanhando a realização da atividade pela criança e pelo grupo, avaliando as capacidades e necessidades, estimulando a verbalização das estratégias utilizadas, exteriorizando seus pensamentos, instigando outras possibilidades” (MUNIZ, 2014, p. 65). Isso não é tarefa simples e o professor que ensina matemática para crianças necessita de uma formação consistente, do ponto de vista teórico e prático.

3.4 Formação inicial e continuada das professoras relacionadas com a geometria

Em relação à formação inicial e sua contribuição para o trabalho em sala de aula, as respostas apresentadas demonstraram a lacuna existente e referente à matemática, em especial aos conhecimentos voltados à geometria na educação infantil. Somente uma das professoras afirmou a existência de “várias atividades” relacionadas à temática.

Infelizmente a geometria não foi trabalhada com tanta ênfase. (Letícia, professora da educação infantil)

 

Não, na formação inicial, os professores são preparados de maneira insatisfatória. (Margarida, professora de educação infantil)

 

Várias atividades. (Madalena, professora de educação infantil)

 

Não. (Tamires, professora da educação infantil)

 

Podemos notar que as respostas das professoras mostram como a formação inicial não traz um suporte para o ensino da geometria na educação infantil, a fala da professora Madalena e da professora Letícia chamaram a atenção, pois sua resposta deu a entender que houveram disciplinas que trabalharam a geometria, porém nenhuma das duas abordou quais foram estas disciplinas e nem que tipo de atividade relacionada a geometria foi trabalhada no curso de formação. Isso mostra que a teoria apresentada nas disciplinas não foi internalizada pelas professoras, e que esse conhecimento não influenciou muito na sua prática pedagógica, pois a forma da qual foi descrita indicou superficialidade. Mesmo que em outro momento, a professora Madalena tenha afirmado que estas disciplinas trouxeram suporte para o trabalho com a geometria na aprendizagem do aluno, isso não é justificado em sua resposta. Esta afirmação se relaciona com as descobertas apresentadas por Lopes et al. (2012), que evidenciaram pouca contribuição da formação inicial na prática docente dos pedagogos, ocasionada por uma formação pautada somente no ensino teórico, sem haver uma articulação com a prática, somado também as crenças internalizadas pelos professores desde a infância.

Ao questionarmos as professoras sobre a participação em cursos de formação continuada que abordassem o trabalho com a geometria, somente uma professora respondeu que já havia participado, enquanto as demais responderam de forma negativa.

Não. (Letícia, professora da educação infantil)

Sim, mas de maneira superficial pois a geometria é pouco explorada nesse nível de ensino. (Margarida, professora da educação infantil)

 

Não. (Madalena, professora da educação infantil)

Não. (Tamires, professora da educação infantil)

A professora Margarida foi a única das docentes que participou de algum curso de formação continuada em que a geometria foi trabalhada. Mas, como a própria professora afirma, isso aconteceu de “maneira superficial, pois a geometria é pouco explorada nesse nível de ensino.” Muitas vezes, a pequena parcela de professores que se interessam em buscar esses cursos, como uma forma de se aperfeiçoar neste determinado campo matemático, se deparam com uma formação continuada, voltada somente a atualização dos docentes quanto aos conteúdos que precisam ser trabalhados (MIZUKAMI et al. 2002), tornando o curso “superficial” como afirma a professora Margarida.

Também indagamos às professoras sobre a existência de algum tema da geometria que elas gostariam de entender melhor para trabalhar com as crianças na educação infantil. Três das quatro professoras responderam de forma positiva com um “sim”, somente uma especificou que gostaria de “aprender outras formas de abordagem deste tema, pois o conhecimento é dinâmico e fascinante” (Margarida, professora da educação infantil).

Entendemos a importância da continuidade da formação dos professores que atuam na educação infantil, incluindo a matemática e, especificamente a geometria. Entretanto, é igualmente importante que os processos de formação continuada se relacionem às necessidades e interesses dos professores e às especificidades da educação infantil e das crianças como sujeitos históricos e de direitos. Desse modo, não se trata de uma formação para o professor dar aulas de matemática ou geometria na educação infantil, como uma disciplina, semelhante ao que acontece no ensino fundamental. Mas, uma formação que mobilize os conceitos matemáticos/geométricos no contexto das interações e brincadeiras, eixos estruturantes das práticas pedagógicas na educação infantil (BRASIL, 2010). Desse modo, como afirma Mizukami et al. (2002), podemos ir construindo novos conhecimentos

[...] com a quebra das certezas presentes na prática pedagógica cotidiana de cada um de nós. Portanto é preciso intervir para desestruturar as certezas que suportam essas práticas. Deve-se abalar as convicções arraigadas, colocar dúvidas, desestabilizar. A partir da desestruturação das hipóteses, constroem-se novas hipóteses, alcançam-se novos níveis de conhecimento (MIZUKAMI, 2002, p. 43).

 

Em síntese, podemos trazer, com base nas respostas das professoras e nas categorias de análise, algumas de suas concepções referentes à geometria na educação infantil. De modo geral, as docentes participantes afirmaram a importância do trabalho com geometria na educação infantil, enfatizando sua contribuição para a exploração e compreensão do espaço em

que vive, realçando a relação entre geometria e espaço. Entretanto, em relação aos conhecimentos geométricos necessários para as crianças na educação infantil as professoras não reafirmaram o trabalho com sentido espacial. A ênfase recaiu em conhecer as formas geométricas. Quanto às estratégias e recursos utilizados, as professoras indicaram as atividades lúdicas com o aporte de materiais concretos como caminhos para a aprendizagem das crianças. No que diz respeito aos processos de formação tanto inicial e continuada, há o reconhecimento das lacunas e ausências significativas referentes aos conhecimentos sobre geometria que podem ser construídos com as crianças na educação infantil.

4. ALGUMAS REFLEXÕES

Durante o processo de pesquisa, notamos a importância deste estudo para reflexões sobre questões sociais e reais que vários educadores vivenciam dia a dia. Com os autores redescobrimos o quanto é importante para a vida das crianças o trabalho com a geometria desde a educação infantil. Propusemo-nos a investigar as concepções das professoras de uma escola municipal, a respeito do trabalho com a geometria na educação infantil, o que nos trouxe até este momento.

A partir do estudo de caso com quatro professoras da educação infantil, por meio do questionário por elas respondido, encontramos algumas concepções referentes ao trabalho com geometria na educação infantil. Apesar de haver a indicação de que a geometria é importante para que a criança desenvolva a noção de espaço, as professoras enfatizam que o conhecimento geométrico necessário na educação infantil é conhecer as figuras geométricas.

Em contrapartida a estas reflexões, reconhecemos que suas estratégias e recursos metodológicos englobam aspectos como a ludicidade dos jogos e brincadeiras aliada aos materiais concretos, que levem em consideração as vivências cotidianas das crianças, e que são considerados por Mendes e Delgado (2008), Lorenzato (2006), Muniz (2014), Zogaib (2020) como práticas imprescindíveis para o trabalho com a geometria na educação infantil. Podem constituir-se como instrumentos para o desenvolvimento do pensamento geométrico nas interações das crianças com o próprio corpo, com os outros e com os objetos no espaço em que vivem. Nesse contexto, reiteramos a necessidade de uma formação docente que amplie os conhecimentos dos professores a respeito do trabalho com a matemática e, especificamente, a geometria na educação infantil. Pois, como afirmar os estudiosos dessa temática, existe a tendência de “fugir” da geometria nas práticas educativas com crianças, tanto na educação infantil como no ensino fundamental.

Ressaltamos ainda que, por meio dos resultados alcançados, identificamos alguns limites que demarcaram o desfecho desta pesquisa. Dentre eles, a pesquisa se debruçou em investigar somente uma escola do município de São Cristóvão. Além disso, a quantidade de professoras que participaram da pesquisa foi bastante reduzida, por conta do receio em responder perguntas concentradas no campo da geometria, bem como por razões pessoais, restringindo a investigação a quatro profissionais da educação. As condições de pesquisa, neste momento atípico, também limitaram bastante a ampliação da pesquisa, e o processo de coleta de dados, que precisou ser adaptado, em razão da dificuldade de contato presencial com as professoras. Por isso, também sugerimos que outras pesquisas a respeito desta temática sejam realizadas para ampliação e/ou contraposição dos resultados encontrados.

Concluímos, realçando como é relevante aprofundar-se em temas que não domina e se reinventar como profissional, procurando diversificar suas metodologias e recursos. Este ato não deve ser enxergado como um ato desagradável, sendo realizado tardiamente. Ao invés disso, precisa ser considerado um hábito comum entre os educadores, uma vez que a mudança quando estimulada, constitui-se como nossa arma mais poderosa no momento de luta pela educação.

i O termo “professoras”, apresentado ao longo do texto, foi utilizado em virtude de que todas as participantes da pesquisa são do gênero feminino.

ii Fundado em 1920, o National Counsil of Teachers of Mathematics é a maior organização de ensino de matemática do mundo. O NCTM realiza conferências nacionais e regionais anuais para professores. Defende o ensino e a aprendizagem da matemática de alta qualidade para todos os alunos. Fornece orientação e recursos para a implementação desse ensino de alta qualidade com base em pesquisas que apoiam o aprendizado de todos os estudantes em ambientes equitativos, em diferentes níveis de ensino.

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