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Cenas Generificadas Em Livros Didáticos De Língua Portuguesa

Rosa Virginia Oliveira Soares de Melo

Tomando como norte a importância dos livros didáticos (doravante LD) enquanto artefatos de construção das subjetividades, concordando que eles são utilizados de maneira expressiva nas salas de aula brasileiras e admitindo seu potencial de persuasão em relação ao público a que se destinam, este artigo embasa-se em nossas análises anteriores, e versa sobre o modo como as relações de gênero estão retratadas nas imagens, textos e exercícios propostos nas coleções didáticas de língua portuguesa, no tocante a profissões, protagonismo dos personagens, personalidades e algumas cenas do cotidiano ali encontradas.

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MELO, Rosa Virginia Oliveira Soares de. CENAS GENERIFICADAS EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/248-cenas-generificadas-em-livros-did%C3%A1ticos-de-l%C3%ADngua-portuguesa. Acesso em: 16 out. 2025.

CENAS GENERIFICADAS EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Desde muito cedo, as pessoas aprendem os modos adequados de ser mulher e de ser homem e isso acontece de diferentes maneiras e em diferentes lugares, seja em casa, com a família, ou na escola, em espaços de lazer, através das mídias e tecnologias, entre outras atividades. Em âmbito familiar, as diferenças de gênero são percebidas desde, por exemplo, o modo de vestir, na escolha dos brinquedos, na decoração dos quartos e nas tarefas domésticas. A mídia, por sua vez, induz “modos de ser, estar e fazer considerados adequados e desejáveis” (PARAÍSO, 2002, p. 96) para os diferentes gêneros por meio de jornais impressos, televisão, filmes, internet e publicidade.

Os currículos reafirmam as subjetividades através de moldes padrão de feminilidades e masculinidades, reiterando marcas aceitas na sociedade. E para que essas subjetividades desejáveis sejam produzidas, são utilizadas inúmeras estratégias a fim de garantir o controle sobre a sexualidade das crianças e sobre seus corpos, visando sempre o disciplinamento de suas condutas. Percebe-se que os discursos que permeiam currículos escolares operam de modo que as crianças saibam como devem proceder, como devem se vestir e se comportar e a quem devem obedecer.

Diante disso, tomando como norte a importância dos livros didáticos (doravante LD) enquanto artefatos de construção das subjetividades, concordando que eles são utilizados de maneira expressiva nas salas de aula brasileiras e admitindo seu potencial de persuasão em relação ao público a que se destinam, este texto versa sobre o modo como as relações de gênero estão retratadas nas imagens, textos e exercícios propostos nas coleções didáticas de língua portuguesa, no tocante a profissões, protagonismo dos personagens, personalidades e algumas cenas do cotidiano ali encontradas.

Para empreender essa análise, adotamos métodos de pesquisa de natureza qualitativa, cuja abordagem é guiada por um processo de obtenção de dados descritivos mediante o objeto de estudo. Foi feita uma análise de cunho descritivo e explicativo a partir da interpretação iconográfica e textual, e atribuição de significados às relações de gênero encontradas nas figuras, textos e exercícios dos LD de Língua Portuguesa. Diante do raciocínio generificado que conduz as práticas curriculares, através das quais meninos e meninas recebem tratamentos distintos e cobranças diferenciadas, onde se ensina que menino é e deve ser diferente de menina, e que, também se admitem determinadas condutas de meninos que não se admitem das meninas, observamos que profissões são tomadas como aptas para ser exercidas pelas feminilidades e masculinidades, como tais subjetividades aparecem em cenas do cotidiano, que celebridades ou personalidades são trazidas como exemplo nos textos e exercícios das coleções didáticas analisadas, e como se refletem numericamente as produções de feminilidades e masculinidades em textos, exercícios, sugestões de leitura autores/as de textos.

A importância em examinar livros aprovados pelo PNLD, por sua vez, se ancorou, sobretudo, ao perceber a imensidão do programa PNLD a partir da distribuição de LD para todas as escolas públicas do Brasil, bem como na forte influência que os LD têm na construção do conhecimento, influenciando significativamente a formação de pessoas em todo o país, apesar das opressões de gênero que tem marcado nossos dias de maneira muito mais recorrente. Cardoso (2018, p. 93) afirma que o PNLD cravou suas marcas no território curricular, pois, quando estipula os critérios a serem avaliados nas obras, ao “delinear certos objetivos a serem alcançados pelas editoras e elaborar a apresentação das coleções didáticas aprovadas para escolha, tal Programa define o que é e o que não é autorizado a circular via Livros Didáticos (LD) nas escolas públicas brasileiras”. Além disso, o LD é apontado “como o instrumento que orienta o conteúdo a ser administrado e como o principal material pedagógico na escola pública brasileira” (CARDOSO, 2018, p. 93), o que faz com que a ação do referido programa assuma imenso alcance, uma vez que ele “avalia, seleciona e regula saberes e subjetividades nos currículos endereçados a estudantes e docentes no maior mercado de LD do mundo” (CARDOSO, 2018, p. 93).

Em relação ao PNLD 2019, a distribuição de LD visava atender professores da educação infantil e a todos os estudantes e professores dos anos iniciais do ensino fundamental, além de repor os livros consumíveis para os estudantes e professores dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, bem como os livros adicionais consumíveis e reutilizáveis para cobrir acréscimos de matrículas para os alunos de todas as séries do ensino fundamental e ensino médio.

Diante de tantos retrocessos e desse governo Federal amparado pela vertente do neoliberalismo e tendo como base de apoio as camadas conservadoras da sociedade, o que vemos são atitudes que exaltam a meritocracia, o individualismo exacerbado e a redução dos gastos sociais do Estado com política social, o fim de algumas secretarias, a exemplo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI)[1] – que tratava de direito à educação com qualidade e equidade, voltando-se para a inclusão social –, implicando no desmonte de serviços públicos de saúde e educação. É a supervalorização do capital e a negação do social, somando-se a esse panorama o desprezo pela vida e pela ciência. Esse governo avança, ainda, de encontro à educação pública, se posicionando contra a ciência e tecnologia, cortando bolsas de pesquisas[2] e atacando as ciências sociais e humanas, além de emitir frequentemente opiniões contra os servidores públicos, congelando salários e suspendendo benefícios. Além disso, retiraram-se da política de Direitos Humanos as ações destinadas à garantia de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e demais grupos LGBTQI+, além de presenciarmos atitudes de censura à imprensa e ao cinema, entre outas coisas.

Assim, assumimos o escopo precípuo de analisar as relações de gênero apresentadas em duas coleções de LD de Língua Portuguesa aprovados pelo PNLD 2019. O recorte que analisamos refere-se às obras destinadas aos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano). Dentre elas, selecionamos duas coleções de maneira aleatória: Ápis – Língua Portuguesa – Editora Ática, a qual denominamos coleção AP, e Buriti Mais – Português – Editora Moderna, coleção BM. Aqui, altercamos sobre como tais LD trazem as relações de gênero no que respeita as profissões, cenas, celebridades e personalidades e demais demandas generificadas.

 

[1]                                     Leia mais em http://www.justificando.com/2019/01/17/extincao-secadi-campo-educacao-conjuntura-atual/. Acesso 20/07/20

[2]                                     Leia mais em https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/03/politica/1567542296_718545.html. Acesso em 13/05/20

GÊNERO E CURRÍCULO

Partimos da assertiva de que o conceito de gênero tem sua progênie ligada às lutas dos movimentos sociais, em especial do movimento feminista, que atuou na busca da equidade dos grupos minoritários, e serviu como amplo instrumento político e analítico das desigualdades sociais, além de ser utilizado, também, para analisar possíveis atribuições sociais dos corpos masculinos e femininos. Segundo Louro (2001) falar de gênero é falar da maneira como as chamadas diferenças sexuais são representadas e valorizadas; é referir-se àquilo que se diz ou pensa sobre tais diferenças em determinada sociedade, determinado grupo e em determinado conceito.

Concordamos com Scott (1995), ao tomar gênero como elemento constitutivo de relações sociais com base nas diferenças percebidas entre os sexos, e, também com Butler (2010), ao afirmar que gênero é a inscrição cultural de significado em um sexo dado previamente dado, além de o tomarmos como “construto sociocultural e linguístico, produto e efeito das relações de poder” (MEYER; SOARES, 2004).

Aqui, admitimos que o gênero é elaborado nas relações sociais, quando as características sexuais ganham sentido e representabilidade, sendo o modo como se identifica dentre os locais, isto é, como a pessoa se vê entre as possibilidades de ser homem ou mulher, podendo ou não ser reflexo do sexo, sendo essa subjetividade “performativamente constituída, pelas próprias ‘expressões’ tidas como seus resultados” (BUTLER, 2010, p. 48). Gênero são todas as formas de construção social, cultural e linguística implicadas em processos que diferenciam mulheres e homens, incluindo aqueles processos que produzem seus corpos para distingui-los e nomeá-los como corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade. Os sujeitos se ocasionam mulheres e homens numa operação dinâmica e continuada desde o nascimento, de modo que, no dizer de Schwengber (2004), nada é dado e acabado, “mas construído em práticas sociais feminilizantes e masculinizantes” (SCHWENGBER, 2004, p. 80).

Segundo Meyer (2000), as representações hegemônicas de gênero fixam padrões nos quais se institui o que é ser homem e mulher, como se educam meninos e meninas e, consequentemente, o que podem e devem fazer da vida. Assim como em qualquer instância social, a escola é um espaço sexualizado e generificado e nela estão atuantes as concepções de gênero e sexuais que histórica e socialmente constituem uma determinada sociedade. Com isso, as instituições formativas se valem de um discurso heteronormativo e “conferem inteligibilidade de gênero aos corpos que se conformam ou se aproximam de seus ideais, marcam e regulam aqueles que apresentam performance que destoam, distanciam e rompem com seus saberes” (OLIVEIRA et al, 2017, p. 2).

Para Stephanou (1998), o que os estudantes têm oportunidade de aprender na escola, oculta ou explicitamente, bem como aquilo que não lhes é oportunizado, porque excluído, constituem o currículo. Concordando com ela, e reafirmando a perspectiva dos estudos pós-críticos,t omamos o currículo como tudo aquilo que advém das salas de aula, de influências familiares, da mídia e seus personagens, bem como dos professores e seus processos formativos, sendo um “artefato cultural que ensina, educa e produz sujeitos, que está em muitos espaços desdobrando-se em diferentes pedagogias” (PARAÍSO, 2010a, p. 11), para diferenciar e hierarquizar as pessoas desde muito cedo.

Para Paraíso, o currículo é um espaço de produções de subjetividades e atua  como “território de proliferação de sentidos e multiplicação dos significados” e o que está em jogo para ele “é a construção de modos de vida” (PARAÍSO, 2010b, p. 588). No dizer de Silva (2008), o conhecimento corporificado do currículo não opera como algo fixo, mas artefato social e histórico, sujeito a mudanças e flutuações, e o discurso pedagógico aí utilizado muitas vezes está circundado numa lógica de saberes que alicerçam a teoria e a prática e validam o que acontece no cotidiano escolar. Esse mesmo discurso, na maioria das vezes é “tomado como verdade e repassado em ambiente escolar sem indagação alguma”, do mesmo modo, que expressa “a forma como certas questões são definidas como problemas sociais” (SILVA, 2008, p. 9).

É nesse raciocínio generificado que conduz as práticas curriculares que meninos e meninas recebem tratamentos distintos e cobranças diferenciadas. Ensina-se que menino é e deve ser diferente de menina. Também admitem-se determinadas condutas de meninos que não se admitem das meninas. Esperam-se coisas de meninas que não se esperam de meninos. Classificam-se como normais e como anormais determinados comportamentos e desempenhos e ainda “cobram-se desempenhos diferenciados de meninas e meninos e, então, usam-se técnicas diferenciadas para governar meninos e meninas nas escolas” (PARAÍSO, 2016, p. 19).

Assim, traremos a seguir que profissões são tomadas como aptas para ser exercidas  pelas feminilidades e masculinidades, como tais subjetividades aparecem em cenas  do cotidiano, que celebridades ou personalidades são trazidas como exemplo nos textos e exercícios das coleções didáticas analisadas, e como se refletem numericamente as produções de feminilidades e masculinidades em textos, exercícios, sugestões de leitura e autores/as de textos.

 

O GÊNERO NAS ATIVIDADES LABORAIS, PERSONAGENS, PERSONALIDADES E CENAS DOS LD DE LÍNGUA PORTUGUESA

As construções de gênero são reproduzidas historicamente em qualquer espaço social, de modo que a naturalização da superioridade masculina influencie a construção das subjetividades a partir de como as coisas do mundo são apresentadas pelos familiares, no espaço escolar e no currículo que ali permeia e nos demais arranjos socialmente construídos no cotidiano. Diante disso, ações como o simples ato de vestir-se ou de brincar parecem um possível exercício para as práticas futuras de homens e mulheres “algo que está ocorrendo natural e instintivamente e que resultará na concretização do que prega o discurso construído socialmente” (NASCIMENTO, 2014, p. 14).

Observando esse ‘treinamento’ prévio, tomando como norte a importância dos LD enquanto artefatos de construção das subjetividades, e concordando que eles são utilizados de maneira expressiva nas salas de aula brasileiras, admitimos seu potencial de persuasão em relação ao público a que se destinam. Assim, este artigo traz um pouco das nossas análises (DE MELO, 2020) sobre o modo como as relações de gênero estão retratadas nas imagens, textos e exercícios propostos nas coleções didáticas selecionadas, no tocante a profissões, protagonismo dos personagens, personalidades e algumas cenas do cotidiano ali encontradas.

Assim, vimos que para as feminilidades aparecem como atividades laborativas as funções de florista (AP05, p. 250), cozinheira (AP02, p. 184; AP05, p. 250 e BM02, P. 202 e p. 144), escritora (BM05, p. 58), enfermeira (BM04, p. 116), cantora (AP02, p. 197 e BM05, p. 56 e p. 57), padeira (AP05, p. 250; BM02, p. 96), diretora de escola (BM05, p. 97), repórter ou jornalista (AP04, p. 79 e BM03, p. 164) , recepcionista ou secretária (AP04, p. 110 e AP05, p. 40 e p. 118), garota-propaganda (AP05, p. 175 e p. 176), costureira (BM02, p. 22, p. 101 e p. 110, e BM04, p. 161), juíza de esportes (BM03, p. 154) ou de direito (BM04, p. 148), bibliotecária (BM03, p. 206), vendedora de guloseimas (BM03, p. 168), cabeleireira (BM05, p. 29), interprete de LIBRAS (BM05, p. 70), atriz (BM05, p. 187), dubladora (BM05, p. 102) e médica (AP03, p. 187; AP05, p. 144 e BM04, p. 145).

Para as masculinidades, encontramos profissões como: biólogo (BM05, p. 84), astrônomo (BM05, p. 140) ou astronauta (BM03, p. 19, e BM04, p. 198), dono de bar (BM02, p. 170) ou de loja (BM02, p. 85 e p. 87), paleontólogo (BM04, p. 84 e p. 86, e BM05, p. 84 e p. 90) ou paleoartista (BM05, p. 94), Fazendeiro (AP02, p. 34 e p. 36, e BM02, p. 126) ou agricultor (BM02, p. 65 e p. 144; BM03, p. 174; BM04, p. 25 e p. 26, e BM04, p.174 e p. 175), militar (AP02, p. 87; BM01, p. 60 e p. 80; BM04, p. 100, p. 154 e p. 155), bombeiro (AP02, p. 169; AP04, p. 78; BM01, p. 99, e BM03, p. 70) ou detetive (BM05, p.126, p. 127 e p. 129); chef de cozinha (AP02, p. 118, e BM02, p. 19) ou padeiro (BM05, p. 165 e p. 189), artista de circo (AP02, p. 207; BM02, p. 199; BM04, p. 23 e p. 186, e BM05, p. 20), mágico (BM04, p. 116, e BM05, p. 189), pianista (BM04, p. 116) ou ator (AP04, p. 10, e AP05, p. 252); feirante (AP01, p. 65, e AP02, p. 194), sorveteiro (BM01, p. 113), repórter (AP03, p. 104 e p. 200; BM03, p. 171, e BM04, p. 45, p. 145 e p. 197), escritor (AP04, p. 10 e p. 13, e BM02, p. 46), poeta (BM04, p. 77) ou inventor (BM02, p. 107, e BM05, p. 52); jogador de futebol (AP04, p. 201; BM01, p. 116, p. 134 e p. 135, e BM03, p. 124), judoca (BM01, p. 135); e diretor de biblioteca (BM01, p. 18), de escola (BM01, p. 17, e BM03, p. 17) ou de cinema (BM04, p. 97).

Apareceram, ainda, como pescador (AP02, p. 211), lenhador (BM04, p. 24 e p. 176), vaqueiro (BM02, p. 94) ou cavaleiro (BM04, p. 103), caçador (BM03, p. 156), maquinista (AP04, p. 10), motorista (BM05, p. 12 e p. 22), taxista (BM05, p. 22), carroceiro (BM01, p. 60, e BM02, p. 96), capitão de barco (BM01, p. 78 e p. 80; BM02, p. 20 e p. 138, e BM03, p. 22), motoqueiro (BM01, p. 113) ou entregador de pizza (BM02, p. 159); desenhista (AP05, p. 144, e BM05, p. 194), fotógrafo (BM04, p. 104), pintor de paredes (BM02, p. 57 e p. 67) ou de telas (BM04, p. 10 e p. 11); artesão (BM02, p. 95 e p. 96, e BM05, p. 101), marceneiro (BM05, p. 44, p. 121 e p. 175) ou sapateiro (BM02, p. 65, e BM04, p. 83 e p. 84); juiz de direito (BM03, p. 80 e p. 151, e BM04, p. 24 e p. 161), mecânico (BM03, p. 40), analista de jogos (BM03, p. 122) ou narrador esportivo (BM03, p. 48), gandula (BM01, p. 149), carteiro (AP04, p. 110), barbeiro (BM03, p. 170), guia de passeio (AP04, p. 250), rapper (AP04, p. 90), secretário (BM04, p. 118 e p. 121), veterinário (BM02, p. 101, e BM05, p. 187), cientista ou pesquisador (BM03, p. 20 e p. 200, e BM04, p. 118 e p. 121), vendedor de roupas ou acessórios (AP05, p. 43, p. 146 e p. 205; BM01, p. 60, e BM05, p. 110), políticos (AP05, p. 250; BM04, p. 12, p. 145 e p. 197), imperadores (BM04, p. 13, p. 14 e p. 34) e médicos (AP04, p. 53; BM01, p. 91; BM03, p.134 e 135; BM04, p. 136, e BM05, p. 31.

Como se vê, as feminilidades aparecem em um leque bem mais restrito de profissões, se formos compará-las à imensidão de profissões que retratam as masculinidades. Num total 87 profissões encontradas, seja em textos, imagens ou exercícios desses LD, 65 eram exercidas pelas subjetividades masculinas (74,71%), enquanto que 22 delas (25,3%) eram exercidas pelas feminilidades.

Muitas vezes, o apelo à domesticidade, à maternidade e ao cultivo da beleza faz com que o feminino estampe o papel de donas de casa (AP02, p. 194 e p. 265; AP05, p. 150 e 216; BM01, p. 46; BM02, p. 30, p. 31 e p. 95; BM03, p. 198 e p. 199), ainda que na terceira idade (BM01, p. 43). Também aparecem enquanto criança, quando o texto apresenta uma menina que arruma a casa, enquanto um menino fica sentado no sofá (BM05, p. 186), e outra menina arrumadeira, enquanto o homem era colecionador de espadas (BM05, p. 92), fazendo uso de um discurso que acaba por limitá-las “biologicamente, as compreendem como sendo do espaço doméstico e as governam para serem passivas” (CARDOSO, 2011, p. 26). Muitas vezes, também apareceram fazendo comida em casa, (AP02, p. 184; AP05, p. 250; BM02, p. 20 e p. 144), fossem humanas adultas, meninas (BM04, p. 67 e p. 68) ou coelhas (BM03, p. 12).

As coleções didáticas realçam a todo o tempo o cuidado, a calma e doçura feminina, como qualidade muito importante para as mulheres, o que faz com que as mesmas sejam sempre retratadas na carreira docente, na qual percebemos que, de um total de 18 imagens, 15 delas traziam mulheres nesta função de professora (83,33%), ainda que estivessem retratadas por animais, a exemplo de uma aranha que usava salto alto vermelho (BM02, p. 41) ou em exercícios (BM04, p. 173 e p. 196; BM05, p. 165 e p. 189). Apenas 03 imagens traziam homens como professor (16,67%), o que se repetia em textos e exercícios (Textos: BM01, p. 17; BM05, p. 101/ Exercícios: BM03, p. 151; BM04, p. 56 e p. 188; BM05, p. 90), mas com o realce de que o mesmo uma das vezes era professor em aulas de laboratório e outra, em aulas de Educação Física.

Às mulheres e aos homens são impostos estereótipos e padrões de comportamento utilizados para justificar a aptidão e o exercício em determinadas profissões, a exemplo da docência, na qual as atribuições são definidas sob a tendência de destinar aos “homens os cargos de comando ou a docência em níveis de ensino mais elevados, e às mulheres, os níveis considerados mais elementares, como a educação infantil e o ensino fundamental” (ATAÍDE; NUNES, 2016, p. 169). É o que chamamos de feminização do magistério, que atribui ao feminino, a área de conhecimento da educação infantil, alfabetização e séries iniciais do ensino fundamental, das quais fazem parte os LD aqui analisados. Os enunciados dos exercícios, dos livros da coleção AP referem-se à professora no feminino, enquanto na coleção BM, é feita a referência a professor, mas as imagens trazidas logo abaixo deles disso são de professoras mulheres.

Essa feminização da docência nos primeiros anos da educação básica coincide justamente com níveis que requerem uma dedicação profissional em que “a docência é confundida com a extensão da maternidade – a escola como a extensão do lar - e a professora vê sua identidade profissional trocada pelo papel da tia”. (ATAÍDE; NUNES, 2016, p. 170). E isso, além de visto de maneira natural ainda assume caráter essencial ao desenvolvimento seguro das crianças, enquanto que, aos homens professores cabem as salas de aula dos alunos maiores, pois, conforme o estudo das referidas autoras, os homens “são mais técnicos, não têm tempo a perder com o ensino de conteúdos elementares e também, fazem valer sua autoridade, ou melhor, o autoritarismo, fundamental para lidar com um alunado de maior idade” (p. 185). Para Walkerdine (1995, p. 217):

Supõe-se que o papel apropriado da mulher é o de formadora do ser cognoscente. É pouco surpreendente, pois que, como mães, as mulheres são necessárias para produzir o tipo correto de cidadãos democráticos, ao fornecer o tipo de cultivo e de desenvolvimento que permitirá que seus filhos tornem-se cidadãos racionais, autônomos, livres, mas cumpridores das leis. (WALKERDINE, 1995, p. 217)

 

Paraíso (2016) afirma que “embora muitas vezes nos discursos que circulam nas escolas seja usado o genérico ‘família’ ou pais’” (PARAÍSO, 2016, p. 216), ficou evidente que é a mãe, e não o pai, que é “considerada ajudante imprescindível no processo de produção do sujeito ‘bem-sucedido’, que ‘dá certo’, que é ‘educado’, ‘cumpridor dos seus deveres’” (PARAÍSO, 2010c, p. 216), entre outras atividades; e, “que quando as mães falham, as professoras devem estar ali para assumirem essa posição do afeto, do cuidado e da tarefa” (PARAÍSO, 2010c, p. 217) de ensinar. Outro ponto que merece realce é profissão de paleontólogo já que, neste caso, uma única página traz 13 homens exercendo tal profissão e nenhuma mulher.

Quando se trata de personagens, os homens assumiram papel de rei (AP02, p. 88; AP05, p. 250, p. 252 e p. 265; BM01, p. 60; BM03, p. 26 e p. 117; BM04, p. 156), sheik (BM03, p. 192) ou príncipe (BM01, p. 179; BM02, p. 191 e p. 198), enquanto as mulheres apareceram apenas duas vezes como rainha (AP02, p. 151; BM04, p. 156). Em compensação, as meninas estão sempre vinculadas à ideia de princesas de pele clara, diga-se de passagem (AP02, p. 120 e p. 151; AP05, p. 13, BM01, p. 55; BM04, p. 57, p. 78 e p. 79), aparecendo como Cinderella (BM02, p. 188 e p. 189), Bela adormecida, Rapunzel (BM03, p. 53 e p. 162; BM04, p. 162) ou Branca de neve, sejam indefesas contra um rei dragão todo azul (BM04, p. 78 e 79), ou, como “figura clássica e idealizada da mulher dócil, submissa, romântica, casadoura, à espera da completude do amor do príncipe” (XAVIER FILHA, 2011, p. 04), encantado, resgatador e salvador, única possibilidade do famigerado final feliz.

De acordo com Cardoso (2016), “os personagens das mídias constituem modos de subjetivação que são direcionados às pessoas em geral de forma a governa-las” (CARDOSO, 2016, p. 179). Assim, não bastasse toda a reiteração da norma feita cotidianamente e essas “possibilidades de encontrar proteção e amor eterno no final da história” (XAVIER FILHA, 2011, p. 594) dos contos infantis, o feminino apareceu, ainda, como sereias (BM03, p. 172) ou fadas (BM01, p. 65; BM02, p. 180, p. 188, p. 189 e p. 191), enquanto os homens apareceram como bruxos (BM01, p. 96) ou bobo da corte (AP05, p. 52 e p. 263), mas notamos que para tanto, todos que assim o fossem deveriam possuir características vinculadas ao nanismo. Os sujeitos masculinos também apareceram como torcedores de futebol (BM05, p. 12), ou demonstrando força ao cavar a terra (BM02, p. 36), arrastar um armário (BM05, p. 98), sendo corajoso ao sentar em um tigre (BM03, p. 176) ou como super-heróis (AP03, p. 252). Para Carvalhar (2009), “os heróis tem poder, sempre se dão bem no final da história, e, na maioria das vezes, até conseguem uma companheira. Ou seja, eles têm todos os atributos valorizados em nossa sociedade” (CARVALHAR, 2009 p. 84).

A mesma autora diz que, “no processo de produção das identidades femininas como frágeis desprotegidas ou choronas cria-se, também uma identidade masculina que tem características opostas” (CARVALHAR, 2009, p. 83). No entanto, os homens e meninos também tiveram medo, embora fosse um medo justificado ou por serem bebês de colo (BM05, p. 30) ou por coisas anormais, como monstros assustadores (AP04, p. 175 e p. 185), por estar sendo perseguido por um tubarão feroz (BM02, p. 138); ou por coisas desesperadoras, como estar perdido na praia (AP05, p. 292), enquanto o sofrimento das meninas surgiam em coisas simples, como o tropeçar (AP03, p. 90), ou não jogar videogame tão bem como os meninos, como já falamos anteriormente.

O modo como as feminilidades e masculinidades se comportam cotidianamente também teve destaque. Os meninos, que desde a infância “são vistos como agitados e agressivos” (CARVALHAR, 2009, p. 83), surgiram como curiosos ao tentar aprender uma profissão (BM05, p. 82 e p. 83), ao fazer experimentos escolares (BM03, p. 208 e p. 209), mas a eles também foram atribuídas as faltas de educação e de mau comportamento, seja ao rasgar o livro dos colegas, ao jogar lixo no chão e ao empurrar ou rir dos colegas (BM01, p. 30). Ainda segundo Carvalhar (2009), “a menina que não se adequar às normas, que ultrapassar as fronteiras do bom comportamento, ficará sozinha, feia e sem companhia na vida” (CARVALHAR, 2009, p. 47). Assim, elas eram boazinhas sendo educadas, agradecendo ou pedindo sempre licença ao falar, além de serem sempre vítimas das grosserias e do mau comportamento masculino, um tipo de “violência consentida” (LOURO, 2010, p. 17).

Outras vezes, as meninas/mulheres foram taxadas de fofoqueiras (AP02, p. 65; BM02, p. 45), acusadas de espalhar o segredo alheio, o que reforça que “tagarelice e fofoca estão desde sempre relacionadas ao feminino, e que torna as mulheres agentes extraoficiais de notícias e novidades” (SABAT, 2004, p. 126). Essas eram características dispensáveis para às mulheres, que para se tornarem exemplo, “precisam se comportar bem. Se seguir a norma, como prêmio, ela será linda, se casará e constituirá uma família” (CARVALHAR, 2010, p. 35).

Para Walkerdine (1999), em termos de gênero a criança é pensada de modo que se coloque o menino como ágil, forte, desobediente e travesso, e as meninas que se preocupem com as tarefas escolares, enquanto o menino brinca; que seguem regras, sendo boazinhas e bem-comportadas, enquanto ele desrespeita as regras de boa educação, ou que maltratem os animais, enquanto as meninas os adotam e cuidam como filhos. Ou seja, “a feminilidade torna-se o outro da infância racional” (WALKERDINE, 1999, p.77).

Em relação aos textos, observamos inicialmente um total de 248, sendo eles sobre os mais diversos assuntos. Dentre eles, observamos aqueles que traziam personagens masculinos ou femininos como protagonistas. Assim, eles totalizaram 141 textos, sendo 24 da coleção AP e 117 da coleção BM. Entre eles, referem-se às feminilidades um total de 49 (34,75%), sendo 07 da coleção AP e 42 da coleção BM; e às masculinidades um total de 92 (65,25%), sendo 17 da coleção AP e 75 da coleção BM; os demais textos tratavam de pesquisas, animais, fenômenos naturais etc. Como autores/as desses textos, identificamos que, daquele total de 248, 165 foram escritos por homens (66,53%), 84 da coleção AP e 81 da coleção BM; e 83 foram escritos por mulheres (33,47%), sendo 48 da coleção AP e 35 da coleção BM.

Dentre esses autores, encontramos Mário Quintana (AP01, p. 125 e p. 201; AP05, p. 203), Esopo (AP01, p. 149; AP02, p. 70; AP03, p. 92 e p. 269; BM02, p. 60, p. 69 e p. 115), Luís da Câmara Cascudo (AP03, p. 140), Ferreira Gullar (AP03, p. 158), José de Nicola (AP03, p. 212; BM02, p. 62; BM04, p. 158), Luís Fernando Veríssimo (AP05, p. 43), Olavo Bilac (BM02, p. 194), Carlos Drummond de Andrade (BM03, p. 144; BM05, p.12), Sílvio Romero (BM02, p. 95), Gonçalves Dias (BM05, p. 166 e p. 167), Miguel de Cervantes (BM05, p. 99), Jean de La Fontaine (BM02, p. 71), Lewis Carol (AP04, p. 185), dentre outros. O texto do autor Hans Christian Andersen, A Princesa e a Ervilha, repetiu-se nas duas coleções (AP03, p. 120 e 121; BM 02, p. 198).

Como autoras, percebemos Ruth Rocha (AP01, p. 157 e p. 221; AP05, p. 143 e p. 166; BM01, p. 154), Eva Furnari (AP02, p. 64 e p. 148; AP03, p. 48, p. 90 e p. 231; BM03, p. 13 e p. 98), Ana Maria Machado (AP04, p. 206; BM05, p. 158), Angela-Lago (AP04, p. 176 e p. 195), Rosely Sayão (AP05, p. 125; BM05, p. 183), Thalita Rebouças (BM04, p. 168), Roseana Murray (AP01, p. 196; AP02, p. 227; BM04, p. 114), Diléa Frate (BM03, p. 137), Rosane Pamplona (BM01, p. 44; BM04, p. 24 e p. 164), Sylvia Orthof (AP05, p. 271; BM02, p. 132), Ciça (AP01, p. 213; AP02, p. 135 e p. 182), entre tantas outras.

Em relação aos textos em quadrinhos ou tirinhas, percebemos um total de 86 textos nesses moldes, sendo 54 na coleção AP e 32 na coleção BM. Deles, 82 foram escritos por autores (95,35%) e 04 por autoras (4,65%), sendo elas, Eva Furnari (AP04, p. 36) e Laerte (AP02, p. 158; AP04, p. 222; BM04, p. 67), mulher trans[1].

Entre os autores estavam Maurício de Souza (AP01, p. 57, p. 67 e p. 73; AP02, p. 26 e p. 164; AP04, p. 63, p. 187, p. 191 e p. BM01, p. 68 e p. 158; BM03, p. 123 e p. 146; BM03, p. 101 e p. 112; BM04, p. 90 e p. 124), Quino (AP01, p. 187; AP03, p. 90; AP05, p. 74 e p. 214), Ziraldo (AP02, p. 32, p. 92, p. 184; AP03, p. 43 e p. 210; AP05, p. 65 e p. 95), Adão Iturrusgarai (AP02, p. 103; BM05, p. 52), Fernando Gonsales (AP03, p. 58 e p. 175; AP04, p. 100, p. 173 e p. 190; BM02, p. 120; BM03, p. 80; BM04, p. 48; BM05, p. 68 e p. 155), Charles M. Schulz (AP03, p. 78, p. 149, p. 226; AP04, p. 125 e p. 226; AP05, p. 134, p. 163, p. 169 e p. 202; BM05, p.167), Jim Daves (AP04, p. 259; AP05, p. 167; BM02, p. 131; BM05, p. 119), Bill Watterson (AP05, p. 135; BM01, p. 68 e p. 152; BM03, p. 194; BM05, p. 66), Angeli (AP05, p. 214), Chris e Dik Browne (AP05, p. 163, p. 164, p. 168, p. 200 e p. 266; BM02, p. 146; BM03, p. 150), entre outros.

Isso reflete o mercado de cartunistas extremamente ligado às masculinidades. A cartunista Laerte, na pesquisa de Marcuschi e Lêdo (2015, p. 170), afirma que a existência de poucas mulheres nessa profissão está relacionada a “questões de poder, que permeiam a sociedade, e à desigualdade histórica entre a hegemonia do masculino (heterossexual, branco) em detrimento de outros grupos (mulheres, homossexuais, negros)”. Uma entrevista divulgada pela Revista Imprensa, na seção “Mulheres que inspiram” traz a opinião de cartunistas femininas concordando que elas ainda não conquistaram a relevância no mercado que seus colegas homens já possuem, e que, além disso, como a imagem da mulher é alvo de piadas nessa área historicamente machista, esse pode ser outro empecilho na popularização de artistas do sexo feminino[2].

No que diz respeito às imagens de celebridades ou personalidades das duas coleções, notamos que algumas vieram retratadas em fotos ou desenho, sendo ao todo em número de 23, sendo 09 na coleção AP e 14 na coleção BM. Destas, 16 traziam imagens de celebridades masculinas (69,56%), como Kaká (AP01, p. 250) e Pelé (AP03, p. 90), jogadores de futebol; Luiz Gonzaga (AP03, p. 90), Dorival Caymmi (AP03, p. 90) e Gabriel, o pensador (AP04, p. 42), cantores; o cartunista Ziraldo (BM03, p. 46), os escritores Ferreira Gullar (BM03, p. 38) Monteiro Lobato (BM04, p. 173) e Daniel Mundukuru (BM05, p. 108) e o compositor Ludwig van Beethoven (BM04, p. 147). As personalidades masculinas encontradas foram o imperador Dom Pedro I (AP05, p. 10; BM04, p. 79; BM05, p. 93), Tiradentes (BM05, p. 93), o Papa João Paulo II (BM04, p. 145), o cientista Albert Einstein (BM02, p. 100) e o aviador Santos Dumont (AP03, p. 226 e AP05, p. 10; BM03, p. 228). Para o feminino, encontramos 07 imagens, entre elas as esportistas Rafaela Silva (BM04, p. 132), do judô; e Liège Gautério (AP03, p. 192), do atletismo; as escritoras Adélia Prado (BM03, p. 97), Eva Furnari (BM03, p. 98) e Ruth Rocha (BM03, p. 106), a cantora Carmem Miranda (BM05, p. 93) e a ativista paquistanesa e Nobel da Paz Malala Yousafzai (BM04, p. 180 e 200), o que representou um percentual de 30,44%. Nos textos e exercícios, apareceram, ainda, a artista Tarsila do Amaral (BM03, p. 180), a Princesa Isabel (BM04, p. 79), e a Rainha da Inglaterra (BM04, p. 145). Vemos, muitas vezes, que sucesso e a ascensão estão atrelados às masculinidades, dando a ideia de que as mulheres desde cedo são afeitas aos cuidados com a família ou que elas podem até ser “boas operárias, boas secretárias, assistentes de pesquisa, mas nunca grandes pensadoras ou gênias” (WALKERDINE, 1995, p. 215).

Em relação a telas, fotos ou ilustrações, que retratam as mais diversas cenas, como feiras, quadrilhas, crianças no parque ou, simplesmente pessoas, as coleções trazem um total de 28 telas e 22 fotos. Dentre as telas, 20 são de artistas do sexo masculino (71,43%), como Auguste Herben (AP01, p. 106), Alfredo Volpi (AP01, p 107 e P. 108), Gales Rouar (AP01, p. 228), Jurandir de Assis (BM01, p. 71), Gustavo Rosa (AP02, p. 14 e AP05, p. 13), Candido Portinari (BM02, p. 128 e p. 129), Andrew Macara (BM02, p. 10 e p. 11) August Renoir (AP03, p. 79; BM01, p. 32 e p. 33), Carlton Mirrell (BM03, p. 86 e p. 87), Vala C. Doi (BM03, p. 103), Militão dos Santos (BM03, p. 110 e p. 111), Lasar Segall (BM04, p. 102), Johan Mari H. ten Kate (BM04, p. 152 e p. 153) Van Gogh (AP05, p. 24), Diego Velázquez e James Robson Planché (AP05, p. 259); e 08 são de artistas do sexo feminino (28,57%), como Helena Coelho (AP01, p. 126; BM01, p. 90 e p.91), Lourdes de Deus (AP01, p. 99), Vanice Alves (AP01, p. 101), Aracy de Andrade (AP02, p.198), Isabele Baretto (BM05, p. 32), Mara D. Toledo (BM05, p. 104 e p. 105) e Lina Chesck Liberace (BM05, p. 172 e p. 173).

Já entre as fotos ou ilustrações, que também retratam cenas cotidianas, peças de teatro, pessoas, entre outras coisas, observamos 17 relativas a fotógrafos ou ilustradores do sexo masculino (77,28%), como Mark Teague (AP03, p. 134 e 135), Tim Hall (BM02, p. 106 e 107), Victor Tavares (BM03, p. 34), Ben Vaurrier (BM03, p. 10 e 11), O. Cheil Kwon (BM04, p. 143), Tiago Campanti (BM04, p. 143), Pedro Solis Garcia (BM04, p. 178 e 179), Cornelius Poppe (BM04, p. 200), Rubens Chaves (BM05, p. 15), Beto Amorim (BM05, p. 37), Orly Wanderley (BM05, p. 56 e 57), Afrianto Zilachi (BM05, p. 147 e p. 148), Alberto Stefano (BM05, p. 168 e 169), Evaristo Sá e Allain Pitton (BM05, p. 172 e p. 177), Fernando Favoretto (BM05, p. 182) e Rogers and Hammesrtem (AP03. p. 125). Em relação às fotógrafas ou ilustradoras do sexo feminino, encontramos 05 feitas por Sandhy Fiorek (BM01, p. 111), Sandra Lavandeira (BM04, p. 173 e 174; BM05, p. 78, p.79, p. 144 e p.145) e Caroly Jenkens (BM05, p. 172 e 173), representando o percentual de 22,72%.

 

[1]                                     Leia mais em: https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/nao-sou-uma-mulher-sou-uma-pessoa-trans-afirma-laerte-coutinho. Acesso 09/07/20.

[2]                                     Leia mais em: http://www.portalimprensa.com.br/mulheresqueinspiram/materia11.asp. Acesso 14/07/20.

 

Diante do que até aqui foi exposto, concordamos que as coleções analisadas dão maior visibilidade, em sua maioria, às masculinidades, quer nas ilustrações, quer nos textos ou exercícios, o que contribui para reforçar ou produzir desigualdades de gênero. Percebemos, na seção destinada a sugestões de leitura, presentes nas duas coleções analisadas, de um total de 118 livros sugeridos, sendo 53 da coleção AP e 68 da coleção BM, 68 eram livros de autores (57, 63%), e 50, de autoras (42,37%).  Já em relação aos exercícios propostos, percebemos que os que se referiam às feminilidades e masculinidades vieram em um total de 651, sendo 246 da coleção AP e 405 da coleção BM. As demais questões tratavam de exercícios sobre escrita, leitura, sobre os conhecimentos gramaticais, entre outros. Dentre as 651 atividades, 346 retratavam aspectos de masculinidades (53,15%) e 305 retratavam feminilidades (46,85%).

Observamos que as feminilidades aparecem em um leque bem mais restrito de profissões, se formos compará-las à imensidão de profissões que retratam as masculinidades. Dentre elas, muitas vezes, apelam à domesticidade, à maternidade e ao cultivo da beleza faz com que o feminino estampe o papel de donas de casa, independente da idade, reafirmando o discurso que acaba por limitá-las “biologicamente, as compreendem como sendo do espaço doméstico e as governam para serem passivas” (CARDOSO, 2011, p. 26). As coleções didáticas realçam a todo o tempo o cuidado, a calma e doçura feminina, como qualidade muito importante para as mulheres, o que faz com que as mesmas sejam sempre retratadas na carreira docente, enquanto os homens, quando assim o aparecem, figuram como professores em aulas de laboratório ou em aulas de Educação Física. Além disso, os enunciados dos exercícios, dos livros da coleção AP referem-se à professora no feminino, enquanto na coleção BM, é feita a referência a professor, mas as imagens trazidas logo abaixo deles disso são de professoras mulheres.

Concordamos que as coleções analisadas dão maior visibilidade, em sua maioria, às masculinidades, quer nas ilustrações, quer nos textos ou exercícios, o que contribui para reforçar ou produzir desigualdades de gênero. Percebemos, ainda, que tudo o que se relaciona a automóvel é tomado como adequado às masculinidades, como se as mulheres não fossem afeitas à direção. Por outro lado, elas cuidam da organização casa, de toda a dinâmica para mantê-la em ordem, sendo representada, nos livros, pela típica dona de casa que cuida das crianças e/ou do marido. Para eles, as atividades ligadas à cozinha, sempre são retratadas como necessárias à prática da profissão, e as atividades laborais masculinas aparecem significativamente retratadas nos LD. As feminilidades, além de serem retratadas em um número bem menor de profissões em relação às masculinidades, suas ações tendem a ser ligadas ao lar e ao afeto.

Vimos que as coleções didáticas estão permeadas por situações que, de modo performativo, podem ser tomadas como moldes em âmbito escolar, ser reproduzidas e implicar na perpetuação e naturalização relações desiguais oriundas de questões de poder. Esse retrato do mercado laborativo apresentado nos texto, exercícios e ilustrações reitera de forma desigual as relações de gênero, apesar da luta feminina e de suas conquistas enquanto trabalhadoras tenham ascendido na sociedade atual.

Outro ponto observado foi que, embora nos discursos que circulam nas escolas, currículos e LD, seja usado o genérico ‘família’ ou pais, ficou evidente que é a mãe, e não o pai, que é “considerada ajudante imprescindível no processo de produção do sujeito ‘bem-sucedido’, que ‘dá certo’, que é ‘educado’, ‘cumpridor dos seus deveres’” (PARAÍSO, 2010c, p. 216), entre outras atividades; e, “que quando as mães falham, as professoras devem estar ali para assumirem essa posição do afeto, do cuidado e da tarefa” (PARAÍSO, 2010c, p. 217) de ensinar.

O modo como as feminilidades e masculinidades se comportam cotidianamente também foi observado. Para os meninos, há a tendência de que, desde a tenra idade, eles são  agitados, agressivos, curiosos e sem educação ou dotados de mau comportamento, seja ao rasgando coisas dos colegas, ao jogar lixo em local indevido ou até mesmo ao tratar com violência física os colegas. Do outro lado, as meninas aparecem sempre como boazinhas, educadas, e sempre vítimas das grosserias e do mau comportamento masculino, um tipo de violência admitida. Mas, apesar disso, as feminilidades foram taxadas de fofoqueiras, espalhadoras do segredo alheio.

Para nós ficou manifesto que os livros e materiais didáticos, enquanto currículo que são, se utilizam de regimes discursivos que educam os sujeitos e se embasam em concepções hegemônicas de como viver o gênero e a sexualidade, idealizadas e instituídas em nossa cultura como verdades universais e já naturalizadas. O resultado disso é a produção de um sujeito normalizado, generificado e tipicamente engendrado nos moldes heteronormativos dominantes, que reconhece o padrão de sexualidade heterossexual como natural, a família nuclear composta de um pai e uma mãe (além dos filhos), os relacionamentos nos quais mulheres e homens são feitos um para o outro, e profissões e atividades supostamente adequadas a cada um deles.

Meu eixo temático é o 7: Educação, corpo e gênero

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