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Alunos Com Transtorno Do Espectro Autista De Alto Comprometimento: Tecnologia Assistiva Como Ferramenta Na Aprendizagem

Marcos Batinga Ferro; Alene Mara França Sanches Silva; Ana Cláudia Sousa Mendonça

O presente estudo tem como objetivo apresentar a importância da Tecnologia Assistiva (TA), como ferramenta facilitadora na aprendizagem de alunos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), no desenvolvimento de competências e habilidades necessárias na vida educacional e social. De natureza qualitativa, procedimento bibliográfico e estudo de caso. O campo de pesquisa foi o Centro de Atendimento Educacional Especializado João Cardoso Nascimento Júnior (CAEEJCNJ), da Rede de Ensino Estadual em Aracaju/SE. A problematização fundamentou-se a partir do trabalho realizado na sala de aula com alunos com o Transtorno do Espectro Autista de alto comprometimento. As Tecnologias Assistivas de baixo custo foram confeccionadas no ano de 2019 de acordo com as necessidades educacionais apresentadas pelos alunos conforme as suas especificidades e reestruturadas a partir da evolução no aprendizado desses estudantes. O estudo ancora-se principalmente nas concepções de Bersch (2017), enfatizando a Tecnologia Assistiva como diferencial na vida das pessoas em situação de deficiência, que necessitam de estímulos diários, como práticas pedagógicas e estratégias que viabilizem a aprendizagem, dirimindo barreiras e superando limitações específicas. O uso da TA possibilitou avanços perceptíveis no desenvolvimento cognitivo, sensório-motor, social e na linguagem.

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FERRO, Marcos Batinga; SILVA, Alene Mara França Sanches; MENDONÇA, Ana Cláudia Sousa. Alunos com Transtorno do Espectro Autista de Alto Comprometimento: Tecnologia Assistiva como Ferramenta na Aprendizagem. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/232-alunos-com-transtorno-do-espectro-autista-de-alto-comprometimento-tecnologia-assistiva-como-ferramenta-na-aprendizagem. Acesso em: 16 out. 2025.

Alunos com Transtorno do Espectro Autista de Alto Comprometimento: Tecnologia Assistiva como Ferramenta na Aprendizagem

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que compromete a capacidade de comunicação, interação e expressão dos sentimentos, dificultando o desenvolvimento global da criança. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-5 (2014), descreve o autismo como um transtorno do neurodesenvolvimento, que é um grupo de condições com início no período do desenvolvimento, o qual se manifesta geralmente, antes de a criança ingressar no ambiente escolar.

O DSM-5 (2014, p. 31) destaca que o TEA “é diagnosticado quando os déficits característicos de comunicação social são acompanhados por comportamentos excessivamente repetitivos, interesses restritos e insistência nas mesmas coisas”. Nesse sentido, ao ingressar no ambiente escolar, o professor pode sentir-se incapaz de interagir com a criança diagnosticada com TEA e, portanto, estratégias de inserção desse aluno em sala de aula devem ser cuidadosamente planejadas, pois, as possibilidades de desenvolvimento são distintas para cada aluno, tendo em vista a sua singularidade e especificidade.

É possível dizer que o TEA é um modo particular e específico de viver e conviver, entender e interpretar. Devido as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com autismo no Brasil, foi sancionada em 2012 a Lei 12.764 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA. De acordo com esta lei, a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, caracterizada pela dificuldade da comunicação e da interação social, ausência de reciprocidade, padrões repetitivos e interesses restritos. Além disso, considera-se uma especificidade marcada por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por iniciativas sensoriais incomuns e excessivo interesse por rotinas (BRASIL, 2012).

Portanto, o autismo pode ser considerado como uma condição que compromete a capacidade de se comunicar com os pares, de expressar sentimentos e de perceber acontecimentos compartilhados, condições estas, que dificultam o desenvolvimento global. Nessa direção, a Tecnologia Assistiva (TA) pode ser considerada como uma importante ferramenta no processo de inclusão e desenvolvimento da criança com autismo, contribuindo para a aquisição de conhecimentos e potencialização da aprendizagem.

A TA, desconhecida para alguns na amplitude de suas possibilidades como ferramenta de acessibilidade educacional para as pessoas em situação de deficiência e confundida com as Tecnologias de Informação e Comunicação por tantos outros, “é um termo ainda novo, utilizado para identificar todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e consequentemente promover vida independente e inclusão” (BERSCH; TONOLLI, 2006, apud BERSCH, 2017, p. 2).

O presente estudo abordará o trabalho desenvolvido no Centro de Atendimento Educacional Especializado João Cardoso do Nascimento Júnior (CAEEJCNJ), com alunos com autismo de alto comprometimento conjugado com outra deficiência e comorbidades. Diante do exposto sobre a abrangência das Tecnologias Assistivas, surge então a problemática: Em que áreas do desenvolvimento da pessoa com Transtorno do Espectro Autista de alto comprometimento, as Tecnologias Assistivas poderiam minimizar ou neutralizar as barreiras no desenvolvimento educacional?

Trata-se de uma abordagem metodológica qualitativa, constituindo-se estudo exploratório, pois Prodanov e Freitas (2013, p. 51-52) trazem que tem “[...] como finalidade proporcionar mais informações sobre o assunto que vamos investigar, possibilitando sua definição e seu delineamento”. A pesquisa deu-se em uma instituição educacional, dessa forma, caracterizando-se como procedimento bibliográfico e estudo de caso. Gil (2006), em relação ao estudo de caso coloca que:

 

É o mais completo de todos os delineamentos, pois vale-se tanto de dados de gente quanto de dados de papel. Com efeito, nos estudos de caso os dados podem ser obtidos mediante análise de documentos, entrevistas, depoimentos pessoais, observação espontânea, observação participante e análise de artefatos físicos (GIL, 2006, p. 141).

 

Assim, no intuito de compreender o objeto em estudo e todo o percurso educacional, com a demanda advinda do campo, a pesquisa foi desenvolvida com um grupo composto por 7 (sete) alunos com TEA de alto comprometimento e com comorbidades, no Centro de Atendimento Educacional Especializado João Cardoso do Nascimento Júnior, localizado na cidade de Aracaju no estado de Sergipe, durante o ano de 2019. Como instrumento de coleta de dados foi elaborado o Plano Educacional Individualizado (PEI) alicerçado no Currículo Funcional Natural (CFN). Tratam-se de estratégias pedagógicas que possibilitam um trabalho individualizado, dando ao pesquisador acompanhar os progressos e/ou o que não funcionou e assim reestruturar a metodologia buscando atender as necessidades específicas de cada aluno.

As TA produzidas foram pensadas após observações e atividades realizadas no grupo de alunos com estímulos psicomotores, cognitivos e sensoriais. Para Bersch (2017, p. 2) “a TA deve ser entendida como um auxílio que promoverá a ampliação de uma habilidade funcional deficitária ou possibilitará a realização da função desejada e que se encontra impedida por circunstância de deficiência ou pelo envelhecimento”. Emerge assim, a necessidade de conhecer os aspectos históricos da TA e suas contribuições no campo educacional direcionadas ao desenvolvimento da pessoa com autismo de alto comprometimento.

A TECNOLOGIA ASSISTIVA E SEUS ASPECTOS HISTÓRICOS NO CAMPO EDUCACIONAL

 

O desafio contemporâneo revela a necessidade do desenvolvimento de situações de aprendizagens que minimizem ou neutralizem as limitações educacionais, ampliando a autonomia dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem. Por meio de uma prática pedagógica reflexiva, o professor se torna protagonista de um contexto educativo mais humanitário, dialógico e inclusivo.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no artigo 59, inciso I, aponta que os sistemas de ensino deverão assegurar aos estudantes com necessidades especiais, “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades” (BRASIL, 2017, p. 40). Nessa via, torna-se essencial o planejamento de estratégias que respeitem as individualidades dos alunos, possibilitando adaptações de acordo com a necessidade de cada estudante.

Em 16 de novembro de 2006, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), por meio da portaria nº 142, instituiu o Comitê de Ajudas Técnicas (CAT), o qual define Tecnologia Assistiva como:

 

Uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (BRASIL, 2009, p. 9)

 

O conceito de Tecnologia Assistiva (TA) refere-se, portanto, a recursos, metodologias, estratégias e serviços que proporcionem acessibilidade. Nesse sentido, o uso da TA oportuniza minimizar ou suprimir as barreiras que impossibilitam a autonomia da pessoa com deficiência, favorecendo a sua inclusão.

No âmbito educacional, a TA visa eliminar barreiras sensoriais, motoras ou cognitivas que limitam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às informações ou ambientes. Nesse contexto, objetiva favorecer a execução de atividades, o acesso aos conteúdos pedagógicos e aos espaços físicos da escola, colaborando para a aprendizagem dos alunos que necessitam de acessibilidade (ALVES; MATSUKURA, 2011).

Nessa direção, a adequação de recursos e estratégias pedagógicas de acordo com as especificidades do estudante com deficiência é capaz de promover o processo de ensino e aprendizagem possibilitando ao discente sua integração social e acessibilidade ao conhecimento. Portanto, “tecnologia assistiva diz respeito à pesquisa, fabricação, uso de equipamentos, recursos ou estratégias utilizadas para potencializar as habilidades funcionais das pessoas com deficiência” (BRASIL, 2009, p. 11).

Nesse sentido, é essencial que o docente esteja atento para as especificidades e possibilidades do estudante, objetivando proporcionar adaptações de recursos e metodologias que viabilizem o acesso do aluno à informação. Uma escola pautada na acessibilidade é capaz de responder com eficácia às necessidades dos discentes com deficiência, promovendo a inclusão e neutralizando qualquer sinal de segregação. Diante disso, a Tecnologia Assistiva oportuniza favorecer o trabalho docente e potencializa a participação dos alunos por meio de recursos, estratégias e serviços adequados às necessidades de cada um.

O desafio da TA é construir novas rotas para o processo de ensino e aprendizagem, facilitando e intensificando a apropriação do conhecimento. De acordo com Vygotski (2007), o grau de comprometimento de uma criança com deficiência dependerá do grau de estímulos e compensação social, pois o seu desenvolvimento não é inferior ao de outra criança, mas sim, diferente e singular.

A Tecnologia Assistiva no campo educacional, portanto, auxilia na superação de dificuldades de aprendizagem e favorece o processo de desenvolvimento, pois tem por objetivo criar estratégias que possibilitarão a execução de atividades educacionais e sociais, proporcionando caminhos alternativos de acesso ao conhecimento. A TA na prática pedagógica está associada à identidade, autonomia, qualidade de vida e inclusão. Está relacionada a produtos, serviços e equipamentos de baixo, médio ou alto custo, os quais garantem o exercício pleno de cidadania das pessoas com deficiência.

São exemplos de TA no contexto educacional os mouses adaptados, teclados virtuais com acionadores, softwares de comunicação alternativa, textos ampliados ou leitores de texto, textos com imagens ou símbolos, mobiliário ou recursos acessíveis entre outras.

Portanto, torna-se imprescindível uma escola em que a deficiência possa ser compreendida além das limitações, rompendo com os estigmas sociais e construindo maiores possibilidades de autonomia e desenvolvimento do estudante com deficiência, concebendo-o enquanto um participante ativo dos seus processos.

PLANO EDUCACIONAL INDIVIDUALIZADO E O CURRÍCULO FUNCIONAL NATURAL

 

Na contemporaneidade, a ideia de um Planejamento Educacional Individualizado tem a finalidade de otimizar o desenvolvimento dos alunos e guiar a prática pedagógica nas escolas. “Esse planejamento assume especificações individualizadas, o que faz dele um mecanismo essencial para se garantir os resultados esperados no processo de escolarização diversificado desse alunado” (VALADÃO; MENDES, 2018, p. 4).

Diante de um contexto escolar completamente heterogêneo, a inserção do PEI na rotina escolar rompe com as barreiras que dificultam a aquisição do conhecimento por parte dos alunos que apresentam determinadas limitações e que necessitam de adequações curriculares para promoção da sua autonomia e inclusão.

 

As adequações curriculares constituem, pois, possibilidades educacionais de atuar frente as dificuldades de aprendizagem dos alunos. Pressupõem que se realize a adequação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo, mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos (ARANHA, 2003, p. 34).

 

Uma instituição escolar com foco na inclusão é capaz de desenvolver situações de aprendizagens pautadas nas adequações curriculares. Através de uma práxis consciente, o professor se torna partícipe de um contexto educativo mais reflexivo e em plena interlocução com a teoria e estratégias inovadoras.

A escola contemporânea necessita buscar no processo de ensino, táticas pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento de crianças com atraso. O plano de ensino individualizado ou plano educacional individualizado contribui para um processo de ensino eficiente, potencializando a aprendizagem das crianças que necessitam de uma maior atenção. Para tanto, torna-se essencial a colaboração de professores, coordenação pedagógica, pais e os profissionais de intervenção, como rede de apoio colaborativa, para que os objetivos e metas propostos sejam alcançados, independentemente de qual seja a deficiência. A ferramenta só terá o êxito esperado, se todos trabalharem pensando no desenvolvimento educacional do aluno que necessita de um plano que vise suas especificidades e sua individualidade.

O planejamento pode ser utilizado para trabalhar áreas como linguagem, conhecimentos pedagógicos, problemas sensoriais entre outros, elaborado de acordo com o nível de desenvolvimento do discente. Nessa direção, Glat, Vianna e Redig (2012) elucidam que durante a elaboração do PEI torna-se essencial considerar a idade cronológica do estudante, bem como, o nível de escolarização já alcançado e objetivos educacionais desejados em curto, médio e longo prazos. Além disso, o plano necessita ser periodicamente avaliado e revisado com vistas a atualizar as habilidades consolidadas pelo aluno.

O plano de ensino individualizado permite ao professor trabalhar as necessidades específicas do aluno, fazendo avaliação dos resultados obtidos ou não, de ações elaboradas, e assim, tendo como repensar as estratégias para alcançar o aluno e suas necessidades no desenvolvimento das competências e habilidades. Contudo, pensar o PEI para as salas de ensino comum, não se trata de uma simples demanda. De fato, é muito complexa a atividade de organização e adequação curricular, de forma que atenda as especificidades de alguns estudantes. Todavia, trata-se de uma ferramenta que apresenta resultados satisfatórios quando aplicada nas salas de aulas.

Em meio aos desafios para a implantação do PEI nas classes de ensino comum, uma das vantagens é que, com a sistematização do processo de ensino, o professor tem objetivos e metas específicas para serem alcançadas para cada aluno que necessita de um olhar que priorize suas potencialidades e não o que falta, sendo acompanhadas, revisitadas e reestruturadas quando não atingirem o que foi proposto por meio da flexibilização do currículo, este, pensado de forma funcional para o aluno.

O currículo funcional natural visa assegurar a autonomia e qualidade de vida da pessoa com deficiência. Oportuniza aos alunos o desenvolvimento de habilidades essenciais que garantam independência e bem estar na família e comunidade. Nesse sentido, é um currículo que objetiva desenvolver nos alunos habilidades que os levem a agir da melhor maneira possível no seu cotidiano familiar e social.

De acordo com Suplino (2005) e Nascimento (2011), no início da década de 1970, um grupo de pesquisadores da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, propuseram um currículo que favorecesse a integração dos estudantes no convívio social. Sua implantação visava que as crianças aprendessem habilidades que contribuíssem para sua adaptação da melhor forma possível em seu ambiente tornando-as independentes e criativas.

Nessa perspectiva, LeBlanc (1972 apud SUPLINO, 2005) considerou que essa proposta curricular poderia ser nomeada de Currículo Funcional por proporcionar habilidades funcionais, que fossem úteis ao estudante em seu ambiente e para que ele tivesse êxito na vida. Apresentou-se então, um currículo que, a princípio não estaria desenhado para crianças com deficiência, contudo, mais tarde seria modificado e teria sua aplicação com essa finalidade.

 

Na década de 80, a partir de uma parceria entre as doutoras Liliana Mayo do Centro Ann Sullivan do Peru e Judith LeBlanc, a proposta do Currículo Funcional foi levada para o Centro localizado em Lima. A equipe do Centro modificou e adaptou o currículo de modo a trabalhar com pessoas portadoras de autismo e outros transtornos do desenvolvimento, experimentalmente. Em 1990, a Dra. LeBlanc passou a usar a nomenclatura Currículo Funcional Natural (SUPLINO, 2005, p. 33).

 

Dessa maneira, surgiu então um currículo que se refere tanto às atividades da vida diária, como escovar os dentes, comer adequadamente, como também às habilidades acadêmicas, tais como ler e escrever, e sociais como cumprimentar outrem, olhar para a pessoa quando esta fala, responder ao que lhe for perguntado, dentre outras (NASCIMENTO, 2011).

A partir da proposta do Currículo Funcional Natural, os planos educacionais individualizados tornam-se uma ferramenta capaz de auxiliar alunos com TEA a adquirirem habilidades essenciais, à medida que são elaborados individualmente, de acordo com as necessidades e características de cada um, com especificação de metas e objetivos a serem alcançados pelo aluno. “Os planos educacionais individualizados, assim como o Currículo Funcional Natural, têm como objetivos tornar os alunos independentes e produtivos” (NASCIMENTO, 2011, p. 30).

Portanto, o termo funcional se refere aos objetivos educacionais escolhidos para o estudante, com ênfase no que ele vai aprender, visando a utilidade para a sua vida, seja ela a curto ou a médio prazo. E a denominação natural está relacionada aos procedimentos de ensino, ambiente e materiais, os quais deverão se aproximar da realidade diária vivenciada pelo educando.

Em relação a avaliação, Mascaro (2018, p. 20) ressalta que:

 

No princípio inclusivo, os alunos não devem ser avaliados em relação aos seus colegas de turma, e sim em relação ao desenvolvimento de acordo com o que foi proposto para si. Isto é, se a proposta da inclusão permite que façamos alterações por meio da flexibilização do currículo, ou seja, do conteúdo ensinado para determinado aluno; a avaliação aplicada não pode ser a mesma que os demais alunos. Esse aluno é avaliado a partir do que foi proposto para ele.

 

É lícito que o plano de ensino individualizado apresenta várias lacunas existentes na escola contemporânea que se deseja, para um ensino que priorize uma educação que inclua, que enxergue esse aluno como sujeito com capacidades e possibilidades de aprendizagem. Escolas com rede de apoio colaborativa e profissionais que percebam a grandeza na diversidade da forma de compreender o mundo e a si mesmo, assim como diferenças na maneira de aprender, apresentam resultados bem mais significativos diante da inclusão. Mascaro (2108, p. 21) ressalta, que “dessa forma a prática pedagógica torna-se compatível com o que uma escola inclusiva necessita, isto é, não serão os estudantes que precisarão se modificar para aprender; e sim as metodologias que deverão se adequar ao perfil dos mesmos”. Espera-se dessa maneira, que as escolas priorizem uma verdadeira inclusão, atendendo a todos de forma justa dentro das especificidades individuais, e não, dentro de uma igualdade que exclui, pois cada indivíduo é único e a sua singularidade precisa ser respeitada e considerada.

 

TECNOLOGIA ASSISTIVA COMO ALIADA NO DESENVOLVIMENTO SENSÓRIO-MOTOR DE ALUNOS COM O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA DE ALTO COMPROMETIMENTO

 

Durante o processo educacional, o docente deve executar o papel de mediador, no qual através de rotas alternativas será possível atender as necessidades dos seus alunos (VYGOTSKI, 2007). A qualidade da mediação do professor impulsionará estratégias de aprendizagem significativas, viabilizando resultados eficazes no desenvolvimento do aluno com Transtorno do Espectro Autista de alto comprometimento.

É importante ressaltar que a TA é capaz de acompanhar as constantes mudanças e evolução do conhecimento, tendo em vista que, a sua aplicabilidade desenvolve ativamente o pensamento e a iniciativa, tornando a aprendizagem motivadora e prazerosa. Além disso, permite ao mediador verificar as dificuldades e possibilidades de cada discente, ressignificando a práxis pedagógica. 

A partir das experiências vividas no âmbito escolar, a construção e o uso das TA apresentadas a seguir, consiste em mostrar as intervenções realizadas com alunos com TEA e possibilitar reflexões quanto a utilização de recursos de tecnologia assistiva de baixo custo que permitiram um avanço significativo no repertório de aprendizagem dos estudantes. Pois, foi notório os resultados positivos advindos desta experiência, como o desenvolvimento da autonomia, integração e criatividade.

A seguir, um quadro com imagens de TA produzidas para trabalhar com alunos com Transtorno do Espectro Autista e que apresentaram resultados na evolução da aprendizagem.

 

Quadro 1 – Tecnologias Assistivas produzidas para alunos com Transtorno do Espectro Autista

Fonte: Acervo do CAEEJCNJ.

No quadro 1 apresentamos algumas Tecnologias Assistivas produzidas no CAEEJCNJ como ferramentas de apoio no processo educacional dos alunos com o Transtorno do Espectro Autista, auxiliando no desenvolvimento sensório-motor, raciocínio lógico-matemático, linguagem, educação psicomotora e educação socioafetiva. Cada TA é elaborada com objetivos pensados diante das dificuldades apresentadas pelo aluno, sempre visando sua independência e autonomia social e educacional, minimizando ou neutralizando barreiras de práticas educativas para a vida independente, de comunicação, socialização e afetividade.

As TA em exposição, cada reflete vários objetivos onde o professor/mediador direciona o foco para as necessidades específicas do aluno. Exemplificando a TA das formas geométricas do quadro 1, poderá trabalhar: cor, atenção, pareamento, coordenação motora, força, quantidade, nomes das cores, escrita, diferença, igualdade, numeral, semelhança (objetos), conjunto, associação, encaixe de peças e preensão das mesmas. Enfim, cada TA apresenta inúmeras possibilidades de alcançar as especificidades individuais.

 Bersch (2017) apresenta 10 categorias de TA escritas em 1988 por José Tonolli e Rita Bersch, sendo atualizadas pelos mesmos, correspondendo aos avanços na área. De acordo com Tonolli e Bersch (1998 apud Bersch, 2017, p. 5-10), as categorias são:

 

1 Auxílios para a vida diária e vida prática; 2. Comunicação Aumentativa e Alternativa; 3. Recursos de acessibilidade ao computador; 4. Sistemas de controle de ambiente; 5. Projetos arquitetônicos para acessibilidade; 6. Órteses e próteses; 7. Adequação postural; 8. Auxílios de mobilidade; 9. Auxílios para ampliação da função visual e recursos que traduzem conteúdos visuais em áudio ou informação tátil; 10. Auxílios para melhorar a função auditiva e recursos utilizados para traduzir os conteúdos de áudio em imagens, texto e língua de sinais.

 

No âmbito educacional, as tecnologias assistivas têm objetivos diversos que vão de acordo com as singularidades dos alunos, visto que se pode confeccionar um arcabouço de recursos pensando em um determinado aluno. Assim, cada TA pode ter funcionalidade diferenciada, por isso a importância e necessidade da elaboração do PEI que possibilita ao mediador e/ou professor trabalhar o desenvolvimento potencializando as habilidades individuais. O público alvo da pesquisa, mesmo sendo todos os alunos com o transtorno do espectro autista de alto comprometimento, cada um tem as suas especificidades. Não há homogeneidade nas salas de aula, independentemente de serem alunos com deficiência ou sem deficiência.

A educação é formada pela diversidade dos pares. As instituições escolares, as políticas públicas educacionais, assim como os currículos, precisam compreender o desenho universal e assim teremos equidade no ensino, onde cada um terá sua singularidade valorizada e aprendizagens com sentido e funcionais para a vida. Estudos de pesquisadores como Galvão Filho (2009) apontam que a existência das tecnologias em foco, trazem para pesquisadores e professores inúmeras alternativas de desenvolvimento de trabalhos que criam e recriam estratégicas metodológicas que alcançam e mobilizam os alunos, tornando-os protagonistas da sua educação. As TA enquanto função assistiva são grandes aliadas no processo de ensino aprendizagem de alunos com TEA de alto comprometimento, público alvo desse estudo, ao tempo que pode ter a função educacional para alunos sem deficiência de acordo com a metodologia e estratégias pedagógicas estruturadas. 

A Tecnologia Assistiva e a tecnologia educacional em momentos diversos levantam indagações sobre quem é quem e quando uma tecnologia educacional pode ser considerada uma TA. Bersch (2017) traz que:

 

Quando então uma tecnologia pode ser considerada Assistiva no contexto educacional? Quando ela é utilizada por um aluno com deficiência e tem por objetivo romper barreiras sensoriais, motoras ou cognitivas que limitam/impedem seu acesso às informações ou limitam/impedem o registro e expressão sobre os conhecimentos adquiridos por ele; quando favorecem seu acesso e participação ativa e autônoma em projetos pedagógicos; quando possibilitam a manipulação de objetos de estudos; quando percebemos que sem este recurso tecnológico a participação ativa do aluno no desafio de aprendizagem seria restrito ou inexistente. São exemplos de TA no contexto educacional os mouses diferenciados, teclados virtuais com varreduras e acionadores, softwares de comunicação alternativa, leitores de texto, textos ampliados, textos em Braille, textos com símbolos, mobiliário acessível, recursos de mobilidade pessoal etc. (BERSCH, 2017, p. 12).

 

Assim, os recursos apresentados no quadro 1, TA de baixo custo, atendem ao público do CAEEJCNJ, pois, sem os mesmos os alunos com o Transtorno do Espectro Autista de alto comprometimento ficariam com dificuldades para a realização de tarefas e assim estariam com barreiras para acesso à educação e ao desenvolvimento de suas habilidades e competências. Bersch (2017) sobre a distinção entre TA e tecnologia educacional, sugere as seguintes indagações:

 

O recurso está sendo utilizado por um aluno que enfrenta alguma barreira em função de sua deficiência (sensorial, motora ou intelectual) e este recurso/estratégia o auxilia na superação desta barreira? O recurso está apoiando o aluno na realização de uma tarefa e proporcionando a ele a participação autônoma no desafio educacional, visando sempre chegar ao objetivo educacional proposto? Sem este recurso o aluno estaria em desvantagem ou excluído de participação? (BERSCH, 2017, p. 12).

 

Se após as indagações, as respostas forem afirmativas, Bersch (2017, p. 12) sinaliza que “eu ouso chamar a ferramenta utilizada pelo aluno de Tecnologia Assistiva, mesmo quando ela também se refere à tecnologia educacional comum”. Dessa forma, as tecnologias do quadro 1, exercem a função assistiva para os alunos do CAEEJCNJ, possibilitando o desenvolvimento das competências e habilidades, com participação efetiva nas atividades propostas, diminuindo ou neutralizando as barreiras educacionais dos alunos em situação de deficiência.

A pesquisa desenvolvida no ano de 2019 com os alunos do CAEEJCNJ possibilitou aos pesquisadores experenciar momentos de grandes aprendizados, assim como o desenvolvimento gradual dos alunos envolvidos no estudo com suas especificidades e com o tempo de aprendizagem singular. A partir das atividades propostas e que iam sendo alimentadas de acordo com as respostas dadas ficou evidenciado a importância dos estímulos nas áreas cognitivas, sensoriais e psicomotoras possibilitados pelas TA construídas com base no PEI e sua funcionalidade para cada aluno, dirimindo as barreiras no desenvolvimento educacional.

Relevante destacar, que um ambiente emocionalmente positivo, com estratégias e recursos que transmitam motivação e confiança, influencia no ato de aprender. Nesse contexto, o olhar atento e reflexivo para o aluno com TEA deve ser para as suas possibilidades no intuito de adequar metodologias e recursos que suprimam as barreiras da aprendizagem. A tecnologia assistiva para esse público configura-se como uma ferramenta eficiente para o desenvolvimento, aprendizagem e construção de habilidades cognitivas, possibilitando a superação das limitações e auxiliando na realização de tarefas do dia a dia, oportunizando independência e integração social.

Portanto, trazer propostas metodológicas ancoradas na facilitação da aprendizagem, valorizando o protagonismo e a autonomia discente, implica em ampliar espaços para o incentivo à criatividade, experiências e vivências de aprendizagem, de modo a ressignificar os conteúdos escolares estabelecendo conexões às práticas sociais. Os recursos e estratégias bem planejados contribuem para mobilizar as competências intelectuais, emocionais, pessoais e comunicacionais dos estudantes.

A tecnologia assistiva cria pontes alternativas para a aquisição do conhecimento, viabilizando a inclusão. O tipo de Tecnologia Assistiva aplicada ao estudante com TEA é capaz de favorecer a superação das dificuldades de aprendizado, onde a partir de um modo bastante particular potencializa a construção de saberes e intensifica serviços inovadores capazes de neutralizar as barreiras que impedem o acesso à informação.

O tripé Tecnologia Assistiva, Plano Educacional Individualizado e Currículo Funcional Natural evidenciou o quão necessários são, para que, em se tratando de alunos com Transtorno do Espectro Autista de alto comprometimento tenham suas necessidades atendidas, assim como o desenvolvimento e aprendizagem com equidade, respeitando a diversidade educacional.

 

A pesquisa foi de grande relevância para compreensão do objeto e a percepção de que as escolas precisam avançar em políticas públicas educacionais que possibilitem reestruturações de currículos sem engessamentos, entendendo o espaço ocupado por cada sujeito independentemente de ter ou não uma deficiência, raça, sexo, etnia, gênero e cultura. Urge um pensar integralizador com oportunidades iguais para todos, rompendo com os estigmas sociais e construindo maiores possibilidades de autonomia e desenvolvimento do estudante com deficiência, concebendo-o enquanto um participante ativo dos seus processos de aprendizagem.

No ambiente escolar se faz necessário o respeito às especificidades de cada estudante. Nesse sentido, é essencial ao aluno com TEA, a execução de atividades educacionais que propiciem alternativas que permitam o maior acesso ao conhecimento, oportunizando autonomia de aprendizagem e a inserção de afazeres compatíveis às especificidades do estudante.

A inclusão das tecnologias assistivas no processo de desenvolvimento dos alunos com Transtorno do Espectro Autista, no Centro de Atendimento Educacional Especializado João Cardoso do Nascimento Júnior foi possível a partir do momento que barreiras curriculares foram dirimidas com a sapiciência de que a diversidade compõe o todo e que não há homogeneidade entre os pares, independentemente de serem pessoas sem deficiência ou terem a mesma deficiência.

No decorrer do ano foi perceptível os avanços no desenvolvimento sensório-motor, social, raciocínio lógico-matemático, linguagem, educação psicomotora e educação socioafetiva, com impactos positivos no processo educacional, com a evolução dos alunos, onde as TA foram pensadas mediante a elaboração do Plano Educacional Individualizado fundamentado no Currículo Funcional Natural.

Dessa forma, conclui-se que as tecnologias assistivas construídas e aplicadas no desenvolvimento educacional dos alunos com o Transtorno do Espectro Autista responderam a problemática levantada no início da pesquisa, diante da evolução individual de cada sujeito do grupo participante, através de movimentos com reflexos dinâmicos, a atenção e concentração para executar tarefas, consciência corporal, autonomia, dentre outros progressos possibilitados com a utilização de TA que mobilizaram e trouxeram sentido para a aprendizagem produzindo atividade intelectual.

Que a pesquisa sobre as tecnologias assistivas no ensino de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista de alto comprometimento, que por hora se encerra, desencadeie outros estudos na área diante da necessidade de aproximar cada vez mais os estudantes dos saberes.

 

ALVES, Ana Cristina J. Alves; MATSUKURA, Thelma S. A Tecnologia Assistiva no contexto da escola regular: relatos dos cuidadores de alunos com deficiência física. Distúrb Comun, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 25-33, abril, 2011.

 

ARANHA, Maria Salete Fábio (org.). Estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: SEESP/MEC, 2003.

 

BERSCH, Rita. Introdução à Tecnologia Assistiva. Porto Alegre, 2017. Disponível em: https://www.assistiva.com.br/Introducao_Tecnologia_Assistiva.pdf Acesso em: 11 ago 2021.

 

BRASIL, Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Comitê de Ajudas Técnicas Tecnologia Assistiva. Brasília: CORDE, 2009. 138 p.

 

BRASIL, Lei n. 12.764 de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Brasília: República Federativa do Brasil, 2012.

 

BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017.

 

DSM-5. Manual de diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed, 2014.

 

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