Metadados do trabalho

Capoeira Na Infância: Desafios E Possibilidades De Uma Prática Pedagógica

Reinaldo Eduardo da Silva Sales; Dinamara Feldens; Tatiane Trindade Machado

O presente trabalho é uma reflexão teórica que analisa a importância da relação da capoeira com a educação na infância a partir de Comenius (2014), Locke (1999) e Froebel (2003). Assim, buscamos refletir de que maneira a capoeira pode se configurar como uma prática pedagógica para o desenvolvimento dos indivíduos a partir da mais tenra idade. A capoeira é uma prática social brasileira reconhecida pela UNESCO como patrimônio imaterial da humanidade. Apesar de todos os preconceitos originalmente enfrentados por ser reconhecida como dos escravos e seus descendentes, a capoeira também tem sido utilizada como prática pedagógica em diferentes espaços. Diante disso, tentamos entender em que medida ela pode contribuir para o desenvolvimento global da criança. Como a capoeira se constitui como arte, dança, jogo, luta, ginástica e cultura popular, podemos entender que sua prática desde a infância contribui no desenvolvimento integral, como nos indica Howard Gardner, que criou o conceito de inteligências múltiplas. Entendemos a infância como o momento que favorece a aprendizagem nas mais diferentes áreas e, como preconiza a BNCC, a capoeira em suas variadas faces pode possibilitar o desenvolvimento das múltiplas inteligências.

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Como citar este trabalho

SALES, Reinaldo Eduardo da Silva; FELDENS, Dinamara; MACHADO, Tatiane Trindade. Capoeira na Infância: Desafios e Possibilidades de uma Prática Pedagógica. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/256-capoeira-na-inf%C3%A2ncia-desafios-e-possibilidades-de-uma-pr%C3%A1tica-pedag%C3%B3gica. Acesso em: 16 out. 2025.

Capoeira na Infância: Desafios e Possibilidades de uma Prática Pedagógica

O presente trabalho é uma reflexão teórica que analisa a importância da relação da capoeira com a educação na infância. Dessa maneira, percebemos a necessidade de falar da infância a partir de Comenius (2014), Locke (1999) e Froebel (2003), pois esses autores demonstraram preocupação com essa fase da vida em um momento em que as crianças eram tratadas como pequenos adultos.

Comenius (2014) defendia que as crianças aprendessem através de um método que proporcionasse um aprendizado prazeroso, relacionado com o brincar, recebendo uma formação que proporcionasse o conhecimento das “letras”, mas que elas fossem “aprimoradas” no que diz respeito aos costumes, sendo educadas para a piedade, recebendo a instrução sobre aspectos necessários tanto à vida presente quanto à futura. Esse processo deveria ocorrer de maneira agradável, sintética, mas sólida também. Ele ainda orientou que fossem desenvolvidas atividades dos “membros” e dos “sentidos”, pois essas ações didáticas fomentariam o aprendizado de forma concomitante.

Para Locke (1999), para que se dê lugar ao conhecimento, é preciso haver uma relação entre o sujeito conhecedor, a mente, e o objeto conhecido (a realidade). Quando o sujeito consegue apreender o objeto, representando-o mentalmente, esse é o momento em que o conhecimento toma o seu lugar, pois, dessa maneira, ele consegue fundamentar seu raciocínio, julgando entre verdade e falsidade, certo e errado. Dessa maneira, é possível perceber outros aspectos da vida, situá-los a uma distância que permita analisá-los, tendo as faculdades discernentes necessárias para tal, desenvolvidas.

As primeiras ações voltadas para a educação do indivíduo devem ser realizadas a partir das “primeiras manifestações da criança”, sendo que sua “conservação e cuidado” devem servir de base para as demais ações educativas que proverão desenvolvimento e aperfeiçoamento necessários para sua vida (FROEBEL, 2003). Estabelecer relação entre o exterior e o interior da criança, e vice-versa, entre os objetos e seus opostos, com Deus e a natureza a levaria a desenvolver, paulatinamente, consciência e reflexão sobre si mesma, não desvinculando a vida dela nesse processo foram aspectos considerados por Froebel como basilares para proporcionar o desenvolvimento da criança.

Desta maneira, resolvemos pensar, a partir da capoeira, como essa infância pode ser trabalhada e, neste sentido, indicar possibilidades para o desenvolvimento integral da criança, bem como preconiza a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) no que concerne à educação infantil, que vai de 0 a 5 anos de idade. Neste sentido, entendemos que a capoeira, sendo parte integrante da cultura popular, possui elementos que se relacionam com os campos de experiências elencados na Base, oportunizando múltiplas possibilidades do seu ensino para essa faixa etária.

A roda de capoeira, que em 2014 foi reconhecida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) como patrimônio imaterial da humanidade, carrega em sua história elementos educativos por ter sido parte integrante da formação do povo brasileiro e utilizada em alguns momentos como construção da identidade, compartilhada de geração a geração.

No entanto, somente em 2008, quando a capoeira foi reconhecida pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Nacional) como patrimônio cultural imaterial do povo brasileiro, iniciou-se uma discussão no Congresso Nacional para inseri-la na escola, passando a fazer parte do reportório a ser utilizado para proporcionar aprendizado aos alunos. Várias audiências públicas foram realizadas até que, em 2010, foi inserida pela Lei 12.288/10 no estatuto da igualdade racial, dando liberdade às escolas para incorporar a capoeira nesse espaço educativo, reconhecendo o seu profissional, o Mestre de capoeira, como detentor do saber necessário para conduzir os aprendizes no processo de aquisição de seus elementos constitutivos. Ainda no âmbito do congresso, a liberdade de ensino da capoeira foi aprovada na comissão de educação do Senado Federal em 2015, sendo deliberada no plenário da Câmara a necessidade da sua inserção no projeto pedagógico da escola, a critério das instituições públicas ou privadas.

Contudo, na prática, pouca coisa mudou, pois a capoeira já estava na escola há muitos anos, mesmo antes desse reconhecimento, só que de maneira informal, sendo desenvolvida de modo extracurricular, e que continua desta forma na atualidade, com alguns poucos casos isolados em que ela foi incorporada ao projeto da escola, como nas escolas de tempo integral em Arapiraca/AL. A referida cidade tem 5 (cinco) escolas de tempo integral onde no primeiro horário os estudantes têm aula das disciplinas do currículo formal e, após o almoço, têm acesso a diversas atividades esportivas e artísticas, dentre elas, a capoeira.  No entanto, esse é um assunto a ser investigado em outra pesquisa, pois necessitaríamos nos ancorar na etnografia para entender e melhor explicitar esse exemplo aqui registrado.

Apesar dos avanços, em termos práticos, da capoeira na escola, as percepções de alguns mudaram e isso fez com que mais oportunidades surgissem e outros olhares passaram a perceber a capoeira como sendo importante para o desenvolvimento infantil. Desta maneira, é possível analisar os limites e as possibilidades dessa prática na infância, diante do fato de que a capoeira possui movimentos aeróbicos e anaeróbicos, musicalidade, momentos de dança e de ginástica. Além de estar ligada a outras culturas populares como o frevo, samba de roda, maculelê, puxada de rede, podemos entender que esta prática, desde a infância, pode contribuir no desenvolvimento das múltiplas inteligências, como nos indica Gardner (2010).

A fim de alcançar o objetivo aqui proposto, fizemos um passeio por aspectos da infância à luz dos autores, depois percorremos o caminho histórico relacionado com a capoeira para entendermos como uma prática marginal passou a ser objeto de estudo e prática educacional e, por fim, unimos nossos autores às possibilidades que a capoeira nos traz como arte, cultura, dança, luta, ginástica, jogo, dentre outros elementos importantes para o desenvolvimento das inteligências múltiplas.

A Importância da Capoeira na Infância

 

A capoeira é uma prática social que contribui significativamente na formação histórica e cultural brasileira, orientando valores e costumes. Ela está imbuída de aspectos educacionais, uma vez que a educação está intimamente relacionada à cultura, tanto dentro como fora da escola. Câncio e Araújo (2016) argumentam que muitas práticas culturais brasileiras, entre elas a capoeira, implicam em um processo educacional porque estão ligadas a conhecimentos e aprendizagens que se refletem nos comportamentos de determinado grupo social. Por isso, a educação enquanto saber cotidiano está vinculada às práticas culturais de vários povos porque mobilizam informações, conhecimentos e saberes.

No caso específico da capoeira, ela contribui como um elemento indispensável para compreender a cultura e a educação do povo brasileiro, em especial os sujeitos de origem negra. Nessa perspectiva, é preciso recordar que os escravos não tinham direito a educação formal, como podemos perceber nas mais variadas legislações vigentes no tempo do Império, no Brasil.

Dessa maneira, as práticas culturais têm um papel ainda mais significativo na medida em que se constituem como um “[...] conjunto de significações que se enunciam nos discursos ou nas condutas aparentemente menos “culturais” (CHARTIER, 2002, p. 59). Seus significados são transmitidos historicamente, suas concepções são herdadas e expressas a partir de símbolos utilizados pelos indivíduos para comunicar, perpetuar e desenvolver seu saber a respeito da vida, sendo manifestados por suas atitudes.

É possível, assim, pensar no processo educativo a ser desenvolvido a partir da educação infantil como essencial, na medida em que se tem a possibilidade de apresentar as bases que prepararão as crianças para vivenciar experiências significativas que irão forjar o sujeito que, em tese, estará apto a viver em sociedade, possuindo as habilidades necessárias à vida prática, mas incorporando em si valores essenciais para a convivência social. De fato, alguns estudos já demonstraram que a capoeira exerce papel importante na formação dos valores dos que a praticam. Aliás, em se tratando das influências que o binômio cultura-educação exerce sobre as crianças, alguns autores desde o século XVI, já demonstram isso, dos quais nesta análise citaremos Comenius, Locke e Froebel.

Iohannis Amos Comenius (1592-1670) era um pastor protestante que propôs um método de ensino fácil, rápido e sólido e que fosse capaz de ensinar tudo a todos. Em sua obra mais conhecida, Didática Magna (1621-1657), ele argumenta que a educação é um elemento importante na formação do caráter do indivíduo e que o processo educativo, além de ser lúdico e ocorrer por meio dos sentidos, precisaria começar na infância. Segundo Comenius (2014, p. 33)

 

A formação do homem deve começar com a primeira idade [...]. Começar-se a formação muito cedo, pois não deve passar-se a vida a aprender, mas a fazer. Convém, portanto, instruir-se, o mais cedo possível, naquilo que deve fazer-se nesta vida, a fim de não sermos obrigados a partir, antes de termos aprendido o que devemos fazer.

 

Para Comenius (2014), a arte das artes é a educação e é a partir dela que devemos instruir e imprimir valores nas crianças. Assim, propomos entender como a prática da capoeira pode contribuir com essa formação na medida em que aspectos diversificados são acessados durante seu ensinamento. Segundo Araújo, Machado e Silva (2017), a criança se encontra em um estado de desenvolvimento no qual, quanto mais submetidas a experiências sensório-motoras ou intelectuais, mais entendimento do mundo e de si mesmo ela adquire. E são essas experiências que a capoeira pode proporcionar a elas no processo de maturação e aprendizado.

E, em se tratando de entendimento, John Locke (1632-1704) produziu o Ensaio acerca do Entendimento Humano (1690) no qual apresenta a teoria da tábula rasa. Sua argumentação evidencia que nossas ideias não são inatas, mas adquiridas a partir do processo de humanização. Segundo ele, “as ideias, especialmente as pertencentes aos princípios, não nascem com as crianças. Se consideramos cuidadosamente as crianças recém-nascidas, teremos bem poucos motivos para crer que elas trazem consigo a este mundo muitas ideias” (LOCKE, 1999, p. 51).

Na contramão do que pensava Locke, tendo transitado do final do feudalismo para o início do capitalismo, as crianças passaram a ser vistas como adultos em miniatura, principalmente por causa do trabalho que podiam realizar, de início nas corporações de ofício e, depois, nas fábricas. As crianças não tinham acesso ao lazer e a brincadeiras, tudo o que precisavam saber estava relacionado à produção de alguma manufatura ou à linha de montagem. Aprendido isto, elas não precisariam mais ser instruídas pela escola.

Entretanto, segundo Locke, o conhecimento não é dado, mas adquirido. Desta maneira, torna-se importante desenvolver mecanismos para que ele se reproduza, dentre os quais se pode destacar a transmissão educativa de uma à outra geração. Para Santos (2005), os saberes culturais como a capoeira, por exemplo, são concebidos como acúmulo de conhecimentos de várias gerações, construídos com sentido de pertencimento, marcados pelas formas de viver e compreender o mundo. São produzidos no meio social em que se vive e se relaciona, por isso, são resultados de um processo educacional intergeracional. A capoeira, enquanto prática cultural, carrega um sentido educacional porque, além de estar relacionado a um processo de aprendizagem, serve como mecanismo de fortalecimento de identidades e permanência da comunidade ao longo do tempo.

Outro autor, além de Comenius e Locke, que também trata sobre a importância de se educar a criança é Federico Froebel (1782-1852). Froebel é considerado um dos autores que mais estudou a educação infantil no século XVIII. Para ele, a educação é o meio que conduz a criança a se tornar um homem. Mas, para que ela cumpra este propósito precisa começar bem cedo. Em suas palavras:

 

El niño, hombre desde su primera aparición sobre la tierra, debe ser interrogado, dirigido según la naturaleza de su ser y puesto en posesión del libre empleo de su potencia. El uso de uno de sus miembros o de una de sus fuerzas no se verificará a costa de otro miembro o de otra fuerza. Importa que el niño no sea atado, agarrotado, empaquetado y metido en las andaderas (FROEBEL, 2003, p. 9).

 

Froebel (2003) foi o primeiro a valorizar a formação da pessoa ainda na primeira infância, em uma época em que elas eram vistas como pequenos adultos. Segundo ele, a educação da criança visa seu desenvolvimento integral, a preparação para a vida adulta e o louvor a Deus. Este desenvolvimento ocorreria por graus: primeira infância, meninice e adolescência. Refletimos, assim, que desde o século XVI a educação já era pensada na perspectiva de fomentar o desenvolvimento das competências nos vários estágios da vida.

Contemporaneamente, é possível evocar a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), entendendo que a competência de número 3 nos conecta com a capoeira quando diz: “Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural” (BRASIL, 2017, p. 9). Dessa maneira, sendo a capoeira uma prática cultural de origem nacional, pode se constituir em um conteúdo importante para esse desenvolvimento das crianças.

Froebel destaca a importância do contato com a natureza nas experiências infantis. Aliás, o próprio nome “jardim de infância” deriva de sua relação próxima com a natureza, como um lugar de aprendizagem lúdica e prazerosa uma vez que, para esse autor, as crianças são como plantas que precisam ser cuidadas. Mais uma vez destacamos a atualidade do pensamento de Frobel, pois a BNCC (2017) nos indica que a educação das crianças precisa ter uma intencionalidade educativa, não é possível os conteúdos soltos, sem relação com a vida e sem os cuidados para com os pequenos. Para a Base (2017)

 

Essa intencionalidade consiste na organização e proposição, pelo educador, de experiências que permitam às crianças conhecer a si e ao outro e de conhecer e compreender as relações com a natureza, com a cultura e com a produção científica, que se traduzem nas práticas de cuidados pessoais (alimentar-se, vestir-se, higienizar-se), nas brincadeiras, nas experimentações com materiais variados, na aproximação com a literatura e no encontro com as pessoas. (BRASIL, 2017, p. 35).

 

Ainda para Froebel, no processo de desenvolvimento da criança, é preciso existir uma interação do ser humano com a natureza, mediada pela educação. Para Reigota (2010), o ser humano estabelece diferentes formas de se relacionar com a natureza, que o autor categoriza como enfoques biocêntrico, antropocêntrico e globalizante. No enfoque biocêntrico a natureza é superior ao ser humano, por isso não podemos intervir sobre ela. No enfoque antropocêntrico esse entendimento se inverte: o ser humano é superior a natureza, por isso podemos usá-la como quisermos, às vezes até irracionalmente. E no enfoque globalizante ou holístico, há uma interação entre o ser humano e a natureza, não havendo superioridade de nenhuma das partes, algo que, de certa forma, também está presente na capoeira.

Além do contato com a natureza, Froebel também demonstrou a necessidade do lúdico, dos jogos e do acesso a brinquedos para desenvolver a percepção sensorial. Há neste aspecto algo que se aproxima muito daquilo que a capoeira produz no sujeito: uma aprendizagem divertida, por meio do jogo e das músicas. Esse aspecto tem relação direta com o que a BNCC preconiza no que diz respeito aos campos de experiências:

 

Considerando que, na Educação Infantil, as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças têm como eixos estruturantes as interações e a brincadeira, assegurando-lhes os direitos de conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se, a organização curricular da Educação Infantil na BNCC está estruturada em cinco campos de experiências, no âmbito dos quais são definidos os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural. ( BRASIL, 2017, p.36)

 

Araújo, Machado e Silva (2017), argumentam que grande parte da história da capoeira é contada a partir de suas músicas, cuja relação com a educação infantil produz um aprendizado engajador e significativo na criança. Por meio da música é possível descobrir o mundo, seja na sua percepção sonora ou em seu entendimento do que lhe é transmitido. Ela pode proporcionar

[...] em nível psicomotor o aprimoramento das habilidades motoras a partir do ritmo; em nível cognitivo e linguístico um maior desenvolvimento intelectual por meio de uma riqueza de estímulos; e em nível sócio-afetivo a formação da personalidade, pois neste período a autoestima se manifesta e a criança passa a aceitar suas características individuais e limitações, e a musicalização por intermédio de atividades coletivas geram a socialização, compreensão e cooperação, fazendo assim que a criança adquira o conceito de grupo (ARAÚJO; MACHADO; SILVA, 2017, p. 2655).

 

Não obstante, tendo como base a citação acima, entendemos que a capoeira, além de ser uma prática cultural arraigada na história brasileira, tem muito a contribuir na formação educativa, principalmente das crianças.

 

 

A capoeira de prática marginal à ferramenta pedagógica

 

 

De acordo com Machado (2017, p. 1), “desde a chegada da Família Real em 1808, quando a corte ocupou os espaços da cidade e expulsou os grupos existentes em todas as freguesias do Rio de Janeiro, a capoeira passou por ressignificações.” Importa deixar registrado que não há registros consistentes a respeito das origens da capoeira, para discorrer sobre esse tema, seria necessário fazer uma genealogia a fim de entender como surgiu essa prática, porquanto os documentos históricos ainda são incipientes. Umas das afirmações que é possível fazer se relaciona com os silêncios intencionais dos registros históricos, pois, de acordo com Machado e Amorim (2016, p. 1):

 

[...] existem muitas discussões sobre a História da Capoeira, assim como na História do Brasil, principalmente com relação ao período da escravidão. No entanto, as atrocidades cometidas pelas elites sempre foram acobertadas, deste modo, documentos significativos relativos à época da escravidão foram queimados, desviados ou desapareceram. 

 

 Todavia, mesmo não tendo como afirmar em que momento específico surgiu, podemos conjecturar que essa é uma “invenção” brasileira, tendo em vista que nada igual foi encontrado em outros países, mesmo aqueles em que houve a escravidão negra, a não ser quando levada por algum brasileiro. O fato é que a capoeira era vista nas ruas do Brasil e têm-se registros dessa prática, mesmo que parcos, desde o século XVI, no entanto as pesquisas mais consistentes em que ela aparece como uma forma de luta diz respeito somente aos séculos XVIII e XIX.

No Brasil, a partir da chegada da Família Real em 1808, começa-se um movimento de “limpeza”, especialmente no Rio de Janeiro, que consistia em tirar das vistas da Corte tudo aquilo que não era bem-visto, ou seja, as práticas comuns aos negros que eram realizadas livremente nas ruas, passando a serem perseguidas. Diante desse contexto, a capoeira passou a ser contravenção penal, com base em código imperial datado de 1830, sendo que durante todo o século XIX foi tida como prática marginalizada e, em 1890, passou a ser crime previsto no código penal (BRASIL, 1890), conforme artigo 402 a 404, registrado como “Dos Vadios e Capoeiras”: o indivíduo que fosse pego na prática da capoeiragem, forma em que primeiramente chamaram a capoeira, seria preso e deportado para realizar trabalhos forçados em ilhas como, por exemplo, Fernando de Noronha, na Província de Pernambuco. Segundo Machado (2017, p. 3.706):

 

Todo comportamento que anteriormente era aceito e, geralmente, protegido, uma vez que prender um negro significava prejuízo para seus senhores, agora não poderia mais ser visto, porque a família real e os estrangeiros, os novos habitantes a cidade, não poderiam sequer perceber a existência. Assim, muitos capoeiras foram levados para trabalhos forçados, isolados em ilhas em uma tentativa de acabar com toda e qualquer organização.  

 

É importante considerar que desde que se instalou a sede no Império no Brasil, a Corte se esforçou para implantar aqui um projeto de modernidade inspirado nos modelos franceses de civilização. Esse projeto, entre outras coisas, procurou eliminar elementos das culturas indígena e africana, priorizando a ciência, a tecnologia e o branqueamento da população por meio da imigração em massa de europeus para o Brasil. Além disto, por meio da escola formal, produziu uma colonização das mentes, subalternizando as práticas da cultura popular (NASCIMENTO, 2020). Não obstante, a tendência é que haja um consenso de que seja uma prática social surgida no Brasil, a partir de vários elementos e da mistura de várias culturas, pois há indícios indígenas, africanos, europeus, enfim, uma mistura à maneira brasileira em um verdadeiro sincretismo.

A capoeira passou 50 anos sendo considerada como crime até que, no código penal de 1941, onde já não aparece mais, deixou de ser um problema, passando a ser um elemento da cultura popular e a ser tratada como identidade nacional. Mesmo antes da aprovação desse código, podemos afirmar que a capoeira já não era mais tratada como crime, na verdade, ela foi folclorizada e resistiu a toda a perseguição sofrida durante a República Velha.

Necessário se faz mencionar que, em 1928, surgiu no Rio de Janeiro um professor de Educação Física, Inezil Pena Marinho, que escreveu uma monografia premiada colocando a capoeira como a ginástica brasileira. Com essa nova perspectiva, o interesse dos brasileiros emergiu e pessoas da elite branca passaram a praticar a capoeira. Após a revolução de 1930, o movimento se intensificou na Bahia, dando lugar a outras figuras icônicas como os Mestres Bimba e Pastinha, que fundaram uma nova tradição para a capoeira. O código penal registrava o crime da prática da capoeira nas praças públicas, mas não impedia a sua prática em ambiente fechado, como atividade física.

Dessa maneira, a capoeira passou a ser uma prática educativa, pois Mestre Bimba criou uma escola e pessoas da elite de Salvador começaram a frequentar esse local, especialmente os alunos da Escola Baiana de Medicina. Concomitantemente, na escola de Mestre Pastinha, registrou-se a participação de artistas da época, dando maior visibilidade à sua prática. Além disso, a capoeira passou a ser tema de romances de autores como Jorge Amado, que passaram a defendê-la como sendo uma cultura do povo. De acordo com Machado (2016, p. 20):

 

Em 1972 a capoeira foi reconhecida como esporte, conforme portaria expedida pelo Ministério da Educação - MEC. E em fevereiro de 1995, a Capoeira foi definitivamente reconhecida como desporto de alto rendimento e inserida no seleto rol das entidades que integram o Comitê Olímpico Brasileiro - COB. No momento da Institucionalização é que a capoeira passa a ser respeitada, a partir da transformação desse fenômeno cultural advindo do povo, em esporte por força de lei.

 

Com essa esportivização, surgiram agremiações e associações que atualmente conhecemos como grupos de capoeira. Esses grupos se transformaram em escolas de capoeira e passaram todos os ensinamentos para indivíduos de todas as idades. Sobre essa universalização do ensino, é possível pensar a partir da proposta de Comenius, que evidenciou a importância de se ensinar por graus, tudo a todos. Para ele, o professor precisaria se servir de diferentes instrumentos para tornar o aprendizado lúdico, significativo e relevante, principalmente na educação infantil. Diante disto, o primeiro grande desafio para a formação humana é fazer com que a criança seja capaz de desenvolver sua inteligência, algo passível de acontecer por intermédio da capoeira.

A partir da década de 80 do século XX, a capoeira passou a ocupar os espaços escolares de forma extracurricular, onde as escolas de capoeira mencionadas anteriormente adentraram o ambiente escolar, passando a sua prática a fazer parte da rotina das instituições educativas. Na década de 90 do século passado, a capoeira passou a ser disciplina nos currículos dos cursos de graduação de Educação Física, formalizando sua execução nas aulas de Educação Física. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) de Educação Física a palavra capoeira aparece 12 vezes e, resultado da compreensão de ela ser prática cultural importante, hoje a capoeira está presente em mais de 170 países. No entanto, professores desse componente curricular deixam esse conteúdo de lado, tendo em vista não ser obrigatório, sendo sua escolha facultada ao professor.

A capoeira está na escola e é uma prática pedagógica que pode ser inserida em qualquer disciplina, pois em 2003, a Lei 10.639/03 que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, levanta essa possibilidade. Por ter origem indígena, também pode ser incluída pela Lei 11645/08, que acrescenta a obrigatoriedade do ensino da cultura indígena. Por outro lado, desde que o gerencialismo (FREITAS, 2018) passou a exercer grande influência sobre a educação brasileira, sobretudo a partir de meados da década de 2010, as políticas públicas deixaram de valorizar os aspectos da cultura popular, a exemplo da capoeira. Neste contexto, a educação passou a ser vista mais pelo viés da performatividade, da competitividade e dos resultados.

A partir dos aspectos até aqui mencionados, verifica-se a falta de política pública que possa valorizar a cultura brasileira. Apesar dos esforços envidados, por não haver a indicação de a capoeira se tornar componente obrigatório, então, as escolas acabam por não a incorporar nas atividades nela realizadas. Há de se considerar que as superlotações dos currículos escolares dificultam a ação do professor, ademais, à falta de formação continuada (esse é um assunto para outro trabalho) que oriente e prepare o docente diante das especificidades dessa prática, corroboram para que não se sintam capazes de oferecer a capoeira para os alunos. Tem também o fato de que uma grande parte dos Mestres de Capoeira, não têm escolaridade formal, desta maneira, há um embate entre os detentores do saber da cultura popular e o saber erudito da escola.

 

Limites e possibilidades do desenvolvimento global e das múltiplas inteligências na infância a partir da capoeira

 

Os limites, talvez sejam por conta da sua origem marginal, prática de escravos que passa por processos de perseguição e, como crime, carrega esse estigma que, por conta do racismo estrutural que há no Brasil, contribui para que a capoeira sofra preconceito e não consiga chegar até a escola de uma maneira formal.

O fato é que, enquanto a prática da capoeira foi sendo disseminada no Brasil, paulatinamente, foram-se criando estigmas sobre ela associados a aspectos pejorativos relacionados com a população negra. Segundo Antunes (2013), ainda hoje muitas pessoas carregam uma visão estereotipada da capoeira, esquecendo seu valor como expressão cultural. Por isso, como todas as outras maneiras de discriminação, a melhor forma de combatê-la é por meio da informação passível de ser transferida por meio do aprendizado. E, quanto mais cedo for incorporado ao ensino, mais eficaz ele se tornará.

As possibilidades da prática da capoeira na infância são múltiplas, pois os aspectos de musicalidade e de criação que a cultura popular permite, fornece-nos muitos elementos para que a criança possa praticar ou ter contato com a capoeira desde bebê.

Ainda no campo das possibilidades, podemos relacionar a capoeira com a teoria das Inteligências Múltiplas (IM) de Gardner (2010). Esta teoria preconiza que a inteligência deve ser analisada como um conjunto de aptidões humanas que se manifestam de diversas maneiras e em níveis de desenvolvimento diferentes, na qual cada indivíduo possui seus próprios mecanismos para resolver problemas em determinados contextos. Essa teoria é fruto de um longo trabalho que vem sendo realizado desde a década de 1980, sendo liderado por Howard Gardner em diferentes projetos na Universidade de Harvard. Por natureza, é uma teoria da psicologia, mas que foi amplamente difundida no campo da educação.

Gardner (2010) passou a considerar a inteligência como um potencial biopsicológico para processar informações de determinadas maneiras na resolução de problemas ou na criação de produtos que sejam valorizados por, pelos menos, uma cultura ou comunidade. Em suas palavras, considerava a inteligência “[...] como um computador mental configurado de forma especial e com multiuso, que determinava as melhores habilidades da pessoa dentro de um espectro de tarefas” (GARDNER, 2010, p. 18). Todas as inteligências, segundo Gardner, são importantes para que o ser humano seja competente em suas habilidades e produtivo na sociedade.

Tendo como base esta definição, a teoria das IM provoca uma ruptura com a ideia até então posta sobre a inteligência como algo preferencialmente lógico e medido por meio do coeficiente de inteligência (QI). Passa-se a considerá-la como outras formas de aprender e o desenvolvimento de habilidades diversificadas, construídas durante o processo educativo. Para Gardner (2010) o que nos habituamos a definir como inteligência, nada mais é do que uma combinação de determinadas habilidades que são valorizadas na escola. As IM nos possibilitam novas formas para explorar habilidades e competências nos estudantes, uma vez que algumas podem ser mais bem desenvolvidas do que outras, porém, mantém-se a interação e a inter-relação entre elas.

Diante disto, Gardner classifica 9 (nove) tipos de inteligência: linguística, lógico-matemática, musical, espacial, interpessoal, intrapessoal, naturalista, existencial e a corporal-cinestésica, a partir do uso do corpo ou de partes dele para resolver problemas ou fazer algo.

As IM podem ser estimuladas a partir da prática da capoeira, muito em função de sua riqueza sociocultural por meio da qual é possível desenvolver várias habilidades tendo em vista a corporeidade e a música. Diante disso, a capoeira, por suas características de expressividade corporal, possui considerável importância pedagógica, embora historicamente isto tenha lhe sido negado.

Contudo, podemos inferir que a capoeira pode ser utilizada como prática educativa, contribuindo para o desenvolvimento das múltiplas inteligências. Tendo em vista que foram classificadas separadamente por Gardner, podemos elencar as que podem ser desenvolvidas pela prática da capoeira, na perspectiva de poder contribuir para a formação global da criança.

De acordo com a BNCC (2017), a educação infantil é a primeira etapa da Educação básica e toda criança tem seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento, a saber: Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar e Conhecer-se (BRASIL, 2017, p. 23). Dentro desta perspectiva, o desenvolvimento das Inteligências Múltiplas não se configura só em uma possibilidade, mas em um direito dos indivíduos na infância. Diante disso, escolhemos o conceito de IM, pois entendemos que a capoeira na infância pode contribuir no desenvolvimento de cada uma delas como demonstraremos posteriormente.

A capoeira pode ajudar a desenvolver inteligência linguística, pois todas as aulas são ministradas com auxílio de músicas, mas por ser uma prática cultural, os professores e Mestres de capoeira têm a liberdade de utilizar músicas da cultura popular, que podem ser infantis. Assim, há a possibilidade de contribuir com o aprimoramento da fala dos pequenos, tendo em vista que, começando com as melodias infantis que a criança já tem acesso, o trabalho desenvolvido pelo professor flui de maneira leve e contribui na alfabetização e letramento. De acordo com D’Amorim e Atil (2007, p. 64), a capoeira “[...] desenvolve a dimensão linguística, a oralidade e a verbalização”.

Não obstante, o trabalho com capoeira com o uso da música desenvolve, além da inteligência linguística da criança, a inteligência musical classificada por Gardner (2010), pois as letras que já existem são cantadas, mas também acontece o estímulo à produção, ou seja, desde muito cedo os alunos de capoeira são estimulados a compor músicas que façam parte de seu cotidiano, aprendendo a rimar ao ritmo ditado pelos instrumentos.

Segundo Freitas (2013), a inteligência linguística compreende a sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, tendo como fundamento a habilidade para usar a linguagem com o propósito de estimular e transmitir ideias, algo bem característico na capoeira. Aliás, a inteligência musical também é desenvolvida a partir dos instrumentos berimbau, pandeiro, atabaque, agogô, reco-reco, caxixi e, em alguns casos, viola. Com o passar do tempo, na prática da capoeira, todos devem aprender a tocar algum deles, estimulando, desde a mais tenra idade, o desenvolvimento dessa inteligência.

A inteligência lógico-matemática também pode ser desenvolvida com a prática regular da capoeira, pois essa é uma prática coreográfica e cada movimento pode ser demonstrado tendo como base uma figura geométrica: a própria ginga é matemática, pois, com base nela podem surgir várias sequências lógicas. Existem alguns golpes que são básicos na capoeira e a partir deles pode surgir uma multiplicidade de sequências matemáticas e, assim, contribuir para o desenvolvimento dessa inteligência nos indivíduos. Neste mesmo instante do jogo, pode ser desenvolvida a inteligência espacial, tendo em vista que o jogo é feito em roda: aproveitamos o círculo para ensinar a noção de espaço, porquanto essa roda pode ser pequena e pode se alargar, a depender do objetivo do educador.

Como a capoeira é um esporte coletivo em que ninguém joga sozinho, a sociabilidade está sempre presente. Assim, existe um estímulo para que os alunos cantem, toquem, e se desenvolvam no jogo, respeitando o espaço do camarada com quem está jogando: desenvolvem-se as inteligências intra e interpessoal, pois no contato com o outro aprendo a lidar comigo mesmo. Essa inteligência está relacionada à capacidade de observação e de compreensão do sentimento do outro. Segundo Freitas (2013, p. 19) a capoeira se “associa a empatia, relação com o outro e sua plena descoberta, com ‘abertura’ para responder adequadamente aos temperamentos, estados de humor, motivações e desejos de outras pessoas”.

Além de ser uma prática cultural brasileira, e por isso precisa ser valorizada no país, ela pode desenvolver a inteligência corporal-cinestésica devido à sua riqueza de movimentos e atuação sobre diferentes aspectos. Segundo Campos (2001), os golpes embalados pelas músicas orientam os corpos na roda, aprimorando as qualidades físicas dos envolvidos, uma vez que estimula os sistemas aeróbio, anaeróbio e muscular. Além disso, ela tem forte influência nos aspectos cognitivos, afetivo e motor porque encoraja a autoconfiança, a cooperação, a formação de caráter e da personalidade.

Destarte a partir do desenvolvimento da personalidade, do respeito ao outro, da fabricação dos instrumentos, aprende-se na capoeira o respeito ao meio ambiente, pois os instrumentos são feitos de forma artesanal, com materiais encontrados na natureza e, assim, o indivíduo desenvolve a inteligência existencial. Existem alguns momentos na roda em que os indivíduos ficam tão envolvidos que favorecem o desenvolvimento da concentração.

Diante das conexões aqui apresentadas, é possível afirmar que a capoeira, praticada ainda na infância, pode contribuir para o desenvolvimento dessas inteligências classificadas por Gardner. Dessa forma, ela contribui para a formação de um indivíduo global que, longe de ser perfeito, terá ao seu alcance ferramentas que o ajudarão a discernir sobre aspectos da vida em sociedade, tendo seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento garantidos.

 

 

Últimas Palavras

 

De prática discriminada a patrimônio cultural imaterial, a capoeira percorreu um longo caminho. Sendo brasileira, ela possui grande potencial educativo, sobretudo na infância, como ficou demonstrado neste trabalho.

Chegamos até aqui longe de chegar ao fim, elencamos possibilidades múltiplas com a prática da capoeira na infância. Entendemos infância como o momento em que os indivíduos estão mais propícios às diferentes aprendizagens. Contudo, sabemos que a aprendizagem e o desenvolvimento das inteligências podem ser treinados e praticados em todas as fases da vida humana, mas que a infância é o momento em que podemos plantar a semente do conhecimento, como preconizavam Froebel, Comenius e Locke, tendo em vista que é na infância que estamos mais abertos ao conhecimento.

Entendemos, também, que a aprendizagem na infância não se configura somente em uma possibilidade, mas sim um direito, como preconiza a Base Nacional Comum Curricular, onde está explicito que todas as crianças têm direito à educação integral que promova o seu desenvolvimento, favorecendo a construção de habilidades e competências.

Compreendemos que a capoeira, por ser uma prática cultural ligada à história e à formação do povo brasileiro, pode propiciar às crianças elementos de construção da identidade, mas que por ser um esporte que trabalha com o corpo e contém elementos lúdicos, propicia o desenvolvimento global da criança.  

A partir do diálogo com Gardner (2010), percebemos que a capoeira possui múltiplas possibilidades para o aprendizado na infância, devido a elementos como a musicalidade e a corporeidade, em função da riqueza sociocultural que lhe é intrínseca. Por isso mesmo, esta prática cultural possui significativo valor pedagógico, embora isto tenha lhe sido negado por muito tempo.

Esperamos com este texto ter demonstrado que a capoeira pode ser uma ferramenta educativa para o desenvolvimento de múltiplas inteligências nas crianças, evidenciando que há um diálogo possível e necessário entre essa prática cultural brasileira e a educação infantil. Enfim, dentre as muitas possibilidades que essa prática pode proporcionar, esbarramos nos limites do preconceito e da discriminação ainda presentes nas práticas advindas do povo, mas essa parte da história deixaremos para as próximas versões de trabalhos futuros, quem sabe em uma pesquisa empírica.

Muito embora, tenhamos limites, especialmente culturais, para que a capoeira esteja na escola como parte integrante do currículo, as possibilidades são múltiplas. Assim, cada educador vai entendendo e elegendo a sua forma de inserir na sua prática docente esses aspectos. O que tentamos aqui foi fazer uma análise de como uma prática cultural, com elementos lúdicos, pode participar da infância como mais um elemento educativo elencando suas possibilidades de contribuição da capoeira para a formação do indivíduo.

ANTUNES. Danielle Audrey. O jogo da capoeira para lidar com o preconceito e violência escolar. In: PARANÁ. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor PDE. Secretária de Estado de Educação do Paraná, Curitiba, 2013.

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 de agosto de 2021>

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