Metadados do trabalho

Educação Permanente: Mediação Pela Gestão Do Trabalho Da Assistência Social E Prevalência Da Precarização

Silmere Alves Santos; Matheus Andrade de Moraes

O presente trabalho situa-se a partir da experiência de Estágio Curricular I do curso de Serviço Social na Coordenação de Gestão do Trabalho e Educação Permanente da Secretaria Municipal da Família e da Assistência Social na Prefeitura Municipal de Aracaju. O objetivo principal é analisar a importância de uma formação continuada, principalmente, em temáticas que envolvem a interseccionalidade dos Direitos Humanos, para servidores/as municipais. A pesquisa foi realizada mediante análise histórica sobre a Assistência Social no Brasil, mediante pesquisa bibliográfica e documental. Para esta análise foi realizada uma historicização bibliográfica e documental sobre a Assistência Social no Brasil, unindo também a visão crítica que a experiência do estágio proporciona. A análise se desdobrou a partir do eixo qualitativo pela abordagem do materialismo histórico dialético. Como resultados verificou-se que a Educação Permanente é uma das formas de transformação societária e a importância de defender setores de Gestão do Trabalho como forma de diminuir os impactos da precarização na estrutura neoliberal e nas relações profissionais.

Palavras‑chave:  |  DOI: 10.1590/1982-02592020v23n1p72

Como citar este trabalho

SANTOS, Silmere Alves; MORAES, Matheus Andrade de. Educação Permanente: mediação pela gestão do trabalho da Assistência Social e prevalência da precarização. Anais do Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, 2021 . ISSN: 1982-3657. DOI: https://doi.org/10.1590/1982-02592020v23n1p72. Disponível em: https://www.coloquioeducon.com/hub/anais/224-educa%C3%A7%C3%A3o-permanente-media%C3%A7%C3%A3o-pela-gest%C3%A3o-do-trabalho-da-assist%C3%AAncia-social-e-preval%C3%AAncia-da-precariza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 16 out. 2025.

Educação Permanente: mediação pela gestão do trabalho da Assistência Social e prevalência da precarização

A Educação Permanente é entendida como um processo abrangente de formação de trabalhadores/as que interliga atualização contínua e abrangente de conteúdos científicos, tecnológicos, sociais e culturais. “[...] é considerada algo mais abrangente da educação enquanto formação integral e contínua do ser humano com um referencial teórico-metodológico problematizador.” (MASSAROLI, & SAUPE, 2005, p. 3).

Trazendo o tema para a área da política assistência social, a educação permanente relaciona os saberes científicos com o cotidiano do trabalho contemporâneo, caracterizado pela complexidade e diversidade de demandas, inerentes à atuação de assistentes sociais, com vista à defesa dos princípios ético-políticos em uma conjuntura de desfinanciamento das políticas sociais coerente com o projeto neoliberal de sociedade. Além disso, por ter formação em nível de graduação generalista, a educação permanente torna-se imprescindível, principalmente, dada a diversidade de campos de atuação profissional.

A pesquisa foi realizada durante a realização do Estágio Supervisionado Obrigatório em Serviço Social, em cumprimento a carga horária de 120 horas, no período de outubro de 2019 a março de 2020, na Coordenação de Gestão do Trabalho e Educação Permanente (COGETEP), parte da estrutura administrativa da Secretaria Municipal da Família e da Assistência Social (SEMFAS), da Prefeitura Municipal de Aracaju (PMA). Trata-se, portanto, de pesquisa exploratória mediante abordagem do materialismo histórico-dialético, através do qual busca-se aproximação da realidade social em aproximação com a totalidade, evidenciando as contradições do objeto e os processos de mediações. Enquanto técnicas, foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e a observação empírica, dada a inserção no campo de estágio.

Percebeu-se durante a experiência do estágio que a realidade objetiva e materializada provocou inquietações sobre temáticas que estavam presentes no cotidiano profissional, por vezes como nuances subjetivas do exercício de um poder hierárquico e vertical. Assim, certas questões não estavam apresentadas no imediatismo, mas na essência das relações profissionais agravadas pelos desafios de estar em uma gestão pública. Também a partir desta experiência, foi possível observar que a precarização do trabalho faz parte do cotidiano dos/as/es[1] servidores/as municipais. Ela irá atingir de formas diversas os diferentes marcadores sociais previamente imersos na lógica capitalista que se apropria da força de trabalho e aliena a classe trabalhadora. Nesse sentido, a abordagem a partir da imbricação entre classe, raça/etnia, gênero, sexualidade, geração e pessoas com deficiência coloca-se como tema para propostas de educação permanente para trabalhadores/as da assistência social, dadas as características das usuárias dos serviços desta política.

A primeira seção do artigo apresenta aspectos da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), Política Nacional de Assistência Social (PNAS), Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS) e o trabalho direcionado aos grupos vulnerabilizados a partir dos princípios da matricialidade, territorialização das áreas, rede socioassistencial, os quais apresentam demandas diferentes e diversas que exigem educação permanente para a qualificação do trabalho, a efetividade da operacionalização da política e inclusive a defesa do Sistema Único de Assistência Social e o enfrentamento à refilantropização e o descaso governamental.

Na segunda seção, foram analisadas ações promovidas pela Coordenação de Gestão do Trabalho e Educação Permanente (COGETEP), a falta de condições estruturais para o desenvolvimento do trabalho, incluindo o financiamento das ações de educação permanente realizadas com colaboração/ ajuda dos especialistas nos temas de formação, evidenciando a falta de compromisso político e financiamento do governo municipal, culminando com a extinção do setor.

Por fim, na terceira seção são evidenciadas as demandas que extrapolam a necessidade imediata de formação continuada, mas ratificam os objetivos da NOB-RH/SUAS de garantir a “desprecarização” dos vínculos dos trabalhadores do SUAS e o fim da terceirização; garantir a educação permanente dos trabalhadores, principalmente.

 

1 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E IMBRICAÇÕES: demandas para a educação permanente

 

A Política de Assistência Social brasileira pode ser analisada, historicamente, a partir dos processos que a constituíram, passando do assistencialismo caritativo via Igreja Católica para a concepção de política pública, enquanto direito social, direitos dos cidadãos e dever do Estado. Ainda que ligada à manutenção do Estado neoliberal, do coronelismo e da alienação populacional, na particularidade da região nordeste brasileira, onde a assistência muitas vezes é usada com cunho eleitoreiro.

Foi com a Constituição de 1988 que a legislação brasileira reconheceu as múltiplas desigualdades sociais. Nestes termos, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) estabelece que a assistência social deve ser universalizada e integralizada com outras políticas, criando assim um atendimento em rede que deve ser especializado e qualificado. No texto abaixo, fica evidente a diversidade de questões presentes no trabalho na assistência social:

 

Art. 2º A assistência social tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Parágrafo único. A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais (LOAS, 2009, p. 6-7).

 

A aplicabilidade da LOAS deve acontecer mediante a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) enquanto política pública descentralizada, de responsabilidade executiva dos municípios, assessoria e monitoramento por parte das ações dos governos estaduais e financiamento e monitoramento do governo federal. Juntos, esses três entes formam a gestão pública que, inclusive, devem criar mecanismos de participação da sociedade civil, inclusive com finalidade de fiscalização, por meio do controle social.

A PNAS é definida pela matricialidade, ou seja, a família deve ser o ponto central do atendimento dos/as/es profissionais da Assistência Social. Evidenciando-se que cada núcleo possui demandas próprias, reflexivas dos sistemas de exploração, dominação e opressão estruturantes da sociedade brasileiras, como as questões de classe, gênero, raça/etnia, sexualidade, geração, deficiência. Demarcando a necessidade de apreensão da realidade social em suas imbricações[2].

As expressões da questão social que demandam inserção na política de assistência social são, evidentemente, a pobreza e o desemprego. Entretanto, é importante ressaltar que o público da assistência social (inclusive dos/as/es trabalhadores/as da assistência social) é, em sua maioria, mulher negra que possui como única fonte de sobrevivência os programas da assistência social, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), conforme afirma o Informativo CFESS (2019)[3].

Na perspectiva de imbricação entre classe, raça e gênero, é necessário observar o quanto o sistema escravista influenciou a formação social e cultural brasileira e impôs aos/as/es negros/as/es uma posição de marginalização e, como consequência, a pobreza institucionalizada. “Por isso dissemos que a escravidão não foi apenas um sistema econômico, ela moldou a sociedade brasileira.” (ALBUQUERQUE, & FRAGA FILHO, 2006, p. 310) Como cita Moore (2010, p. 62) “O Capitalismo ocidental estava em plena expansão; a Europa bebia o sangue do homem negro e cuspia dinheiro em seguida.” Gonzales e Hasenbalg (1982, p. 89-90) complementam: a raça se relaciona fundamentalmente com um dos aspectos da reprodução das classes sociais, isto é, a distribuição dos indivíduos nas posições da estrutura de classes e dimensão distributiva da estratificação social.

Para Angela Davis (2013) “Uma vez que o traço histórico saliente do racismo foi sempre a assunção que os homens brancos – especialmente aquelas que tinham poder econômico – possuíam um incontestável direito de aceder aos corpos das mulheres negras.” Portanto, o sentindo de propriedade privada transborda os limites das coisas para controlar as pessoas. Neste contexto, são as mulheres negras que sofrem ainda mais com as estruturas sociais indicadas e são coisificadas pelo capitalismo. A força de trabalho negra é marginalizada, sendo a esta, direcionado o trabalho informal, o trabalho doméstico, o desemprego e até mesmo ao trababalho em condições analógas à escravidão, como noticiado recentemente nas mídias[4]. Ademais, seus corpos são comercializados nas estruturas midiáticas a serviço do carnaval; no seu cotidiano podem estar sujeitas ao assédio, discriminação, preconceitos e objetificação, seja nas estruturas domésticas das residências ou na limpeza (terceirizada) dos órgãos governamentais. Sendo assim, através da imbricação entre classe, raça e gênero constata-se quais são os lugares tidos como aceitáveis para as mulheres negras.

Além da matricialidade, de acordo com o a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS), existe uma diretriz que cita o princípio da territorialização das áreas, uma vez que nos bairros, nas comunidades, nas zonas das cidades estão presentes os diferentes contextos sócio econômicos e culturais.

 

O princípio da territorialização significa o reconhecimento da presença de múltiplos fatores sociais e econômicos, que levam o indivíduo e a família a uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social. O princípio da territorialização possibilita orientar a proteção social de Assistência Social: na perspectiva do alcance de universalidade de cobertura entre indivíduos e famílias, sob situações similares de risco e vulnerabilidade; na aplicação do princípio de prevenção e proteção pró-ativa, nas ações de Assistência Social; no planejamento da localização da rede de serviços, a partir dos territórios de maior incidência de vulnerabilidade e riscos. (NOB-SUAS, 2005, p. 90).

 

Sendo assim, estabelecer essas divisões é de suma importância para que aconteça uma democrática participação popular e atendimentos específicos para cada localidade a depender das expressões sociais e culturais, características de valores próprios de culturas de dominação e opressão.

Para Piovesan e Kist (2017) a territorialização está diretamente composta pelas particularidades de cada espaço territorial e a partir da perspectiva da totalidade, existe a presença de todos os elementos que compõem e que dão materialidade à vida social. Logo, para se fazer frente as vulnerabilidades sociais existe a necessidade de as políticas públicas observarem as expressões da questão social de certa territorialidade, e, principalmente, as imbricações proveniente das relações sociais, historicamente, estruturadas pelo sistema de raça/etnia, gênero.

Quanto à identificação da rede socioassistencial, deve estar voltada para a necessidade de trabalhar sob o princípio da intersetorialidade, propiciando a integração com as demais políticas e outros órgãos setoriais. Em termos de educação permanente, esta questão também aponta para a formação interdisciplinar e o trato com a pluralidade de ideias e atuações, o que ratifica princípios são destacados no Código de Ética Profissional do Serviço Social enquanto respeito a pluraridade e a interdisciplinaridade.

Consequentemente, destacar estas estruturas sociais imbricadas torna-se fundamental para compreender os sujeitos em vulnerabilidades sociais, o perfil das usuárias da política de assistência social, as quais sofrem os efeitos dos sistemas de exploração capitalista, dominação e opressão racista e patriarcalista, que marcam a cultura de estratificação como amarras determinantes e mantem as desigualdades sociais no Brasil. Inclusive demancar que, enquanto valores presentes em uma cultural dominante e opressiva, tais estruturas podem impregnar os serviços e os atendimentos via discriminação e preconceitos.

Neste sentido, com a intencionalidade de garantir direitos sociais e direitos humanos, a educação permanente dos/as/es trabalhadores/as da política de assistência não pode se furtar às expressões da questão social, nem tão pouco às características das relações sociais conservadoras que se imbricam, que levam inclusive aos altos índices de femínicios e de violência dos corpos negros[5].

Existe também uma realidade gritante que não deve ser ignorada, quando se trata de assistência social: em tempos de descontinuidade de programas sociais, a ofensiva neoliberal e congelamento de gastos públicos, a tentativa de refilantropização da assistência, através da implementação do Estado Mínimo e a destituição dos direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal o que afeta diretamente as intenções de educação permanente.

 

Nesse sentido, entendemos como necessário o compromisso do/a profissional com a busca de momentos de continuidade de sua formação, entendendo que esta não se resume ao período da graduação. Há que se dispor a seguir em processos de formação, e para tanto, criar coletivamente as condições para que estes ocorram. Sabemos que o cotidiano profissional muitas vezes “engole” toda a possibilidade de reflexão e crítica, destarte, os espaços de formação permanente, quando concebidos para além da dimensão demandada pelo sistema capitalista, se colocam como meio e estratégia para garantir a apreensão do real, da razão ontológica dos processos e relações sociais na realidade que o/a profissional se insere, possibilitando a suspensão do cotidiano. Dito de outra forma é essencial mantermos espaços de formação permanente se objetivamos a formação de um/a profissional competente, com perfil propositivo, crítico e vinculado à defesa dos valores expressos em nosso projeto profissional. (CARDOSO, NUNES, & RODRIGUES, 2020, p. 78).

 

Na contemporaneidade, o assistencialismo encontra através de Organizações não-governamentais e do terceiro setor terreno fértil para a refilantropização[6], articulados também ao mundo empresarial com isenção de impostos, quanto via instituições religiosas que contam com verbas públicas e doações para o desenvolvimento de suas atividades. Neste sentido, a refilantropização desmonta o que preconizam a LOAS, o SUAS e a PNAS, uma vez que é dever do Estado financiar, assessorar e executar essas políticas sociais, enquanto direitos sociais.

No atual contexto existe uma proximidade com o movimento de refilantropização, portanto a necessidade de ainda lutar pela implantação da PNAS enquanto um direito social garantido na Constituição Federal e conquista dos movimentos sociais politicamente organizados. Nestes termos a que se criticar a refilantropização da assistência e buscar formação continuada para organização de usuários dos serviços de forma que os leve à participação política e popular em defesa de seus direitos. Bem como, a necessidade de ampliação e aplicação de uma formação continuada para a imbricações e as particularidade da conjutura política de refilantropização da assistência. Também neste sentido, a Política Nacional de Assistência Social e o Sistema Único de Assistência Social já levantaram pontos relevantes sobre a educação permanente das/os/es profissionais dentro da Gestão do Trabalho.

Como se pode conferir, a execução daquele diagnóstico adentra em um gargalo da política social da assistência, bem como outras ações impostas pela NOB-SUAS. Em concordância com Guerra (2012) a heterogeneidade, a espontaneidade, a imediaticidade e a superficialidade extensiva, características inerentes ao cotidiano social são atenuadas no contexto que busca a quantidade, mas não a qualidade.

 

 

2 COORDENAÇÃO DE GESTÃO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO PERMANENTE: o descaso governamental e o foco nas capacitações

 

As diretrizes da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOB-RH/SUAS), no que diz respeito aos trabalhadores/as da política de assistência social preconizam a necessidade de fortalecer as relações profissionais para fortalecimento das ações de operacionalização da política.

 

[...] os municípios em gestão plena deverão: 1). Fortalecer mecanismos de desenvolvimento profissional nas carreiras, estimulando a manutenção de servidores no serviço público e valorizando a progressão nas carreiras. 2). Planejar o ingresso de pessoal com a previsão de quantitativos anuais de vagas a serem preenchidas por meio de concurso público. 3). Instituir em seu âmbito uma Mesa de Negociações com composição paritária entre gestores, prestadores de serviços, trabalhadores da área da assistência do setor público e do setor privado. 4). Estabelecer mecanismos para realizar o reenquadramento, reorganização de cargos e progressão na carreira do trabalhador, no PCCS. 5). Fortalecer, por meio da criação ou reorganização, as atuais carreiras, direcionando-as, em seu âmbito, para a formulação, controle, monitoramento e avaliação da política pública de assistência social. 6). Propiciar e viabilizar a participação das instituições de ensino superior, em seu âmbito, mediante a realização de atividades conjuntas de capacitação, pesquisa e extensão, bem como de avaliação de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais. 7). Organizar centros de estudos ou outras formas de mobilização regionalizados nas unidades de assistência social, que devem ser considerados como núcleos de discussão técnica e de fomento à qualificação dos trabalhadores no SUAS. 8). Participar da definição dos critérios de repasse de recursos fundo-a-fundo e da definição dos requisitos, responsabilidades e incentivos referentes ao cumprimento da NOB-RH/SUAS (BRASIL, 2009, p. 54-55).

 

É notório que, no âmbito marco normativo, há a intenção de valorização dos profissionais da assistência social, a defesa da educação permanente e dos processos de trabalhos em condições dignas e adequadas, uma vez que este é o tripé da gestão do trabalho. De acordo com a NOB-RH/SUAS “[...] O SUAS vem se consolidando e a gestão do trabalho na assistência social carece de uma atenção maior devido a sua importância para a consolidação do Sistema.” (2009, p. 9).

Ainda sobre a NOB-RH/SUAS, no que diz respeito aos seus objetivos é importate destacar:

 

A gestão do trabalho no âmbito do SUAS deve também: • garantir a “desprecarização” dos vínculos dos trabalhadores do SUAS e o fim da tercerização, • garantir a educação permanente dos trabalhadores, • realizar planejamento estratégico, • garantir a gestão participativa com controle social, • integrar e alimentar o sistema de informação. (BRASIL, 2009, p. 16).

 

Somado a isso, de acordo com as diretrizes da Política Nacional de Capacitação do SUAS (PNC/SUAS):

 

I. Reconhecer a capacitação como elemento fundante da qualidade dos serviços, programas, projetos e benefícios, sendo essencial para consolidação do SUAS; II. Fundamentar as ações de capacitação na perspectiva da educação permanente, a ser realizada de forma sistemática e continuada; sustentável; participativa; nacionalizada; descentralizada; avaliada e monitorada; III. Promover a capacitação com a finalidade de produzir e difundir conhecimentos direcionados ao desenvolvimento de habilidades e capacidades técnicas e gerenciais; ao efetivo exercício do controle social; e ao empoderamento dos usuários, para o aprimoramento da política pública; IV. Primar pelo investimento em múltiplas formas de capacitação, adotando instrumentos criativos e inovadores, metodologias que favoreçam a troca de experiências e tecnologias diversificadas, adequando-as aos diferentes atores sociais e garantindo a acessibilidade das pessoas com deficiência; V. Respeitar as diversidades e especificidades regionais e locais na elaboração das ações de capacitação; VI. Prever o monitoramento e a avaliação nos planos e demais ações de capacitação; VII. Integrar diferentes segmentos dos órgãos educacionais, de gestão e das instâncias de controle social e movimentos sociais, favorecendo a ampliação dos espaços de debate, com a finalidade de formular, planejar, executar, monitorar e avaliar ações de capacitação para o SUAS; VIII. Incentivar a produção de conhecimento e a publicação de pesquisas acerca da política pública de assistência social e das experiências de capacitação existentes. (BRASIL, 2011, p. 20-21).

 

Diante do que foi exposto é central perceber que é dever do Estado garantir as condições de trabalho, salário, formação continuada, abertura de concursos públicos entre outros, neste sentido, atuando para que não haja precarização do trabalho. Entretanto, o que se constata é a fragmentação da classe trabalhadoras e as diversas formas de contratação destes profissionais, ou seja, profissionais concursados/as/es possuem mais estabilidade dentro dos seus espaços de trabalho; cargos em comissão (ligados a determinações políticas) e os terceirizados (originados de empresas) restam quase nenhuma autonomia. Como resultado, inclusive, do desfinanciamento da Política de Assistência Social, do descaso governamental e da tendência à refilantropização da assistência.

O conjunto destes marcos regulatórios influenciam o trabalho da COGETEP a qual respeita a utilização destes documentos como base para as formações de seus trabalhos e formam debates para a construção de habilidades de gestão pública. A educação e valorização dos/das/des profissionais empodera não somente os serviços públicos, mas também a si mesmos/as/es enquanto classe trabalhadora que deve se manter atenta e crítica.

Na particularidade do campo de estágio, que propiciou as observações analisadas neste artigo, a Coordenação de Gestão do Trabalho e Educação Permanente (COGETEP) funciona dentro das normativas preconizadas pela NOB-RH do SUAS. O setor foi implantado no ano de 2017, ao iniciar a gestão municipal (2017-2021). O setor respondia diretamente à Diretoria de Administração e Finanças (DAF) vinculada à Secretaria Municipal da Família e Assistência Social (SEMFAS) dentro do âmbito da gestão da Prefeitura Municipal de Aracaju (PMA). Era de responsabilidade deste setor fazer o monitoramento das condições de trabalho dos equipamentos, das condições de trabalho e das relações profissionais entre as pessoas. É através do acompanhamento contínuo que esse diagnóstico era realizado. Neste sentido, a COGETEP realizava entre as suas ações: visitas institucionais, não somente para verificar as demandas citadas pelos/as/es profissionais, mas também como forma avaliativa para verificar as condições de trabalho e o funcionamento dos ambientes de trabalho.

 

[...] Acredita-se que a intervenção da diretoria vem tornando o trabalho melhor e rendendo bons frutos para o servidor e o usuário. A Gestão do Trabalho vem desempenhando um trabalho extremamente importante, que contribui muito para que todos tenham um olhar diferenciado sobre os serviços ofertados no âmbito do SUAS. Nessas formações também se obteve a oportunidade de identificar as demandas dos trabalhadores e intervir buscando melhorias. [...] (PERES, 2019, p.6).

 

A equipe constrói suas ações a partir das demandas levantadas pelos/as profissionais que estão nos equipamentos de atendimento da Assistência Social, seja da Proteção Social Básica (PSB), Proteção Social Especial (PSE) de Média e Alta Complexidade, seja pelos outros setores da gestão da SEMFAS. Nota-se então as demasiadas tentativas de fortalecimento e estreitamento de laços do setor para com os/as/es trabalhadores/as, ainda que com todas as dificuldades e conjunturas e estruturais atuais.

 

O monitoramento realizado hoje afere mais a quantidade da oferta do que a sua qualidade. Isto acontece, de um lado, por um problema estrutural da área que é a dificuldade para construir indicadores que possibilitem avaliar temas intangíveis da assistência social como o trabalho social com famílias ou a construção de projeto de vida junto ao adolescente em conflito com a lei. Por outro lado, a cultura do direito à assistência social está em construção, inclusive, para gestores e trabalhadores da área. O debate da qualidade encontra resistência para um setor que nasceu da filantropia, na qual não se exige daquele que “faz o bem”. (CONEGUNDES, & ROCHA, 2013, p.14).

 

É através das visitas institucionais que os levantamentos das demandas acontecem, bem como em reuniões junto no setor da equipe de Gestão do Trabalho, na sede da prefeitura. Notam-se que as demandas mais imediatas estão ligadas à educação permanente e ao monitoramento dos/as/es trabalhadores/as inseridos no Cadastro do Sistema Único de Assistência Social (CadSUAS).

De acordo com Peres (2019), que trabalhou sobre as ações de 2018 do setor, e o Relatório de Gestão da COGETEP (ARACAJU, 2019), as ações realizadas pela COGETEP até o ano de 2019 foram: 1) Projeto de capacitação continuada para as equipes da Proteção Social Especial – Alta Complexidade; 2) Formação dos profissionais dos serviços de acolhimento institucional e ciclos de debates – “SUAS: Inclusão, Respeito e Diversidade” que trabalhou temáticas de Direitos Humanos como gênero, sexualidade, populações LGBTQIA+; pessoas negras e desafios da assistência social; 3) Projeto de capacitação continuada para os profissionais do Centro-DIA; 4) Capacitação para a equipe do Colegiado dos Conselheiros Tutelares; 5) Projeto “Cuidando dos Cuidadores”; 6) Projeto “Teias Invisíveis”; 7) Curso de técnicas de cuidadores de idosos e infanto juvenil; 8) Formação dos Conselheiros municipais da Asisstência Social; 9) Mesa Municipal de Gestão do Trabalho do Sistema Único da Assistência Social; 10) I Edital Práticas que Inspiram. As capacitações realizadas pela COGETEP são oriundas do trabalho cotidiano dos/as/es profissionais da assistência social e, também, coadunam com a concepção de imbricações.

Por outro lado, ressalta-se que essas ações eram realizadas através de colaboração de terceiros para palestras, material disponibilizado pelo almoxarifado, espaços físicos da própria prefeitura e sem recursos financeiros específicos para o setor. Através da experiência de estágio foi observado o descaso do governo municipal para com o trabalho da COGETEP que culminou com o fechamento da coordenação e com a fragmentação das ações de educação permanente.

“A educação permanente é uma necessidade em todas as profissões e áreas do conhecimento. Pois no contexto atual, a dinâmica e complexa realidade em transformação produz aceleradamente questões que precisam ser desveladas e analisadas.” (CFESS, 2012, p. 10), logo o conjunto dos órgãos representativos das categorias profissionais de Serviço Social defende a formação continuada. Por isso, trata-se de demanda profissional que precisa ser defendida e ratificada em prol da qualidade dos serviços, da defesa do SUAS e da efetividade da Política Nacional de Assistência Social.

Sem os recursos financeiros necessários, o setor realizou as ações possíveis, voltadas para a educação permanente, sem estar alienada quanto às dificuldades e quanto ao que está na raiz da demandas profissionais, ou seja, a luta por concursos públicos, programas de valorização da carreira profissional das/os/es trabalhadoras/es, a falta de condições de trabalho agravadas pela vulnerabilidade dos/as/es usuários/as/es dos serviços o que tem levado ao adoecimento dos/as/es trabalhadores/as do SUAS, principalmente, no contexto da Pandemia Covid-19, cujos profissionais estão na linha de frente do atendimento, sem os recursos de isalubridade, ao menos. A luta pela defesa do SUAS exige compromisso político com os direitos sociais e com o enfrentamento da refilantropização da assistência e das ações de politicagem e favoritismo, quando a política é usada para fins eleitoreiros e negociatas partidárias de cargos em comissão. Exige, portanto, o enfrentamento da cultura coronelista estruturante da formação sócio-histórica nordestina e do projeto neoliberal a serviço dos interesses do capital e da destituição e precarização da coisa pública.

 

 

3 PRECARIZAÇÃO DO SERVIÇO E DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

 

Em se tratando de estrutura física para o desenvolvimento do trabalho da COGETEP há necessidade de estruturação de sala, uma vez que ela, atualmente, é dividida de outros setores por divisórias as quais não garantem o sigilo dentro dos princípios éticos-políticos. Acrescenta-se mais, a sala vizinha (setor jurídico) possui vidro fosco protegendo o sigilo visual, por outro lado, segundo depoimentos, a COGETEP é bastante visível uma vez que está em um corredor de transição das pessoas. Ao passo que algumas pessoas transitam neste corredor notam-se constantes olhares para as profissionais o que por vezes causa desconforto.

Verificou-se também que o setor é o único da SEMFAS a ter uma ausência de identificação na porta por meio de uma placa, a qual foi solicitada desde do mês de agosto de 2019 e até abril de 2020 ainda não foi providenciada.

 

Uma fenomenologia preliminar dos modos de ser da precarização demonstra a ampliação acentuada de trabalhos submetidos a sucessivos contratos temporários, sem estabilidade, sem registro em carteira, trabalhando dentro ou fora do espaço produtivo das empresas, quer em atividades mais instáveis ou temporárias, quando não na condição de desempregado (ANTUNES, & DRUCK, 2013, p. 218)

 

Sobre a última citação é importante frisar que, na época de sua implantação, o setor era uma diretoria independente, porém um ano depois foi repassada para a estrutura da DAF (Diretoria Financeira) e foi realocada como coordenação, o que significa dizer que suas ações passaram à subordinação e aprovação da referida diretoria, sendo destituída de autonomia administrativa. Em agosto de 2020, a supervisora de campo foi exonerada da função de coordenadora e iniciou-se assim o desmonte da COGETEP. Esta mudança foi justificada por conta da pandemia, o que analisamos como entendimento equivocado que restringe as ações da COGETEP apenas ao objetivo de capacitação/fomação e não de valorização dos profissionais da assistência social, de defesa da educação permanente e dos processos de trabalhos em condições dignas e adequadas, uma vez que este é o tripé da gestão do trabalho.  No contexto da pandemia COVID-19, o trabaho da COGETEP deveria ter sido intensificado, principalmente, quanto à garantia das condições de trabalho dos profissionais e valorização do trabalho, dado que a Assistência Social juntamente com a Saúde, atuam na linha de frente da pandemia. 

Nota-se que as demandas dos serviços são acompanhadas pela redução de investimento financeiro, o que cerceia ainda mais o cotidiano das/dos/des profissionais e torna a situação ainda mais precária, invibializando a atuação da COGETEP, o que ratifica o descaso do governo municipal com a aplicabilidade da NOB-RH/SUAS.

De acordo com as autoras (SILVA, & SANTOS, 2019), os fatores de precarização e intensificação do trabalho, a vivência com condições de vulnerabilidades dos usuários dos serviços e as violências afetam a saúde de trabalhadores da assistência social, refletindo a coisificação das pessoas e alienação do trabalho,

 

Algumas dimensões que são inerentes ao processo de precarização, como perdas de direitos trabalhistas ou dos seus usufrutos, perdas salariais, desestabilização dos vínculos empregatícios fruto das frágeis relações contratuais; a organização e as condições de trabalho dadas através de metas inalcançáveis, com a intensificação do trabalho, competitividade e rotatividade; precarização da saúde dos trabalhadores que incide sobre a saúde mental, na fragilização dos indivíduos, além da defasagem de treinamentos e políticas preventivas individuais/coletivas; enfraquecimento do reconhecimento social, sobre a valorização simbólica e do processo de construção das identidades individual/coletiva, pois, apesar do trabalho ocupar a maior parte do tempo na vida do indivíduo, é grande a dificuldade em reconhecer-se diante da alienação do trabalho, da naturalização da exploração e coisificação das relações humanas; fragilização da representação e organização coletiva sindical, dos agentes sociais, das categorias, através da minimização do enfrentamento. (SILVA, & SANTOS, 2019, p. 51).

 

Portanto, os cortes nos direitos trabalhistas revelam a precarização (proposital) das condições de trabalho, a fragmentação da classe trabalhadora, o qual reflete na coisificação das pessoas e aliena o trabalho, tendendo à refilantropização, compromentendo a saúde dos/das trabalhadores/as.

Além destes fatores, é inexistente a realização de concursos públicos para a Assistência Social, sendo o último realizado em (2010). Este fato também ratifica a prioridade dos governos municipais com o trabalho em formatos de cargos de comissão, processos seletivos simplificados ou terceirizados, o que fragmenta a classe trabalhadora, instaura a falta de estabilidade e autonomia dos/as trabalhodores/as para lutar por seus direitos trabalhistas, prevalecendo o rateio dos cargos em comissão entre aliados políticos dos governos. O enfrentamento só se dará mediante coletivo da categoria profissional através de seus órgãos representantes (conjunto CRESS-CFESS, ABEPSS, ENESSO) assumindo os interesses da categoria.

 

Essa dinâmica de flexibilização/precarização/desregulamentação atinge também as relações e o trabalho dos profissionais de nível superior que atuam em instituições públicas e privadas no campo das políticas sociais, gerando rebaixamento salarial, intensificação do trabalho, precarização dos vínculos e condições de trabalho, perda e/ou ausência de direitos sociais e trabalhistas, pressões pelo aumento de produtividade, insegurança do emprego, ausência de perspectivas de progressão na carreira, ampliação da competição entre trabalhadores, adoecimento, entre tantas outras manifestações decorrentes do aumento da exploração da força de trabalho assalariada. (RAICHELIS, 2011, p. 43).

 

No segmento dos cargos de comissão é possível notar a preocupação e a necessidade de produtividade que Raichelis (2011) cita, isso é visto como uma constante não somente na Prefeitura de Aracaju, como em outros locais. Como no caso das exonerações que saem através de um folhetim digital do Diário Oficial muitas vezes sem aviso prévio, o que geram mais incertezas quanto aos campos de trabalho.

 

A implantação do SUAS exige novas formas de regulação, organização e gestão do trabalho e, certamente, são condições essenciais a ampliação do número de trabalhadores pela via do concurso público, ao lado de processos continuados de formação e qualificação, definição de planos de carreiras, cargos e salários, de processos de avaliação e progressão, de perfis das equipes e dos serviços, além de remuneração compatível e segurança no trabalho. (RAICHELIS, 2011, p. 46).

 

Portanto, a escassez de concursos públicos somada a outras formas de desvalorização e precarização do trabalho na Assistência Social ocasionam a segmentação e desmobilização da classe trabalhadora, favorecendo a atuação fragmentada, imediatista, burocratizada e tecnocrática.

Como apontam Santos e Manfroi (2015, p. 180) “Aliados às condições objetivas do trabalho – baixos salários, contratações temporárias, precarização dos vínculos e das condições de trabalho – encontram-se, ainda, os aspectos subjetivos, quais sejam, as ideologias neoliberais, as concepções pós-modernas e neoconservadoras.”

Portanto, não são situações isoladas que dificultam as atividades laborais, como uma sala sem o devido sigilo, mas sim um conjunto de situações aplicadas ao projeto neoliberal que expropia o/a/e profissional e o expõe a riscos objetivos e subjetivos.

 

A reatualização do conservadorismo é favorecida pela precarização das condições de trabalho e da formação profissional, pela falta de preparo técnico e teórico, pela fragilização de uma consciência crítica e política, o que pode motivar a busca de respostas pragmáticas e irracionalistas, a incorporação de técnicas aparentemente úteis em um contexto fragmentário e imediatista. A categoria não está imune aos processos de alienação, à influência do medo social, à violência, em suas formas subjetivas e objetivas. (BARROCO, 2011, p. 212-213).

 

Diante disso, outra demanda constatada durante a vivência do estágio está implícita nas relações interpessoais, as quais estão caracterizadas por relações tensionadas e também precarizadas, onde podem ser evidencias situações de assédio moral, inclusive com estagiários, relações pautadas em desconfianças e receios provocando adoecimento biopsicossocial de trabalhadores/as. Estes processos podem aprofundar situações de violências institucionais como citadas acima por Barroco (2011), o que fragiliza a unidade da classe trabalhadora a serviço de uma população com demandas constantes, urgentes e imediatas que também vivenciam processos de violência estrutural, agravadas pela ideologia capitalista de destituição de direitos sociais, desfinanciamento e refilantropização da assistência.

 

Percebe-se, portanto, que as condições objetivas de trabalho incidem diretamente na subjetividade do trabalhador. Na verdade, essas diferentes dimensões compõem uma totalidade, uma relação orgânica que não pode ser compreendida separadamente. Deste modo, quando se fala em precarização do trabalho, está se falando na precarização das condições de vida e da própria reprodução da vida do trabalhador. (SANTOS, & MANFROI, 2015, p. 191).

 

Em suma, analisa-se que o trabalho com a educação permanente sofre as consequências do desfinanciamento da Política de Assistência Social, da precarização, da desvalorização do trabalho profissional, cujos rebatimentos podem ser constatados nas relações interpessoais tensionadas, competitivas/concorrentes entre si. Neste contexto, condições objetivas associam-se a condições subjetivas afentando a subjetividade de trabalhadores/as contribuindo para seu adoecimento, para enfrentar destas questãoes faz-se necessário uma coordenação de gestão do trabalho fortalecida e autônoma e articulada aos órgãos de representação da categoria profissional, inclusive, ao sindicato.

 

Diante da vivência no campo de estágio supervisionado em serviço social constatou-se que a Educação Permanente era apenas uma das demandas apresentadas à COGETEP. A continuidade da qualidade dos atendimentos comprometidos com a ética e o respeito aos Direitos Humanos, no contexto da alienação, da destituição de direitos e da refilantropização da assistência, depende de educação permanente, obviamente, mas também demanda valorização, condições objetivas e subjetivas de trabalho.

Ademais, a qualificação dos serviços socioassistenciais e a efetividade da Política de Assistência Social depende inclusive da capacidade crítica contra as bases capitalistas, patriarcalista, racistas e homofobicas. Para a compreensão da realidade são imprescindíveis ações de educação permanente qualificadas, o que cabe ao governo municipal enquanto dever de executar política pública.

Percebeu-se que a Educação Permanente, para o trabalho na Assistência Social, deve ser defendida enquanto política pública, inclusive como experiência a ser ampliada para outros setores da gestão pública, numa perspectiva de descentralizar, deve chegar aos equipamentos públicos da rede socioassistencial. Por fim, destaca-se que a Coordenação de Gestão do Trabalho e Educação Permanente deveria ser fortalecida e conquistar autonomia de modo a atuar com a finalidade estabelecida na NOB-RH/SUAS e não desmontada, diante da análise da realidade que salta aos olhos, que é a precarização do trabalho. Neste âmbito, comprovou-se que o cotidiano alimenta uma lógica de respostas imediatas e para combatê-las é necessário compromisso político do governo municipal com a efetividade da PNAS, também é necessário compromisso ético-político da categoria profissional e posicionamento crítico-dialético diante das estruturas hegemônicas de poder e de ordem capitalista, patriarcalista, sexista e racista.

O percurso do Estágio Supervisionado I abriu caminho para entender, historicamente, a importância de um setor que tem como foco a defesa dos/das trabalhadores/as da assistência social. Ter o apoio, supervisão e atenção tanto em campo quanto na academia foi de extrema importância para a transformação do estudante, pois sua visão ampliou-se através da interdisciplinaridade e do contato com os equipamentos. Lamenta-se, não somente a frustação por não aplicar o projeto de intervenção, mas, principalmente, a instabilidade dos cargos de comissão.

Contudo, mediante o desfinanciamento, a retirada da autonomia da gestão do trabalho, a desvalorização e precarização do trabalho, ou seja, desmonte proposital da gestão do trabalho na assistência social provoca incertezas quanto à qualidade do trabalho a partir da realidade compreendida sob a perspectiva das imbricações de classe, raça, gênero, sexualidade, bem como dos aspectos da territorialização, uma vez que o pragmatismo, o imediatismo deixam o trabalho puramente tecnicista e burocratizado. Além disto, faz com que as engrenagens da cultura conservadora, que definem processos de dominação-opressão de gênero, raça, LGBTQIfobia imbricados à lógica capitalista continuem funcionando, alienando e desumanizando as relações da classe trabalhadora e dos usuários/as/es da PNAS e nem ao mesmo a educação permanente tem boas perspectivas.

Em suma, desmontar e fragmentar a Gestão do Trabalho e Educação Permanente da Assistência Social fere não apenas os princípios da política, mas também evidencia os privilégios daqueles que procuram permanecer no poder e manter estruturas sociais, culturais e históricas.

 

[1] Utilizou-se como artigo a letra “e” para abranger os gêneros além do binarismo masculino e feminino, entendendo a diversidade de gênero na sociedade.

[2] Segundo Helena Hirata (2014) a articulação entre as estruturas de classe, raça e gênero devem ser discutidas a partir dos princípios da imbricação.

[3] Aprofundando as discussões sobre usuárias da PNAS, acrescenta-se também as relações de gênero dentro da lógica racial, o que dá embasamento teórico para as estatísticas reproduzidas pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) no ano de 2019. Segundo informativo do CFESS (2019) “Se corta direitos, quem é preta e pobre sente primeiro” em 2015 das 13,8 milhões de famílias do Bolsa Família 73% se autodeclararam pretas ou pardas.

[4] Segundo notícia go G1 três mulheres negras foram vítimas de trabalho escravo doméstico depois de mais de 30 anos trabalhando sem salário nem outros direitos.

[5] Segundo Bernal (2021) o Brasil é o 5º colocado no ranking mundial de feminicídio, ou seja, o homicídio ocorrido por questões de gênero. Ao passo que o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em Brasil (2020), demonstrou que a população carcerária negra aumentou de 58,4% para 66,7%, entre os anos de 2005 e 2019.

[6] Nos termos de Yazbeck (1995) a refilantropização é caracterizada pelo acesso discriminados a recursos e serviços sociais que são oriundos do Estado, porém executado por terceiro setor, instituições religiosas e/ou privadas, o que tornam as políticas inoperantes, fragmentadas, sem regras estáveis ou de reconhecimento de direitos.

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