Metadados do trabalho

A Ansiedade Matemática No Ambiente Escolar: Um Estudo De Caso.

Analice Alves Marinho Santos; Analice Alves Marinho Santos; Paulo de Tarso Xavier Sousa Junior

O presente trabalho apresenta como o objetivo geral analisar um estudo de caso de uma situação relacionada a ansiedade matemática, apresentando subsídios para o entendimento do fenômeno, bem como possibilidades de atuação frente à ocorrência. O estudo relata o caso de uma menina cursando o oitavo ano do ensino fundamental, com comportamentos de agressividade durante as suas aulas de matemática. O caso ainda descreve as medidas iniciais tomada pela escola, bem como os resultados obtidos por meio desta averiguação. A partir de então, o presente estudo apresenta considerações importantes sobre a ansiedade matemática, relacionando a conceituação ao caso apresentado. As reflexões permitem discutir e pensar em posturas e metodologias a serem adotadas nestes casos, considerado um escrito relevante para profissionais da educação, pais e/ou responsáveis e alunos.

 

Palavras‑chave:  |  DOI:

Como citar este trabalho

SANTOS, Analice Alves Marinho; SANTOS, Analice Alves Marinho; SOUSA JUNIOR, Paulo de Tarso Xavier. A Ansiedade Matemática no ambiente escolar: um estudo de caso.. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/230-a-ansiedade-matem%C3%A1tica-no-ambiente-escolar-um-estudo-de-caso. Acesso em: 16 out. 2025.

A Ansiedade Matemática no ambiente escolar: um estudo de caso.

A escola consiste em um importante espaço na vida dos sujeitos. Essa instituição de ensino não busca apenas a transmitir conhecimentos das mais diversas áreas, por isso, não se pode reduzir, portanto, sua efetividade a apenas esta consideração. Conforme Strieder & Zimmermann (2010), a escola é responsável por auxiliar no desenvolvimento humano, proporcionando um espaço de crescimento pessoal e profissional.

Isso decorre não apenas dos aprendizados obtidos no cotidiano escolar, como também nas relações construídas. Desse modo, todos os personagens deste contexto não só possuem papeis importantes, como também desempenham funções para inúmeras potencialidades.

Apesar das considerações acima, o processo de ensino-aprendizagem se torna o centro desta trama vivencial: cotidianamente, os alunos são submetidos a trabalhos, avaliações e conteúdos diversos, tendo responsabilidades a serem cumpridas para sua aprovação no período letivo escolar.

A matemática faz parte de uma das ciências a qual os indivíduos possuem contato. Socialmente, esta é uma disciplina considerada de bastante dificuldade entre os alunos. Masola & Allevato (2019) confirmam a existência de percalços na aprendizagem a matemática o que faz com que professores, gestores e demais agentes da educação repensem em novos projetos de ensino, assim como em estratégias e metodologias de ensino.

Além deste estigma social dissipado nos contextos das unidades de ensino, pesquisadores encontraram questões importantes relacionadas a matemática e o estado de saúde mental dos discentes. Estudos apontam e descrevem a ansiedade matemática como mais um desafio a ser relatado dentro desta questão: Carmo e Simonato (2012) descrevem esta questão como a presença de ações negativas prejudiciais ao bem estar das pessoas, ocasionadas pelo contato com a matemática. A partir de então, estudos e demais métodos de investigação buscavam não apenas compreensão como alternativas para esta demanda.

Cada vez mais é possível obter subsídios que reforçam estas considerações. A exemplo da pesquisa desenvolvida por Mendes e Carmo (2014): nela, os autores discutem que os estudantes atribuem características negativas ao ensino e encontro com a matemática. Essa representação muitas vezes é associada a forma coercitiva como a disciplina se apresenta a essas pessoas.

 As atividades propostas durante os encontros em aula podem provocar uma série de sentimentos, na maioria das vezes não benéficos ao dia-a-dia escolar. As falhas ou possíveis dificuldades existentes na realização destas atividades geram sensações de fracasso e perda, consequências que se tornam desagradáveis a cada aluno. E dessa maneira, fica mais evidente na literatura a presença de estudos e pesquisas que reiterem estas questões, provocando em reflexões deste as metodologias em sala de aula como a presença da disciplina na vida dos implicados.

Diante desse contexto, a matemática então possui uma representação negativa, ativando uma série de reações podendo ser de característica física, cognitiva e emocional. Mendes e Carmo (2011) ilustram um exemplo que viabiliza a compreensão desta situação.

 

Depois de submetido ao controle aversivo em aulas de matemática, e não tendo obtido sucesso em seu aprendizado, um estudante ouve de seu colega a seguinte frase “amanhã haverá prova de matemática”. A simples audição da frase passa a gerar no aluno uma série de reações emocionais negativas que podem se traduzir em esquiva a qualquer tentativa de estudo antes da prova. O estudante simplesmente evita qualquer contato com livros e anotações da matéria ou, quando diante do material de estudo, engaja-se em comportamentos incompatíveis como ouvir música, jogar vídeo game ou, simplesmente, tamborilar até que as horas passem. No dia seguinte, é possível que o aluno acorde com indisposição geral ou alguma reação orgânica desagradável. (MENDES; CARMO, 2011, p. 128).

 

E ainda segue:

 

Ele vai para a escola e, no caminho, conta aos amigos que não está em condições de submeter-se à prova em função de seu estado orgânico geral. Entretanto, a prova é inevitável, ou pior, a iminência de um péssimo desempenho na prova (inclusive numa prova de segunda chamada) é esperada pelo próprio estudante. Em outra situação, a simples presença do professor de matemática ou de outros estímulos visuais ou auditivos associados à matemática (números; equações; enunciados de problemas; etc.), ou mesmo a proximidade da hora da aula, podem “paralisar” o estudante ou levá-lo a esquivar-se ou fugir dessas situações. (MENDES; CARMO, 2011, p. 128-129).

 

Este exemplo deixa evidente a necessidade de ser pensar na ansiedade matemática como uma importante questão, a qual apresenta atravessamentos diversos desde o processo de aprendizagem até a saúde mental. Deste modo, este trabalho apresenta uma importante contribuição desta necessidade discorrida anteriormente.

 O trabalho visa na apresentação de um estudo de caso, descrevendo uma situação em que se observa a temática discorrida anteriormente. Dessa forma, o estudo possui como objetivo geral de discutir uma situação relacionada a ansiedade matemática, apresentando subsídios para o entendimento do fenômeno, bem como possibilidades de atuação frente a ocorrência.

Para atingirmos o objetivo traçado, dividimos este artigo em duas seções: A primeira definida pela descrição do caso, relatando aspectos importantes para o entendimento do fenômeno; a segunda, no desenvolvimento, consiste nas considerações e reflexões suscitadas, descrevendo práticas, ações e o papel de cada um dos agentes implicados neste processo; e, por fim, as conclusões.

Vale ressaltar que a discussão aqui apresentada apresenta relevância acadêmica, apresentando uma discussão importante que reforça os estudos da área. Além do mais, o escrito proporciona reflexões e o desenvolvimento de pensamento crítico e formas de atuação profissional, corroborando a situações que podem ser vivenciadas no ambiente escolar.

A aluna “L” é uma jovem do 8º ano de uma escola pública e os seus professores relatam agressividade, apatia e dificuldades para a realização das tarefas matemáticas. Para verificar sua relação com o objeto de ensino, no caso a matemática, a coordenadora pedagógica, da escola, falou a jovem algumas palavras, as quais ela deveria dizer a primeira coisa que lhe viesse à mente.

Ficou evidente que a jovem tinha problemas com professores de matemática, já que após ouvir a expressão “professor de matemática” falou “chato” e ao relatar alguma coisa que gostaria de contar sobre professores de matemática ela contou: que esses professores são mais rudes e chatos, fazendo com que toda a turma fique em silêncio.

Ela ainda demonstrou não ter curiosidade para aprender. Em sala de aula, “L” não se permite discordar ou até concordar com o que está sendo ensinado, mesmo que esteja se sentindo desconfortável diante de qualquer situação dentro da sala. O que ela almeja como objetivo em sala de aula é não chamar atenção para o professor. Portanto, ela se cala, anulando-se cada vez mais frente à disciplina. Outras falas que chamam a atenção são: “sei que não vou conseguir” ou “eu não aprendo isso” ou “é muito difícil” ou “matemática não é coisa de Deus”.

“L” relatou também ter tanto medo de errar como de acertar. Errar é justificado porque mostrará como ela é incapaz e acertar porque a colocará em situação de evidência, saindo do anonimato, ou de conflito, por não saber desempenhar este novo papel. Consequentemente, ela prefere um contato discreto com o conteúdo e com o professor. Ficou evidenciado pelas provas desenvolvidas que a jovem não tem problemas de base para a aprendizagem da matemática.

Com relação às contas e aos problemas matemáticos ela consegue identificar a meta e as informações dadas, consegue definir que cálculo fazer e chegar à solução, mesmo apresentando certa dificuldade com relação à tabuada. A garota ainda demonstra utilizar os dedos para realizar a contagem.

Com base no Estudo de Caso apresentado, entendemos que existe alto risco para a ansiedade matemática de “L”, todavia, entendemos também, que a postura do professor frente aos alunos não é a adequada. Para além desses sujeitos, iremos considerar, em nossas orientações, quatro temas norteadores: a atitude dos professores, a reação dos alunos, a ação da gestão escolar e o apoio família de forma a empreendermos um trabalho conjunto, com o auxílio de uma equipe multidisciplinar, para reverter as consequências e prevenir novos casos na escola relativos à ansiedade matemática.

Reiteramos que tanto a família quanto a gestão escolar são importantes em todo o processo. Além disso, para evitarmos possíveis novos casos de ansiedade matemática na escola, as nossas orientações abarcam todos os alunos/professores da escola e estão focadas na adoção de procedimentos que envolvem mudanças, uso de técnicas psicoterápicas e procedimentos de reestruturação da aprendizagem através de uma relação passado (o que aconteceu?), presente (como proceder?) e futuro (como evitar?).

Sobre a ansiedade matemática, em uma palestra intitulada de “Ansiedade matemática: caracterização e avanços recentes[1]” (2020) proferida por João Dos Santos Carmo, o pesquisador explica as reações comportamentais, cognitivas e fisiológicas que ocorrem como resposta a situações referentes à matemática. (CARMO, 2010). Recordemos que a ansiedade matemática não é uma lesão cerebral: não existem indícios que ela seja inata ou hereditária, sendo a mesma adquirida a partir da relação do sujeito com a aprendizagem matemática.

Sabemos que a aprendizagem da matemática deve mobilizar todos os sentidos: iniciando de forma viso- espacial para depois tornar-se abstrata. Nesse sentido, quantos mais recursos o professor utilizar em sua aula, melhor. Quando isso não ocorre, uma das consequências são as dificuldades em matemática.

De acordo com Haase et all, as dificuldades em matemática são persistentes e alteram a aquisição de habilidades aritméticas, como a compreensão de conceitos numéricos, aprendizagem de procedimentos, fatos aritméticos, dentre outros. Para os autores, as consequências dessas dificuldades estão além da vida escolar, elas são de cunho econômico (influenciando no “capital mental”), psicossocial (transtornos emocionais e comportamentais) e provável envolvimento em transgressões legais. (HAASE et all, 2012, p.139).

Em nossa análise do estudo de caso apresentado, existem dois sujeitos importantes (o professor e “L”): para ambos, utilizamos a metodologia etiológica, ou seja, realizando ações para identificar as causas e origens tanto das atitudes (por parte do professor) quanto das dificuldades da aluna.

Iniciamos por quem consideramos uma das figuras essenciais nesse caso: o professor. Ao representar o professor, “L” o denominou como “chato” e “rude”, alguém que adota apenas a perspectiva tradicional em sala de aula. Não cabe aqui encontrarmos culpados, mas acreditamos que a análise da postura do professor precisa ser feita em um contexto, o passado (formação), presente (falta de incentivos, altas demandas de trabalho) e futuro (mudança).

Em seu livro, “Pedagogia do Fracasso”, os autores Henrique Simplício e Vitor Haase (2020), ao analisarem a formação de professores no Brasil, identificam que existe um “buraco do ensino em nosso país” (p. 24). Apesar de terem como referência o curso de Pedagogia, afirmamos que isso ocorre também nos cursos de Licenciatura: a nossa realidade é, em sua maioria, de professores formadores que estimulam ao aluno a desistir da docência, que mantém, em suas aulas, as mesmas características que “L” salientou do professor. Dessa forma, fomos formados por professores rudes, que exigiam silêncio e não podiam ser contrariados em sala de aula.

Não queremos dizer com isso que todos os professores dos cursos de Licenciatura seguem essa perspectiva, mas entendemos que por mais que queiramos, enquanto profissionais da educação, não seguir esses exemplos ruins, são eles que ficam em nossa memória. Lutar contra eles não é fácil, exige mudança, o que é mais difícil ainda.

Às vezes, como professores, fazemos com os nossos alunos o que aconteceu conosco e, essa forma de ser e agir, mesmo não sendo adequada, ocorre por estarmos no automático devido a tantas questões pessoais e profissionais da docência, as repetimos mas porque essas atitudes, infelizmente, tornaram-se senso comum, pois foram adquiridas ao longo de nossa vivência.

Por isso, a nossa primeira orientação para a gestão escolar é conversar com o professor acerca de sua práxis pedagógica e suas referências como profissionais. O professor, com a ajuda da gestão e de um psicólogo, deve refletir sobre a sua prática profissional e suas atitudes em sala de aula. Isso pode ser feito, também, com os alunos: mantendo-se o respeito entre todos e construindo um ambiente de confiança, professores, alunos e gestão podem refletir sobre a relação passado/presente na prática educacional.

De acordo com Cipriano Luckesi, essa reflexão pode representar uma excelente oportunidade de aprendizagem: entretanto, não é o todo. Quem lemos, ouvimos, experenciamos, despertaram nossa atenção, mas a transformação que queremos pode não estar nesses sujeitos e experiências. Nas palavras do autor:

 

[...]As transformações (verdadeiras aprendizagens) decorrem de praticarmos, criticamente cientes do que estamos fazendo, ou seja, sempre nos perguntando: “Minha ação, meu modo de ser, de agir, estão adequados? Existe outra possibilidade de agir com mais adequação? Não basta lermos uma receita de como fazer um determinado alimento para dizermos que sabemos fazê-lo. De fato, a essa altura, somente temos a informação de como ele pode ser feito; após isso, importa, tentar produzi-lo na cozinha e no fogão de nossa casa, acertando e errando, até conseguir o melhor resultado. Mas nunca desistindo. (LUCKESI, 2011, p. 31-32).

 

Salientamos que, através de um trabalho conjunto entre professor, alunos e gestão, essa mudança tão necessária não ocorrerá de um dia para o outro, ela exige esforço, atenção, tempo, suporte e investimento cotidiano. Sugerimos trocar o autoritarismo exercido em sala de aula pela autoridade permeada pelo ensino instrucional, treino, memorização e transmissão do conhecimento, metodologias que precisam ser desconstruídas como “tradicionais”, devido a sua importância no processo educativo. (SIMPLÍCIO; HAASE, 2020).

Ao defendermos que o ensino e aprendizagem da matemática precisam ser instrucionais não significa que sejam fechados: esse ensino é uma importante metodologia para desenvolver o aprendizado da disciplina por meio de recursos, atividades e estratégias de pensamento adaptadas aos alunos. Ou seja: é necessário valorizar o pensamento deles na resolução de atividades e, se ocorrer o erro, tratá-lo como algo natural, que integra a aprendizagem.

Com o apoio da gestão escolar e família, orientamos aos professores que busquem o que motiva seus alunos a estudarem matemática e construírem uma nova relação com a disciplina: essa resposta pode ser encontrada a partir das perspectivas de futuro do aluno, trazendo o caráter social da matemática para o conteúdo escolar. Além disso, o discurso do professor também precisa ser motivacional de forma a evitar a autossabotagem, por parte deles e dos alunos, e promover um ensino dinâmico.

Para empreender esse ensino dinâmico, sugerimos que professores e gestão escolar reflitam sobre as perguntas norteadoras[2]:

1. Qual matemática deve ser trabalhada com estes alunos que pertencem a este grupo social?

2. Qual a relevância histórica para esse conteúdo?

3. Quais contribuições esse conteúdo pode fornecer aos alunos em um determinado momento e espaço?

4. Que relações podem ser estabelecidas entre o conteúdo e a vida social, política e cultural?

5.Qual a contribuição social do estudo deste conteúdo?

6.Como trabalhar com uma matemática inclusiva?

7. Como promover, através da matemática, uma participação social mais efetiva?

 

Com as respostas a essas perguntas, a partir de uma dada realidade, professores e gestão irão ressaltar não apenas o caráter social da matemática, unindo na teoria e prática, mas também, demonstrar que os seus conhecimentos auxiliam (no passado, presente e futuro) o desenvolvimento da humanidade. Para promover esse ensino, indicamos um projeto interdisciplinar (história) sobre os números no qual os professores devem apresentar a matemática como uma disciplina que se conecta a nossa história e necessidades ao longo do tempo.

Neste projeto, o professor de história deve trabalhar, de forma comparativa, o nomadismo e sedentarismo, apresentando a matemática como uma resposta à necessidade de um determinado período: a criação de animais. Através da correspondência um a um, realizada com pedras, os animais eram contados, de forma a identificar se algum tinha fugido. (MACCARINI, 2010).

Essa correspondência também pode ser feita através da associação entre símbolos dos números e quantidade de ângulos. Para dar um significado a matemática, o professor pode apresentar a atividade abaixo que pode ser realizada com palitos e feijões (Figura 1). Mesmo para o caso de “L”, consideramos essa atividade essencial para dar um sentido e uma lógica aos símbolos que representam os números.

 

 

Figura 1: Atividade sobre a história dos números

[Imagem local removida]

                Fonte: http://www.matematiques.com.br/conteudo.php?id=20

 

Outro projeto que pode ser empreendido em toda escola é com a disciplina artes, podendo ter como base um projeto realizado em 2017, por um professor de matemática da cidade de Aracaju (Sergipe), Minho San Liver, que criou, em uma escola pública, o projeto “Matemática e Música, Fração e Violão: o mundo em pedaços[3]” para auxiliar os alunos do Ensino Fundamental I.

Foi diante das dificuldades dos alunos em aprender matemática que o professor, em sua prática pedagógica, criou um projeto visando mudar essa realidade fazendo com que eles compreendessem que a matemática, enquanto uma disciplina escolar, pode ser ensinada através de outras metodologias e recursos pedagógicos, como o violão.

Com as devidas adaptações à realidade da escola e dos alunos, consideramos que esse projeto é essencial para tornar o ensino interessante para os alunos e evitar possíveis dificuldades em relação a álgebra e aritmética, pois o violão (ou outros instrumentos) são utilizados para chamar a atenção para uma disciplina que envolve todos os sentidos (tátil, auditivo, visual), um aprendizado concreto em sala de aula, estimulando o aluno a associar as notas musicais ao conteúdo da fração, por exemplo[4].

Além desses projetos, sugerimos a professores e gestão que, com a ajuda da família, respondam a pergunta: como o meu aluno aprende? A neuroeducação pode nos ajudar a responder, por isso, indicamos cursos de atualização, com neuropsicopedagogos, sobre os princípios da neurociência para professores e gestão escolar, de forma a utilizar esses conhecimentos nas atividades escolares.

São os estudos da Neuroeducação que farão com que todos compreendam que a ação de aprender é um trabalho árduo e que necessita de esforço, atenção e prática. Nesse sentido, o estudar precisa ser adotado como um hábito e, depois, um prazer. Com a participação da família, sugerimos a montagem um planejamento para estudos, orientando aos pais sobre a rotina da criança e aos alunos a importância da organização e autonomia. Dessa forma, todos devem compreender que o sucesso não apenas na matemática, como nos estudos, envolve a persistência, esforço e superação.

Sobre a aluna, reiteramos a necessidade de diagnosticarmos o todo: quais outras dificuldades ela possui no conteúdo da matemática? Existe algum conteúdo não apreendido nas séries anteriores? Como agirmos de forma a reverter essa situação? Além de “L”, quais outros alunos possuem a mesma dificuldade em matemática?

Não podemos levar o caso dela como único, por isso, indicamos realizar uma avaliação diagnóstica com os alunos da escola, desde as séries iniciais. No entanto, antes de realizar essa avaliação consideramos necessário a reflexão sobre os processos avaliativos na escola: de que forma são realizadas as avaliações? São semestrais, bimensais? Os alunos tem medo das avaliações? Por quê?

O tema da avaliação pode ser discutido em um projeto interdisciplinar, o “conversas terapêuticas”: nele, participarão alunos, familiares, professores, psicólogos e gestão escolar que, juntos, produzirão materiais acerca de sua experiência com a avaliação e a aprendizagem de forma a descontruir prováveis pensamentos autodepreciativos acerca de si e de sua aprendizagem.

De forma errada, em nossa sociedade, a autodepreciação sobre a aprendizagem da matemática é recorrente: crianças, jovens e adultos justificam as dificuldades na disciplina pela falta de um dom, algo que para uns é divino, para outros, simplesmente nasce ou não com ele. É como se, antes de nascer, os neurônios escolhessem um lado (o das exatas, humanas ou artes) e nada pudesse ser feito para reverter essa escolha.

Sobre isso, em sua obra “Mentalidades Matemáticas Estimulando o Potencial dos Estudantes por meio da Matemática Criativa, das Mensagens Inspiradoras e do Ensino Inovador” (2017), Jo Boaler desconstrói essa reação frente a aprendizagem em matemática. Com base em pesquisas e pressupostos da neurociência, ela afirma que o nosso cérebro possui três ações fundamentais, a saber: crescer, adaptar e mudar. Dessa forma: “[...]todas as pessoas, com a mensagem e ensino adequados, podem aprender matemática”. (BOALER, 2017, p.4).

Essa premissa da autora vai de encontro ao tal dom que grande parte dos estudantes repetem quando se tornam adultos. Diante dessa realidade, Jo Boaler afirma que a autodepreciação (expressa por “L”) e a dificuldade em matemática não é algo cerebral, mas sim, uma consequência ao avaliar a própria relação com a disciplina após mensagens recebidas nas experiencias de aprendizagem, por professores e até familiares, sobre o seu potencial. Devido a isso, o aluno se autodeprecia, afirmando que nunca irá aprender matemática.

Consideramos essencial desconstruir e evitar essas autodepreciações e, através da motivação, explicar que apesar de ninguém nascer sabendo matemática e nem estar isento da capacidade de aprender, todos, com esforço e dedicação, podemos aprendê-la. Entendemos também que essa autodepreciação modela o comportamento (agressividade, apatia) da aluna e nesse sentido a amigdala (importante nas reações emocionais e aprendizagem de conteúdos) interfere na ação/reação dos alunos.

Sobre as emoções, elas são elementos fundamentais do processo de experiência humana: conforme os sujeitos seguem o seu desenvolvimento humano, cada ação deste processo terá algum componente emocional associado. Assim sendo, é possível inferirmos que conforme existe algum tipo de aprendizagem, certamente existirá uma emoção.

O componente emocional será fundamental na construção do sentido daquela atividade, e neste caso, das maneiras de aprendizagem. As informações as quais compreendem este sentido atribuído dará percepções sobre determinado ensino, sendo essencial na tomada de decisões ou demais condutas as quais os indivíduos necessitem tomar sobre o conhecimento específico (FONSECA, 2016).

Com base nisso, Mourthé Junior, Lima e Padilha (2018) reiteram sobre a necessidade de levar em conta as emoções no processo de ensino-aprendizagem, em pensar em metodologias as quais propiciem não apenas a livre expressão das pessoas, como também pensar sobre elas mesmas. Este pensar possibilita refletir e até gerir novas atitudes conforme o momento vivenciado.

Dessa forma, com base nesses autores, defendemos que não se pode pensar em emoções fora do contexto da sala de aula: quanto mais nos apropriamos disso, maiores serão o autoconhecimento, fortalecimento de vínculos e das relações no cotidiano escolar e claro, o sucesso no exercício do aprender.

Observando estes pontos é possível pensar em intervenções exitosas com “L” e demais alunos, onde eles possam dialogar sobre suas questões, as emoções e percepções envolvidas neste processo. Convidando assim para que eles estejam imersa em seu próprio “caso”, fortalecendo sua autonomia, criando novas habilidades sociais e um próprio senso-perceptivo sobre si mesmos.

Em específico sobre “L”, diante do relato sobre o que ela sabe/não sabe, nos chamou a atenção a dificuldade dela com relação a tabuada, o que é uma das consequências do não desenvolvimento da aprendizagem procedimental e factual da disciplina. Ou seja: o aluno compreende, mas tem dificuldades com o uso e a automatização.

Na aprendizagem da tabuada, professores divergem com relação à sua memorização ou não. Embasados teoricamente no construtivismo piagetiano, professores se recusam a aceitar palavras como “treino”, “decorar” e “memorizar” em sua prática pedagógica, por a considerarem tradicional, e estarmos na era da “nova educação”, um termo que ficou conhecido em 1929, através do “Movimento da Escola Nova”, restrito a um documento, não ocorrendo mudanças profundas no ambiente escolar.

Diante dessa oposição entre memorizar ou não, Ivan Izquierdo (1989) defende a memorização e afirma: “[...] não há memória sem aprendizado e não há aprendizado sem experiências”. (IZQUIERDO, p.89). Dessa forma, o autor explica que tanto o aprendizado quanto a memória são propriedade básicas do sistema nervoso, existindo assim, diversas memórias (rostos, números, músicas) que utilizam diferenciadas vias e processos para a sua aquisição e evocação.

Sobre a formação ou não da memória, segundo Ivan Izquierdo:

 

A formação ou não de uma memória depois de um determinado evento ou experiência, sua resistência à extinção, à interferência e ao esquecimento, depende destes quatro fatores: seleção, consolidação, incorporação de mais informação, formação de registros ou "files". (IZQUIERDO, 1989, p.95).

 

Com base nesses fatores para a formação da memória, entendemos que, como não ocorreu a formação da memória, a aluna se remete à contagem nos dedos. Sabemos que aprender a tabuada integra a alfabetização matemática, pois esse conhecimento é essencial para garantir a aprendizagem do aluno ao longo da disciplina. Nesse sentido, propomos as seguintes atividades para memorizar a tabulada:

1. Pedir para a aluna copiar todas as tabuadas para que sejam consultadas de forma rápida.

2. Dominar, primeiro, as tabuadas de 2, 5 e10.

3. Dedicar um tempo, diariamente, para resolver exercícios que envolvam a tabuada;

4. Praticar jogos com tabuada;

5.Realizar atividades com a tabuada cartesiana;

6. Criar um ambiente favorável a aprendizagem da aluna, não cobrando apenas resoluções rápidas, mas permitindo que ela compreenda o processo para se chegar ao resultado.

7. Permitir que, no início, a aluna se utilize dos dedos (concreto) para depois incentivar a abstração;

     Realizando essas ações, com o tempo, motivação e dedicação, a aluna irá memorizar a tabuada, envolvendo três ações: codificar, armazenar e evocar a informação. (BADDELEY, 2017). Dessa forma, a memorização da tabuada irá auxiliar a aluna na codificação dos problemas, planejamento das estratégias de solução e resolução da questão apresentada. Todavia, afirmamos que não adianta adotarmos as estratégias sem revertemos a ansiedade matemática da aluna.

Em um artigo sobre a reversão da ansiedade matemática, João dos Santos Carmo e Aline Morales Simionato (2012), apresentam o que consideramos um dos aspectos essenciais para compreendermos as reações da aluna: como o passado afeta o presente? Ou seja, como o histórico de aprendizagem interferem nas reações atuais da aluna frente ao professor e a disciplina? Para achar a resposta a essa pergunta, indicamos que os alunos e professores tivessem uma palestra com um neuropsicopedagogo para compreenderem o que é a ansiedade matemática e como a mesma afeta o seu presente.

Compreendida o que é a ansiedade, através de rearranjos no ambiente de estudos, sugerimos mudanças de metodologia, atividades com terapia comportamental e a presença de monitores para auxiliar os alunos que, de início, não se sintam confortáveis com os professores. Esses monitores podem ser os alunos que apresentam domínio da disciplina (de forma que não os sobrecarreguem e eles entendam a importância do projeto).

Citados por João Carmo e Aline Simionato, Hendel e Davis (1978), em uma pesquisa com mulheres que possuem ansiedade matemática, sugerem como atividades a serem adotadas pela escola:

[...]cursos especiais de matemática, os quais continham instrutores capazes de sensibilizar as alunas com dificuldade, tinham direito a pedir auxílio a um grupo de suporte que aplicava exercícios para reduzir a ansiedade em relação à matemática e também poderiam participar de um fórum a fim de discutir experiências prévias com a disciplina. (HENDEL; DAVIS apud CARMO; SIMIONATO, 2012, p. 322).

 

Diante do que seja considerado fracasso ou dificuldades de aprendizagem é notório os compreendemos como fenômeno multifatorial. Entretanto, a grande diferença, conforme Ferreira et al., (2018) diz respeito a como a instituição e seus atores lidam com esta questão.

Desse modo, é necessário criar um ambiente interativo e compreensivo, para que se possa não apenas questionar como ouvir. Conforme esses sujeitos passam se tornar protagonistas da própria história é possível recriar novas alternativas, garantindo o desenvolvimento escolar e saudável do seu crescimento.

 

[1] A palestra está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EyXtOSvKU70

[2] Para construirmos esse roteiro, tivemos como referência teórica a obra: Fundamentos e Metodologia de Ensino da Matemática de Justina Motter Maccarini (2010).

[3] Ver mais sobre o projeto nas reportagens: https://www.f5news.com.br/cotidiano/alunos-aprendem-matematica-atraves-da-musica-em-aracaju_37919/.https://andi.org.br/infancia_midia/em-sergipe-musica-ajuda-alunos-no-aprendizado-da-matematica.

O presente trabalho apresenta uma temática ainda em desenvolvimento no ensino brasileiro. Por muito tempo, existe um estigma relacionado ao ensino da matemática, sobretudo, em relação à capacidade de desenvolver o entendimento dos conteúdos relacionados a disciplina e o interesse pela mesma.

A partir disto, trabalhos como este apresentam um novo desafio dentro desta área composta por números e sinais. É preciso pensar e refletir criticamente se existem alunos que estejam experienciando a ansiedade matemática. O caso em questão pode servir de base para que professores, gestores, pais e/ou responsáveis e até mesmo os alunos, possam refletir sobre essa possibilidade. O objetivo não se trata em diagnosticar, ao contrário, mas em conhecer as prováveis situações, nas quais os alunos estejam desenvolvendo ansiedade matemática, visando buscar soluções viáveis e seguras.

Dessa forma, é preciso levar este conhecimento para o campo escolar, apresentando suas particularidades e demais aspectos que promovam seu entendimento. A partir daí, se pode pensar em intervenções nos mais diversos campos de atuação, envolvendo profissionais e instituições capacitadas. Diante da devida atenção e cuidado frente a casos deste gênero, é possível resgatar não apenas o bem estar do sujeitos, mas trazer aos sujeitos o prazer de aprender e desenvolver novas possibilidades futuras de profissionalização e realização pessoal.

BADDELEY, Alan. O que é a memória? In: BADDELEY, Alan; ANDERSON, Michel; EYSENCK, Michaell. Memória. Artmed, 2011, pp.13-30.

BOALER, Jo. O que a matemática tem a ver com isso? Como professores e pais podem transformar a aprendizagem matemática e inspirar sucesso. Editora Penso ,2019.

CARMO, João dos Santos; SIMIONATO, Aline Morales. Reversão de ansiedade à matemática:alguns dados da literatura. Psicologia em Estudo. Maringá, v.17, n.2, p.317-327, ab/jun,2012.

CARMO, João dos Santos. Ansiedade matemática: caracterização e avanços recentes. Youtube, 16 de set. de 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EyXtOSvKU70.

FERREIRA, Adriana Cristina dos Santos et al. Dificuldades de aprendizagem e problemas emocionais do aluno: uma contribuição da psicologia escolar. Revista Interação Interdisciplinar, v. 2, n. 1, p. 05-21, 2018.

FONSECA, Vitor da. Importância das emoções na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Rev. psicopedag. [online], vol.33, n.102, pp. 365-384 , 2016.

HAASE, V. G. et al. Heterogeneidade cognitiva nas dificuldades de aprendizagem da matemática: Uma revisão bibliográfica. Psicologia em Pesquisa, Juiz de Fora, v. 6, n. 2, p. 139-150, dez. 2012.

IZQUIERDO, Ivan. (1989). Memórias . Estudos Avançados, 3(6), 89-112.Disponível em: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8522.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar : estudos e proposições. 17. ed. - São Paulo: Cortez, 2005.

MACCARINI, Justina Motter. Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática. Curitiba: Editora Fael, 2010.

MASOLA, Wilson; ALLEVATO, Norma. Dificuldades de aprendizagem matemática: algumas reflexões. Educação Matemática Debate, v. 3, n. 7, p. 52-67, 2019.

MENDES, Alessandra Campanini; CARMO, João dos Santos. Atribuições Dadas à Matemática e Ansiedade ante a Matemática: o relato de alguns estudantes do ensino fundamental. Bolema: Boletim de Educação Matemática, v. 28, n. 50, p. 1368-1385, 2014.

MENDES, Alessandra Campanini; CARMO, João dos Santos. Estudantes com grau extremo de ansiedade à matemática: identificação de casos e implicações educacionais. Psicologia da Educação. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação. ISSN 2175-3520, n. 33, 2011.

MOURTHÉ JUNIOR, Carlos Alberto; LIMA, Valéria Vernaschi; PADILHA, Roberto de Queiroz. Integrando emoções e racionalidades para o desenvolvimento de competência nas metodologias ativas de aprendizagem. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v. 22, p. 577-588, 2018.

MURICY, Crislane dos Santos. Matemática e Ludicidade: ensino conjugado. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade Uninassau, 2017.

SIMPLÍCIO, Henrique Augusto Torres; HAASE, Vitor Gerald. Pedagogia do Fracasso: o que as ciências cognitivas têm a dizer sobre a aprendizagem. Ampla Editora, 2020.

STRIEDER, Roque; ZIMMERMANN, Rose Laura Gross. Importância da escola para pais, mães, alunos, professores, funcionários e dirigentes. Educação, v. 35, n. 2, p. 245-258, 2010.

Encontrou algo a ajustar?

Ajude-nos a melhorar este registro. Você pode enviar uma correção de metadados, errata ou versão atualizada.