A escola sempre foi um ambiente onde se exerceu importante colaboração social, tanto para a manutenção da sociedade quanto para o desenvolvimento pessoal de cada indivíduo através da socialização dos conhecimentos vigentes, como também um melhoramento deste para a formação de uma sociedade. Nela a criança se apresenta a segunda instituição social de sua vida – já que a família é o seu primeiro contato com um ambiente social – e ingressa em uma jornada que se propõe a interagir e dialogar com experiências acumuladas por milhares de anos de nossa civilização, embora ainda haja
conhecimentos que lutam para serem reconhecidos, tanto os saberes referentes aos povos nativos quanto os conhecimentos gerados pelos povos afro descendentes.
No entanto, para um educador ou cientista social, sempre se faz necessário o questionamento sobre qual ferramenta de pesquisa é mais apropriada para tentar dominar um assunto, sobre qual melhor método de acompanhar os desdobramentos de uma sala de aula dadas as circunstâncias. Há como principal método de aquisição de dados o survey, um método quantitativo que, baseado em estatísticas proporciona uma grande dimensão do que venha a ser o ambiente social estudado. No entanto, esse método pode não acompanhar o desenvolvimento da construção social do ambiente em que se está analisando. Considerando que “a análise das condições concretas é indispensável,” (COULON. 2017, p. 131) não se pode ignorar a importância dos métodos qualitativos quando se está em questão um ambiente em um recorte micro situacional, cuja realidade é constantemente modificada e produzida. A facilitação das metodologias qualitativas se dá graças a percepção de que “os fatos sociais são construções práticas.” (H. Garfinkel. 1967 Apud COULON. 2017, p.132) logo temos que observar também os atores dessas realidades, caso queiramos entende-la.
Nesse artigo, a sala de aula se mostrará como um ambiente passível de investigação sociológica, afinal o que é a escola ou a sala de aula senão “uma verdadeira instituição social” (COULON. 2017, p.143-144) que apresenta atores, interações simbólicas, situações, micro sociologias, enfim um reflexo da sociedade em que está envolvida, afinal a escola contribui para a socialização de uma geração, isto é, uma “ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social.” (DURKHEIM. 2012, 53-54) O que legitima a contribuição da sociologia, de suas ferramentas e seus métodos, em um espaço onde a pedagogia tem feito um grande trabalho com toda sua carga científica.
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo evidenciar a importância dos métodos qualitativos disponíveis pela etnometodologia para a aquisição de dados no ambiente escolar e o quão importante são para que tenhamos um mapeamento mais profundo sobre os acontecimentos dentro do ambiente escolar, e assim dar mais confiança aos dados tendo como participantes os estudantes e as estudantes, os professores e as professoras, e os demais atores pertencentes ao fenômeno estudado, na construção de uma pesquisa etnográfica e os resultados obtidos desta.
A natureza desta pesquisa é caracterizada como exploratória, considerando a capacidade desse tipo de pesquisa em proporcionar familiarização com o problema e o
contexto do objeto de estudo, de modo a possibilitar a construção de hipóteses e novas pesquisas (GIL. 1995). Foi conduzida por meio de revisão de literatura, a partir da contribuição de autores e autoras sobre o uso de métodos qualitativos na pesquisa etnográfica.
2 A etnometodologia e o ambiente escolar: métodos qualitativos para a aquisição de dados.
Assim como é dito por Alain Coulon (2017), a escola é uma instituição social que se projeta de forma semelhante a sociedade que a legitima. Todas as características presentes no ethos vigente são reproduzidas dentro de um espaço que é responsável por promover toda a cultura que está presente nessa própria sociedade. Portanto os saberes ali professados correspondem a diversos momentos na história da humanidade e que de certa forma contribuem para a construção do cidadão ou cidadã que ali está presente. Ao pensá-la, segundo Emily Durkheim (2011) entenderemos a escola como uma instituição socializadora, mas e se quisermos entender como vivências e saberes micro sociais são construídos nesse pequeno espaço? Se quisermos acessar saberes oriundos dos fenômenos sociais além dos conteúdos apresentados nos livros didáticos?
Já que estamos diante de um ambiente que possui alta similitude, senão reprodução fidedigna do mundo exterior a seu espaço, será interessante estudar esses comportamentos, essas interações, esses valores construídos por essas relações entre professores e estudantes, entre os estudantes. Considera-se, pois, que estas características contribuem para a formação do público discente, entregando à sociedade um indivíduo apto a socializar-se e construir uma novo modelo de sociedade de acordo com suas vivências, cuja formação é apresentada em cada estudante e derivada também das experiências dentro do ambiente micro social da escola, e essas vivências precisam de “carne e sangue”1 como diz o antropólogo Bronislaw Malinowski em seu livro Os argonautas do Pacifico Ocidental para revestir o esqueleto trazido pelas pesquisas quantitativas.
As pesquisas surveys nos trazem uma parte fundamental de uma realidade escolar, pois quantifica atores e fatos sociais de forma peremptória, auxiliando-nos a entender um
1 MALINOWSKI. 1976, p.27
fenômeno em uma sociologia positivista, categórica e neutra. No entanto se quisermos adentrar ainda mais o espaço e tentar compreender o que venha a ser a atuação de cada ator nesse ambiente micro sociológico se faz necessária a apresentação de uma sociologia compreensiva - como trazida pelo sociólogo Max Weber – a qual apresenta quais são os elementos simbólicos que constituam a realidade construída pelos atores em análise, não só a apresentação de um esqueleto robusto que não traga um partes importantes para o conhecimento de quem pratica a ação, pois essa realidade cotidiana é composta por um número de contribuições consideráveis se tivermos em mente o que cada ator traz para a situação. Para que tenhamos uma pesquisa que se pretenda ir a fundo das interações que acontece em situações cotidianas se faz necessária a observação além das estatísticas e surveys, o pesquisador ou pesquisadora pode usar “detalhes sobre as definições e interações do grupo.” (SANDSTROM. 2017, p.45)
A etnometodologia se propõe a trazer uma pesquisa mais próxima da realidade construída no interior das instituições, nos micro ambientes, nas micro situações, produzindo uma “descrição detalhada das principais características do grupo em estudo.” (SANDSTROM, 2017, p.45) Em outras palavras, concentrar os esforços de pesquisa científicos também na construção proporcionada por todos os atores e atrizes sociais, seja na escola ou em qualquer outro micro ambiente, cuja preferência do pesquisador ou pesquisadoras esteja direcionando.
Como estudarmos um comportamento que as vezes pode ser alterado devido a presença do pesquisador ou pesquisadora? Antes de mais nada o microambiente a ser estudado precisa dar confiança ao grupo de atores, e dessa forma o pesquisador precisa estar aparelhado das ferramentas de pesquisa que consigam captar o que venha ser estudado. Cada membro pertencente ao fenômeno social precisa estar livre da pressão de ser observado, precisa se sentir comodamente livre para atuar no fenômeno, para que possa atuar conforme a situação, e assim ser capaz de produzir o comportamento natural, ou pelo menos o mais próximo do natural e permitir que o pesquisador ou pesquisadora obtenham dados necessários para a percepção do fato social, e assim validar e expor seus argumentos e estudos com base em um ambiente mais próximo da realidade produzida na escola ou sala de aula.
2.1 Malinowski, Coulon, Collins: contribuições para estudo etnógrafo
Os métodos de observação de campo com grande importância no conteúdo científico tiveram como pioneiro o antropólogo Bronislaw Malinowiski, quando se aventurou a fazer um estudo de campo em uma sociedade chamada Trobriand, localizada no pacífico ocidental. Durante seus estudos etnográficos, Bronislaw Malinowski estabeleceu alguns pontos importantes para que a aquisição de dados pudesse assumir um papel auxiliar de modo científico e confiável ao pesquisador no campo. Considerando que até aquele aquele momento, grande parte dos estudos feitos sobre sociedade na Europa partiam de pressupostos fora do campo de estudos, Malinowski introduz um novo estilo de pesquisa em que a observação participante e as descrições etnográficas estão em permanente diálogo. Rompe-se, assim, com espécie de conhecimento gerado pelo cientista “de gabinete” quando não havia, de fato, uma participação no ambiente onde se formávamos fatos sociais.
As contribuições das pesquisas de campo têm como principal resultado “a força da passagem realizada por Malinowski e a transformação da visita ao mundo do ‘outro’ pelo efetivo ‘trabalho de campo’.” (ROCHA. 1988, p.28) Isso é, o outro passa a ter uma contribuição no espaço em que se aplica a pesquisa. Esse outro ou outra passa a revelar-se por meio de sua própria voz, por meio de sua própria compreensão de mundo, sua perspectiva é levada em conta à fim de ampliar os laços com o emaranhado produzido por si mesmo ou por si mesma. Emaranhado este construído por todas as formas de interações, macro social ou micro social, situacional, esporádica, como também da interação entre objeto de pesquisa e pesquisador ou pesquisadora, pois a contribuição para a pesquisa é uma forma de trazer “carne e sangue” (MALINOWSKI. 1976, p.27) para o preenchimento de algo orgânico e condizer com os agentes envolvidos.
Para Malinowski os princípios metodológicos estão divididos em três unidades, e sua aplicação prática constituem os caminhos da pesquisa etnográfica. Assim “em primeiro lugar [...] o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente científicos e conhecer os valores e critérios da etnografia moderna.” (MALINOWSKI. 1976, p. 14) Antes de iniciarmos um estudo em uma sala de aula ou na escola devemos ter em mente o que de fato iremos fazer no campo, qual a proposta de minha pesquisa? O que pretendo estudar diante dos estudantes de determinado colégio? Qual gênero se apresenta majoritariamente diante de um fenômeno social? Qual será meu verdadeiro objeto de estudo?
Com o intuito de se afastar de uma possível sociologia espontânea, um olhar carregado de bias, se faz obrigatória a aquisição de metodologias científicas que embasem
o pesquisador para que este tenha olhos treinados sociologicamente para uma percepção mais acurada do seu objeto de estudo. Além desse conhecimento se faz necessária a exaustiva concepção de problemáticas quanto o objeto de estudo e a toda a dimensão deste, tendo sempre em vista que “quanto maior for o número de problemas que leve consigo para o trabalho de campo, quanto mais esteja habituado a moldar suas teorias aos fatos [...] tanto mais estará equipado para seu trabalho de pesquisa” (MALINOWSKI. 1976, p.22). Sendo assim, a carga de informações essenciais ao trabalho em campo deve sempre estar atualizada e coerente para melhor segurança do pesquisador ou pesquisadora e resultado como similitude do real na pesquisa.
No entanto cabe a diferenciação de preparação científica, estudos preparatórios para a apresentação de pré-noções sobre o local de estudo, “as ideias preconcebidas são perniciosas a qualquer estudo científico” (MALINOWSKI. 1976, p. 22) e podem promover uma auto sabotagem quanto a percepção da realidade ali exposta. Impedindo o principal objetivo de todo e qualquer estudo científico que é a percepção do fenômeno, dentre as pré-noções, posicionamentos políticos, preconceitos quanto ao ambiente de estudo, quanto ao público de estudo, quanto ao valor da carga de conhecimento do pesquisador ou pesquisadora, mau estudo do ambiente social e mau uso das ferramentas de pesquisa preenchem um grande espaço no panteão dos vilões da pesquisa de campo. Pois o principal objetivo da pesquisa de campo é estabelecer um contorno simples e claro do ambiente social estudado “delinear as leis e os padrões de todos os fenômenos culturais, isolando de fatos irrelevantes,” (MALINOWSKI. 1976, p.24) apontando assim de forma transparente e clara o esquema básico da micro situação proposta no ambiente escolar a ser estudado.
“Em segundo lugar, deve o pesquisador assegurar boas condições de trabalho, o que significa basicamente, viver mesmo entre nativos.” (MALINOWSKI. 1976, p. 14) Para se ter melhor compreensão do ambiente escolar se faz necessária a participação e observação entre os estudantes. Aqui o pesquisador ou pesquisadora deverá tentar compreender o fenômeno em uma perspectiva interior, a partir do ambiente micro social a ser estudado.
As condições adequadas à pesquisa etnográfica se dão no cotidiano que é naturalmente feito por todos pertencentes, suas atitudes mais naturais, seus comportamentos em relação a qualquer interação, quaisquer brincadeiras, comportamentos, piadas, olhares pertencentes a sala de aula relações entre docentes e discentes, relações entre discentes, ou entre os docentes podem e vão contribuir para o
resultado da pesquisa. “Requer um afastamento dos outros” (MALINOWSKI. 1976, p.21) isto é para se entender o universo escolar através das metodologias etnográficas se faz necessário um distanciamento para que se evite que tanto outras perspectivas quanto a bias do próprio pesquisador ou própria pesquisadora interfira nos dados obtidos, não depender de unicamente de dados que não foram gerados dentro da microssituação estudada ou dados promovidos de outros atores que não pertençam ao ambiente escolar. Todas as formas de interações merecem ser relatadas, mas estas precisam estar limitadas aos atores e as situações predefinidas para o estudo etnográfico. Não cabe ao pesquisador ou pesquisadora, caso o estudo deva tratar o ambiente escolar como prioridade, não levar em conta os seus pertencentes ou os dados ali produzidos.
“É enorme a diferença entre se relacionar esporadicamente [...] e estar efetivamente em contato” (MALINOWSKI. 1976, p. 21). Para se ter uma melhor perspectiva de um fenômeno social em seu micro ambiente, se faz necessária a permanência neste por maior quantidade de tempo possível, já que quanto maior for o tempo no campo melhor será para captar todas as mudanças e acontecimentos necessários para o objetivo da pesquisa. Cada dia que se passa em contato com o ambiente de estudo traz novas variáveis que irão auxiliar a missão do pesquisador ou pesquisadora, e com uma sociedade tão complexa quanto a moderna, em cada dia aparecem novos componentes que irão validar ou contestar a hipótese do pesquisador ou da pesquisadora, no entanto “não é suficiente [...] que o etnógrafo coloque suas redes no lugar certo e fique a espera que a caça caia nela” (MALINOWSKI. 1976, p.22) o cientista ou a cientista social precisa estar atento ao ambiente escolar e buscar em cada pequeno espaço de atuação, não apenas inquerir sobre o micro ambiente, mas interpretar cada movimento, “ser um caçador ativo” como diz o autor supracitado.
Entrevistas, anotações, observações detalhadas e minuciosas, documentação concreta e estatística compõem o conjunto de ferramentas essenciais para a captação de informações. “A coleta de dados referente a grande número de dados é uma das fases principais da pesquisa de campo.” (MALINOWSKI. 1976, p.26) Quanto mais soubermos de um determinado campo antes e durante a pesquisa, maior será nossa segurança quanto nossa atividade e desempenho neste. Tudo que aparecer deverá ser imediatamente colhido, anotado e armazenado, quer sejam atitudes, comportamentos, olhares, narrativas, em razão de que, “cada fenômeno deve ser estudado a partir do maior número possível de suas manifestações concretas. Cada um deve ser estudado através de um levantamento exaustivo de exemplos detalhados.” (MALINOWSKI. 1976, p.27)
“Há uma série de fenômenos de suma importância que de forma alguma podem ser registrados apenas com o auxílio de questionários ou documentos estatísticos, mas devem ser observados em sua plena realidade”. (MALINOWSKI. 1976, p. 29) que são classificados como imponderáveis da vida real. “Os detalhes de seus cuidados corporais,” (MALINOWSKI. 1976, p.29) o modo como observa a sala de aula, se observa os estudantes, o modo como é diferente a relação entre estudantes do mesmo gênero, da mesma etnia, da mesma localidade, o modo como se dirige a palavra aos estudantes, aos professores e professoras, aos colegas, como se interagem esses simples detalhes que estão, de certa forma, distantes do alcance dos questionários e estatísticas, compõem uma parte importante de uma realidade situacional na sala de aula, elementos que “são parte integrante da essência da vida grupal,” (MALINOWSKI. 1976, p. 30) ainda que em micro situações e se apresentem como micro detalhes, estes compõem importância fundamental para a etnometodologia aplicada na sala de aula.
Por fim, se “deve aplicar certos métodos especiais de coleta, manipulação e registro da evidência” (MALINOWSKI. 1976, p. 14) Incitar por meio de questionamentos, provocações, relatos respostas subjetivas que tem relação com o fenômeno em questão, que naturalmente não seriam ditas em determinados momentos, observar reações que aparecem conforme eventos específicos no ambiente escolar e entender a motivação de determinado comportamento ou atitude. Para que além de nossas percepções, examinemos os dados de forma incisiva e tenhamos acesso a todas as possibilidades de dados referentes a nosso objeto de estudo, como será abordado mais adiantes.
Certos métodos especiais de coleta, como pesquisadores ou pesquisadoras sociais interessa-nos “apenas o que eles sentem ou pensam enquanto membros de uma dada comunidade” (MALINOWSKI. 1976, p.32) no caso o ambiente escolar como proposto pelo artigo, todo o ambiente escolar proporciona um determinado tipo de comportamento, tipo de conversa, até a linguagem utilizada se apresenta de uma forma diferente, a forma como se aborda e se alarga o vocabulário dos estudantes conforme o contato com um novo universo de possibilidades trazido pela cultura escolar, cultura científica, toda uma forma em que o estudante ou a estudante está ingressando, sua segunda instituição social, no caso a escola já que a primeira é a família, logo tais características distintas entre essas duas instituições sociais irão, de fato, moldar os indivíduos, o que atualmente tem levantado um debate sobre a possibilidade de uma educação longe das instituições
escolares, o debate sobre a educação domiciliar (o polêmico homeschooling)2, “formato educacional em que o estudante não frequenta a escola tradicional e estuda em casa.”(DIAS. 2021) Proposta em que o carácter construtor de conhecimento da escola é posto em questão e desprezado.
Como ponto de partida para uma perspectiva que nos ajude a captar o que quisemos na pesquisa de campo, devemos concernir que “o objeto de nosso estudo são os modos estereotipados de pensar e agir” (MALINOWSKI. 1976, p. 32) e para aferrar esse objeto temos que nos afastar do que os estudantes pensam e sentem como indivíduos isolados, e sim como membro pertencente a uma comunidade, pois o “ambiente social e cultural em que se movem, força-os a pensar e a sentir de maneira específica.” Por fim, devemos retratar essa experiência por meio de uma mensagem que expresse claramente esses resultados, como essa interação dentro do espaço escolar, na sala de aula ou nos intervalos se reflete? Uma vez que “descobrir o modo de pensar e sentir típicos, correspondentes às instituições e cultura de determinada comunidade, e formular os resultados de maneira vívida e convincente,” (MALINOWSKI. 1976, p.32) será de grande importância para que essa perspectiva seja compartilhada e compreendida de forma pontual.
Outro autor importante para a compreensão do que vem a ser uma pesquisa qualitativa do etnográfico, é Alain Coulon. No livro Etnometodologia e Educação o autor se propõem a abordar o ambiente educacional da sala de aula através dos olhos da etnometodologia, uma das modalidades da sociologia em que se atende o ambiente micro sociológico, e tratar todo os pertencentes como atores sociais que possuem atuações distintas e construtoras conforme se desenvolve a ação, “os estudos etnometodológicos em educação se propõem a descrever as práticas pelas quais os atores do sistema educativo, professores e alunos, mas também gestores e pais, produzem esses fenômenos reificados.” (COULON. 2017, p.127) Todos participam de forma ativa, já que os “fatos sociais são construções práticas” (H. Garfinkel. 1967. Apud COULON. 2017, p.132) logo esses estudos propostos pela etnografia “funcionam com base na hipótese interacionista de que as estruturas sociais são construções sociais” e tratam cada detalhe presente na sala de aula como uma ferramenta indeclinável a apresentação do resultado.
2 DIAS, Luccas. Educação domiciliar: críticas e defesas do homeschooling. Guia do estudante. 14 maio de 2021.Disponível em < https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/educacao-domiciliar-criticas-e-defesas-do-homeschooling/ > acessado dia 30/07/2021
Cônscios de que todos são partes importantes na confecção do estudo sociológico dentro da sala de aula, Alain Coulon (2017) disponibilizou em seu livro Etnometodologia e Educação importantes ferramentas que auxiliam os estudos:
- Disponibilidade de dados que podem ser consultados (exemplo: documentos em áudio, vídeo ou transcrição integral);
- Exaustividade do tratamento dos dados, que funciona como meio de lutar contra a tendência de explorar apenas os elementos favoráveis às hipóteses dos investigadores;
- Convergência entre pesquisadores e os participantes sobre a visão dos acontecimentos; os investigadores se asseguram de que a estrutura que descobrem nas ações é a mesma que orienta os participantes nessas ações. Utilizam-se “dispositivos de verificação”, que consistem em pedir aos participantes da pesquisa que confirme se os quadros de análise estão corretos;
- Análise interacional, que evita, ao mesmo tempo, a redução psicológica e a reificação sociológica. Considerando que a organização dos acontecimentos é socialmente construída, procura-se essa estruturação nas expressões e nos gestos dos participantes. (p. 132-133)
O método proposto supracitado se incube de lobrigar o que a visão dos participantes percebe, o que a fala do participante retrata, qual sua parte na ação e tentar entender o que os estudantes dizem, qual seu principal símbolo incluso em suas falas sobre o fenômeno do qual ele também contribui, “não somente observar, mas também descobrir o que os participantes dizem.” (COULON. 2017, p.136) Isso transforma a fala de cada ator em uma possibilidade de compreensão, um dado valoroso, caso queiramos propiciar à pesquisa mais uma variável contribuinte.
A importância do ambiente escolar sobre a vida de todos os atores e atrizes ali envolvidos e envolvidas, se dá de forma bastante perceptível, pois o sucesso ou o fracasso de cada estudante “deveria ser encontrado nas interações que se estabelecem entre o professor e cada estudante.” (COULON. 2017, p.148) Toda uma gama de possibilidades de carreiras, interações sociais, simbólicas é trazida por derivações, a exemplo da
importância que um determinado estudante tem por determinadas disciplina que se ministrada por um professor ou professora. Importante relevância para tal indivíduo pode resultar em uma paixão pela arte de professar, pela arte de pesquisar. Sabe-se que não é uma regra absoluta, mas a interação simbólica entre professores e estudantes resulta em uma parte considerável quanto ao sucesso do estudante ou da estudante, quer seja na situação presente por meio da aquisição do conteúdo ou em situações futuras, no universo acadêmico ou no mercado de trabalho.
Esses estudos ainda nos possibilitam, além de suas finalidades de pesquisa no campo sociológico ou antropológico, entender o universo escolar. Suas ferramentas científicas nos permitem interpretar a realidade da aula com perspectivas pedagógicas, dado que “os estudos etnográficos de sala de aula permitem localizar nesses fenômenos e nos incitam a criar ambientes escolares compatíveis com o trabalho de aprendizagem.” (COULON. 2017, p.149). O que deveria ser de grande serventia para o público docente, ou quaisquer profissões envolvidas no campo da educação.
Retornando aos possíveis atores envolvidos no fenômeno micro situacional, “as identidades dos alunos, assim, são construídas pelas práticas institucionais” (COULON. 2017, p. 149) Cada elemento presente no campo escolar forma a identidade de cada estudante ali presente. Seja em uma paixão proposta pela atenção especial que determinado professor ou professora traz a sua disciplina, ou em uma relação com outros estudantes de identidades semelhantes, ou ainda em interações com identidades diferentes, cada uma proporcionará uma contribuição importante para sua vivência como pertencente aquele ambiente. O conflito proporcionado pelo bullying, como exemplo mais específico, ceifa as possibilidades de interação com determinados ambientes cuja memória do estudante ou da estudante possa gerar assimilação. A maneira com que cada interação é tratada tanto pelos atores envolvidos quanto pelos espectadores ou espectadoras, definirá a personalidade da vítima, podendo de forma traumatizante.
Ainda com relação aos medidores trazidos pelos meios quantitativos, há uma grande preocupação com a distribuição de variáveis que não atendem as produções situacionais do ambiente. “A igualdade de oportunidades não deve ser medida nas estatísticas de abandono ou desempenho escolares, mas definidas dentro dos estabelecimentos.” (ROSENBAUM, J. apud COULON. 2017, p.166). Cada estabelecimento está carregado de uma miríade de possibilidades que influenciaram no desempenho de cada estudante ali ingressado. Se os estudos feitos no ambiente escolar não considerarem a singularidade desses estabelecimentos, estarão cometendo um grande
afastamento das condições reais e de suas particularidades situacionais, que podem e devem preencher um campo importante nos estudos. E dessa forma afastando a identidade e todas as variáveis que determinam e constroem a realidade micro social da escola.
Concluindo, a etnometodologia, para Alain Coulon, se trata de uma preocupação com o micro ambiente estudado, nesse caso a escola, e todas as suas unicidades. Estas são compostas por variáveis externas a instituição como também por seus componentes internos, público docente, público discente, corpo técnico e público circunvizinho à instituição escolar. “A sociologia tradicional vê nas situações instituídas o quadro que constrange nossas práticas sociais, a teoria etnometodológica, fundamentalmente construtivista, valoriza a construção social.” (COULON. 2017, p.137) Não se pode haver um estudo que traga a escola como campo de estudo sem que se levem em consideração a sua situação e composição.
Um grande sociólogo micro interacionista chamado Randall Collins também tece críticas quanto aos limites de uma sociologia positivista, embora esta ofereça dados embasados, a mesma pode não alcançar em plenitude o micro ambiente cujo sociólogo ou socióloga esteja estudando, “o acúmulo de estatísticas e de dados de survey não delineia um quadro acurado da realidade social, a não ser que sejam interpretados no seu contexto micro-situacional.” (COLLINS. 2003, p.259) Se quisermos entender o funcionamento subjacente daquela instituição escolhida, se faz necessária a vivência carregada de ferramentas etnometodológicas para que tenhamos um acesso necessário a seus construtores e suas construtoras.
Tamanha a dedicação aos estudos que tenham como palco o emaranhado social no micro mundo da escola, é também a quantidade de seus problemas encontrados para o acesso a este. O primeiro problema se dá na própria tradição da sociologia apresentada para a etnometodologia, cuja definição de Randall Collins se dá como micro sociologia, devido à proximidade com o ambiente micro situacional. E dessa modalidade de sociologia, o principal desafio encontrado por seus adeptos e adeptas “é mostra como seu ponto de partida pode explicar o que frequentemente parece ser uma cultura global fixa, é de fato um fluxo de regras e significados imputados gerado situacionalmente,” (COLLINS. 2003, p.08) em razão de que a antropologia e a sociologia tradicional afirmam totalmente o contrário, sendo que, para estas ultimas, a construção dos símbolos, dos rituais, dos costumes parte exclusivamente da estrutura macro para a micro.
Embora tenhamos uma concepção sobre a violência como algo oriundo apenas das instâncias macro, quando no atentamos a violência doméstica, uma violência
específica no trabalho, e no bullying mais especificamente, percebe-se uma legitimação por parte daqueles que a cometem em um ambiente micro. Há uma ritualização em seu ambiente micro sociológico, pois “mesmo a violência passa pelo filtro da ritualização, se é para ser um dispositivo eficaz para a dominação da situação.” (COLLINS. 2003, p 283) Encontra-se atores que possuem como símbolo de interação a violência na forma do bullying, tanto esses valentões ou essas valentonas quanto espectadores ou espectadoras compartilham com um ritual simbólico de origem consciente ou inconsciente em uma situação. E para auferir como se formam esses rituais “um pesquisador se une às pessoas que está estudando, em atividades de rotina, observando-as de forma comedida, mas sistemática, e deixando que digam com suas próprias palavras” (SANDSTROM et al. 2016, p.44) como se dá essa construção simbólica do significado e importância do bullying ou de qualquer fenômeno na sala de aula ou espaço escolar
3 Considerações Finais
Como apontado pela artigo, a formação social de um indivíduo depende das orientações que este recebe diante das mais diversas oportunidades de vivências, derivadas estas das instituições sociais de onde ele ou ela pertença, seja por seu pai, por sua mãe, ou por ambos quando a família se apresenta com pai e mãe ou ainda nas mais variadas formações, (pais e mães solteiras, casais homoafetivos, etc) cada formação contribui com essa vivência, como também das interações com os mais diversos atores sociais que se apresentam diante de sua trajetória social. E dentre estas vivências, a escola possui um papel muito importante para a formação desse indivíduo.
O interacionismo simbólico proporcionou que percebêssemos uma natureza simbólica da vida social, e assim cabe encararmos uma sociedade não como sendo apenas uma forma perfeitamente fabricada por um estrato dominante, (que em muitos casos pode caber perfeitamente em alguns “recintos” sociais) mas também como uma realidade confeccionada “pelas atividades de interação dos atores.” (BLUMMER. 1969, p.5 APUD COULON. 2017, p.72) O conjunto de estudos micro sociológicos feitos nas escolas “mostra, ao contrário dos estudo macro sociológicos, que a escola, como estabelecimento vivo, desempenha um papel ativo na construção da vida dos alunos” (COULON. 2017, p.168) E a captação dessas atuações só poderá ser tateável confortavelmente através da perspectiva da etnometodologia, caso queiramos abordar um ambiente micro sociológico.
Tendo em vista que “os fatos sociais não são suscetíveis de quantificação, já que cada um deles tem um sentido próprio, diferente dos demais, e isso torna necessário que cada caso concreto seja compreendido em sua singularidade.” (GOLDENBERG. 2004. p.18) nada tão apropriado para o micro ambiente quanto uma metodologia seus atores, atrizes e detalhes como protagonistas.
Por fim, a maneira mais próxima de se captar essa situação formada pela interação desses estudantes se dá na observação, simples ou participante, nas entrevistas e nas gravações de suas ações e relatos, pois, dessa forma, o estudante ou a estudante se sente participante da construção daquela micro situação e oferece ao pesquisador dados de extrema importância para a compreensão daquele micro ambiente, para percepção do interacionismo simbólico que possa existir neste, que é construído por cada um dos presentes, e colaborando para maior compreensão de um fato social, como por exemplo bullying. Quais atores estão envolvidos e quais são os comportamentos construtores que correspondem ao ritual simbólico que tem como construção? Então para atingir essa resposta com maior acuidade, o uso das ferramentas oferecidas pela etnometodologia é de grande relevância para esse micro ambiente escolar, ou qualquer um outro micro ambiente que o pesquisador ou pesquisadora intente desbravar.
4 Referências Bibliográficas
COULON, Alain. Os trabalhos de inspiração etnometodologia em educação. In Etnometodologia e educação. Tradução Ana Teixeira; prefácio Marilia Pontes Sposito. São Paulo/SP. Ed Cortez. 2017. p.128 -178
COLLINS, Randall. Interation Ritual Chains. Princeton USA. University of Princeton. 2003
DIAS, Luccas. Educação domiciliar: críticas e defesas do homeschooling. Guia do estudante. 14 maio de 2021. Disponível em < https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/educacao-domiciliar-criticas-e-defesas-do-homeschooling/ > acessado dia 30/07/2021
DURKHEIM, Emily. A educação Moral. Petrópolis/RJ. Ed Vozes. 2012
DURKHEIM, Emily. Educação e Sociologia. Petrópolis/RJ. Ed Vozes. 2011
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo/SP. Ed. Atlas. 1995.
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar. Rio de Janeiro/RJ. Ed Record. 2004
MALINOWSKI, Bronislaw (1976) Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultura. 1976
ROCHA, Erverado. O que é etnocentrismo. São Paulo/SP. Ed Brasiliense. 1988
SANDSTROM, Kent. FINE, Gary Alan. MARTIN, Daniel. Símbolos, Selves e Realidade Social. Petrópolis/RJ. Ed. Vozes. 2016