INTRODUÇÃO
Com a finalidade de combater a discriminação racial que ao longo dos anos veio segregando a participação de negros nas universidades públicas, o ordenamento jurídico prevê formas de equalizar o número de negros, bem como de diminuir a discriminação por um simples critério racial que, por um traço cultural, se enraizou e se tornou uma forma de preconceito das mais latentes.
Uma dessas medidas é o sistema de cotas raciais, que faz parte de um conjunto de medidas chamadas de ações afirmativas. Essas medidas têm por finalidade aumentar a participação de grupos que, ao longo do tempo, ficaram à margem das políticas públicas desenvolvidas pelos governos, fazendo com que haja a efetiva participação desse grupo e quebre este laço de preconceito, tendo em vista que a falta de participação dos mesmos causa um racismo institucionalizado.
O ordenamento pátrio segue adotando medidas desde 1996, com o Decreto nº 1.904, que previa expressa alusão às políticas compensatórias, tendo como meta o desenvolvimento de ações afirmativas em favor de grupos socialmente vulneráveis. O decreto foi revogado e gerou o Programa Nacional de Direitos Humanos de 2009. Em se tratando das cotas raciais, o Brasil vem, desde a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, ocorrida em Durban, África do Sul em 2001, apresentando e realizando medidas para acabar com esta forma de discriminação, culminando na Lei nº 12.711 de 2012, que trata, em específico, do sistema de cotas em universidades públicas.
Neste contexto, a questão norteadora dessa pesquisa pode ser expressa da seguinte forma: qual é a eficácia do sistema de cotas raciais em universidades públicas no Brasil, nos cursos de direito? Essas ações afirmativas funcionam, de fato, como mecanismo de acesso ao mercado de trabalho nessas áreas? Sumariamente, percebe-se que as implicações das medidas do sistema de cotas raciais como forma de diminuir a desigualdade causada por questões raciais e o seu desenvolvimento trazem benefícios à população negra no atual cenário da sociedade brasileira.
Para entender este fenômeno, o objetivo da pesquisa é avaliar a eficácia do sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras, nos cursos de direito, como mecanismo de acesso ao mercado de trabalho. Para tanto é preciso descrever o conceito de ação afirmativa; relacionar o princípio da igualdade frente ao sistema de cotas raciais; apresentar um panorama da população negra no Brasil; avaliar o quadro de racismo institucional; analisar a eficácia da Lei nº 12.711 e verificar a presença de negros nas universidades públicas, nos cursos de direito, bem como no mercado de trabalho, nos cargos de juízes, promotores e advogados, a partir do levantamento feito pelas entidades de classe.
Para entender o fenômeno do conjunto de medidas e analisar a sua aplicação, bem como verificar a eficácia do sistema de cotas raciais, usa-se pesquisas bibliográficas acerca do tema, dados estatísticos oficiais para analisar a população negra autodeclarada e a sua incidência nos quadros universitários, nos curso de direito, levando em conta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dados das entidades de classe relativos aos cargos de juízes, promotores e advogados, para verificar a incidência de negros no mercado de trabalho jurídico, verificando se o sistema de cotas raciais reflete também como um mecanismo de acesso a esse mercado específico.
1 OS NEGROS NO BRASIL
De acordo com Rainer Gonçalves Souza (2020, s/p), logo após o início da colonização do Brasil pelos portugueses, com a crescente necessidade de mão-de- obra para iniciar o cultivo das terras “recém-descobertas” e para alavancar a exploração das terras emergentes, iniciaram uma prática desenvolvida no final do século XIV, que foi o comércio de negros vindos principalmente de países como Senegal, Mali, Costa do Marfim e Nigéria, dentre outros países do continente africano, para suprir essas demandas. O transporte era feito em embarcações de forma desumana para as colônias de exploração.
O surgimento do Brasil e seu vasto território e riquezas foi o principal lugar para onde os negros foram trazidos, depois de capturados no continente africano.
A escravidão no Brasil tem como ponto de partida a década de 1530, período em que os portugueses deram início ao processo colonizatório. Até então, a ação desses havia sido baseada na exploração do pau-brasil, e o trabalho dos indígenas era realizado por meio do escambo. Assim, os indígenas interessados derrubavam as árvores, levavam até a costa e então eram pagos com objetos oferecidos pelos portugueses (SILVA, 2020, s/p).
A necessidade de exploração da recém-descoberta colônia portuguesa e o domínio que já haviam conquistado sobre os povos africanos fizeram com que se tornasse possível e vantajoso esse comércio.
A participação dos negros no Brasil Colonial aconteceu a partir do momento em que a experiência colonial portuguesa estabeleceu a necessidade de um grande número de trabalhadores para ocuparem, em princípio, as grandes fazendas produtoras de cana-de-açúcar. Tendo já realizada a exploração e dominação do litoral africano, os portugueses buscaram nos negros a mão de obra escrava para ocupar tais postos de trabalho (SOUZA, 2020, s/p).
De acordo com Carlos Homero Vieira Nina (2009, p. 63): “prática comum, a escravidão foi utilizada em quase todas as atividades econômicas do Brasil, a ponto de se identificar na colônia trabalho manual como trabalho escravo, agravando o preconceito que o colono já trazia de Portugal”.
Assim, a população negra trazida com a finalidade de suprir o crescente mercado de exploração dos materiais na colônia portuguesa, fez com que a população, antes formada por povos nativos, fosse incrementada com um grande número de negros compondo o cenário dos povos da então colônia chamada Brasil.
Depois de um logo período de exploração do trabalho dos corpos negros, principalmente nas lavouras de café e nos engenhos de cana-de-açúcar, a comunidade ligada às questões abolicionistas, vendo o exemplo de países que já viviam este processo abolicionista, começaram a impor ainda mais pressão ao governo brasileiro, bem como aos senhores de escravos, lutando para a libertação dos povos africanos que eram explorados no Brasil (NINA, 2009, s/p).
O caminho da abolição da escravatura no Brasil foi se desenhando ainda na época colonial, mediante fortes pressões que a Inglaterra exercia sobre Portugal, por exemplo, com a edição da Lei Bill Aberdeen, em 1845, que previa que qualquer navio negreiro, de qualquer nacionalidade, poderia ser interceptado por navios da marinha britânica no Atlântico, mesmo em águas brasileiras. Quando intercepetdos, os tripulantes das embarcações seriam presos e julgados por um tribunal inglês (SILVA, 2020, s/p).
Diante da pressão externa e do movimento abolicionista que crescia no Brasil, de início, autoridades que comandavam as atividades envolvendo os negros faziam vista grossa quanto à entrada de navios negreiros no Brasil. No entanto, devido aos embargos feitos ao comércio negreiro e as revoltas que passaram a ser desencadeadas por abolicionistas em território brasileiro, gradualmente, a ideia de liberdade foi introduzida, já que a comercialização dos corpos negros ficava cada vez mais fraco (NINA, 2009, s/p).
Todavia, da pressão inglesa até a efetiva abolição transcorreram mais de 50 anos. Nesse interim, surgiram leis como um presságio do que oportunamente seria a abolição, como a Lei do Ventre Livre, de 1871, que determinava a liberdade de todas as crianças nascidas a partir da sua vigência, sendo libertas aos 08 anos de idade pagando-lhes indenização ou aos 21 anos sem indenização. Outra medida se deu no ano de 1885, com o advento da Lei dos Sexagenários, quando todos os negros escravizados que completassem 60 anos de idade ganhavam a sua carta de alforria, o que era raro de acontecer, tendo em vista a pouca expectativa de vida dos escravizados (SILVA, 2020, s/p).
O ponto chave de todo o período da luta pela abolição se deu em 13 de maio de 1888, quando a então princesa regente do Brasil, Isabel de Bragança, depois de a lei ser aprovada pelo Senado, assinou a Lei Áurea, que legalmente extinguia e proibia a atividade exploratória escravagista. Contudo, tal abolição se deu mediante a resistência dos senhores de escravos, não sendo um processo célere, o que gerou sérias consequências no cenário social (NINA, 2009, s/p; SILVA, 2020, s/p).
O processo gradual de abolição da escravidão no Brasil perpetuou-se pela história no período pós-abolição, pois refletiu ao longo da construção da sociedade. A falta de estruturação social, mesmo com a abolição, e a falta de integração dos negros alforriados no contexto de pertença da população fez com que os negros fossem marginalizados e colocados à parte das políticas de governo, criando discriminação e abismo social.
No levantamento feito pelo IBGE entre os anos de 2012 a 2018, a população que se declarava negra ou parda aumentou cerca de 32,1%, totalizando, no fim de 2018, cerca de 55,8% da população brasileira (IBGE, 2019). Todavia, mesmo se mostrando a maior parcela da população, há um processo discriminatório contra o negro que é enraizado, sendo menor parte nas ações públicas desenvolvidas, bem como ocupando uma pequena parte nos quadros do funcionalismos e locais de poder, dentre outros.
Tendo em vista o atual cenário e na tentativa de reparar os danos causados ao logo dos anos, nos dias atuais já se nota uma preocupação com a condição de vida e com políticas públicas voltadas a diminuir a discrepante diferença entre brancos e negros. Algumas dessas ações visam equalizar a participação dos negros na sociedade. O reflexo dessas ações no mercado de trabalho é o foco deste estudo.
2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Durante o processo de redemocratização do Brasil, após o período de regime militar, compreendido entre os anos de 1964 até 1985, foi promulgada, em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), que ficou conhecida como a Constituição Cidadã, vez que outorgava à população direitos suprimidos no período ditatorial (NINA, 2009, s/p).
Um dos principais e mais fundamentais direitos consagrado pela CRFB/1988 foi o princípio da igualdade entre os cidadãos. Já no artigo 5º do texto constitucional fica bem clara essa nova visão de igualdade para nortear os novos dispositivos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 1988, s/p).
Como pode se observar, o texto contempla de forma bem clara o princípio da igualdade. Todavia, devem ser observados como os doutrinadores dividem o princípio da igualdade, em igualdade formal e igualdade material. É o que Robert Alexy destaca:
A assimetria entre a norma de tratamento igual e a norma de tratamento desigual tem como consequência a possibilidade de compreender o enunciado geral de igualdade como um princípio da igualdade, que prima facie exige um tratamento igual e que permite um tratamento desigual apenas se isso for justificado por princípios contrapostos (ALEXY, 2017, p. 411).
Para Marcelo Novelino a igualdade formal está expressamente consagrada no artigo 5º, caput da CRFB/1988, por intermédio da fórmula de matriz liberal "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (NOVELINO, 2018).
Observa-se que a igualdade formal consiste no tratamento equipado de todas as pessoas sem a acepção de raça, cor, gênero ou qualquer outro elemento cultural ou social que porventura crie distinção entre os grupos sociais, devendo o governo, em suas ações, aplicar recursos e desenvolver programas e políticas para todos, além de fomentar o combate à discriminação por parte de seus cidadãos.
Por outro lado, a igualdade material, conhecida também como igualdade real ou substancial, visa igualar os indivíduos que são essencialmente desiguais, ofertando mecanismos para combater as desigualdades existentes.
Denota-se que a isonomia em seu aspecto substancial visa corrigir as desigualdades existentes na sociedade, pois os indivíduos são desiguais sob as mais diversas perspectivas. Ademais há, ainda, no seio social, indivíduos e grupos historicamente mais vulneráveis ou que necessitam de tratamento diferenciado, seja pelo legislador, seja pelo aplicador do direito. Portanto, não se pode conceber que sejam os mesmos tratados pelo Ordenamento Jurídico como se idênticos fossem (SILVA, 2017, s/p).
Desta forma, para Carolina Dias Martins da Rosa e Silva (2017, s/p), a igualdade material busca, de forma prática, aplicar o princípio da igualdade, fazendo com que, se fosse aplicada somente a igualdade formal, aumentasse o abismo entre diversos segmentos da sociedade que, histórica, social e culturalmente são desiguais, causando ainda mais prejuízo aos mais vulneráveis.
3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Em 2001, em Durban, na África do Sul, continuou o debate para a criação de mecanismos para combater a discriminação em todas as suas formas, dentre elas a discriminação racial. Entre os objetivos propostos para que os países combatessem a discriminação entre os povos está a adoção de medidas mais enérgicas e efetivas, do ponto de vista prático, para que deixasse o campo das ideias, como se pode ver no item 166 do documento final daquela Conferência:
166 Insta os Estados a adotarem as medidas necessárias, como previsto na legislação nacional, para assegurarem o direito das vítimas em obterem reparação e satisfação justas e adequadas relativas aos atos de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e a formularem medidas efetivas para prevenção da repetição de tais atos (MDH, 2018, s/p).
Desta forma, os países foram estimulados a fomentar ações que ajudassem a assegurar esses direitos. O Brasil, como signatário da Conferência, passou a estimular as iniciativas para promover o combate à discriminação, desde a recepção das medidas no ordenamento jurídico até a edição de leis sobre o tema.
O conjunto de medidas recebeu o nome de Políticas Públicas, medidas legislativas e também executivas que visam colocar em atuação o que foi projetado na Conferência. O conceito de políticas públicas pode ser ilustrado da seguinte forma:
[...] as Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem- estar da sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade é sempre definido pelo governo e não pela sociedade. Isto ocorre porque a sociedade não consegue se expressar de forma integral. Ela faz solicitações (pedidos ou demandas) para os seus representantes (deputados, senadores e vereadores) e estes mobilizam os membros do Poder Executivo, que também foram eleitos (tais como prefeitos, governadores e inclusive o próprio Presidente da República) para que atendam as demandas da população (LOPES et al, 2008, s/p).
Cumpre ressaltar que as políticas públicas devem somar esforços para alcançar o bem-estar social e, assim, tornar os planos de governo acessíveis a todos. Frente a isso é que se volta também às questões da população negra, que em decorrência do racismo estrutural histórico ficou à margem destes planos (ALMEIDA, 2018), fazendo crescer assim o preconceito contra ela.
4 AS COTAS RACIAIS COMO AÇÕES AFIRMATIVAS
Com a justificativa de implementar de forma eficaz as políticas públicas e com a finalidade de se erradicar a discriminação, o Estado vem desenvolvendo uma série de ações para essa finalidade. A esse conjunto de medidas deu-se o nome de ações afirmativas, assim conceituadas:
Políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a rupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural (GEMAA, 2020, s/p).
Sidney Madruga também descreve ações afirmativas:
Ação afirmativa está adstrito a programas, políticas e diretrizes estabelecidas por entidades governamentais e privadas e que proporcionem determinadas vantagens, benefícios a um coletivo específico caracterizado por traço os distintos, tais como os baseados em raça, sexo, cor, deficiência e origem nacional (MADRUGA, 2016, p. 130).
As ações afirmativas se apresentam como uma forma de combater as discriminações em todas as suas formas, de maneira mais enfática com os grupos mais vulneráveis da sociedade. Esse conjunto de medidas visa atender as diferentes realidades encontradas, apresentando critérios diferenciados na adoção de políticas e metas de governo, balizando o princípio de igualdade formal, para atender de forma igualitária as populações mais vulneráveis da sociedade, oportunizando as mesmas condições a todos, diminuindo assim, o abismo discriminatório criado ao longo dos anos.
Assim, sob essa ótica de aplicar as políticas públicas, vem se disseminando formas para acabar com as desigualdades, principalmente a racial, foco deste trabalho, sendo o sistema de cotas raciais uma delas.
Em meio às políticas de ações afirmativas que servem como ferramenta de combate à discriminação e que possibilitam a participação igualitária das populações mais marginalizadas e vulneráveis, destaca-se o sistema de cotas raciais. As cotas raciais surgem como uma forma de equalizar a participação de negros em vagas de universidades públicas e concursos públicos, tendo em vista os séculos de discriminação.
Ao contrário do atual senso comum construído sobre o racismo estrutural, as cotas raciais não são discriminatórias, mas sim um instrumento de inclusão para os que foram marginalizados (ALMEIDA, 2018, s/p). O conceito de raça engloba, segundo Henri-Victor Vallois (1966, s/p) o “agrupamento natural de homens, que apresentam um conjunto de caracteres físicos hereditários comuns, quaisquer que sejam, por outro lado, as suas línguas, os seus costumes ou as suas nacionalidades”. Tal conceito atende à população negra.
De outra forma, as cotas raciais são uma política de reparação frente à dívida histórica com o povo negro que, pelo preconceito e o racismo estrutural, deixou de participar de diversos segmentos, em especial do ensino público superior (ALMEIDA, 2018, s/p). Essa negligência estatal se transformou, no decorrer do tempo, em uma forma de exclusão também do mercado profissional, restando apenas trabalhos informais, braçais e desprezados pelas classes mais ricas.
5 O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL E A LEI DE COTAS
Na perspectiva de aplicar o princípio da igualdade, previsto no texto constitucional em seu artigo 5º, que diz “todos são iguais perante a lei” (CRFB/1988), sobretudo no que diz respeito à igualdade material, visando atender os desiguais na medida de suas desigualdades, as políticas públicas começaram a ser desenvolvidas, em observância das classes por muitos anos esquecidas e desiguais, como negros, índios e pessoas com deficiência.
A discussão começou a ganhar repercussão no Brasil a partir do Decreto nº. 1.904/1996, que instituiu o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), trazendo à baila o desenvolvimento de ferramentas para inibir a discriminação e proporcionar a participação das populações, em especial a população negra, nas políticas governamentais (SILVA, 2017, s/p). Em suas propostas de atuação, o Decreto previa “desenvolver ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta” (apud GEMAA, 2020, s/p).
Em julho de 2010, foi sancionado o Estatuto da Igualdade Racial. Este estatuto visa combater a discriminação e estabeleceu a base para a promoção de políticas públicas, sobretudo as ações afirmativas. Já no artigo 1º da Lei nº. 12.288 se assegura a promoção destas políticas, visando acabar com a discriminação.
Art. 1º. Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica (BRASIL, 2010, s/p).
Nota-se que o legislador percebeu a necessidade de novas medidas com a finalidade de aplicar as políticas governamentais, visando que as comunidades excluídas ingressassem no cenário social e participassem, em efetivo, da sociedade em todos os campos.
Neste contexto, para dar efetiva aplicação tanto à Conferência de Durban quanto ao Estatuto da Igualdade Racial, adeveio a Lei de Cotas, em 2012, que entre os seus tópicos há a seleção para vagas em universidades públicas federais, utilizando também o sistema de cotas raciais. Este sistema garante a participação de negros nos quadros de alunos nas universidades federais, reservando a eles o percentual relativo às vagas ofertadas.
Art. 3º. Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas [de que trata o art. 1º desta Lei] serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 2012, s/p).
O texto que institui a política de cotas e, no caso específico das cotas raciais, garante tal participação em virtude de uma dívida histórica deixada pela falta de promoção de políticas para essa população (ALMEIDA, 2018, s/p). Em virtude desta aplicação, o cenário que antes era desfavorável aos negros vem, gradativamente, tomando novos contornos e, assim, equalizando a participação social dessa camada, bem como integrando-os nas universidades. Destarte, combatendo o quadro de discriminação racial.
Vale ressaltar que o sistema de cotas não ficou restrito aos negros, mas abarcou outros grupos vulneráveis que foram marginalizados. Desta forma, fica clara a virada de perspectiva, tanto da Conferência de Durban quanto das iniciativas governamentais, visando acabar com a discriminação em suas diversas formas, o que vem se consolidado com médias efetivas e se solidificando no passar dos anos.
É visível que a participação de negros em universidades aumentou de forma substancial, a partir de medidas como o sistema de cotas raciais. A Universidade de Brasília (UnB), pioneira na aplicação desse sistema, antes mesmo da obrigatoriedade da reserva de vagas a negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, em 2003, já havia aberto precedentes para esse objetivo de inserção, reservando 20% das vagas em seu processo seletivo, que de forma unificada nacionalmente foi efetivado só em 2012, com a sanção da lei de cotas, ou seja, quase dez anos após o início da discussão (ILHÉU, 2019, s/p).
Atualmente, com a vigência da Lei nº. 12.711/2012, que disciplina a sistema de cotas, as universidades reservam 50% das vagas para negros e pardos, indígenas, pessoas com deficiência e os alunos oriundos de escolas públicas, em número proporcional a cada grupo específico (BRASIL, 2012, s/p).
O objetivo da lei é que, paulatinamente, fosse sendo implementado o sistema de cotas de um modo geral, até que se atingisse o limite de 50% em 2016. De forma gradual, já em 2013, ano de início efetivo da aplicação, foram destinados 33% das vagas para o sistema de cotas, percentual este que em 2014 subiu para 40% das vagas, alcançando, em 2015, um ano antes do estipulado, a igualdade na oferta de vagas para os cotistas em universidades federais, mostrando o empenho na aplicação das medidas e a eficiência do mecanismo (MILENA, 2015, s/p).
6 A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE COTAS
Muito se discutiu acerca da constitucionalidade do sistema de cotas, baseando-se no critério étnico-racial, sob a argumentação de que tais políticas ofenderiam o princípio da igualdade, previsto no artigo 5º da CRFB/1988, bem como outros artigos do mesmo diploma jurídico. Neste sentido, foi proposta uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pelo partido Democratas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), buscando reconhecer a inconstitucionalidade do sistema de cotas raciais com os critérios utilizados pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (Cepe/UnB), sob o entendimetno de que a diretriz adotada pelo conjunto de ações afirmativas no Brasil precipitava em relação ao modelo adotado nos Estados Unidos, que norteou esta medida aqui, desprezando as estruturas diferenciadas nos dois países.
Em julgamento marcante ocorrido em 2012, a ADPF nº. 186 foi julgada improcedente, declarando-se a constitucionalidade do critério étnico-racial adotado como forma de selecionar cotas nas universidades públicas. O julgamento não só reconheceu a constitucionalidade, como também afirmou que tais medidas não afrontam o princípio da igualdade, mas levam à efetivação do mesmo no seu aspecto material, com demonstra o trecho abaixo:
Não contraria – ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares (STF, 2012, s/p).
Desta forma, pode-se perceber que as políticas de discriminação reversas, ou seja, as medidas que visam acabar com as formas de discriminação, não afrontam o princípio constitucional, mas sim o impulsiona a alcançar plenamente o pretendido. Neste tocante, a Procuradoria Geral de República (PGR) manifestou da seguinte forma:
A Constituição de 1988 insere-se no modelo do constitucionalismo social, no qual não basta, para a observância da igualdade, que o Estado se abstenha de instituir privilégios ou discriminações arbitrárias. Pelo contrário, parte-se da premissa de que a igualdade é um objetivo a ser perseguido por meio de ações ou políticas públicas, que, portanto, ela demanda iniciativas concretas em proveito dos grupos desfavorecidos (STF, 2012, s/p).
Assim, este julgamento simbolizou um marco e trouxe a consolidação da aplicação de medidas na luta contra a discriminação em suas diversas formas existentes, principalmente na discriminação racial, que tem grande força e ainda demanda um longo caminho até a sua eventual erradicação de forma completa.
7 OS NEGROS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
A população autodeclarada negra e parda no Brasil vem constituindo, ao longo de anos, a maior parte do povo brasileiro. Em 2012, a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua estimou este grupo populacional entre 89.600.000 milhões de pardos e 14.544.000 milhões de negros, representando, 45,3% e 7,4%, respectivamente. Em 2016, a população autodeclarada parda teve um aumento 1,3% e os negros 0,8%, totalizando 95.364.000 e 16.703.000, respectivamente. Neste mesmo período, a população autodeclarada branca teve uma queda de 2,3%, em 2012 eram 98.159.000, e em 2016 somavam 90.625.000 (SARAIVA, 2017, s/p).
Para analisar o aumento da população negra e parda, mostrando assim a construção do cenário racial brasileiro, em nova pesquisa de amostragem, o PNAD, em 2019, estima que a população negra no Brasil corresponda a 19.788.000 milhões, enquanto os pardos correspondiam a 98.122.000 milhões, representando um aumento de 1,2% e 0,2%, respectivamente (RODRIGUES, 2019, s/p).
Em um cenário constante, tendo em vista todo o contexto histórico de colonização e formação cultural do povo brasileiro, o número da população negra e parda vem, ao longo dos anos, constituir a maior parcela dos brasileiros em relação aos que se declaram brancos. Entretanto, mesmo com este quadro populacional, este grupo, por muito tempo discriminado, ficou distante das políticas públicas, ainda sendo necessária a discussão de novas formas para acabar com essas disparidades.
A pesquisa de Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgada pelo IBGE em 2019, apontou pela primeira vez que o número de negros e pardos em universidades públicas no Brasil ultrapassou o número de brancos. O estudo apontou que 50,3% dos estudantes matriculados eram pardos ou negros (IBGE, 2019, s/p).
Este avanço é muito significativo, pois mostra que o combate às desigualdades está alcançando um grau de eficiência desejado. Para se comparar, em 2011, por exemplo, um ano antes de ser sancionada a lei de cotas, o número de negros que frequentavam ou concluíram o ensino superior era de apenas 8,8%, de acordo como o censo da educação superior do Ministério da Educação (PASSARINHO, 2012, s/p).
A disparidade dos números mostrava o reflexo da discriminação e a necessidade de se adotar medidas, de forma a possibilitar o ingresso deste grupo nas universidades. Para entender os impactos do sistema de cotas, o número de vagas ofertadas e o consequente aumento de negros nas universidades, no período de 2012, com a sanção da lei de cotas, a 2015, aumentou de 140.303 para 247.950, segundo números do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA, 2019, s/p).
Desta forma, mostrou-se frutífera a adoção destas políticas, como forma de possibilitar a participação dos negros nas universidades. A diferença entre os grupos raciais foi superada com os índices atuais, quando, pela primeira vez, o número de negros nas universidades foi a maioria (ILHÉU, 2019, s/p).
8 OS NEGROS NO CURSO DE DIREITO
Segundo dados do censo da educação superior de 2018, apesar de os negros serem maioria nas universidades, eles ainda são minoria em cursos de maior concorrência. No curso de Direito os negros e pardos somavam apenas 43,8% dos estudantes (ILHÉU, 2019, s/p).
Nota-se que ainda há um caminho a ser percorrido até que se seja alcançada essa igualdade de participação. Todavia, já é possível ver uma evolução, pois se comparado com os números relativos aos mesmos indicadores em 2011, vê-se um aumento de 20,8%, de acordo com os números do censo da educação, já que no referido ano a participação dos negros nos cursos de Direito era de 23% dos estudantes (PRADO, 2019, s/p).
É notória a evolução da participação dos negros no curso de Direito em universidades. Esse aumento no período 2011 a 2016, comparado com os resultados do censo da educação em 2018, demonstra a implicação que as políticas públicas, de forma positiva, vêm causando em todo o cenário das universidades, em específico no curso de Direito.
9 OS NEGROS NAS CARREIRAS JURÍDICAS
Fica evidente que, além de possibilitar com que os negros tenham acesso ao ensino superior, como reflexo, a Lei de Cotas influencia na participação dos mesmos no mercado de trabalho, uma vez que, quanto maior a incidência de negros nos quadros universitários e se graduando, notadamente, a expectativa é que da mesma forma aumente a proporção do número de negros nas respectivas áreas de formação.
Quando se vislumbra a participação deste grupo em específico nas carreiras jurídicas, nota-se que ainda há um grande caminho a ser percorrido, para que seja atingido um parâmetro de igualdade. Todavia, é possível observar um crescimento dos números, ainda que de forma tímida.
Para melhor ilustrar este cenário, analisa-se a participação dos negros nas carreiras na Magistratura, no Ministério Público e na Ordem dos Advogados do Brasil. Vale salientar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) possui dados precisos a respeito do assunto, entretanto, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ainda não os têm, mas é possível analisar, não de forma precisa, por intermédio de pesquisas de outras associações. Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem um estudo revelando dados até o ano de 2015, retratando o cenário a partir da Lei de Cotas.
O CNJ, no último censo do judiciário de 2018, constatou que o número de magistrados que se declaram pardos e negros no Brasil corresponde a um total de 18% em um universo de cerca de 18.011 mil juízes à época da pesquisa, enquanto os que se declararam brancos totalizaram 80,3% do número apurado. Esse número representa um aumento de cerca de 2,4%, se comparado com os mesmos dados no ano de 2013, quando os que se declararam negros e pardos somavam 15,6% dos juízes (OTONI, 2018, s/p).
Notadamente, os números mostram que ainda há uma disparidade entre brancos e negros no quadro dos magistrados em todo o Brasil. Entretanto, apesar de o crescimento ser lento e no intervalo de pouco mais de cinco anos, tem de se levar em conta a disponibilidade dos concursos para o ingresso nas carreiras, o que pode justificar a lentidão do crescimento para o número de negros na Magistratura, apesar de todas as medidas que estão sendo tomadas para o combate à desigualdade no número deste grupo entre os magistrados.
Não obstante, o ministro Dias Toffoli, do STF, exercendo a função de presidente do CNJ em reunião do Conselho, rechaçou a importância das ações afirmativas fundada nos critérios étnico-raciais, no sentido de fomentar a participação dos negros, tanto nas universidades quanto nas carreiras públicas, para que assim diminuam a baixa participação deste grupo, sobretudo dentro da Magistratura, como ressaltaram os números descritos (VALENTE, 2018, s/p).
Uma das carreiras mais concorridas e prestigiadas do mundo jurídico é a de promotor de justiça. Entretanto, o cenário no Ministério Público também revela uma desigualdade entre brancos e negros. Apesar de o CNMP não ter relatórios oficiais com relação ao número, é possível aferir a incidência de negros nos quadros do Ministério Público por intermédio de pesquisas alternativas.
Em pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESC) em 2016, apenas 22% dos membros do Ministério Público eram negros e pardos, somavam 2% e 20%, respectivamente. Se comparados aos que se declaram brancos, a diferença corresponde a mais de 50% em relação aos membros que se autodeclaram pretos e pardos, na pesquisa estatística divulgada, já esta parcela somam mais de 77% dos membros do Ministério Público. Devido à escassez de dados do próprio CNMP, fica prejudicada a comparação com períodos anteriores para aferir se houve variação nesses números (AZEVEDO, 2016, s/p).
Contudo, ao observar os números, presume-se que, em tempos pretéritos, a discrepância nos dados era mais elevada, concluindo ainda haver um longo caminho a ser percorrido em busca da igualdade.
No cenário nacional, a OAB não possui estatísticas precisas e recentes revelando dados a respeito da quantidade de negros inscritos em seus quadros, o que prejudica a análise deste quesito. Entretanto, em fevereiro de 2015, a entidade afirmou que a adoção de medidas das ações afirmativas possibilitou que cerca de 39 mil advogados negros ingressassem em seus quadros, totalizando, à época, cerca de 1.300 advogados inscritos por mês em um período de 30 meses, observando o período de vigência da Lei de Cotas (OAB, 2015, s/p).
Para ilustrar o cenário da desigualdade, a Associação Nacional da Advocacia Negra (ANAN), instituição criada em 2016 com a finalidade de combater a discriminação racial na advocacia, com base em pesquisa divulgada na imprensa, informou que os negros representam apenas 1% dos advogados nos grandes escritórios de advocacia (PRADO, 2019, s/p).
Este quadro evidencia a dificuldade que tal grupo tem em acessar o mercado de trabalho em grandes escritórios, o que não significa desemprego entre a classe, tendo em vista que muitos podem ter optado pelo seu próprio escritório. Assim sendo, entre os advogados, em relação às ações afirmativas, têm mostrado um crescimento bem mais acelerado, se comparado às demais carreiras, em busca do ideal pretendido.
Com a exclusão da carreira de advogado, que não depende de concurso público para o ingresso, bastando para tanto a aprovação no exame de ordem, há a necessidade de se adotar medidas, como forma de possibilitar o ingresso nas carreiras de juízes e promotores, a fim de diminuir a discrepância dos números.
No âmbito da administração federal, a Lei nº. 12.990 de 2014, dispõe sobre a reserva de 20% de vagas para negros e pardos em concursos públicos. Como medida para uniformizar as ações no Poder Judiciário e no Ministério Público, o CNJ editou a Resolução nº. 203/2015 e o CNMP a Resolução nº. 170/2017, reservando em seus respectivos quadros 20% de vagas nos concursos para negros e pardos.
No cenário geral e analisando os números apresentados até aqui, verifica-se o crescimento tímido na efetivação das medidas. Contudo, há de se levar em consideração o baixo número de concursos desde a sua criação e, também, o alto grau de dificuldade dos certames, que influem diretamente no resultado final.
CONCLUSÃO
A pesquisa teve por objetivo analisar a eficácia do sistema de cotas raciais nas universidades públicas no Brasil, nos cursos de Direito, e se a aplicação dessas medidas serviria como mecanismo de acesso ao mercado de trabalho nas carreiras jurídicas, notadamente nos cargos de juízes, advogados e promotores de justiça.
Ficou evidente, ao analisar os números desde a vigência da Lei nº. 12.711/2012, a evolução do número de negros nos quadros das universidades públicas, em especifico nos cursos de Direito. Quando observados os números no ano de 2001, um ano antes da promulgação da Lei de Cotas, os negros somavam 23% dos estudantes que cursavam Direito em universidades públicas. Com a adoção do sistema de cotas, este número passou para 43,8% dos estudantes deste curso.
É notório que a adoção dessas medidas se mostrou eficaz, no que se refere à participação de negros, não só nos cursos de Direito, mas de um modo geral, já que em 2019 o IBGE divulgou que os negros compunham 50,3% dos estudantes em universidades públicas.
A segunda parte do artigo procurou analisar a eficácia das medidas em prol do acesso dos negros ao mercado de trabalho nas carreiras jurídicas. Os resultados apontaram que ainda há um longo caminho a percorrer para atingir a igualdade de participação de negros nas carreiras de juízes, promotores e aadvogados.
Em se tratando dos juízes, de 2013 a 2018, o censo do CNJ apontou um crescimento no número de juízes negros de 2,4%. Entretanto, mesmo com este aumento, a estatística ainda aponta uma disparidade, sendo que apenas 15,6% se declararam negros. Desta forma, apesar das medidas já tomadas, ainda há um grande percurso para diminuir essa disparidade.
No que se refere aos promotores de justiça, a situação é muito preocupante, tendo em vista que, apesar de todas as medidas das cotas em universidades e até mesmo em concursos públicos, a última estimativa apontou que somente 22% das vagas de promotores é ocupada por negros e pardos, levando em consideração os dados de 2016. Isso mostra a dificuldade que os negros ainda encontram para alcançar essa profissão.
Dentre as profissões analisadas, a que apresenta melhor resultado, levando em conta o período de vigência da Lei de Cotas, é a advocacia. Foi possível verificar que, segundo dados da OAB, 36.000 advogados negros ingressaram em seus quadros depois da adoção do sistema de cotas, o que mostrou um salto significativo em relação aos anos anteriores.
Foi possível verificar eficácia positiva do sistema de cotas em relação ao ingresso de negros nos cursos de Direito em universidades públicas no Brasil, visto que, de 20%, em 2011, passaram para 43,8%, em 2018. Outro aspecto favorável ao sistema demonstrando a sua eficácia é o fato de que, em 2015, um ano antes do prazo estimado para que a Lei de Cotas tivesse a sua total aplicação, o objetivo de ofertar 50% das vagas já foi alcançado.
Todavia, em se tratando das carreiras profissionais, em especial as carreiras públicas, os avanços ainda são bastante tímidos e quase inexpressivos, necessitando ainda de mais esforço para atingir a igualdade de participação entre negros e brancos, uma vez que, mesmo com o advento da Lei de Cotas nas universidades e da lei da reserva de vagas em concursos públicos, a quantidade de negros nestas carreiras é pequena, se comparada aos brancos.
Conclui-se que as medidas de combate à discriminação racial, por intermédio do sistema de cotas em universidades públicas, foi um meio eficaz para diminuir a desigualdade entre brancos e negros nas universidades públicas, de forma especial, nos cursos de Direito. Entretanto, o aumento de concursos para a Magistratura e o Ministério Público é uma forma para se concretizar os efeitos da legislação de reserva de vagas para negros nessas carreiras e do fiel cumprimento da igualdade nesse aspecto.
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