Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A sua irrefreada ânsia. Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é "encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Dai que seja mais som que significação e, assim, melhor seria não dizê-la.
Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido
O primeiro impacto que alguém pode ter ao conhecer uma cooperativa escolar é justamente algo que vai contra esse conteúdo desconectado da realidade do aluno que Paulo Freire tanto critica em sua obra, justamente porque ela opera dentro e com a escola a partir do contexto da comunidade. Os alunos que aderem e se associam à cooperativa escolar veem seu dia a dia renovado por experiências que compreendem a cultura local e o trabalho coletivo.
É por acreditar no mérito desse tipo de organização escolar, que essa pesquisa se edifica. O principal objetivo, portanto, é tentar entender como se estrutura a Cooperativa Escolar União da Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias na comunidade de Marimbas, localizada no nororeste de Minas Gerais, cidade de Chapada Gaúcha.
Em um cenário no qual as escolas são noticiadas na mídia como um local ocupado por vândalos que se opõem a uma autoritária reforma do ensino médio e onde muitas pessoas validam ideias como o movimento de escola sem partido, é com muito prazer que pretende-se apresentar essa pesquisa em congressos, simpósios e revistas científicas. Dessa maneira, mais pessoas tomarão conhecimento desse tipo de prática pedagógica, sendo ela mais uma alternativa para diretores e educadores que lutam por uma escola pública de qualidade.
Esse artigo será dividido em três partes. A primeira terá como intuito contextualizar o que é o cooperativismo, quando surgiu e como ele está atrelado à economia solidária. Depois, será apresentado ao leitor um histórico das cooperativas escolares no Brasil, assim como uma descrição de como funciona a Cooperativa Escolar da Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias de Marimbas. Por fim, almeja-se identificar e avaliar as peculiaridades da cooperativa, mediante entrevistas com os alunos, diretor, professores e educadores envolvidos no projeto.
Cooperativismo e Economia Solidária
Antes de adentrar o tema da cooperativa escolar, é fundamental entender o que é cooperativismo e economia solidária. Esses conceitos serão úteis para mais tarde refletir se as concepções teóricas que regem a cooperativa escolar, podem estar desatreladas da sua prática efetiva dentro da escola.
É consenso que o cooperativismo só tomou forma com os Pioneiros de Rochdale em 21 de dezembro de 1844 na Inglaterra, país que foi ao mesmo tempo palco da Revolução Industrial e da miséria, tão bem retrata por Dickens. Essa miséria, porém, foi o que impulsionou o pequeno grupo de tecelões de Rochdale a arquitetar, no decorrer de um ano, o armazém cooperativo e os estatutos sociais que o regeria, hoje, conhecidos como os “princípios universais do cooperativismo”. Apesar da distância temporal e de algumas modificações, os princípios ainda preservam boa parte do que os artesãos estabeleceram naquele dia. São eles:
- Adesão voluntária e Livre – As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades como membros, sem discriminação de sexo ou gênero, social, racial, política e religiosa.
- Gestão democrática pelos membros – As cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau, os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto); as cooperativas de grau superior são também organizadas de maneira democrática.
- Participação econômica dos membros – Os membros contribuem equitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente.
- Autonomia e Independência – As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros.
- Educação, formação e informação – As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas
- Intercooperação – As cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.
- Interesse pela comunidade – A cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas aprovadas pelos membros.[1]
Antes dos pioneiros, muitos grupos já vinham construindo esse pensamento cooperativista como as iniciativas de religiosos, de operários ingleses e franceses, além de idealistas, como foi a Nova harmonia criada por Owen. Contudo, somente no contexto histórico de desemprego, gerado pela substituição de pessoas por máquinas, foi que se desenvolveu o cenário propício para os Pioneiros se organizarem e consolidarem as normas fundamentais para a constituição da cooperativa.
A experiência dos pioneiros não só entrou para a história, como influenciou o surgimento de milhares de cooperativas dos mais diversos tipos na Europa, sem todavia perder o caráter de empresa social. Nesse ínterim, destacam-se quatro tipos de cooperativas: de consumo, de produção, de crédito e mistas.
As cooperativas de consumo reúnem os associados com o objetivo de lhes proporcionar, pelo auxílio mútuo, bens e serviços, prezando pela qualidade e preços vantajosos. Já as cooperativas de produção, por sua vez, podem ser de dois tipos, agrícolas ou agropecuárias e industriais, enquanto as primeiras agregam pequenos e médios empresários e trabalhadores para a prática do auxílio mútuo, a segunda organiza cooperativamente a produção e a distribuição. As cooperativas de crédito, por sua vez, despontam na Alemanha, caracterizando-se pela atuação urbana, conhecida como Schulze-Delitzch e rural, Frierich Wilhelm Raiffeisen. Sua finalidade consiste na eliminação de intermediários através do auxílio mútuo, formando, normalmente, ampla rede de base local e regional, coordenada através de um banco cooperativo de âmbito nacional, apoiado pelo governo. Por fim, há as mistas, que se dedicam a atividades que compreendem ao menos duas das cooperativas acima citadas. (PINHO, 1966).
Pinho (1966) nos diz que o objetivo principal da cooperativa é “a correção do meio econômico-social”, nesse aspecto, ela vai de encontro com a concepção de economia solidária, tão bem introduzida por Paul Singer (2002). Ele nos chama a atenção para a apologia da competição que faz o vencedor acumular vantagens e o perdedor, desvantagens, resultando em uma desigualdade e competição generalizadas que não devem ser vistas como naturais.
Diante dessa realidade, Singer propõe que haja uma associação entre iguais, em vez do contrato entre desiguais, através da economia solidária. Ele também diz que o capitalismo é um:
… modo de produção, cujos princípios são o de direito de propriedade individual aplicado ao capital e o direito à liberdade individual. A aplicação destes princípios divide a sociedade em duas classes básicas: a classe proprietária ou possuidora de capital e a classe que (por não dispor de capital) ganha a vida mediante a venda de sua força de trabalho à outra classe. O resultado natural é a competição e a desigualdade (SINGER, 2002).
Já a economia solidária consiste em:
... outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. O resultado natural é a solidariedade a igualdade, cuja reprodução, no entanto, exige mecanismos estatais de redistribuição solidária da renda (SINGER, 2002).
A Cooperativa Escolar da Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias de Marimbas se encaixa na concepção de cooperativa de produção, que para Singer é o protótipo de empresa solidária, já que todos possuem o mesmo direito de voto em todas as decisões.
No próximo capítulo, pretende-se descrever sucintamente a Cooperativa Escolar União de Marimbas, além de traçar um possível histórico de como ela surgiu.
Cooperativa Escolar
Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar. Paulo Freire
Cooperativas Escolares
Antes de começar a contar a história de como surgiu a Cooperativa Escolar União da Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias na comunidade Marimbas, faz-se necessário uma reflexão quanto a diferença entre cooperativas escolares e cooperativas educacionais. Ao passo que a primeira é criada dentro de uma escola para trabalhar com os alunos os princípios do cooperativismo dentre outros valores, a segunda é em si uma cooperativa, onde os pais são os associados, logo, donos da escola, podendo ser constituída por pais e alunos como também por professores.
Segundo DOMÍNICO (2008), as primeiras cooperativas escolares surgiram na França em 1919, como forma de reconstruir as escolas que foram deterioradas em decorrência da primeira guerra mundial.
O tema “cooperativas escolares” infelizmente ainda foi pouco explorado aqui no Brasil, o que gera uma enorme dificuldade de encontrar bibliografia. De qualquer forma, Diva Benevides Pinho em seu livro “Cooperativismo no Brasil” expõe cronologicamente todo movimento cooperativista do Brasil até 2003, sendo possível localizar quando as cooperativas escolares ou movimentos semelhantes surgiram:
Em 1911 - as Associações Cooperativistas de Mutualidade nas escolas de aprendizes e artífices do Brasil, passou a ser chamado de CEFET e hoje são os Institutos Federais (IF),
Em 1934 houve a criação de cooperativas de crédito escolares no Estado de São Paulo com três experiências inéditas
1941 – Federação das cooperativas escolares do Paraná – constituída em Curitiba.
1947 – A constituição do Estado do Pará – pela primeira vez, no seu artigo 117 tornou obrigatória a criação de Cooperativas Escolares nas escolas públicas do Estado. (PINHO, 2004)
Com exceção de um outro livro de Diva, “que é cooperativismo”, aparentemente só há mais um livro que fala sobre as cooperativas escolares que surgiram nessa época, que é “Cooperativismo e Cooperativas Escolares” de José Monserrat, 1949, localizado na Universidade da Califórnia. Alguns livros que contam a história da educação no Brasil chegam a citar as cooperativas escolares, todavia, não explicam como elas eram organizadas.
O livro “O cooperativismo no Vale do Paranapanema” de Luis de Castro Campos Junior vai um pouco além da mera citação e expõe números bem significativos, quando diz que em 1935 as cooperativas escolares eram usadas para a formação da mentalidade e meio de propaganda do cooperativismo. Nessa época, o estado de São Paulo já contava com mais de 90 cooperativas e 14.960 associados.
Sabendo que esses dados se referem ao período de 1930 e 1934 e lembrando que Curitiba em 1941 já havia constituído uma liga de cooperativas escolares, bem como o Pará que tornou obrigatória essa prática nas escolas, percebe-se a alta adesão às cooperativas escolares. Ao mesmo tempo, parece intrigante que entre 1947 e o fim desse século não se ouviu falar mais desse movimento e se ouviu, foi muito pouco e localizado. Talvez isso esteja relacionado ao golpe militar em 1964.
Então surge a dúvida de como as cooperativas escolares renasceram no século XXI. Ao que tudo indica sua origem está atrelada às cooperativas escolares de Sunchales, localizada na província de Santa Fé, considerada capital do cooperativismo da Argentina. É interessante destacar que as cooperativas escolares são organizadas na Argentina desde o Primeiro Congresso Internacional de Economia Social em 1924, que recomendou tanto a criação de cooperativas escolares, como do ensino do cooperativismo nos níveis primário e secundário da educação.
A primeira cidade a aderir ao movimento foi Catamarca em 1944, seguida por Buenos Aires (1946), La Pampa e la Rioja (1953), San Luis e Tucuman (1954), Santa Cruz (1958), Santiago del Estero em (1959), Corrientes e Chaco em (1960), Misiones (1961), Santa Fe (1965), Córdoba (1972), Neuquen e Río Negro (1973).
Apesar de ser uma das últimas cidades Argentinas a cultivar esse tipo de organização escolar, Santa Fé terá uma enorme importância para esse movimento aqui no Brasil. As cooperativas escolares de Sunchales serviram de modelo para a cooperativa escolar Bom Pastor, a Cooebompa, fundada pelos alunos na manhã de 18 de novembro de 2010 e localizada em Nova Petrópolis, capital do cooperativismo de crédito no Brasil.
Aliás, uma das principais diferenças das cooperativas escolares da Argentina em relação as do Brasil, é que enquanto aquelas são apoiadas pelas mais diversas cooperativas da cidade, estas tem como principal colaborador as cooperativas de crédito como o Sicredi e o Sicoob, assim como do Sebrae. [2]
UNICOOP – Cooperativa Escolar União
Everaldo Marini, além de ser um dos responsáveis pela criação da Cooebompa, é um grande ativista das cooperativas escolares no Brasil, auxiliando na capacitação de professores de modo que esses sejam propagadores da ideia.
No início de 2015, o diretor da Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias, Marinho Idélio Neves, com o apoio do Sicoob Credichapada e do Sebrae Minas, participou da 1º capacitação de cultura empreendedora ministrada pelo Sebrae. Num segundo momento, teve a capacitação para o cooperativismo com o Everaldo Marini e para a gestão financeira, além de visitar às cooperativas da cidade de São Roque de Minas e o Instituto Ellos.
Depois dessa imersão, do apoio pela Cooperativa de Crédito do município – Sicoob Credichapada, e do desenvolvimento em sala de aula do cooperativismo e do empreendedorismo, o diretor fomentou nos alunos o interesse pelas cooperativas escolares, por meio de uma série de palestras. Mobilizados e inspirados, os alunos aderiram à ideia e no dia 19/04/2015 iniciou-se o processo de formação da Cooperativa Escolar União – UNICOOP.
O primeiro passo foi a criação de uma comissão de constituição da cooperativa, depois veio a busca pelos sócios fundadores, a escolha do nome da cooperativa e a eleição da logo, feito isso, criou-se as chapas para os Conselhos de Administração e Fiscal, dando assim início a elaboração do Estatuto Social, documento no qual rege o funcionamento de toda e qualquer cooperativa, que teve como modelo o estatuto do Sicoob da cidade (que, inclusive, auxiliou a cooperativa escolar em todos os processos de criação). Com tudo pronto, realizou-se a Assembleia Geral Ordinária de Fundação da Cooperativa Escolar União – UNICOOP a fim de eleger os dois conselhos. Para se tornar sócio da cooperativa, cada o aluno (sócio) integralizou uma quota-parte no valor de dois reais, conforme consta no estatuto, que se tornaram parte do patrimônio social.
Percebe-se o caráter democrático da cooperativa escolar e a participação efetiva do aluno nas decisões da mesma a partir do conjunto de deveres e direitos que estão no seu estatuto: participar das Assembleias Gerais, discutindo e votando os assuntos que forem tratados; propor ao Conselho de Administração e às Assembleias medidas de interesse da Instituição e de alcance social; votar e ser votado para qualquer cargo eletivo desde que matriculado no ensino fundamental e médio (conforme rege o estatuto social); utilizar-se integralmente de todos os serviços da Cooperativa, bem como participar de todas as atividades programadas pela mesma; participar das atividades de cunho social, cultural e ambiental ou educacional promovidas e/ou articuladas pela Cooperativa Escolar; demitir-se quando lhe convier, recebendo o valor de suas quotas-partes integralizadas de acordo com o Artigo dezoito do seu estatuto.
A cultura empreendedora é disseminada nos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), público que efetivamente participa da cooperativa, por meio de aulas de práticas agrícolas e cultura, empreendedorismo e cooperativismo, que compreende a base teórica: sexto ano, ecopapelaria; sétimo, artesanato sustentável; oitavo, empreendedor social; e nono, novas ideias: grandes negócios.
Com o ensino médio, por não fazer parte da rede escolar do município e não ter matérias especiais como no fundamental, o trabalho acontece de forma interdisciplinar ou por meio de projetos, culminando em eventos tais como: as feiras de empreendedorismo realizadas em Chapada Gaúcha e eventos como o projeto Família na Escola.
Nesse primeiro ano da cooperativa escolar, houve vários avanços e várias frentes foram organizadas. As principais, com certeza, são a horta orgânica, que os alunos plantam, colhem, colocam preço e vendem e o chup chup[3], no qual eles fazem e vendem para a própria comunidade escolar. O artesanato, a fabricação de biscoitos, bolos e polpas de frutas são atividades desenvolvidas somente em grandes eventos, como as feiras já mencionadas.
As feiras são organizadas da seguinte forma, decide-se em assembleia o que será vendido, depois se divide as tarefas entre as turmas. O diretor providencia o que precisa ser comprado para todos e é definido um valor para que o os dois professores responsáveis por cada turma comprem aquilo que é específico da atividade de cada um.
Inovação nas práticas pedagógicas
Dois dos princípios que norteiam as cooperativas é a cooperação entre as mesmas e a educação. Nesse sentido, o Sicoob desenvolve junto com a Unicoop cursos para capacitar os professores, além de eventuais apoios aos estudantes nas feiras. Destaca-se também a importância dessa cooperativa de crédito (Sicoob Credichapada) para o desenvolvimento do Município de Chapada Gaúcha e para a constituição da Cooperativa Escolar da Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias na Comunidade de Marimbas. [4]
O principal ganho das cooperativas escolares é justamente a ruptura com o mito de que estudantes não são capazes de pensar por si mesmos, de se organizarem, de serem responsáveis (Freire, 1987). Mito que os próprios jovens acreditam ser real, por isso, a autonomia que a cooperativa possibilita tem um impacto imensurável na vida deles. Ademais, ANDRIOLI (2009) comenta que “a prática cooperativa gera rupturas nas relações que impedem a convivência e com a tomada de consciência da contradição, podem ser gestadas novas formas de cooperação.”
Muitos podem achar, equivocadamente, que o empreendedorismo tem um germe individualista que impede a fruição dos valores e da solidariedade. Mas DOMINICO (2008) vai dizer que “Assim, os alunos gerenciam solidariamente uma empresa com o fim de satisfazer as necessidades elementares de sua condição de estudantes e da escola. Mas como disse Maurece Colombain, a principal virtude dessas cooperativas é mais de caráter educativo que econômico”. Para além das necessidades elementares, eles desenvolvem outras que são próprias de sua cultura e de seu meio, como a fabricação de chup-chup, ou mesmo dos biscoitos e o beneficiamento e congelamento de poupas de frutas típicas da região.
Em seu artigo “Educação: um processo cooperativo”, ANDRIOLI (2007) traz algumas características negativas da nossa sociedade, como a lógica competitiva, que tem como consequência a exclusão, o sentimento de comparação e a superioridade e o desejo de ser mais que os outros. “A opção pela educação cooperativa, portanto, pressupõe para a escola o desafio de abandonar o “medo da democracia” e de afirmar seu compromisso com a construção de um processo de crescente inclusão e participação, que culmine com a conquista de maior liberdade.”
Por isso, ao observar os objetivos da Unicoop em seu histórico, percebe-se uma discrepância, pois, enquanto todos os autores defendem a cooperativa escolar, justamente por ela possibilitar a formação de jovens mais humanos, como destaca MARINI (2013) ao listar uma série de características das cooperativas escolares:
Têm um caráter educativo;
São sementes de esperança, competência, alegria, trabalho, solidariedade, protagonismo, justiça, liberdade e independência;
Desenvolvem a responsabilidade, o comprometimento dos alunos;
Tem a responsabilidade social como bandeira do sétimo princípio do cooperativismo;
Os alunos têm melhores resultados escolares porque estão motivados, comprometidos e, em muitos casos, integram os conhecimentos do currículo escolar com suas experiências na cooperativa escolar;
São sociedades de alunos administradas por eles com o concurso dos professores e com vistas a atividades comuns, inspiradas por um ideal de progresso humano baseado na educação moral. Cívica e intelectual dos pequenos por meio da gestão da sociedade e o trabalho de seus membros (UNESCO);
Escolas de democracia;
É uma possibilidade de desenvolver trabalhos comuns por meio de uma metodologia pedagógica que contrasta com as tradicionais formas de aprender, baseadas na competitividade dos alunos e no individualismo.
São espaços onde os alunos aprendem fazendo;
Buscam relações que beneficiam a todas as partes envolvidas (Daniel Goleman, módulo seis)
São laboratórios da aprendizagem do cooperativismo
O histórico da cooperativa escolar diz:
a preparação dos alunos para enfrentarem desafios futuros de mercados de trabalho, disseminação da cultura empreendedora entre os jovens a fim de despertar na população escolar, a iniciativa na busca de possibilidade de inserção no mercado de trabalho, por meio de criação do seu próprio negócio, e tem como primeiro passo a realização de parceria com o SEBRAE, onde irá ministrar cursos de capacitação para os professores.
É interessante que a cooperativa escolar desenvolva nos alunos o interesse em criar o seu próprio negócio, mas, mais importante do que desenvolver um negócio próprio dentro da comunidade, são os valores humanos, tão bem destacados pelos idealizadores e estudiosos desse tipo de organização.
Segundo Milton Santos (2011), “Morar na periferia é se condenar duas vezes à pobreza. A pobreza gerada pelo modelo econômico, segmentador do mercado de trabalho e das classes sociais, superpõe-se a pobreza gerada pelo modelo territorial”. A cooperativa escolar quebra minimamente essa pobreza de recursos que essas pessoas que vivem na periferia, seja dos grandes centros industriais, seja dos pequenos, têm. Logo, em seu projeto como um todo, a escola acaba por deixar de empoderar os alunos no sentido de possibilitar que os mesmos conquistem a cidadania tão defendida e conceituada por Milton em seu livro “O espaço da cidadania e outras reflexões”.
Como se vê, a doutrina cooperativista não se confunde com a doutrina liberal e individualista ou com o neoliberalismo, nem tampouco com as doutrinas socialistas revolucionárias ou reformistas. Surgiu como oposição às consequências práticas d doutrina liberal e individualista – que preconizava a mais completa liberdade econômica em fins do século passado. Em nossos dias, o cooperativismo se opõe também à prática socialista de vários países, pois embora o socialismo tenha aí conseguido obter a equidade na repartição dos rendimentos, eliminou as liberdades individuais, econômicas e sociais (SANTOS, 2011)
Os questionários
Foram realizados dois questionários distintos (um para os alunos e o outro para os professores, diretor e Pedagogo do Sicoob) baseado no evento “Jornada de Cooperativas y Mutuales Escolares” em Sunchales em 1 e 2 de Julho de 2016.
O primeiro questionário continha as seguintes questões:
1. Como são as aulas de práticas agrícolas e/ou empreendedorismo?
2. Por que você gosta de participar ou colaborar com a Cooperativa Escolar?
3. Por que te entusiasma tanto o trabalho cooperativo?
4. Como você vê o seu papel dentro da cooperativa?
5. O que mudou na sua vida e na vida escolar depois desse projeto?
6. E o que te mobilizou a participar da cooperativa Escolar?
7. Você aplica o que aprende na vida familiar? Com os amigos?
8. Quais ensinamentos você apreendeu ao participar da cooperativa escolar?[5]
Enquanto que o questionário dos professores/educadores:
1. Quais são as vantagens de incorporar o cooperativismo escolar na escola?
2. O Projeto Pedagógico da escola está baseado na cooperação escolar?
3. Você saberia dizer que outras formas teriam para se implantar o cooperativismo nas organizações escolares?
4. Como é o professor que acompanha o projeto? Quais as suas funções? Como ele é elegido? Ele(s) utiliza(m) o tempo extra escolar para realizar suas atividades?
5. Como os conteúdos da cooperativa são alocados no currículo da escola?
6. A atividade da cooperativa transpõe as fronteiras da escola? Como?
7. Por que você gosta de participar ou colaborar com a Cooperativa Escolar? Por que te entusiasma tanto o trabalho cooperativo? Como você vê o seu papel dentro da cooperativa? O que mudou na sua vida e na vida escolar depois desse projeto? E o que te mobilizou a participar da cooperativa Escolar?
8. Você aplica o que aprende na vida familiar? Com os amigos?
9. Quais ensinamentos você apreendeu ao participar da cooperativa escolar?
10. O que te mobilizou a participar da Cooperativa Escolar?
A Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias atende 190 alunos distribuídos em uma turma para cada ano letivo, que possui em média 25 alunos cada. A presidente da Cooperativa Escolar, Joice Nunes, foi orientada a entregar cinco questionários a cinco alunos aleatórios de cada turma dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e cinco alunos de todo Ensino Médio, visto que esses têm uma participação menor e restrita na Cooperativa Escolar.
Os questionários mostraram, de maneira geral, que os alunos valorizam muito a cooperativa escolar, pois apontam o aumento no rendimento escolar, assim como o maior envolvimento com a escola, destacam também a horta como principal atividade e o diretor como o maior responsável por participarem da cooperativa escolar.
É interessante ressaltar, que na questão cinco, a maior parte dos alunos respondeu que pretende abrir sua própria empresa, mesmo que na questão oito relatem a importância do comprometimento, da persistência, da confiança, de ajudar ao próximo, da cooperação, do cooperativismo e do trabalho em grupo, além de passarem a pensar no que vão fazer no futuro.
Essas observações são interessantes, porque vão de encontro com o que está no histórico e também com o diário da professora que leciona a matéria de “Cultura Empreendedora”, ou seja, tudo está interligado. Aliás, a maioria das respostas dos alunos condiz com o que essa professora ensina, principalmente no que se referente ao CCE (Características do Comportamento do Empreendedor). O diário também mostra que de todas as aulas do semestre, apenas duas foram dedicadas ao tema cooperativismo, mesmo a ideia de cooperação sendo recorrente, parece que há uma certa confusão quanto aos conceitos de neoliberalismo / capitalismo, cooperativismo e socialismo, que segundo Pinho (1966)
... a doutrina cooperativista não se confunde com a doutrina liberal e individualista ou com o neoliberalismo, nem tampouco com as doutrinas socialistas revolucionárias ou reformistas. Surgiu como oposição às consequências práticas d doutrina liberal e individualista – que preconizava a mais completa liberdade econômica em fins do século passado. Em nossos dias, o cooperativismo se opõe também à prática socialista de vários países, pois embora o socialismo tenha aí conseguido obter a equidade na repartição dos rendimentos, eliminou as liberdades individuais, econômicas e sociais
Como intermediária entre a doutrina liberal - individualista e a doutrina socialista, a doutrina cooperativista consegue realizar equitativa repartição, e, ao mesmo tempo, manter a liberdade. (PINHO, 1966)
Diante desse paradoxo entre a prática do cooperativismo e o aprendizado/ conceituação do que é, configura-se um pequeno abismo. Ao olhar a comunidade em que está situada a escola e as adjacentes percebe-se o quanto é importante que os alunos saibam o conceito do cooperativismo. A região do noroeste de Minas é conhecida por ser uma área praticamente rural, onde pequenos produtores convivem com os maiores exportadores de soja, capim e semestres, o que marca a região por uma acentuada desigualdade social, ou seja, a maior parte dessa população é extremamente pobre. Nos últimos anos, essa desigualdade foi amenizada pelos diversos programas sociais do governo Lula/Dilma e para receber verbas do governo federal, seja para aposentadoria e programas como bolsa família e bolsa escola, seja para programas como o das cisternas e engenhos coletivos, foi necessário o surgimento de diversas associações.
Santana Araujo Lopes, presidente da associação dos pequenos produtores e agricultores familiares da Jabuticaba (Januária/MG) relata a dificuldade que é ter todos os membros nas assembleias, pois eles têm dificuldade em compreender que a decisão da maioria é o que prevalece e que manter os acordos estabelecidos é necessário e mesmo vital. Ela relata também sua preocupação com o fim de sua presidência e o fato de ninguém querer assumir.
Isto posto, voltemos à segunda parte dos questionários que foram respondidos apenas pelo pedagogo e educador do Sicoob Credichapada Romildo José da Silva e pelo Diretor Escolar Marinho Idélio Neves.
Romildo destaca a cooperativa escolar como laboratório para a prática cooperativista, onde os alunos produzem, comercializam, realizam assembleias, destinam sobras e administram os recursos, sendo este o mesmo processo que é realizado em qualquer outra cooperativa. Ele destaca também a disciplina de “Cultura Empreendedora, Cooperativista e Financeira”, que possibilita trabalhar de forma lúdica e prática o cooperativismo, o empreendedorismo e a educação financeira na escola, na família e, consequentemente, na comunidade. Os conteúdos, segundo ele, integram o currículo escolar, levando em consideração principalmente a realidade local, ou seja, o 7º Princípio Cooperativista “Interesse pela comunidade”. Assim, cada escola trabalha conforme sua realidade, adequando os princípios cooperativistas, as características do comportamento empreendedor e a gestão financeira pessoal e familiar.
Singer é muito enfático ao dizer que a heterogestão consiste numa administração de cunho hierárquico, cujo cerne está na meritocracia e no individualismo, ao lado oposto há a autogestão, isto é, uma administração democrática. Contudo, essas definições, assim como outras parecem não estar claras dentro da escola, de modo que o diretor no questionário, respondeu que
O projeto cooperativa escolar tem como principal objetivo a preparação dos alunos para enfrentarem os desafios futuros de mercados de trabalho por meio de criação de seu próprio negócio, tendo a cooperativa escolar como laboratório de aprendizagem operacional para a preconizados na doutrina cooperativista, através da autogestão e solidariedade (Marinho, resposta ao questionário)
Ou seja, como os alunos estarão preparados para enfrentar os desafios do mercado, que tem como características a competição e a heterogestão, se no dia a dia eles vivem um sistema de autogestão, democracia e solidariedade?
É necessário que todos na escola, em especial o aluno, tenham claro que o sistema de trabalho vigente se pauta na heterogestão, de modo a não misturar os conceitos, caso contrário o aluno poderá sair da escola pensando que uma empresa neoliberal é o mesmo que uma cooperativa, o que não faz o menor sentido.
Parece que o principal problema hoje na cooperativa escolar é o equívoco quanto aos conceitos que eles querem pregar e os que verdadeiramente pregam. Faz-se necessário revê-los e mais do que isso, saber distingui-los. Não há problema algum o aluno querer abrir seu próprio negócio, ou querer entrar no sistema de trabalho vigente, a questão é que ele tem que saber que essas opções fazem parte de um sistema econômico e social que se difere muito do cooperativismo que eles vivem dentro da escola.
A grande questão que então surge é onde e quando começou essa confusão em relação aos conceitos? Será o fato dos professores e diretores serem capacitados tanto pelo Sebrae, quanto pela cooperativa de crédito Sicoob? Qual será as consequências práticas que a mistura desses conceitos incidirá na vida desses alunos?
[1] Texto de Ênio Meinen extraído da obra “Cooperativismo Financeiro, percurso histórico, perspectivas e desafios”. Autores Ênio Meinen e Márcio Port. Editora Confebras, 2014.
[2] Sicred (Sistema de Crédito Cooperativo) / Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil) / SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)
[3] Geladinho
[4] A Unicoop é resultado destas capacitações, ela não ajuda a desenvolver as capacitações
[5] Essas questões podem ser encontradas no site <http://docplayer.es/28642279-Sunchales-jornada-de-cooperativas-y-mutuales-escolares-01-y-02-de-julio-de-capital-del-cooperativismo-provincia-de-santa-fe-decreto-3584-74.html> que foi acessado no dia 20/02/2017
É necessário salientar que diante de um contexto de imensa desigualdade social, abrir uma empresa, significa, infelizmente, aumentar esse percentual e todos os autores aqui discutidos são unânimes quanto ao fato de que as cooperativas e a economia solidária aumentam a qualidade de vida das pessoas que se valem desse sistema, além de serem muito fecundas em ambientes cuja pobreza e a falta de recurso é preponderante. Por isso, se enfatiza tanto esse paradoxo entre a prática e a teoria dentro da Cooperativa Escolar União da Escola Municipal Getúlio Inácio de Farias em Marimbas, pois almeja-se que esses alunos possam, quem sabe, permanecer no lugar de origem (contendo assim o alto índice migratório de jovens) e juntos terem a possibilidade real de pensarem em sistemas econômicos alternativos para suas comunidades, e não, manterem como única alternativa entrar em uma empresa ou abrir a sua própria.
Este artigo busca antes de mais nada discutir o projeto para que se possa diagnosticar possíveis erros e superá-los, do que desmerecer algo tão incrível, como foi ressaltado na introdução, que, inclusive, é o tema desse trabalho. Depois de ver milhares de jovens auto gerirem milhares de escolas públicas, no que foi o maior movimento estudantil do mundo e aprovada uma lei de reforma do ensino médio completamente autoritária, é com felicidade que se salda iniciativas autênticas como essa.
Sou imensamente grata à presidente da cooperativa UNICOOP, Joice Rodrigues Nunes, por toda sua valiosa cooperação.
Não posso me esquecer de minhas primas, Elenir e Mayara Rodrigues, por me apresentarem o projeto da cooperativa escolar de Marimbas na zona rural de Chapada Gaucha-MG, além de Geová Chagas, Gretel Soraya Nájera e Renato Queiroz pela ajuda bibliográfica em relação ao tema, Romildo José da Silva pela revisão e todos aqueles, cujos os nomes não estão aqui, mas que contribuíram direta ou indiretamente para a concretização dessa pesquisa.
[1] Texto de Ênio Meinen extraído da obra “Cooperativismo Financeiro, percurso histórico, perspectivas e desafios”. Autores Ênio Meinen e Márcio Port. Editora Confebras, 2014
[2] Sicred (Sistema de Crédito Cooperativo) / Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil) / SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)
[3] Geladinho
[4] A Unicoop é resultado destas capacitações, ela não ajuda a desenvolver as capacitações
[5] Essas questões podem ser encontradas no site <http://docplayer.es/28642279-Sunchales-jornada-de-cooperativas-y-mutuales-escolares-01-y-02-de-julio-de-capital-del-cooperativismo-provincia-de-santa-fe-decreto-3584-74.html> que foi acessado no dia 20/02/2017
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