A interdisciplinaridade é uma abordagem presente no contexto educacional que busca a intersecção entre conteúdos de duas ou mais disciplinas. Essa integração permite que os aprendentes possam refletir os diversos assuntos por várias perspectivas ampliando, desta forma, sua visão de mundo.
Esta pesquisa tem por objetivo compreender como o professor utiliza na sua prática docente a interdisciplinaridade no ensino de ciências. Alinhado a isso, a pesquisa buscou relacionar os conceitos que envolvem ensino de ciências e interdisciplinaridade, verificar os entraves encontrados pelo corpo docente durante suas práticas pedagógicas e identificar nos professores de ciências, de diferentes níveis de ensino, sua percepção acerca da interdisciplinaridade.
A relevância do tema se dá por tratar de relatos oriundos de docentes que têm utilizado na prática pedagógica a interdisciplinaridade no ensino de ciências. A inquietação sobre o assunto surgiu durante as aulas de didática, no curso de pós graduação em ensino de ciências e matemática, em que foi evidenciado a importância de trabalhar de maneira interdisciplinar a fim de contribuir no aprendizado dos envolvidos.
Vislumbrando refletir as dificuldades encontradas durante o processo de ensino interdisciplinar a partir de diversos olhares, uma pesquisa foi realizada com 10 (dez) docentes de diferentes níveis de ensino que trabalham com ciências. Para coleta de dados, um questionário com quatorze perguntas foi aplicado, sendo 8 (oito) questões objetivas e 6 (seis) questões subjetivas.
A metodologia aplicada é de natureza qualitativa e tópicos como: Contexto histórico da Interdisciplinaridade, Ensino de Ciências e Interdisciplinaridade, Narrativas docentes: caminhos de desafios e superação de obstáculos no ensino fundamental e Prática docente: um aporte de possibilidades educacionais são elencados a fim de refletir os desafios, os obstáculos e dificuldades encontrados e enfrentados pelo corpo docente no concerne do trabalho interdisciplinar.
Para tanto, a partir das percepções dos investigados, colaboradores de uma instituição de ensino, esta pesquisa possibilitará compreender como o professor utiliza na sua prática docente a interdisciplinaridade no ensino de ciências.
2 CONTEXTO HISTÓRICO DA INTERDISCIPLINARIDADE
A interdisciplinaridade é um termo presente nos mais diversos campos, motivando discussões nos mais variados setores (SILVA, 2008), aqui abordaremos como se deu o surgimento e evolução desta temática no campo da educação. Neste contexto, segundo Klein (1998) apud Lima (2008),
embora a palavra interdisciplinar seja do século XX, as ideias fundamentais de ciência unificada, síntese e integração do conhecimento, que são subjacentes ao conceito de interdisciplinaridade, foram desenvolvidas desde os filósofos da antiguidade (Klein, 1998). Curiosamente, apesar do termo interdisciplinar ter surgido no século passado, há registro de que no final do século XIX, com o aumento das especializações científicas e a crescente fragmentação do currículo escolar, a efetivação de tais ideias na prática se tornou necessária.
Quando tratamos da interdisciplinaridade, muitos são os conceitos que a contemplam, contudo, trataremos como referência, a definição trazida por Fazenda (2008 p. 14) que considera que a interdisciplinaridade “pretende um diálogo entre pares, capazes de compreender a mensagem das diferentes línguas nas suas entrelinhas”.
Duarte et al (2018) destaca a interdisciplinaridade como ferramenta capaz de diminuir o distanciamento das diferentes ciências, onde “a interdisciplinaridade, como enfoque teórico-metodológico surge na segunda metade do século passado como consequência de uma insatisfação da fragmentação e da especialização do conhecimento [...]” (DUARTE et al, 2018, p. 245).
Oliveira (2016, p. 61-62) caracterizou a interdisciplinaridade em três décadas: 1970, 1980 e 1990:
A década de 1970 foi marcada pela construção epistemológica da interdisciplinaridade, na qual, procurava a construção da definição e explicação filosófica. Em 1980 as contradições decorrentes da construção epistemológica se intensificaram e buscou nas orientações sociológicas a explicação para tais contradições. Esta década foi marcada pela tentativa de explicar ou criar um método para a interdisciplinaridade. Já em 1990 foi marcada pela busca e construção de uma nova epistemologia que fosse própria da interdisciplinaridade, foi marcado pelas discussões na perspectiva de criar uma teoria para a interdisciplinaridade.
Oliveira (2016) destaca a influência do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, remetendo à necessidade de dissolver a fragmentação do conhecimento, sendo necessária uma formação holística e contextualizada. Considerando tal fato, a escola enquanto ambiente capaz de formar indivíduos críticos e ativos da sua realidade, deve ser capaz de apresentar a interdisciplinaridade como mecanismo de prática de ensino, facilitando assim, a aprendizagem do aluno.
Lima (2008, p.4) pontua que
A interdisciplinaridade chega ao Brasil, como discussão teórico-reflexiva, no final da década de 1970 com Hilton Japiassú através de sua obra Interdisciplinaridade e patologia do saber em 1976, e posteriormente, com os estudos e pesquisas publicadas por Ivani Fazenda (1994).
Para este autor, há mais de 30 anos vem se buscando uma consolidação conceitual para a Interdisciplinaridade, porém, sua definição surge como um ponto de cruzamento entre currículo e práticas educativas entre duas ou mais disciplinas. Fazenda (1994) conceitua a interdisciplinaridade como uma ação que depende de uma atitude, de uma mudança de postura em relação ao conhecimento, ao passo que permite aprofundar os conhecimentos.
3 ENSINO DE CIÊNCIAS E INTERDISCIPLINARIDADE
Atualmente, a sociedade contemporânea apresenta-se complexa, e tal característica é refletida nos modos de ensinar e de aprender sendo que um dos desafios do professor é buscar ferramentas educacionais que atendam às necessidades de indivíduos do século XXI, de modo que esses estejam aptos a participar da vida em sociedade, sociedade (LIMA; RAMOS, 2017).
Com o surgimento das especializações e a organização do currículo, no formato de disciplinas, o conhecimento pareceu estar fragmentado, com um componente não apresentando ligação com o outro (OLIVEIRA, 2016). Corroborando com Oliveira, Leis (2011) destaca a necessidade de formar docentes e pesquisadores que atuem de modo a estabelecer pontes sobre as diversas especializações do conhecimento.
A interdisciplinaridade é uma ferramenta que auxilia o processo de ensino, possibilitando uma ampla formação docente, versando por diferentes áreas, assim como o de aprendizagem, por meio da utilização de metodologias ativas eficazes. Silva (2019, p. 2), destaca que “desde a formação dos professores, percebemos que o trabalho interdisciplinar acontece apenas no planejamento, muitos são os projetos que tentam unificar um determinado assunto integrando as diferentes disciplinas, entretanto, por diversos motivos são tentativas sem sucesso, que acabam impedindo a globalização do conhecimento”.
Lavaqui e Batista (2007) pontuam uma problemática que dificulta a interdisciplinaridade no ambiente escolar, sobretudo, porque uma vez que as disciplinas são trabalhadas isoladamente, atingem objetivos educacionais diferentes. Isso porque “a interdisciplinaridade escolar necessita estar fundamentada em pressupostos que indiquem uma orientação epistemológica ao processo, de forma a permitir um delineamento quanto aos objetivos educacionais e outros aspectos formativos que se pretende que os educandos venham a desenvolver" (LAVAQUI; BATISTA, 2007, p. 408).
Lenoir, Hasni e Lebrun (2008, p. 46) abordam os conceitos de interdisciplinaridade e disciplinaridade, destacando que essas não atuam de maneira oposta, pelo contrário, a perspectiva interdisciplinar não pode existir sem a disciplinar. O autor ainda destaca que aquela se alimenta desta.
Englobar e integrar diferentes áreas do conhecimento de maneira interdisciplinar, constitui a busca pela formação integral do sujeito. Para esta formação, deve-se considerar a vida social, econômica, política e cultural de cada indivíduo (OLIVEIRA, 2016). O autor supracitado propõe que a interdisciplinaridade seja “um processo e uma filosofia de trabalho que possibilita a reflexão a respeito dos problemas e situações pertinentes da realidade” (OLIVEIRA, 2016, p. 59).
O atual cenário no que concerne o ensino de Ciências é caracterizado pela ausência de contextualização, em que os agentes do ensino não apresentam interesse nas temáticas apresentadas no ambiente escolar, sobretudo, pela ausência de contextualização e significado daquilo na sua vida.
Desta forma, como bem realça Lavaqui e Batista (2007), necessário se faz trabalhar ciências de maneira que evidencie questões científicas e tecnológicas, de modo que os estudantes sintam a necessidade de utilizar determinado conhecimento no seu cotidiano, em questões sociais, individuais e coletivas.
Para tanto, há necessidade do professor refletir seu fazer pedagógico no processo de ensino de ciências, utilizando recursos e metodologias dinâmicas para que o processo de aprendizagem do aluno possibilite-o tomar consciência sobre o que fez e porque fez, promovendo à enculturação científica.
O docente tem papel importante nesse processo, pois a ele cabe buscar por formação continuada e troca de experiência entre os pares, para que possa refletir como melhor construir o conhecimento, tendo em face atividades significativas que promovam engajamento reflexivo dos estudantes.
4 NARRATIVAS DOCENTES: CAMINHOS DE DESAFIOS E SUPERAÇÃO DE OBSTÁCULOS NO ENSINO FUNDAMENTAL
São muitos os desafios e obstáculos enfrentados pelo corpo docente quando se pensa em encarar as problemáticas existentes no concerne do trabalho interdisciplinar. Contornar e superar as dificuldades encontradas durante o processo de ensino e observar a situação sob diferentes perspectivas, possibilita aos professores não somente propor aos aprendentes uma aprendizagem significativa, mas possibilitar aos professores repensar suas estratégias de ensino, metodologias e didáticas pedagógicas.
Sobre isso, apresentaremos a seguir, percepções distintas sobre a prática da interdisciplinaridade no ensino de ciências sob o olhar dos professores de uma instituição de ensino.
4.1 Apresentação da Análise dos Dados
Esta seção apresenta os resultados provenientes da pesquisa qualitativa, seguindo a ordem do roteiro das perguntas direcionadas aos entrevistados.
Primeiro, foi feita a leitura da obra O que é Interdisciplinaridade, organizada por Ivani Fazenda, a fim de compreender o conceito de interdisciplinaridade em ciências. Posteriormente, um questionário com quatorze perguntas foi elaborado, composto por 8 (oito) questões objetivas e 6 (seis) questões subjetivas.
O link do questionário, elaborado pelo Formulário do Google, foi encaminhado via rede social (WhatsApp) a fim de ser respondido por docentes que trabalham com o ensino de ciências de uma determinada instituição escolar da Educação Básica. Cerca de 10 (dez) profissionais que trabalham com ciências colaboraram na pesquisa, entre eles, professores que além de atuar na escola pesquisada, também atuam em instituição pública, nos diversos níveis de ensino.
A análise dos resultados da pesquisa foi feita utilizando o método de análise de dados, sendo fase importante para a obtenção dos resultados. Reiteradamente, esta pesquisa propôs-se a identificar como o professor contempla, na sua prática docente, a interdisciplinaridade no ensino de ciências. A partir dos resultados da pesquisa, buscou-se esboçar as dificuldades, entraves encontrados, vantagens, prejuízos, e como preconizam o trabalho desenvolvido na perspectiva interdisciplinar.
4.2 Análise de dados e resultados da pesquisa
Nesta seção, serão apresentados os resultados da análise qualitativa referente ao questionário usado na pesquisa. Para melhor explicitar cada um dos resultados, as respostas às quatorze questões, foram analisadas em uma escala ordinal. A partir delas, foi possível evidenciar o trabalho docente na perspectiva interdisciplinar.
A primeira pergunta respondida pelos contribuintes foi sobre sua identidade de gênero: 90% identificaram-se do sexo feminino e 10% do sexo masculino. Observa-se com isso, que mediante amostra dessa pesquisa, na escola pesquisada a predominância é de docentes mulheres, ressaltando que essa prevalência se refere apenas as professoras que trabalham com ciências.
A segunda pergunta abordou sobre a atuação profissional de cada indivíduo: 30% responderam ser professores da educação infantil, 40% informaram ser professores do ensino fundamental-anos iniciais, 10% do ensino fundamental- anos finais e 20% professor do ensino médio. O resultado aponta que o nível de ensino prevalecente foi o ensino fundamental-anos iniciais.
Para melhor clarificar, cabe salientar que os pesquisados fazem parte de uma instituição privada específica, porém, alguns entre eles, atuam em outras redes de ensino. Para tanto, a terceira questão versou sobre qual rede de ensino o educador atua: 90% dos participantes informaram atuar apenas na rede privada e 10% na rede privada e municipal.
A quarta questão pontuou se os professores sabem conceituar a terminologia interdisciplinaridade: Unanimemente, 100% dos participantes responderam sim. Este resultado pressupõe que os educadores sabem e/ou conseguem conceituar a nomenclatura, porém, não explicita se está correto ou errado.
A quinta questão, em consonância com a quarta, provocou os docentes a justificarem sua resposta, conceituando a terminologia Interdisciplinaridade. Visto que na questão anterior, unanimemente, responderam ter compreensão sobre o tema em questão. Dentre as respostas, destacam-se: “Trabalhando determinado assunto envolvendo outras disciplinas, cada um contribuindo com suas habilidades.” “Trabalho conjunto entre duas ou mais disciplinas.” “Muito bom você poder trabalhar uma disciplina, abordando outras.” “Quando há relação entre duas ou mais disciplinas.” “Interdisciplinaridade é quando o mesmo assunto abrange outras disciplinas.” “Ela desenvolve um trabalho de integração dos conteúdos de uma disciplina com outras áreas do conhecimento.” “É um adjetivo que qualifica o que é comum a duas ou mais disciplinas ou outros ramos do conhecimento. É o processo de ligação entre as disciplinas.” “Duas ou mais disciplinas trabalhando a mesma temática, cada uma na sua especificidade.” “Uma maneira fácil de aprender, pois o tema pode ser observado e estudado a partir de vários pontos de vista.” “Conhecimento comum a duas ou mais disciplinas.”
Para compreensão sobre a terminologia Interdisciplinaridade, Fazenda (2008, p. 17) realça:
Se definirmos interdisciplinaridade como junção de disciplinas, cabe pensar currículo apenas na formatação de sua grade. Porém se definirmos interdisciplinaridade como atitude de ousadia e busca frente ao conhecimento, cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se formam professores. Assim, na medida em que ampliamos a análise do campo conceitual da interdisciplinaridade, surge a possibilidade de explicitação de seu espectro epistemológico e praxeológico. Somente então torna-se possível falar sobre o professor e sua formação, e dessa forma no que se refere a disciplinas e currículos.
Logo, de acordo com Fazenda (2008), a interdisciplinaridade trata do todo, é o encontro de duas ou mais disciplinas para pensar num programa ou projeto de estudos. A despeito, existem pressuposto teóricos e práticos, que leva-nos a ver a escola desde a sua arquitetura, o seu espaço físico, contexto em que a escola está inserida e principalmente as pessoas que nela estão (professores, alunos, gestores e comunidade). Esses indícios de interação e solidariedade entre a comunidade em geral, pais e a cultura da comunidade, são balizamentos para formação dos sujeitos e não apenas de currículos.
O questionamento respondido pelos docentes na pesquisa elucida que, no campo conceitual, as definições da terminologia Interdisciplinaridade, aproximam-se do que elenca Fazenda (2008), porém, há outros que entoam incongruências, como apresenta essa resposta “Muito bom você poder trabalhar uma disciplina, abordando outras.” (grifo nosso). Aqui, fica implícito o conceito de interdisciplinaridade, manifestando-se como algo subjacente, distanciando da proposta real do conceito da palavra.
A sexta pergunta solicitou que os professores descrevessem brevemente, uma ação ou atividade (real ou simulada) que ele supunha ter ocorrido a interdisciplinaridade. As respostas foram: “Biodiversidade- não somente o professor da área de ciências e biologia... mas cabe aí, Geografia, arte, português, cidadania, matemática.” “Projeto de Vida desenvolvido por professores de disciplinas distintas.” “Trabalhando o alfabeto envolvendo a quantidade de letras e sílabas.” “Em Geografia utilizamos também matemática, em uma aula, por exemplo, foi necessário calcular a densidade demográfica.” “A política, é um exemplo claro de interdisciplinaridade.” “As partes do corpo humano, trabalhar com ciências, matemática e português fazendo assim a interdisciplinaridade entre elas.” “Uma vez um aluno ficou confuso pois foi passado muitas matérias em um só dia.” “Trabalhar a Química da vida, abordando disciplina de Química e Biologia, com experimentos de baixo custo e de fácil manuseio.” “Sugerir um tema e diferentes professores com suas disciplinas trabalharem o mesmo tema, hoje essa prática está facilitando muito o aprendizado dos alunos.” “A sala de aula invertida.”
Surge aqui um paradoxo, quando comparado com a pergunta anterior, pois o conceito que alguns professores deram vão de encontro com os exemplos de atividades e ações descritas por eles. Exemplo disso encontra-se na resposta de um dos investigados: sobre o conceito de interdisciplinaridade pontuou “Muito bom você poder trabalhar uma disciplina, abordando outras.” (grifo nosso). No concerne da ação desenvolvida respondeu o mesmo docente “Trabalhando o alfabeto envolvendo a quantidade de letras e sílabas.” Aqui ratifica que este professor não sabe o que de fato é uma atividade interdisciplinar e aparentemente ainda não participou de uma atividade dessa natureza. Já outro docente respondeu na quinta questão: “É um adjetivo que qualifica o que é comum a duas ou mais disciplinas ou outros ramos do conhecimento. É o processo de ligação entre as disciplinas.” Quando solicitado a apresentar uma experiência, ele respondeu “Uma vez um aluno ficou confuso pois foi passado muitas matérias em um só dia.” Nota-se aqui uma dificuldade em exemplificar e/ou relembrar uma atividade. Outro docente respondeu “A sala de aula invertida.”, como sendo uma ação interdisciplinar.
Dentre os dez participantes da pesquisa, nota-se que três deles embora subjuguem saber o conceito de interdisciplinaridade, apresentam dificuldades em expor uma ação ou atividade que a caracterize.
A sétima pergunta aludiu se o tema aqui tratado foi discutido durante sua formação: 60% responderam que sim, 30% afirmaram que não e 10% disseram não lembrar. As respostas retratam que embora alguns tenham visto o tema na sua formação, apresentam dificuldades na compreensão. Já outros, não viram ou não lembram do tema ser tratado no percurso da formação, no entanto, já desenvolveram e/ou participaram de atividades na perspectiva interdisciplinar.
A oitava questão, indagou se o docente trabalha a interdisciplinaridade na sua prática pedagógica: unanimemente, 100% dos entrevistados confirmaram que sim. Mais uma vez, nota-se uma contradição, comparada com as questões anteriores.
A nona pergunta questionou se foi encontrado dificuldades para executar seu trabalho no contexto interdisciplinar: 60% confirmaram que não e 40% disseram sim. Aqui também apresenta inconformidades, visto que dentre os respondentes, encontra-se aqueles que jugam saber o conceito, mas não apresentou claramente de forma exemplificada uma ação e ao se deparar com esta indagação responde que não encontrou dificuldades.
As respostas à décima questão preconizam sobre as dificuldades encontradas ao executar um trabalho interdisciplinar. Dentre as respostas, evidenciam-se as seguintes justificativas: “Não encontrei dificuldades.” “Acredito que a falta de recursos seja aonde as pessoas podem ter dificuldade!” “Em conseguir passar bem os conteúdos para os alunos de forma coerente.” “Existe uma lacuna nos diálogos entre professores, normalmente estes estão com diferentes passos, e nem sempre o trabalho em conjunto é facilitado.” “A desenvoltura que envolve a investigação e a pesquisa por meio de alunos”. Aqui também ocorre inconsistências, na fala de um dos investigados, na questão anterior, esse professor salienta ter encontrado dificuldades na execução de seu trabalho no contexto interdisciplinar. Porém, quando perguntado sobre pontuar a dificuldade, a resposta é “Não encontrei dificuldades.” Outro que descreveu como ação interdisciplinar “a sala de aula invertida”, respondeu a décima questão pontuando que “A desenvoltura que envolve a investigação e a pesquisa por meio de alunos” seria o fator preponderante para a dificuldade encontrada ao desenvolver um trabalho na perspectiva interdisciplinar. É um ponto a refletir, visto que aparentemente o investigado mostra-se não saber alinhar o conceito, atividade e dificuldade encontrada.
Dos pontos abordados como justificativa, nota-se que um dos investigados responsabiliza alguém, mas por que o profissional não puxa a responsabilidade para si? Será que não falta um olhar mais holístico na tentativa de buscar por soluções e assim resolver as variantes?
Charlot (2013) diz que a escola e o professor vivem na encruzilhada das contradições. Parece possível superar a dificuldade analisando as contradições que o professor contemporâneo enfrenta. As dificuldades decorrem do choque entre as práticas do professor atual e as injunções dirigidas ao futuro professor ideal.
A décima primeira pergunta frisou sobre quais entraves o professor encontrou durante suas práticas pedagógicas no Ensino de Ciências, ao trabalhar a interdisciplinaridade. As respostas foram: “Trabalho em grupo... nem todos pensam e contribuem para o objetivo desejado.” “Não encontrei entraves.” “No desenvolvimento de material concreto para complementar a aula.” “Fazer com que os alunos entendam que muitas fazes podemos relacionar uma disciplina com outra.” “Nenhum” “Facilitar a forma de passar o conteúdo para as crianças.” “Trabalho em conjunto e desinteresse dos alunos” “Nenhuma, pois a interação com as demais disciplinas tornou os assuntos de ciências mais fácil de compreender.” “O currículo”. Mais uma vez a inconsistência nas respostas instauram-se, pois na nona questão, a maioria dos docentes diz ter encontrado dificuldades para executar seu trabalho no contexto interdisciplinar. Na décima questão alguns se contradizem dizendo não ter encontrado dificuldades. Na décima primeira, os que disseram não ter dificuldades nas questões anteriores, responderam que um dos entraves foi “Fazer com que os alunos entendam que muitas fazes podemos relacionar uma disciplina com outra.” Outro disse: “No desenvolvimento de material concreto para complementar a aula.”
A décima segunda questão perguntou como o docente avalia/avaliou o trabalho interdisciplinar que desenvolveu, de acordo com as respostas das questões nove, dez e onze: 70% disseram considerar desafiador, 30% consideram fácil. Frente às questões anteriores, nota-se incongruências nas respostas. Isso porque ao passo que alguns deles ponderam ter encontrado dificuldades e entraves durante a aplicação da atividade interdisciplinar, posteriormente dizem ter sido fácil trabalhar numa proposta interdisciplinar. Partindo desse axioma, cabe aqui uma reflexão: Do ponto de vista praxeológico e humano-genérico, o que o educador considera como desafiador ou fácil, na perspectiva prática da avaliação de suas práticas pedagógicas? Será que costumam-se confrontar sua prática educativa com os resultados gerados?
Libâneo (2013, p. 220) realça que um dos equívocos dos professores é “confiarem demais em seu olho clínico”, fato que provoca inúmeras inferências no tocante da autoavaliação. Os professores aparentam ter dificuldades em avaliar seus resultados, como a compreensão, a originalidade e a capacidade de fazer relações entre fatos e ideias.
A décima terceira e penúltima pergunta, pede que os professores justifiquem a questão anterior, no que concerne a avaliação do trabalho interdisciplinar desenvolvido por eles. Os resultados foram: “Os professores já têm o hábito de trabalho em conjunto.” “Desafiador porque o professor é um eterno pesquisador. E são essas descobertas que faz nosso trabalho ter êxito.” “Até então, não tive dificuldade em desenvolver.” “Fiquei com dúvida na 11° questão” “É muito bom trabalhar a interdisciplinaridade, pois a construção do conhecimento acontece com mais facilidade.” “Eu era acostumada a dar no máximo 2 aulas por dia e de repente comecei a dar 4. Tive que me organizar totalmente para poder fazer um bom trabalho e passar bem o conteúdo para os alunos.” “Assim como todo trabalho em conjunto, a interdisciplinaridade necessita de um jogo de cintura por todos os lados.” “Por que a interação com outras disciplinas se torna um ponto de vista novo sobre o assunto.” “Planejamento das atividades.”
Dentre as justificativas supracitadas, a que mais obteve coerência frente as respostas dadas nas questões anteriores pelo mesmo pesquisado foi: “É muito bom trabalhar a interdisciplinaridade, pois a construção do conhecimento acontece com mais facilidade.” Analisando pelo crivo da autoavaliação, essa faceta requer habilidade de pensar criticamente e tomar decisões sobre pessoas, coisas e situações.
À luz dessa reflexão, nota-se que apesar da grande maioria das pessoas apresentarem dificuldades em olhar criticamente para as próprias características, esse é um exercício importante pois é a partir da autocrítica no processo de autoavaliar que se reconhece onde pode-se melhorar.
A décima quarta e última pergunta, inferiu se o docente julga como vantagem ou prejuízo a utilização da interdisciplinaridade no ambiente escolar. As respostas foram: “Sem dúvidas, muitas vantagens!” “É vantajoso, uma vez que relacionar disciplinas, muitas vezes bastante distintas, se torna algo interessante para os alunos.” “Vantajoso, fazer com que haja uma relação com as disciplinas e de maneira didática mostrar aos alunos o que as disciplinas têm em comum.” “Vantagem. Pois além de facilitar o entendimento do aluno, podemos trazer a vida real em todas as disciplinas, fazendo com que o aluno se posicione com mais clareza e facilidade.” “Uma vantagem, pois facilita muito para o professor.” “Prejuízo, pois acho que passar muitas matérias em um dia só confunde a cabeça dos alunos.” “Vantagem” “Claro que é vantagem. Essa modernidade trouxe melhorias para a educação.” “Vantagem. A desenvoltura que envolve a investigação e a pesquisa por meio de alunos.”
Dentre as justificativas da décima quarta questão, apenas um dos professores, colaboradores na pesquisa, ponderou como prejuízo trabalhar a interdisciplinaridade na escola. Analisando as respostas das perguntas anteriores do mesmo docente, nota-se que tal justificativa vai de encontro com as respostas anteriores. Aparentemente, parece sentir dificuldade em trabalhar em equipe ao passo que distanciar-se da sua rotina individual trás desconforto por tirá-lo da zona de conforto.
Isso porque ora o participante pontua que não lembra se na sua formação foi discutido sobre o tema central em questão, outrora aponta ter encontrado dificuldades mas não exemplifica quais. Quando perguntado sobre entraves encontrados, a resposta é incoerente: “Facilitar a forma de passar o conteúdo para as crianças.” O que sugere pensar que talvez este professor específico não saiba exatamente como é trabalhar a interdisciplinaridade na escola, provavelmente o responsável pela mediação e coordenação das ações, tenha descuidado de discutir o conceito epistemológico da terminologia junto à equipe.
Analisando os resultados expostos acima, de acordo com a questão de pesquisa estabelecida para este estudo, é possível perceber na fala dos docentes diferentes posicionamentos epistemológicos e praxeológicos. Fato que posterga o desenvolvimento de um trabalho assertivo e efetivo no concerne da interdisciplinaridade escolar, em razão das dificuldades que os investigados sentiram em expressar os entraves, vantagens e prejuízos no trabalho desenvolvido na perspectiva interdisciplinar.
5 PRÁTICA DOCENTE: UM APORTE DE POSSIBILIDADES EDUCACIONAIS
Fazenda (2008) suscita que o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar deve partir dos desejos ocultos e paixões do intrínseco que sente o professor durante o planejamento de suas práticas em que fomenta, ou seja, sobre a história do professor em sua disciplina e a história do contexto em que ele vive. Saber o porquê optou-se em trabalhar com ciências, o que o constitui, qual a crença que se tem sobre ciência e atitude frente a disciplina de ciências, é o ponto de partida para garantir a interdisciplinaridade.
O docente precisa planejar as ações, discutir com os demais colegas de outras disciplinas, tendo um coordenador como aporte para ordenar as ações de forma organizada. A interdisciplinaridade possibilita dispor várias visões sobre o mesmo objeto, possibilitando desta forma, que o professor torne-se mais sensível às dificuldades dele e dos alunos, além de ensinar, aprender com seus erros, com seus alunos e colegas de profissão.
Tardif (2009, p. 23) realça que
Ora, a escolarização repousa basicamente sobre interações cotidianas entre os professores e os alunos. Sem essas interações a escola não é a nada mais que uma imensa concha vazia. Mas essas interações não acontecem de qualquer forma: ao contrário, elas formam raízes e se estruturam no âmbito do processo de trabalho escolar e, principalmente, do trabalho dos professores sobre e com os alunos. [...] Neste sentido, se as interações cotidianas entre os professores e alunos constituem bem o fundamento das relações sociais na escola, essas relações são, antes de tudo, relações de trabalho, quer dizer, relações entre trabalhadores e seu “objeto de trabalho”.
O professor é o elemento fundamental para que o processo de ensino e aprendizagem aconteça, logo, é importante que ele conheça o conteúdo mas precisa saber fazer com que o aluno aprenda. Cabe refletir o ofício da prática docente questionando-se: Será que minhas aulas são significativas para o aluno? Uso uma diversidade de estratégias que possibilite a aprendizagem? Estou formando sujeitos completos que conseguem discutir a complexidade do mundo ou criando seres humanos fragmentados e alienados?
Essa reflexão permite evidenciar avanços e retrocessos, é um exercício que possibilita ao educador uma melhor compreensão da atuação e do ser docente, estabelecendo arcabouços teórico-metodológico que os direcionem a uma prática pedagógica significativa, transformadora e interdisciplinar.
Este estudo preliminar, buscou apresentar e levantar questões sobre a aplicabilidade da interdisciplinaridade na prática pedagógica de professores que trabalham com o ensino de ciências, além de compreender o modo como a interdisciplinaridade é configurada nos diversos níveis de ensino da educação básica de um determinado lócus de pesquisa.
No decorrer dessa investigação percebemos diferentes posicionamentos epistemológicos e praxeológicos nas falas dos professores, inúmeras contradições e paradoxos nas respostas do questionário, deixando dúvidas e lacunas abertas sobre o real sentido do saber fazer no contexto da interdisciplinaridade escolar.
Outro ponto observado é que trabalhar o ensino de Ciências de forma interdisciplinar, trouxe desconforto para alguns docentes, talvez por tirá-los da zona de conforto de trabalharem de forma independente voltado para o tradicional. Para outros, foi marcado de desafios e possibilidades de ampliarem os conhecimentos, repensar sua prática pedagógica e desenvolver um trabalho com práticas metodológicas mais dinamizadas.
Desta forma, a partir do objetivo da pesquisa, do percurso metodológico e dados obtidos, podemos inferir que a interdisciplinaridade não tem a intenção de criar novas disciplinas ou saberes, mas aplicar os conhecimentos de várias disciplinas para solucionar um problema sob diferentes pontos de vista, ocorrendo a integração e interação entre as disciplinas.
Trindade (2008, p. 65) fundamenta que trabalhar de modo interdisciplinar “cria importantes interfaces com outras áreas do conhecimento,” corroborando para uma práxis pedagógica calcada numa dinâmica que promove uma vasta sapiência na interação e integração das disciplinas, “cuja proposição permite reconhecer não só o diálogo entre as disciplinas, mas também, e, sobretudo, a conscientização sobre o sentido da presença do homem no mundo.” (TRINDADE, 2008, p. 81)
A intensão da pesquisa era dirimir as dúvidas sobre como é entendido, trabalhado e avaliado a interdisciplinaridade no olhar do docente, no entanto, notou-se uma dicotomia e contraversões que vão para além de questões praxeológicas. Mas superar a complexidade que o trabalho interdisciplinar trás, visto que é em grupo e na interação com outras disciplinas que a aprendizagem do aluno torna-se significativa pelo ensino está voltado para uma holística compreensão de mundo.
Assim sendo, a interpretação deste resultado é a de que os maiores entraves à prática pedagógica no contexto interdisciplinar na escola são: a falta de espaço para diálogos entre os professores, a resistência de alguns deles ao trabalho coletivo e sua falta de preparo para assumir propostas interdisciplinares. Nessa perspectiva, pressupõe que a interdisciplinaridade não acontece assertivamente no lócus de pesquisa aqui investigado.
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